Dominique Strauss Khan emergiu momentaneamente do seu
desaparecimento da vida pública para anunciar solenemente, em pleno Senado
francês, que “o sistema financeiro internacional não está na origem da crise
económico-financeira”. Palavras a ter em conta, porque vindas de alguém que foi
ministro das Finanças no seu país e foi, acima de tudo, Director Geral do FMI
até há dois anos, altura em que submergiu num mar de escândalos pessoais de
vária ordem. DSK, como é conhecido em França, defende que não é o sistema
financeiro que está errado, sendo “o comportamento dos que o utilizam o
verdadeiro problema”.
Na realidade, todos nos lembramos bem onde começou esta
crise em 2008 e foi exactamente no sistema financeiro americano, tendo
alastrado rapidamente a todo o mundo, com repercussões muito graves na nossa
União Europeia, onde continua a não querer terminar e a causar danos que
demorarão décadas a superar.
Que muitos responsáveis pelas instituições financeiras
não são de confiar, já se tinha percebido pelos comportamentos demasiado
evidentes de banqueiros sem escrúpulos com vencimentos e prémios indecorosos
ligados precisamente a objectivos de prazo imediato contrários à saúde do
sistema financeiro. A revelação do teor de conversas telefónicas durante o auge
da crise em 2008 entre responsáveis de topo de um dos maiores bancos
irlandeses, o AIB (Anglo Irish Bank) veio mostrar ao mundo como funciona o
sistema financeiro e a forma chocante como trabalham os seus maiores
“responsáveis”. O CEO do AIB fugiu da Irlanda para os Estados Unidos onde abriu
falência, para não pagar as suas dívidas pessoais ao banco, no montante de 8,5
milhões de euros.
Mas isto não é nada. No processo de resgate do banco que
começou por um valor estimado de 7,5 mil milhões de euros, o Estado assegurou
garantias de 30 mil milhões de euros que saem obviamente dos bolsos dos
contribuintes irlandeses. Como entre cá o Estado deu a mão ao BPN para “evitar
um risco sistémico” que na realidade não existia, passando rapidamente de um
valor de 400 milhões de euros para quase 8 mil milhões de euros. Para não falar
no caso estranho do investidor que conseguiu um empréstimo da CGD de quase mil
milhões de euros para comprar acções do BCP que hoje não valem nem cem milhões,
tendo a CGD aceite as próprias acções como garantia. O leitor já está mesmo a
ver quem assegura o pagamento desta “imparidade”: claro que nós todos, mais
cedo ou mais tarde, andando os responsáveis para aí a rir-se.
Poderia encher as páginas deste jornal inteiro com casos
semelhantes, só desde 2008, mas penso não valer a pena. Se os banqueiros têm
comportamentos generalizados destes é certamente porque o sistema, não só o
permite, como ainda acaba por não punir a maior parte dos prevaricadores. DSK
terá alguma razão, mas por algum motivo tenta distrair os ouvintes do
essencial: o sistema financeiro, particularmente o europeu tal como está não
serve, os responsáveis políticos não são capazes de o consertar e são os
contribuintes de todos os países que pagam tudo isto, à custa do seu modo de
vida.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 1 de Julho de 2013