Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança; Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades. Continuamente vemos novidades, Diferentes em tudo da esperança; Do mal ficam as mágoas na lembrança, E do bem, se algum houve, as saudades. O tempo cobre o chão de verde manto, Que já coberto foi de neve fria, E em mim converte em choro o doce canto. E, afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto: Que não se muda já como soía. Luís de Camões
jpaulocraveiro@ gmail.com "Por decisão do autor, o presente blogue não segue o novo Acordo Ortográfico"
segunda-feira, 5 de agosto de 2013
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
"Vencer na política não é tudo: é a única coisa"
Um dos filmes da minha vida (como se costuma dizer) foi realizado em 1976 por Alan J. Pakula com o título “os Homens do Presidente”, tendo Dustin Hoffman e Robert Redford como actores principais. O filme é sobre o caso Watergate, que resultou na renúncia de Richard Nixon à presidência dos Estados Unidos da América no dia 8 de Agosto de 1974, faz portanto esta semana 39 anos.
Recordo que o chamado caso Watergate surgiu na sequência da prisão de cinco pessoas no dia 17 de Junho de 1972 naquilo que inicialmente se pensava ser um assalto comum à sede dos Democratas no edifício Watergate em Washington; decorria então a campanha presidencial que viria a ser ganha pelo Republicano Richard Nixon que assim conseguia a sua reeleição de forma esmagadora, após a sua derrota tangencial perante John Kennedy em 1960 e a primeira vitória de 1968.
No dia seguinte ao assalto o jornal Washington Post dava a respectiva notícia, adiantando que os detidos tinham tentado fotografar documentos e colocar aparelhos de escuta na sede Democrata, tudo levando a crer que o caso ficaria por aí. No entanto, o facto de os detidos estarem ligados ao FBI e à CIA levantou suspeitas sobre se a Casa Branca teria conhecimento prévio do sucedido e se, portanto, o próprio Presidente estaria envolvido no caso. Dois jornalistas de investigação do Washington Post, Robert Woodward e Carl Bernstein agarraram no caso e não mais o largaram, com uma pertinácia incansável, afrontando a Casa Branca que se defendeu utilizando todo o seu poder político, policial e mesmo económico. Claro que contaram com a ajuda preciosa de um informador secreto, supostamente colocado no interior do aparelho policial, que lhes foi dizendo se estavam no bom caminho ou se seguiam pistas falsas, mantendo-os na pista certa que os levou no fim a deslindar toda a trama. Só em 2005 esse informador, que ficou conhecido com “garganta funda”, tornou pública a sua identidade, ficando-se assim a saber que se tratava do próprio nº 2 do FBI, Mark Felt. Esta história é ainda hoje apresentada como o exemplo maior da importância do jornalismo de investigação da verdade dos factos e um dos momentos mais altos da demonstração da força da liberdade de imprensa.
A importância deste caso e do seu desfecho é ainda maior dado que, de todos os 44 presidentes americanos eleitos até hoje, Nixon foi o único obrigado a demitir-se por exercício inapropriado do cargo. O trauma dos americanos perante a descoberta de que o seu presidente era uma pessoa em que afinal não podiam confiar é enorme e persistente até hoje. Richard Nixon, apesar de ter conseguido notáveis sucessos durante a sua presidência, como o fim da guerra do Vietname, é ainda hoje símbolo vergonhoso da má conduta de um político desonesto e mentiroso que não olha a meios para conseguir os seus fins.
O título desta crónica é precisamente uma citação de Richard Nixon, o epítome que resume todo um programa de acção política que, no seu caso, levou ao desastroso resultado bem retratado no filme de Pakula e que, obviamente, não deverá, em caso nenhum, servir de inspiração ou exemplo.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 5 de Agosto de 2013
Recordo que o chamado caso Watergate surgiu na sequência da prisão de cinco pessoas no dia 17 de Junho de 1972 naquilo que inicialmente se pensava ser um assalto comum à sede dos Democratas no edifício Watergate em Washington; decorria então a campanha presidencial que viria a ser ganha pelo Republicano Richard Nixon que assim conseguia a sua reeleição de forma esmagadora, após a sua derrota tangencial perante John Kennedy em 1960 e a primeira vitória de 1968.
No dia seguinte ao assalto o jornal Washington Post dava a respectiva notícia, adiantando que os detidos tinham tentado fotografar documentos e colocar aparelhos de escuta na sede Democrata, tudo levando a crer que o caso ficaria por aí. No entanto, o facto de os detidos estarem ligados ao FBI e à CIA levantou suspeitas sobre se a Casa Branca teria conhecimento prévio do sucedido e se, portanto, o próprio Presidente estaria envolvido no caso. Dois jornalistas de investigação do Washington Post, Robert Woodward e Carl Bernstein agarraram no caso e não mais o largaram, com uma pertinácia incansável, afrontando a Casa Branca que se defendeu utilizando todo o seu poder político, policial e mesmo económico. Claro que contaram com a ajuda preciosa de um informador secreto, supostamente colocado no interior do aparelho policial, que lhes foi dizendo se estavam no bom caminho ou se seguiam pistas falsas, mantendo-os na pista certa que os levou no fim a deslindar toda a trama. Só em 2005 esse informador, que ficou conhecido com “garganta funda”, tornou pública a sua identidade, ficando-se assim a saber que se tratava do próprio nº 2 do FBI, Mark Felt. Esta história é ainda hoje apresentada como o exemplo maior da importância do jornalismo de investigação da verdade dos factos e um dos momentos mais altos da demonstração da força da liberdade de imprensa.
A importância deste caso e do seu desfecho é ainda maior dado que, de todos os 44 presidentes americanos eleitos até hoje, Nixon foi o único obrigado a demitir-se por exercício inapropriado do cargo. O trauma dos americanos perante a descoberta de que o seu presidente era uma pessoa em que afinal não podiam confiar é enorme e persistente até hoje. Richard Nixon, apesar de ter conseguido notáveis sucessos durante a sua presidência, como o fim da guerra do Vietname, é ainda hoje símbolo vergonhoso da má conduta de um político desonesto e mentiroso que não olha a meios para conseguir os seus fins.
O título desta crónica é precisamente uma citação de Richard Nixon, o epítome que resume todo um programa de acção política que, no seu caso, levou ao desastroso resultado bem retratado no filme de Pakula e que, obviamente, não deverá, em caso nenhum, servir de inspiração ou exemplo.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 5 de Agosto de 2013
domingo, 4 de agosto de 2013
Pirâmides de Gize em 1862
Retirado de http://www.nybooks.com/blogs/nyrblog/2013/jul/06/when-ruins-were-new/?src=longreads
As primeiras fotos das ruinas do Egipto antigo, tiradas por Francis Bedford que acompanhou o futuro Eduardo VII na viagem ao médio oriente.
terça-feira, 30 de julho de 2013
Mulheres e quotas
A Lei da Paridade de 2006 veio estabelecer que as listas para
a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as Autarquias
Locais são compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33% de cada
um dos sexos. Desta forma, a cada dois elementos de uma lista de um sexo, terá
que se seguir sempre um elemento do outro sexo.
É óbvio que esta lei visa adequar a representação das
mulheres ao seu papel na sociedade, onde até será hoje superior a 50%, mas não
fugindo muito desse valor.
Quem já passou pela vida partidária sabe bem a paciência que
é necessária para aguentar com as mesmas velhas discussões em que apenas variam
os intervenientes, sendo a matéria sempre a mesma. É por isso que as mulheres,
normalmente bem mais práticas, pragmáticas e com mais que fazer fogem
desses locais, deixando um palco maioritário aos homens na política.
Quando surgem as eleições é interessante ver a forma como
se processa a aplicação da lei da paridade, tantas vezes de forma perversa para
as próprias mulheres. É assim que por vezes se vai conhecendo a constituição
das listas, mas com uns buracos nos lugares que serão obrigatoriamente preenchidos
por mulheres; mulheres que, neste caso, sairão sempre diminuidas no seu papel,
porque se cria a sensação de que só lá estarão para preencher as quotas.
Ao contrário, e felizmente, há situações em que mulheres são
convidadas pelo reconhecimento do seu valor próprio, fora das quotas e mesmo
sendo politicamente independentes. Honra a elas e a quem as convida!
segunda-feira, 29 de julho de 2013
Diga não à discriminação
O ponto central da definição do desenvolvimento de uma sociedade, qualquer sociedade, não é a sua riqueza material, mas sim a capacidade de aceitação da diferença através da não aceitação da discriminação de pessoas ou grupos. E como estamos longe, tão longe disso, mesmo numa Europa supostamente civilizada!
Nos últimos dias a ministra da Integração de Itália Cécile Kyenge, que é primeira negra a exercer funções ministeriais naquele país, foi comparada a um orangotango por um senador e viu ser lhe atirada uma banana quando fazia um discurso público. Sendo quem é, a ministra respondeu apenas que a comida não deve ser desperdiçada. O racismo está incutido na cabeça das pessoas desde o início do colonialismo, quando as diferenças culturais eram tidas como atraso. Num destes dias ia no carro e quis o acaso que ouvisse na rádio uma excelente entrevista ao Prof. Poiares Baptista, grande dermatologista e professor jubilado da fac. de Medicina da nossa Universidade. Mais uma vez explicou, com o seu conhecimento profundo do assunto, como as diferentes cores da pele são apenas isso. Essa adaptação ao meio natural não tem nada a ver com inteligência, capacidade de trabalho, afectos, nada, absolutamente nada. Até a constituição da pele é exactamente a mesma. Mas a discriminação pela cor da pele continua a ser um facto e uma vergonha para todos nós.
Na Nova Zelândia, as autoridades de imigração decidiram expulsar um homem que reside naquele país há seis anos por ter 130 quilos e não ter parâmetros de saúde aceitáveis. Das duas, uma e são ambas inaceitáveis: ou o homem tem mau aspecto por causa do seu peso e é socialmente mal visto num país que vende o desporto e da vida ar livre e saudável como indústria, ou o Estado se recusa a fornecer serviços de saúde a pessoas por serem obesas. Mais uma vez a discriminação a vir ao de cima. A indústria da moda, nas suas diversas facetas, seja do vestuário seja dos cosméticos, é responsável por incentivar a discriminação de uma forma insidiosa, mas extremamente eficaz. Precisamente porque penetra no nosso subconsciente através da publicidade, da fotografia e do próprio cinema. Propõem, ou melhor, impõem, critérios de beleza absolutamente artificiais que criam complexos e levam as pessoas a desejarem ser iguais aos manequins.
Para além da artificialidade da criação das imagens que são manipuladas ao ponto de as pessoas apresentadas serem quase irreconhecíveis ao natural, impõem modelos estereotipados que levam à segregação de quem se afasta deles. É assim que quem não é magro (mesmo que não seja obeso), quem não é alto, quem tem rugas, quem nasceu com alguma diferença, ou apenas quem não é jovem, é levado a sentir-se feio e excluído. Quando a moda até faz sentido se nos levar a sentirmo-nos bem com nós próprios e com o nosso corpo, é transformada numa ditadura dos criadores e da publicidade e mesmo na forma mais pura de descriminação.
Assistimos diariamente a muitas outras formas de discriminação. Seja pela religião, seja pelo sexo, seja pela origem social, seja pela opção política, a nossa sociedade parece que se compraz na exploração da diferença, para tentar rebaixar quem é diferente da média. O respeito pelo semelhante, isto é, por toda e cada uma das pessoas em toda a sua personalidade é, de facto, pedra de toque de civilização. Sejamos cada dia mais civilizados do que no dia anterior. Só depende de nós.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 29 de Julho de 2013
Nos últimos dias a ministra da Integração de Itália Cécile Kyenge, que é primeira negra a exercer funções ministeriais naquele país, foi comparada a um orangotango por um senador e viu ser lhe atirada uma banana quando fazia um discurso público. Sendo quem é, a ministra respondeu apenas que a comida não deve ser desperdiçada. O racismo está incutido na cabeça das pessoas desde o início do colonialismo, quando as diferenças culturais eram tidas como atraso. Num destes dias ia no carro e quis o acaso que ouvisse na rádio uma excelente entrevista ao Prof. Poiares Baptista, grande dermatologista e professor jubilado da fac. de Medicina da nossa Universidade. Mais uma vez explicou, com o seu conhecimento profundo do assunto, como as diferentes cores da pele são apenas isso. Essa adaptação ao meio natural não tem nada a ver com inteligência, capacidade de trabalho, afectos, nada, absolutamente nada. Até a constituição da pele é exactamente a mesma. Mas a discriminação pela cor da pele continua a ser um facto e uma vergonha para todos nós.
Na Nova Zelândia, as autoridades de imigração decidiram expulsar um homem que reside naquele país há seis anos por ter 130 quilos e não ter parâmetros de saúde aceitáveis. Das duas, uma e são ambas inaceitáveis: ou o homem tem mau aspecto por causa do seu peso e é socialmente mal visto num país que vende o desporto e da vida ar livre e saudável como indústria, ou o Estado se recusa a fornecer serviços de saúde a pessoas por serem obesas. Mais uma vez a discriminação a vir ao de cima. A indústria da moda, nas suas diversas facetas, seja do vestuário seja dos cosméticos, é responsável por incentivar a discriminação de uma forma insidiosa, mas extremamente eficaz. Precisamente porque penetra no nosso subconsciente através da publicidade, da fotografia e do próprio cinema. Propõem, ou melhor, impõem, critérios de beleza absolutamente artificiais que criam complexos e levam as pessoas a desejarem ser iguais aos manequins.
Para além da artificialidade da criação das imagens que são manipuladas ao ponto de as pessoas apresentadas serem quase irreconhecíveis ao natural, impõem modelos estereotipados que levam à segregação de quem se afasta deles. É assim que quem não é magro (mesmo que não seja obeso), quem não é alto, quem tem rugas, quem nasceu com alguma diferença, ou apenas quem não é jovem, é levado a sentir-se feio e excluído. Quando a moda até faz sentido se nos levar a sentirmo-nos bem com nós próprios e com o nosso corpo, é transformada numa ditadura dos criadores e da publicidade e mesmo na forma mais pura de descriminação.
Assistimos diariamente a muitas outras formas de discriminação. Seja pela religião, seja pelo sexo, seja pela origem social, seja pela opção política, a nossa sociedade parece que se compraz na exploração da diferença, para tentar rebaixar quem é diferente da média. O respeito pelo semelhante, isto é, por toda e cada uma das pessoas em toda a sua personalidade é, de facto, pedra de toque de civilização. Sejamos cada dia mais civilizados do que no dia anterior. Só depende de nós.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 29 de Julho de 2013
segunda-feira, 22 de julho de 2013
Reabilitação Urbana
A reabilitação urbana chama hoje a atenção de muita gente por várias razões: desde logo, porque os centros históricos degradados aparecem como uma chaga na cidade ao nível dos edifícios, mas também aos níveis social e económico; depois, porque a actividade da construção civil caiu a pique nos últimos anos, estando criada uma consciência social e política de que a expansão urbana das últimas décadas é insustentável. A tudo isto acresce o valor patrimonial tantas vezes identitário que, no caso de Coimbra, foi há pouco tempo considerado de interesse mundial pela Unesco.
A actividade da reabilitação urbana encontra-se regulada em termos legislativos pelo chamado “Regime Jurídico da Reabilitação Urbana” (RJRU). Uma das peças centrais são as Sociedades de Reabilitação Urbana existentes em várias cidades entre as quais Coimbra: a Coimbra Viva SRU. Ao contrário das outras SRU’s, a de Coimbra nunca dispôs de edifícios para reabilitar, nem de recursos financeiros para os adquirir e recuperar para colocar no mercado depois disso. Por isso a sua actuação foi sempre virada para a preparação dos documentos urbanísticos necessários, para o apoio aos proprietários e para encontrar parceiros financeiros para a reabilitação. Foi assim que foi constituído o primeiro Fundo de Investimento Imobiliário especial em reabilitação urbana do país em que os próprios proprietários participam e que foram delimitadas duas Áreas de Reabilitação Urbana para a Baixa e Rio (frente urbana da margem direita entre o Parque Manuel Braga e o Arnado) com os seus Programas Estratégicos aprovadas pela Assembleia Municipal em Maio último. As respectivas Operações de Reabilitação Urbana, do tipo Sistemático, têm um cronograma definido para os próximos quinze anos. O custo total previsto destas operações é de 193 milhões de euros, correspondendo 157 milhões a investimento privado e 36 a investimento público. Estas operações abrangem seis dezenas de acções concretas.
Em tempo de pré campanha eleitoral autárquica é de saudar toda a preocupação sobre esta matéria, embora muitos dos intervenientes só agora surjam a manifestar-se, quando nem participaram na discussão pública alargada que precedeu a aprovação das ARU’s. Mais vale tarde do que nunca e para quem de facto se preocupa sugere-se uma visita ao site da Coimbra Viva SRU (www.coimbraviva.pt) onde se poderá aceder a toda a informação e, provavelmente, verificar que as acções que tem em mente para a recuperação da Baixa já se encontram lá estudadas e previstas. Por fim, mas não menos importante, importa dizer que, finalmente, boa parte do financiamento para o início da reabilitação da Baixa se encontra negociado e prestes a ser disponibilizado.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 22 de Julho de 2013
segunda-feira, 15 de julho de 2013
Wagner contemporâneo
Comemoram-se este ano os duzentos anos do nascimento de Richard Wagner. Não haverá na História da Humanidade muitos expoentes culturais que tanta polémica tenham provocado pela sua própria vida e pela criação artística, em vida e durante todo o tempo até aos dias de hoje, embora Wagner tenha morrido em 1883. A sua obra, absolutamente genial, constitui, sem sombra de dúvidas, um marco na História da Música. Mas Wagner não se ficou pela composição musical. Ele próprio escrevia os libretos das suas óperas e tratava de todos os pormenores da encenação. Para obter o som que desejava, inventou mesmo alguns instrumentos musicais. Chegou ao ponto de projectar a sala de espectáculos que considerava ideal para a apresentação das suas obras em Bayreuth, onde ainda hoje se apresenta o Festival que leva o seu nome com encenações que, não raras vezes, provocam escândalo.
A música de Wagner foi utilizada em muitas situações, como por exemplo no filme “Apocalypse Now” de Francis Ford Coppola, o que levou o seu conhecimento a variados públicos. Já o aproveitamento que o regime Nazi fez das suas composições majestosas é difícil de esquecer, não sendo ainda hoje pacífico tocar Wagner em Israel, embora o compositor não tenha qualquer responsabilidade naquela utilização feita por Hitler e seus sequazes, já que morreu mais de quarenta anos antes da subida de Hitler ao poder. O simbolismo é no entanto, tão forte, que a ligação do nazismo à música de Wagner demorará muito tempo a desaparecer, principalmente junto das maiores vítimas, os judeus. Entre outros maestros o grande Daniel Baremboim tem lutado por ultrapassar esse estigma, abordando Wagner regularmente com a sua formação orquestral constituída por jovens músicos israelitas e árabes, o que tem que fazer com muito cuidado e grande tacto.
A mitologia nórdica foi utilizada por Wagner nas suas grandes peças operáticas, de que o Anel do Nibelungo é, talvez, a obra mais emblemática e complexa. O deus central é Wotan, o pai das valquírias, entre as quais Brunnhilde que amava sobre todas as outras. Era um deus também egoísta a um nível superlativo, desleal e volúvel: a sua sede de poder leva-o à total destruição à sua volta.
A simbologia nórdica não terá muito a ver com a nossa base cultural, já que os chamados bárbaros que destruíram o império romano não deixaram por cá grandes influências. Mas o que se tem passado em Portugal nas últimas semanas não deixa de fazer lembrar muito do que se passa nas obras de Wagner, sendo relativamente fácil detectar comportamentos simbolizados pelos personagens wagnerianos. O Anel termina de forma trágica com o Crepúsculo dos Deuses. Façamos votos de que, ao contrário dos deuses da mitologia germânica que agiam apenas por estados de alma, ao menos desta vez sejamos capazes de ultrapassar as dificuldades e os grandes perigos que nos espreitam com bom senso, sentido do bem comum, capacidade de entreajuda e, acima de tudo, racionalidade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 15 de Julho de 2013
A música de Wagner foi utilizada em muitas situações, como por exemplo no filme “Apocalypse Now” de Francis Ford Coppola, o que levou o seu conhecimento a variados públicos. Já o aproveitamento que o regime Nazi fez das suas composições majestosas é difícil de esquecer, não sendo ainda hoje pacífico tocar Wagner em Israel, embora o compositor não tenha qualquer responsabilidade naquela utilização feita por Hitler e seus sequazes, já que morreu mais de quarenta anos antes da subida de Hitler ao poder. O simbolismo é no entanto, tão forte, que a ligação do nazismo à música de Wagner demorará muito tempo a desaparecer, principalmente junto das maiores vítimas, os judeus. Entre outros maestros o grande Daniel Baremboim tem lutado por ultrapassar esse estigma, abordando Wagner regularmente com a sua formação orquestral constituída por jovens músicos israelitas e árabes, o que tem que fazer com muito cuidado e grande tacto.
A mitologia nórdica foi utilizada por Wagner nas suas grandes peças operáticas, de que o Anel do Nibelungo é, talvez, a obra mais emblemática e complexa. O deus central é Wotan, o pai das valquírias, entre as quais Brunnhilde que amava sobre todas as outras. Era um deus também egoísta a um nível superlativo, desleal e volúvel: a sua sede de poder leva-o à total destruição à sua volta.
A simbologia nórdica não terá muito a ver com a nossa base cultural, já que os chamados bárbaros que destruíram o império romano não deixaram por cá grandes influências. Mas o que se tem passado em Portugal nas últimas semanas não deixa de fazer lembrar muito do que se passa nas obras de Wagner, sendo relativamente fácil detectar comportamentos simbolizados pelos personagens wagnerianos. O Anel termina de forma trágica com o Crepúsculo dos Deuses. Façamos votos de que, ao contrário dos deuses da mitologia germânica que agiam apenas por estados de alma, ao menos desta vez sejamos capazes de ultrapassar as dificuldades e os grandes perigos que nos espreitam com bom senso, sentido do bem comum, capacidade de entreajuda e, acima de tudo, racionalidade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 15 de Julho de 2013
quarta-feira, 10 de julho de 2013
segunda-feira, 8 de julho de 2013
Mário Nunes: um Homem da Cultura
A gadanha do quarto cavaleiro, que este ano anda muito atarefado, levou-nos de surpresa o Senhor Dr. Mário Nunes. Homem de trato amabilíssimo, deixa uma enorme saudade em todos os que com ele privaram. E deixa Coimbra e a sua cultura mais pobre.
Antes de ser Dr. era já um verdadeiro Senhor, não precisando do título académico para se impor fosse onde fosse. Mas a sua vontade de saber mais levou-o a licenciar-se em História, área em que o seu conhecimento pessoal, fruto de pesquisa aturada e permanente, era de grande dimensão e valia.
Apesar da sua origem humilde, o seu valor pessoal não o deixou ir pelos caminhos tão frequentemente trilhados por quem se faz por si próprio: nem ganhou soberba, nem falsa humildade. Continuou sempre fiel à sua maneira de ser, simpática, colaborante e construtiva.
Foi Vereador da Cultura na Autarquia de Coimbra, onde foi frequentemente objecto de críticas mesquinhas sem conteúdo. A sua preocupação de sempre com a genuína cultura do nosso povo levava muitos profissionais da cultura a menosprezarem a sua actividade autárquica, designando o seu pelouro como sendo da cultura…popular. Nada de mais injusto. Enquanto Vereador, Mário Nunes apoiou as associações culturais e a sua actividade, desde o rancho e a filarmónica ao teatro e à música clássica com o mesmo entusiasmo e dinamismo. E nunca ninguém lhe ouviu dizer que se o povo prefere cultura simples, então que se lhe dê música pimba em vez da clássica.
Amou Coimbra como poucos e provou-o na sua intensa actividade. Desde os numerosos livros dedicados a aspectos específicos da Cidade e do seu património, ao elevadíssimo nº de artigos que deixou publicados por diversos títulos de jornais.
Mas não se ficou pela escrita, embora a ela se tenha dedicado com um entusiasmo absolutamente surpreendente.
Logo na década de oitenta dinamizou a criação do GAAC (Grupo de Arqueologia e Arte do Centro), vindo dessa altura o nosso conhecimento pessoal. Se hoje o conhecimento e a defesa do património nas suas mais diversas formas, se tornou em pedra de toque da atitude cultural, nesses tempos não tão longínquos como isso, era uma posição em que Mário Nunes não tinha assim tantos acompanhantes de jornada. Vêm daí as primeiras ideias de levar o mundo a reconhecer a importância do património da Cidade, designadamente da Alta e Universidade.
A Casa dos Pobres foi outra instituição da Cidade a que Mário Nunes entregou o seu dinamismo, tempo e esforços, sendo secretário da sua Direcção. Mário Nunes tinha também responsabilidades no Clube de Comunicação Social de Coimbra e, nos últimos anos, dedicou-se com afinco à Previdência Portuguesa. Era meu colega nos órgãos sociais da Casa de Infância Elísio de Moura.
Acima de tudo era um amigo com quem dava gosto conversar e partilhar ideias para Coimbra. Faz-nos muita falta e, infelizmente, só nos resta dizer: bem-haja Senhor Dr. Mário Nunes por tudo o que fez e nos deu.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 8 de Julho de 2013
Antes de ser Dr. era já um verdadeiro Senhor, não precisando do título académico para se impor fosse onde fosse. Mas a sua vontade de saber mais levou-o a licenciar-se em História, área em que o seu conhecimento pessoal, fruto de pesquisa aturada e permanente, era de grande dimensão e valia.
Apesar da sua origem humilde, o seu valor pessoal não o deixou ir pelos caminhos tão frequentemente trilhados por quem se faz por si próprio: nem ganhou soberba, nem falsa humildade. Continuou sempre fiel à sua maneira de ser, simpática, colaborante e construtiva.
Foi Vereador da Cultura na Autarquia de Coimbra, onde foi frequentemente objecto de críticas mesquinhas sem conteúdo. A sua preocupação de sempre com a genuína cultura do nosso povo levava muitos profissionais da cultura a menosprezarem a sua actividade autárquica, designando o seu pelouro como sendo da cultura…popular. Nada de mais injusto. Enquanto Vereador, Mário Nunes apoiou as associações culturais e a sua actividade, desde o rancho e a filarmónica ao teatro e à música clássica com o mesmo entusiasmo e dinamismo. E nunca ninguém lhe ouviu dizer que se o povo prefere cultura simples, então que se lhe dê música pimba em vez da clássica.
Amou Coimbra como poucos e provou-o na sua intensa actividade. Desde os numerosos livros dedicados a aspectos específicos da Cidade e do seu património, ao elevadíssimo nº de artigos que deixou publicados por diversos títulos de jornais.
Mas não se ficou pela escrita, embora a ela se tenha dedicado com um entusiasmo absolutamente surpreendente.
Logo na década de oitenta dinamizou a criação do GAAC (Grupo de Arqueologia e Arte do Centro), vindo dessa altura o nosso conhecimento pessoal. Se hoje o conhecimento e a defesa do património nas suas mais diversas formas, se tornou em pedra de toque da atitude cultural, nesses tempos não tão longínquos como isso, era uma posição em que Mário Nunes não tinha assim tantos acompanhantes de jornada. Vêm daí as primeiras ideias de levar o mundo a reconhecer a importância do património da Cidade, designadamente da Alta e Universidade.
A Casa dos Pobres foi outra instituição da Cidade a que Mário Nunes entregou o seu dinamismo, tempo e esforços, sendo secretário da sua Direcção. Mário Nunes tinha também responsabilidades no Clube de Comunicação Social de Coimbra e, nos últimos anos, dedicou-se com afinco à Previdência Portuguesa. Era meu colega nos órgãos sociais da Casa de Infância Elísio de Moura.
Acima de tudo era um amigo com quem dava gosto conversar e partilhar ideias para Coimbra. Faz-nos muita falta e, infelizmente, só nos resta dizer: bem-haja Senhor Dr. Mário Nunes por tudo o que fez e nos deu.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 8 de Julho de 2013
segunda-feira, 1 de julho de 2013
Anarquia financeira
Dominique Strauss Khan emergiu momentaneamente do seu
desaparecimento da vida pública para anunciar solenemente, em pleno Senado
francês, que “o sistema financeiro internacional não está na origem da crise
económico-financeira”. Palavras a ter em conta, porque vindas de alguém que foi
ministro das Finanças no seu país e foi, acima de tudo, Director Geral do FMI
até há dois anos, altura em que submergiu num mar de escândalos pessoais de
vária ordem. DSK, como é conhecido em França, defende que não é o sistema
financeiro que está errado, sendo “o comportamento dos que o utilizam o
verdadeiro problema”.
Na realidade, todos nos lembramos bem onde começou esta
crise em 2008 e foi exactamente no sistema financeiro americano, tendo
alastrado rapidamente a todo o mundo, com repercussões muito graves na nossa
União Europeia, onde continua a não querer terminar e a causar danos que
demorarão décadas a superar.
Que muitos responsáveis pelas instituições financeiras
não são de confiar, já se tinha percebido pelos comportamentos demasiado
evidentes de banqueiros sem escrúpulos com vencimentos e prémios indecorosos
ligados precisamente a objectivos de prazo imediato contrários à saúde do
sistema financeiro. A revelação do teor de conversas telefónicas durante o auge
da crise em 2008 entre responsáveis de topo de um dos maiores bancos
irlandeses, o AIB (Anglo Irish Bank) veio mostrar ao mundo como funciona o
sistema financeiro e a forma chocante como trabalham os seus maiores
“responsáveis”. O CEO do AIB fugiu da Irlanda para os Estados Unidos onde abriu
falência, para não pagar as suas dívidas pessoais ao banco, no montante de 8,5
milhões de euros.
Mas isto não é nada. No processo de resgate do banco que
começou por um valor estimado de 7,5 mil milhões de euros, o Estado assegurou
garantias de 30 mil milhões de euros que saem obviamente dos bolsos dos
contribuintes irlandeses. Como entre cá o Estado deu a mão ao BPN para “evitar
um risco sistémico” que na realidade não existia, passando rapidamente de um
valor de 400 milhões de euros para quase 8 mil milhões de euros. Para não falar
no caso estranho do investidor que conseguiu um empréstimo da CGD de quase mil
milhões de euros para comprar acções do BCP que hoje não valem nem cem milhões,
tendo a CGD aceite as próprias acções como garantia. O leitor já está mesmo a
ver quem assegura o pagamento desta “imparidade”: claro que nós todos, mais
cedo ou mais tarde, andando os responsáveis para aí a rir-se.
Poderia encher as páginas deste jornal inteiro com casos
semelhantes, só desde 2008, mas penso não valer a pena. Se os banqueiros têm
comportamentos generalizados destes é certamente porque o sistema, não só o
permite, como ainda acaba por não punir a maior parte dos prevaricadores. DSK
terá alguma razão, mas por algum motivo tenta distrair os ouvintes do
essencial: o sistema financeiro, particularmente o europeu tal como está não
serve, os responsáveis políticos não são capazes de o consertar e são os
contribuintes de todos os países que pagam tudo isto, à custa do seu modo de
vida.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 1 de Julho de 2013
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