segunda-feira, 20 de março de 2017

O rumo da (ainda nossa) Europa







Um dos obstáculos à prossecução do caminho europeu foi ultrapassado na semana passada, com os resultados das eleições holandesas. O partido de extrema direita PVV de Gert Wilders que colocava em causa a continuidade da Holanda no Euro ou mesmo na União Europeia com as suas posições extremistas e populistas ficou longe da vitória. Apesar de ter descido na votação, ganhou o partido VVD do actual primeiro-ministro Mark Rutte, que terá agora de refazer a coligação governamental, já que o partido socialista praticamente desapareceu.
Faltam as eleições francesas em Abril e Maio e as alemãs em finais de Setembro. A campanha eleitoral francesa está paralisada pelo escândalo do candidato da direita François Fillon que ocupa todo o espaço mediático, impedindo qualquer discussão política séria entre os candidatos. Apesar do sucedido e da hecatombe da sua campanha Fillon recusou-se a desistir, deixando o campo da direita praticamente sem candidato. O jovem candidato centrista Emmanuel Macron vê-se assim numa situação que não desejava e que notoriamente o traz com um discurso algo perdido. Mesmo Marine le Pen se vê em dificuldades perante uma situação política que baralha os discursos, sem que as suas habituais propostas anti europa se sobreponham ao noticiário dos escândalos de Fillon. Os outros candidatos da esquerda Jean-Luc Mélenchon. e Benoît Hamon queixam-se de pura e simplesmente não serem ouvidos no meio do ruído mediático que abafa a campanha. Perante este cenário torna-se muito difícil fazer previsões sobre os resultados.

Na Alemanha os motores dos partidos ainda não aqueceram, havendo apenas sondagens em que, algo surpreendentemente, o social-democrata Martin Schulz que fez carreira política mais no parlamento europeu do que na Alemanha surge com intenções de voto semelhantes às de Angela Merkel. Se o resultado eleitoral do partido de extrema-direita “Alternativa para a Alemanha” (AfD) liderado por Frauke Petry permanece ainda uma incógnita, não deverá no entanto ser significativo se Le Pen sair derrotada em França. Sendo Merkel ou Schulz chanceler, há uma grande probabilidade de haver de novo uma grande coligação a governar a Alemanha de uma forma não muito diferente da actual.
Quanto à União Europeia, está notoriamente paralisada à espera dos resultados eleitorais da França e da Alemanha. Caso os populistas saiam derrotados, restará a questão do Reino Unido que, recorda-se, não integra a zona Euro, podendo então ultrapassar-se a situação pantanosa em que tem vivido no último ano.
Aí Portugal terá que enfrentar uma nova situação e deixarão de folgar as costas. O BCE tem amenizado os problemas da nossa gigantesca dívida, que continua a crescer a um ritmo preocupante, com a compra de dívida pública, ou “quantitative easing”, como forma de estímulo à economia, o que deverá cessar antes do fim do ano. Recorda-se que, mesmo com essa política do BCE, em 2016 o nosso crescimento económico ficou abaixo do previsto no Orçamento, sendo mesmo inferior ao de 2016 e os spreads da nossa dívida relativamente à alemã continuam num nível altamente crítico. No que respeita ao défice de 2016 que tem sido apresentado como tendo sido de 2,1% do PIB, já não é segredo para ninguém que esse valor não é sustentável como foi salientado pelo Conselho de Finanças Públicas, tendo sido obtido por receitas extraordinárias e por adiamento de pagamentos e um corte drástico no investimento que foi o mais baixo das últimas décadas. Num recente artigo num jornal diário nacional, o ex-deputado socialista Vítor Baptista sustentava ter sido o défice real de 3,4 na lógica da contabilidade nacional. Por alguma razão o ministro das Finanças alemão nos convidou na semana passada a verificarmos com cuidado se não vamos precisar de outro resgate. 

A União Europeia sabe muito bem o que se passa em Portugal e nas nossas contas, preferindo assobiar e olhar para o lado enquanto não se resolverem as eleições nos grandes países europeus. E depois? Bem, depois a realidade cairá em cima de nós e, eventualmente, tomará força a ideia da Europa a duas velocidades. Os países do Norte da Europa deixarão de ter razões para puxar por nós deixando de nos financiar e em pouco tempo sairemos do Euro e mesmo da União. Tal como é desejado pelos populistas de toda a Europa, (que defendem o fim da moeda única, do livre comércio, o restabelecimento das fronteiras e do controlo nacional sobre a moeda, a renegociação da dívida, etc.,) incluindo os que cá temos, que entre nós são de extrema-esquerda, e que suportam o Governo minoritário socialista.

terça-feira, 14 de março de 2017

JARDINS DE BENFICA

Assim eram os jardins de Benfica em 1785, por Jean-Baptiste Pillement



(retirado de https://mydailyartdisplay.wordpress.com/)

segunda-feira, 13 de março de 2017

Autárquicas 17: para onde vai Coimbra?


 Todos os sinais apontam para que as próximas eleições autárquicas em Coimbra venham a proporcionar aos eleitores uma inusitada possibilidade de escolha. Tal facto é, já por si, de saudar como uma capacidade da sociedade gerar dentro de si respostas para questões que, neste momento concreto, sente como vitais para a definição do futuro. O regime democrático assenta nos partidos que são a expressão política do livre associativismo, dando voz às diversas opções político/ideológicas. Mas a liberdade de expressão política não deve ser exclusiva dos partidos, razão por que existe a possibilidade de surgimento de candidaturas independentes dos partidos nas eleições autárquicas.
É hoje evidente algum cansaço eleitoral que se traduz nas taxas de abstenção que têm vindo a subir paulatinamente de acto eleitoral para acto eleitoral. A actuação dos partidos não é alheia a este abstencionismo. Particularmente a nível local fecham-se nas suas estruturas não surgindo publicamente senão em alturas de eleições. Dentro de poucos meses os conimbricenses vão ter a possibilidade de fazer uma opção dentro de um leque variado de propostas. Desde logo, os partidos tradicionais vão estar presentes com as suas candidaturas. O PCP, através da coligação CDU que há anos é a sua imagem eleitoral, vai certamente apresentar uma candidatura à semelhança das eleições anteriores, sendo o cabeça de lista à Câmara Municipal o responsável pela estrutura partidária concelhia. O resultado eleitoral da CDU não deverá ser muito diferente dos anteriores, pelo que garantirá o seu lugar na vereação, muito provavelmente para gerir aquela que muitos chamam a segunda câmara que está instalada há anos na Rua da Sofia. Como em equipa que ganha não se mexe, o PS já indicou como candidato à Câmara o seu actual presidente Manuel Machado, não devendo haver por aí grandes novidades. Manuel Machado já é bem conhecido dos conimbricenses, no que tem de bom e naquilo que tem de menos bom pelo que, a ser reeleito, o seu mandato não deverá trazer grandes surpresas de actuação e Coimbra continuará no trajecto dos últimos anos. Do lado do PSD surgiu uma candidatura cuja face é o médico Jaime Ramos que já era aguardada há anos. Desta vez regressa a coligação com o CDS e com o PPM, pelo que a possibilidade de vitória é real, atendendo a que o PSD nunca ganhou as autárquicas em Coimbra, concorrendo sozinho. Acresce que Jaime Ramos tem experiência autárquica e possui um currículo notável na área da intervenção social. A vitória da coligação dependerá, no entanto, da capacidade de afirmação para além dos partidos que a compõem, com tradução não só nas propostas, mas também na composição das equipas, que deverão afirmar-se pela qualidade e independência, mas sem perder a alma da base política que a sustenta.
Os Cidadãos por Coimbra voltarão certamente a apresentar-se nestas eleições. A sua imagem de independência está de alguma forma afectada pela preponderância do Bloco de Esquerda que toda a gente sente, malgrado a actuação verdadeiramente independente e capaz do seu actual vereador Ferreira da Silva. A hipótese de o actual representante do CPC não voltar a ser cabeça de lista e a forma como José Manuel Silva foi publicamente tratado não auguram, contudo, um resultado superior ao das últimas eleições.
A surpresa destas autárquicas reside na apresentação de uma nova candidatura independente, personalizada no candidato a presidente da Câmara, o antigo bastonário da Ordem dos Médicos José Manuel Silva. A sua imagem de independência radical e a capacidade de afirmação poderão garantir-lhe, á partida, a eleição de um ou dois vereadores. Um resultado acima disso será extremamente difícil, devendo o médico, para além das propostas que serão garantidamente de qualidade, evitar rodear-se de académicos que tradicionalmente não são muito bem recebidos pelo eleitorado de Coimbra, pese embora o factor Universidade na cidade. A comparação com o caso de Rui Moreira no Porto poderá ser enganadora já que, por detrás da sua candidatura, havia muito do mundo dos partidos, do PS ao CDS, passando por muitos apoiantes de Rui Rio no PSD.
Sendo certo que daqui até à marcação da data das eleições alguma surpresa ainda poderá surgir, o cenário inicial das autárquicas não deverá fugir muito do que aqui se deixa descrito. A partir daí, o resultado final dependerá da capacidade de afirmação das diferentes candidaturas perante as outras, aos olhos do eleitorado.


segunda-feira, 6 de março de 2017

Há doenças, ou pessoas raras?




 Todas as pessoas são diferentes e únicas, logo cada uma é a própria definição de raridade: é impossível encontrar outra completamente igual, no meio das mais de sete mil milhões de pessoas que habitam o mundo nos dias de hoje.
Além da sua raridade como ser humano, há ainda outras pessoas que têm ainda outra circunstância específica: padecem de doenças que atingem muito poucas pessoas. Tão poucas, que são no máximo uma em cada duas mil pessoas sendo, em Portugal, uma população de 600 a 800 mil pessoas. Algumas dessas doenças atingem alguns milhares de pessoas, mas outras há que não ultrapassam as escassas dezenas ou ainda menos. Daí se percebe uma das maiores dificuldades trazidas por este tipo de doenças, que é o facto de, sendo o número de doentes tão reduzido, não suscitarem um grande interesse económico na pesquisa e procura de tratamentos específicos por parte da indústria farmacêutica.
De entre as cerca de 7.000 doenças classificadas como raras, há um grupo específico que é objecto de investigação científica em Coimbra, com vista ao seu diagnóstico, conhecimento das causas e pesquisa de terapêuticas.
Integrado no Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, o Laboratório de Bioquímica Genética (LBG), faz investigação de referência nacional e internacional na área das Citopatias Mitocondriais. Trata-se de mais um laboratório na área da medicina em Coimbra, quase desconhecido do grande público, e que se afirma pela qualidade e exigência do seu trabalho de investigação.
As citopatias mitocondriais são doenças raras, ainda sem cura, ao nível das mitocôndrias que, basicamente, são as fábricas de energia do nosso organismo.
Apesar da dificuldade de encontrar material de trabalho, devido precisamente à raridade destas doenças, o LBG leva já vinte e dois anos de desenvolvimento de testes bioquímicos e genéticos numa investigação com o objectivo de encontrar métodos de diagnóstico mais capazes e de descobrir terapêuticas eficientes. A sua directora Prof. Doutora Manuela Grazina é um exemplo de entusiasmo e dedicação profissional que transforma o seu trabalho numa verdadeira missão.
No passado dia 28 de Fevereiro ocorreu o Dia Internacional das Doenças Raras e, como era em simultâneo o dia de Carnaval, Coimbra teve a possibilidade de participar num Concerto especial da Orquestra Clássica do Centro que aliou a alegria da festa do entrudo ao apoio ao LBG, dado que o valor da bilheteira lhe foi dedicado.
Na continuação da colaboração entre as duas entidades, hoje à noite no Pavilhão Centro de Portugal, vai ainda decorrer um jantar comemorativo do aniversário do Laboratório de Bioquímica Genética, sendo o valor apurado destinado também a ajudar financeiramente o LBG que necessita muito de ser apoiado.
O desconhecimento generalizado destas doenças é uma dificuldade acrescida, quer para os serviços de saúde que têm de fazer o seu diagnóstico e tratamento, quer para os familiares dos doentes que, para além da doença, têm que lidar com a falta de informação.
Por isso mesmo, a existência de um laboratório que se dedica precisamente ao estudo dessas doenças é um bem social inestimável, merecendo quem lá trabalha e se dedica a ajudar estes doentes todo o apoio dos responsáveis pela investigação em Portugal, mas também o reconhecimento dos cidadãos em geral, para além da comunidade científica.
Nestas linhas semanais tenho, com a humildade de quem observa de fora e cuja relação com a área da saúde é apenas a de utente, sublinhado a relevância para Coimbra do sector económico ligado à saúde. Mas não deveremos esquecer que esse sector só se tem afirmado porque existe por detrás uma capacidade excepcional ao nível do conhecimento e da excelência da investigação científica, como é o caso do Laboratório de Bioquímica Genética.

domingo, 5 de março de 2017

Milagres

O Presidente da República esteve mal quando, a propósito das declarações de Teodora Cardoso sobre o défice de 2016, veio apelar à sua condição de crente para dizer que, em Portugal, milagre só o de Fátima com a vinda do Papa.
Em primeiro lugar, não deve misturar o exercício da presidência com a sua fé.
Em segundo lugar, deve saber muito bem que a Igreja Católica não tem Fátima como dogma de Fé.
Em terceiro lugar, deve haver respeito pelo equilíbrio entre as diversas instituições democráticas e o conselho das Finanças Públicas é uma delas que, ainda por cima, conhece a execução orçamental muito melhor que o PR.
Em quarto lugar, quem quer ser respeitado deve respeitar os outros e não se  esquecer de que, quem anda à chuva, molha-se.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Brexit: O Reino Unido vai pagar a conta?



Há mais de meio ano que o Reino Unido e a União Europeia andam a brincar ao rato e ao gato acerca do Brexit. Esta situação está prestes a terminar. Por um lado, no Reino Unido, quer a Câmara de Lordes quer o Parlamento procederam a votações favoráveis à saída da UE e do lado desta, as condicionantes da saída surgem cada vez mais claras. Assim, tudo indica que o desencadear do Art. 50 do Tratado da UE por parte do ocorrerá no próximo mês de Março.
As negociações servirão de pano de fundo para as eleições presidenciais francesas, e as legislativas na Holanda e na Alemanha, o que evidentemente terá implicações em ambos os sentidos. Enquanto os eleitores destes países estarão atentos à forma como decorrerão essas negociações, os próprios negociadores europeus estarão de alguma forma limitados nas posições a tomar. É a primeira vez que um membro da União Europeia decide sair da União. Como é sabido, o Tratado da União contempla essa possibilidade no agora famoso Artigo 50, que na realidade teria sempre de existir, mas terá sido escrito no convencimento de que nunca seria utilizado, sendo o caminho a percorrer ainda desconhecido.
O Reino Unido pretende que a negociação se faça de forma global, isto é, discutindo as compensações financeiras em simultâneo com as questões mais duradouras e importantes, tais como futuras relações comerciais, circulação de pessoas, etc. A União pretende, já hoje de forma clara, discutir e fechar o pacote financeiro antes de partir para as negociações de todas as outras matérias. Esta questão faz toda a diferença. Existe uma probabilidade clara de que, perante a conta a pagar, se levante no reino Unido uma onda contra o Brexit que leve a um volte-face de todo o processo, através de novo referendo. Os vencedores do referendo de Junho de 2016 acenaram aos eleitores com números enganadores sobre a permanência do Reino Unido na UE, designadamente com um diferencial de fluxos de quase 500 milhões de euros desfavorável ao Reino Unido, por semana. Terá sido este número, que de resto nem é verdadeiro, o motivo principal que levou muitos britânicos a irem atrás da conversa dos populistas com Nigel Farage à cabeça: a velha questão de decidir com a mão na carteira.
Contudo, a factura que a União pretende apresentar ao Reino Unido irá cobrir os supostos custos de permanência na UE por muitos anos. Mesmo que os britânicos venham a argumentar que não é por saírem que têm que compensar a União Europeia por despesas futuras, a verdade é que todas essas despesas foram aprovadas também por eles.
O valor total da factura tem sido estimado por diversas entidades e deverá situar-se entre um mínimo de 24,5 mil milhões de euros e um máximo de 72,8 mil milhões.
Se os britânicos se recusarem a pagar, a questão seguirá para o Tribunal de Justiça e todo o processo parará, sendo que, neste caso, quem ficará a perder será o Reino Unido.
Aqueles que convenceram os britânicos de que ficariam a poupar se saíssem da União, nunca os avisaram dos custos da saída. Aliás, nem o governo britânico de Theresa May algum dia preparou os cidadãos para essa factura e o prazo de dois anos para a saída efectiva da União após a chamada do Artigo 50 é na realidade muito curto para preparar uma saída que possa minimizar todos os custos directos e indirectos. A realidade do Tratado implica que de um lado está apenas o país que quer sair e do outro os 27 que têm todos de acordar nos termos da saída e são esses que aprovam esses termos e não o que sai.
Os mais de seis meses que já decorreram desde o referendo do Brexit estão a permitir a todos os cidadãos europeus tomar consciência real dos custos da saída da União que serão para qualquer país muito superiores à manutenção. Os populistas de esquerda e de direita que conseguem os seus intentos pela defesa de um nacionalismo serôdio, pela ameaça, pelo medo e pela mentira tenderão a ficar cada vez mais expostos na sua argumentação. E certamente que as camadas da população mais jovens, já nascidas ou tornadas adultas numa Europa sem fronteiras, com livre circulação de pessoas e bens, não se conformarão em viver com fronteiras de novo instaladas que aliás nunca conheceram, incluindo os jovens britânicos.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Le pays de Cocagne




Durante a Idade Média a que muitos, erradamente como demonstrou Umberto Eco, se referem ainda como a “Idade das Trevas”, surgiu o mito do país da Cocanha, espécie de paraíso terrestre, onde a abundância fornecida pela natureza era de tal ordem que ninguém precisava de trabalhar, o que era mesmo proibido, vivendo-se numa festa permanente e perpétua, sem fome nem guerras. Uma utopia, muito antes de Thomas More, que exprimia o desejo de paz, igualdade e prosperidade universal. No país da Cocanha as casas eram feitas de doces, as montanhas de gelados, havia sempre vinho, o sexo era completamente livre e toda a gente permanecia jovem para sempre.
O país da Cocanha foi representado por Peter Bruegel-o-Velho num quadro famoso em que representantes do clero, da nobreza e do povo recebiam tudo o que queriam refastelados no chão, sem precisarem sequer de se mexer, caindo-lhes as iguarias do céu. Foi, talvez, a forma que o protestante Peter Bruegel encontrou para sublimar a destruição de Bruxelas pelos soldados do Duque de Alba enviados pelo católico Filipe II de Espanha para combater a Revolta dos Países Baixos, ou Guerra dos 80 Anos.
Já os poemas medievais Carmina Burana hoje bem conhecidos pelo trabalho de Carl Orff se lhe refeririam, retratando as danças selvagens, o amor livre, o vinho e a licenciosidade. Diversos músicos mais recentes ou da actualidade abordaram o país da cocanha nos seus temas, como Edward Elgar que escreveu uma abertura de concerto, Georges Brassens na canção “Auprès de mon arbre” e também Jacques Brel, entre outros; mesmo no filme da Disney Pocahontas se refere o Novo Mundo como terra de cocanha. Podemos ainda olhar para o movimento hippie dos anos 60 do século XX como uma espécie de concretização do país da cocanha em que todos os desejos tinham resposta imediata.

O mito do país da cocanha não deixa também de nos lembrar o paraíso bíblico em que Adão e Eva viviam na felicidade absoluta, antes de comerem a maçã, pelo que o seu surgimento não é uma novidade absoluta na História.
A persistência da mitologia do paraíso terrestre traduzido de forma artística ou mesmo subliminarmente na política deveria fazer-nos pensar na sua justificação e na enorme influência que tem tido na humanidade ao longo dos tempos, a diversos níveis, já que promessas de paraísos terrestres é coisa que não tem faltado.
Todos aprendemos que a Revolução Francesa foi um passo da humanidade no sentido do progresso. Na realidade, os desejos de Liberdade, Igualdade e Fraternidade rapidamente descambaram, não numa aproximação de um paraíso terrestre como muitos imaginaram no seu princípio, mas numa espiral de terror, assassínios e pobreza que rapidamente destruiu os seus próprios mentores terminando ingloriamente num “império” que levou a guerra e a destruição a toda a Europa. Nem Portugal, aqui neste cantinho da Europa, escapou. Isto, enquanto a Inglaterra e muitos outros países prosseguiam o seu caminho no mesmo sentido de desenvolvimento sem necessidade da hecatombe da Revolução Francesa.
Faz este ano um século que se iniciou uma das experiências mais impressivas visando a construção de um “paraíso” na Terra, sem exploradores nem explorados, em que todos seriam iguais e em que a Liberdade seria lei. O regime instituído na Rússia pelo partido, primeiro chamado bolchevique e depois comunista, que ao longo dos anos teve como líderes assassinos notórios como Lenin, Stalin, Krushchov ou Brejnev foi um dos maiores desastres da História. As suas vítimas contam-se por muitas dezenas de milhões de mortos por fome e guerra, para além da imensidão de degredados. Tudo isto, não para construir impérios assumidamente militarizados e racistas como os nazis e fascistas, mas tendo a boa intenção da construção de um “paraíso terrestre” concreto e verdadeiro.

Um pensamento minimamente racional deveria levar-nos a desconfiar de todos os que ainda hoje nos prometem paraísos terrestres, que são os populistas de todos os matizes ideológicos. Especialmente depois das experiências trágicas provocadas pela transposição para a realidade das ideologias construtoras de “homens novos”, da prosperidade universal e da paz para todos enfim conseguida.