Em 2009 a Reserva Federal Americana entrou nos livros das contas dos bancos americanos numa operação dirigida ao estilo militar e efectuou os chamados "stress tests". O objectivo era verificar até que ponto os bancos americanos estavam preparados para enfrentar novas situações de emergência, depois de todos os sarilhos de 2008 e assim transmitir alguma tranquilidade aos mercados. Claro que a transparência nunca foi o forte da actividade bancária, nem o poderá ser nunca, pela sua própria essência. Mas que é conveniente que as entidades reguladoras tenham uma ideia clara do que se passa no interior dos bancos, lá isso também é verdade, até porque se há actividade económica que necessita de confiança como de pão para a boca é a bancária.
A situação da banca europeia também não tem estado famosa nos últimos tempos, o que se reflecte negativamente na restante actividade económica. Basta ver os últimos dados que apontam para as previsões da economia europeia e nos dizem que a pequena retoma dos últimos meses já terá terminado. A actividade bancária de apoio à actividade económica tem estado algo parada, dado que as operações inter-bancárias ainda não retomaram a sua normalidade. Os bancos continuam a recorrer ao BCE para obterem fundos, o que diz muito sobre a falta de confiança dos bancos uns nos outros.
Quando os bancos não têm confiança uns nos outros, quem terá? Perante esta situação que já dura há demasiado tempo, o "Comité das Autoridades Europeias de Supervisão Bancária" e o Banco Central Europeu organizaram uma operação de "stress test" à banca europeia. Esta acção tornou-se mais complicada do que a operação americana porque foi feita não ao estilo militar mas um pouco caoticamente e, além disso, o sistema bancário europeu é muito mais complexo que o americano. Basta dizer que na Europa foram testados 91 bancos e em Wall Street apenas 19.
E o que são os tais "stress tests" cujo nome faz lembrar exames médicos? De facto são testes realizados para verificar a capacidade de resposta dos bancos a situações que não cabem na normalidade previsível. Monta-se um cenário adverso caracterizado por exemplo, por subidas anormais do petróleo, por uma grande queda na bolsa, por uma variação súbita de taxas de juro, por uma subida exagerada dos preços das casas, etc. Vai-se aos livros dos bancos e calcula-se a reacção do capital do banco comparando o cenário adverso com o cenário habitual ou de referência. Se o rácio de capital chamado "Tier 1" estiver acima de 6%, a situação do banco é segura; se estiver abaixo, é necessária uma recapitalização do banco, para que esteja preparado para enfrentar as dificuldades.
No caso dos bancos portugueses a boa notícia é que todos os bancos sujeitos aos "stress tests" responderam de forma positiva, isto é, apresentaram valores acima daquele mínimo. Na realidade, em toda a Europa apenas 7 bancos falharam estes testes, entre os quais o gigantesco Hypo Bank Estate, curiosamente alemão.
A má notícia é que as consequências que se esperavam, de reanimação do mercado inter-bancário face à retoma previsível de confiança, ainda não se verificaram. Provavelmente porque os bancos sabem muito bem qual a sua verdadeira situação e a sua capacidade de resposta a uma nova crise. Sabem também, melhor do que ninguém, que a montagem do tal cenário mais adverso foi algo medrosa e visou acima de tudo restaurar a tal confiança, aparecendo assim aos olhos de muita gente como uma operação algo artificial e pouco realista.
A ideia do "stress test" é, contudo, bem curiosa e poderia ser seguida em muitos outros sectores. Claro que a iliteracia financeira crónica da maioria dos portugueses os impedirá de perceber o que está em causa para além da barragem "informativa" que lhes foi imposta sobre o tema. Mas até em termos pessoais todos teríamos vantagens em ensaiar os nossos próprios "stress tests" para conhecer a nossa capacidade de reacção a cenários desfavoráveis.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Agosto de 2010