A
Canção de Coimbra, nas suas diversas formas, é um património cultural
diferenciador e mesmo identificador da nossa Cidade. De entre os seus cultores
ao longo dos anos contam-se alguns dos maiores expoentes da música portuguesa,
quer entre os cantores, quer instrumentistas. Algumas das canções e das
composições instrumentais tornaram-se famosas no mundo inteiro e os seus
acordes iniciais remetem instantaneamente para Coimbra.
Há
cerca de um ano deixou-nos aquele que é considerado um dos expoentes na arte de
tocar guitarra à maneira de Coimbra, no que se tornou uma referência pela forma
inconfundível como o fazia, diferente de todos os outros guitarristas,
anteriores e contemporâneos. Francisco Martins aprendeu ainda criança a tocar
Guitarra com António Portugal e a sua sensibilidade própria e a dedicação ao
instrumento levaram-no a ser um executante excepcional. Mas Francisco Martins
tinha ainda uma outra qualidade inata que o distingue de todos os outros
cultores da canção de Coimbra. Era um compositor genial com a capacidade de
produzir belas melodias. Especialistas como Armando Luís de Carvalho Homem
elogiam a beleza das suas composições e a sua arte suprema como executante na
Guitarra.
Os
artistas que o acompanharam à viola ao longo da sua vida recordam com saudade e
carinho a experiência que foi tocarem com ele. Em especial, é particularmente comovente
ouvir Rui Pato, que o acompanhou desde os dezasseis anos, descrever a emoção
que era tocar com Francisco Martins, ele que é igualmente um artista notável a
tocar o seu instrumento, a guitarra clássica, tendo por isso mesmo sido
escolhido por José Afonso para o acompanhar nos seus discos imortais.
Além dos
espectáculos ao vivo, Rui Pato acompanhou Francisco Martins nos seus álbuns a
solo “Canção da Primavera” em 1986 contendo, entre outros temas, a “Canção da
Primavera”, “Despedida” e “Momento Breve” e “Primavera 2” em 1996 que inclui “a
“Dança Estival”, a “Canção da Primavera nº 2”, as “Variações em Fá Maior” e a
“Despedida”, entre outros. No seu último álbum a solo “Convívios Musicais” em
2004, Francisco Martins foi acompanhado à viola por Aníbal Moreira, experiência
que este descreve como um dos pontos mais altos da sua vida artística. Antes
destes, Francisco Martins havia editado o disco “Flores para Coimbra” em 1969,
onde era patente a sua capacidade de fazer acompanhamentos e já se fazia notar
a sua originalidade e inspiração como compositor nas obras “E alegre se fez Triste”
e “Trova da planície”, com letras de Manuel Alegre e Orlando de Carvalho,
respectivamente.
Francisco
Martins viveu a sua vida da forma discreta que escolheu, alternando a sua
actividade artística musical com o exercício da profissão, tendo sido um Médico
de reconhecido profissionalismo e saber como Chefe do Serviço de
Neurorradiologia nos Hospitais da Universidade de Coimbra.
Senhor
de um humor próprio e uma simpatia inexcedível, deixou uma profunda saudade em
todos os que tiveram a sorte de o conhecer ou ser seus amigos e o autor destas
linhas teve o privilégio de ouvir os seus comentários ao escrito nalgumas destas
crónicas e em particular, como ele dizia sorrindo “ao que lá não estando, está”.
Mas sendo um artista genial, deixou-nos as obras que compôs e gravou, que fazem
com que ele nos acompanhe em permanência, sortilégio exclusivo dos artistas.
Cultivar
a sua memória e divulgar a obra que nos deixou é um dever que sentimos ser da
Cidade que foi sua de alma e coração.
É,
pois, inteiramente justo e adequado o PRÉMIO FRANCISCO MARTINS que a Orquestra
Clássica do Centro, com o apoio da Câmara Municipal e da Livraria Almedina,
acaba de instituir para premiar anualmente autores de obras musicais, promovendo
novos valores e, simultaneamente, perpetuar a obra e o nome de Francisco
Martins. Sendo reconhecido pelos seus pares como um dos maiores executantes de
Guitarra de Coimbra e fundamentalmente um dos compositores mais notáveis da
Música de Coimbra, este será o primeiro passo para o reconhecimento que a nossa
Cidade notoriamente lhe deve como um dos seus artistas maiores.
E,
caro leitor, é enorme a satisfação do autor destas linhas por mais uma vez
poder colocar no título da crónica semanal, “Coimbra no seu Melhor” e partilhar
esse gosto com os leitores.