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terça-feira, 20 de fevereiro de 2018
segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018
Um país aos tiros a si próprio
Com uma regularidade estonteante, as noticias e
imagens sobre tiroteios mortais em escolas americanas entram-nos nas televisões
de forma perturbadora. As estatísticas destes acontecimentos são impressionantes.
Só desde o início do corrente ano, houve 18 incidentes deste tipo em escolas
dos Estados Unidos e, desde o princípio de 2013, é o 291º tiroteio numa escola,
numa média aterradora de um por semana.
Na Quarta-feira da semana passada verificou-se
outro incidente, desta vez num liceu em Parkland no Sul da Florida, em que um
jovem ex-aluno daquela escola, com apenas 19 anos, matou a tiro 17 pessoas,
ferindo ainda muitas outras. Entre as vítimas contam-se alguns professores que,
de uma forma heróica, se colocaram à frente de alunos salvando-os, mas perdendo
a sua vida nesse acto. O atirador passeou-se pelos corredores da escola,
abatendo a tiro quem lhe aparecia pela frente, numa acção que, de tão repetida,
se tornou já banal e recorrente mesmo em filmes e séries policiais. Ainda há
poucas semanas tivemos oportunidade de ver um episódio da excelente série
britânica “Silent Witness” do qual este tiroteio parece tirado a papel químico.
Até a técnica de fuga do criminoso do filme introduzindo-se no meio dos
estudantes na evacuação apressada da escola e escondendo a arma num saco de
ginástica, parece ter sido transposta para a vida real.
O presidente Donald Trump dirigiu-se ao país depois do massacre, tendo-o
caracterizado como "uma violência terrível, de ódio e maldade"
causada por problemas mentais do jovem criminoso, tendo evitado qualquer
referência à questão da facilidade de acesso às armas nos Estados Unidos.
Para muitas pessoas nos EUA e essencialmente, para quem observa de fora, a
questão da posse de armas pelos cidadãos americanos deveria estar no centro da
discussão sobre estes casos. De facto, por causa da actual interpretação da célebre
“Segunda Emenda” da Constituição dos EUA, o jovem que perpetrou este ataque na
sua antiga escola comprou legalmente a espingarda semi-automática que utilizou no
atentado. Se os americanos precisam de ter 21 anos para comprar bebidas
alcoólicas, na maioria dos Estados só precisam de ter 18 anos para comprar uma
espingarda AR-15, numa demonstração de que algo vai mal naquele país para além
dos problemas mentais referidos por Trump, naquilo que mais parece uma
justificação lateral ao verdadeiro problema. Aquela arma é uma adaptação civil
da M-16, sendo muito popular nos EUA, tanto servindo para caça, para tiro desportivo
ou em “auto-defesa”, estimando-se que haja mais de 8 milhões de exemplares em
casas americanas.
A “Segunda Emenda” é utilizada pelo enorme lobby pró-armas como símbolo da
liberdade americana que incluiria um direito à auto-defesa constitucionalmente
garantido, incluindo o direito a possuir armas. Contudo, a própria justificação
da “Segunda Emenda” para garantir o “Right to Bear Arms” não parece fazer muito
sentido nos dias de hoje, sendo claramente datada, ao dar aos cidadãos
americanos dessa altura a possibilidade de possuir armas para defesa colectiva
do Estado, através de participação em milícia. Estava-se em 1791, poucos anos
depois da Declaração de Independência de 1776 e a Segunda Emenda fazia parte do
conjunto de dez emendas constitucionais que constituíram a “Declaração dos
Direitos dos Cidadãos dos Estados Unidos”.
Hoje em dia, esse Direito perdeu a função colectiva de defesa do Estado,
tendo-se transformado num direito a todos os cidadãos possuírem armas, com as
consequências que estão bem à vista de todos, menos dos que entendem que a
solução para resolver o problema dos atiradores é toda a gente ter armas para
ripostar em auto-defesa.
Os defensores do direito generalizado à posse de armas encontram muitas
justificações para estes massacres, com os problemas mentais à cabeça. Mas há
uma consideração a que não podem fugir e que é o elevadíssimo número de armas
detidas por particulares nos EUA, já que se os americanos constituem cerca de
4,4% da população mundial, possuirão 42% das armas do mundo.
Trata-se de uma questão difícil de resolver, mas um grande país como são os
Estados Unidos da América não pode deixar de o fazer, sob pena de num dia
destes o remédio vir a ser ainda pior que a actual doença.
domingo, 18 de fevereiro de 2018
segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018
Coimbra: paradigma das não-obras públicas
Um cidadão de Coimbra que seja minimamente atento
ao que se tem passado na Cidade e na sua região no que toca a obras públicas
não pode deixar de se interrogar sobre o que se passará para que sejamos tão
ostensiva e fortemente prejudicados. As acessibilidades saltam à vista, mas não
são caso único, já que vários outros investimentos são regularmente colocados
em cima da mesa para de lá saírem com rapidez sem concretização ou a meio.
Estas questões são de tal gravidade que obrigam a que sejam publicamente denunciadas
sem optimismos nem pessimismos ambos estéreis, mas com um realismo de que anda
igualmente distante qualquer estado de alma político-partidário.
Coimbra, apesar de tudo, tem alguma sorte em estar
no caminho entre Lisboa e Porto, certamente a única razão para ter bons acessos
às duas capitais metropolitanas. Já as acessibilidades rodoviárias de Coimbra
ao interior das Beiras parecem estar atadas num nó que ninguém parece ter
vontade (ou ser capaz) de desatar
A ligação em auto-estrada entre Coimbra e Viseu é
uma “necessidade urgente” desde há mais de vinte anos, passe a ironia da
expressão. O actual IP3 é uma estrada com condições gerais de circulação e de
segurança completamente desadequadas ao altíssimo nível de utilização que
apresenta. A resolução deste problema passa de governo para governo e muitos
utentes já fogem do IP3, através da A25 e da A1, com gastos maiores em
quilómetros e portagens, mas com compensação em termos de segurança. As
Infraestruturas de Portugal mantêm o corredor do IP3 entre Coimbra e Viseu como
“projecto prioritário” integrado no “Plano de Investimentos 15-20”, mas estamos
em 2018 e não se perspectiva projecto, quanto mais obra.
A A13 parou há anos de encontro a um monte no alto
de Ceira, aguardando-se que se construa o troço final para Norte, continuando
assim sem o tráfego que justificou o seu investimento e, claro, sem o
consequente retorno financeiro.
O IC6 parou num pinhal às portas de Oliveira do
Hospital, cortando as veleidades de existência de ligação rodoviária moderna e
segura entre Coimbra, a Covilhã e restante área da serra da Estrela.
No que respeita ao Metro Mondego, melhor dizendo,
ao pomposamente chamado Sistema de Mobilidade do Mondego, todos sabemos o que
se passou. Depois de serem gastos mais de cem milhões de Euros na beneficiação
da linha e estações da Linha da Lousã entre Coimbra e Serpins, o projecto foi
suspenso e o empreiteiro mandado para casa. Há quase um ano, antes das eleições
autárquicas, claro, o actual Ministro andou a percorrer as câmaras interessadas
a prometer um sistema alternativo, o MetroBus, sem carris, para o que faltariam
apenas uns estudos que estavam mesmo para sair. Até hoje, nem estudos, nem
projectos, nem financiamento garantido por completo, nem MetroBus. Aguardemos
pois, talvez, pelas próximas eleições.
A estação de comboios carinhosamente apelidada
“estação velha” continua calma e placidamente a envelhecer com os passageiros a
atravessar as linhas a pé, nos intervalos da passagem dos comboios. Como as outras
estações da Linha do Norte já foram modernizadas há anos, a de Coimbra ficou
certamente para mostrar como eram as estações em meados do século XX: até pode
ser que seja
classificada como património e a REFER comece a vender bilhetes só
para a visitar.
O novo Palácio da Justiça é outra das obras por que
Coimbra aguarda há décadas. Para que se saiba, já em tempos foi elaborado um
projecto completo para essa obra; imagino que, como teve que entregar em
Tribunal a adjudicação da elaboração desse projecto a um Arquitecto, por sinal
um grande Arquitecto de Coimbra, alterando a adjudicação inicial ilegal, o
projecto terá ido para uma gaveta e os respectivos custos e trabalho dispendido
para o lixo. Também antes das ultimas eleições autárquicas Coimbra teve a honra
de receber uma governante a prometer novos ante-projectos e estudos. Aguardemos
pois também, quem sabe, até novas eleições que têm sempre o condão de retirar
governantes dos gabinetes para percorrerem o país.
A nova cadeia penitenciária é que já se percebeu
que não vai mesmo acontecer, apesar de promessas antigas. Neste caso
continuaremos com a existente, sem possibilidades de ampliação, mesmo no
coração da Cidade, com os inconvenientes sabidos de todos.
Há quase dois anos veio outra governante a Coimbra
apresentar o projecto REVIVE, destinado a “promover e agilizar os processos de rentabilização e preservação de
património público que se encontra devoluto, tornando-o apto para afetação a
uma atividade económica com finalidade turística”. No caso, tratava-se da
integração do Mosteiro de S.ta Clara-a-Nova nesse conjunto de 33 edifícios por
todo o país; até hoje foram abertos 4 concursos, não incluindo o de Coimbra,
certamente por razões processuais, aguardando-se por novidades num dia destes,
talvez….
Alguma razão haverá para que Coimbra acumule tantas
promessas falhadas, obras prometidas não iniciadas e outras suspensas a meio.
Todas elas dependem do Governo, o actual, os anteriores e os que se lhe
seguirão. Mas algo haverá em Coimbra e região para que se aceite tudo isto
praticamente sem contestação e, certamente, sem qualquer manifestação de revolta
das populações e de quem as representa.
domingo, 11 de fevereiro de 2018
ORTODRÓMIAS E LOXODRÓMIAS
Ao contrário das viagens terrestres, em que o caminho a percorrer se encontra bem delineado por caminhos ou estradas, nas viagens marítimas e aéreas de longas distâncias exige-se a utilização de métodos que recorrem a cálculos astronómicos.
Nessas viagens é necessário conhecer as coordenadas do ponto de partida e do ponto de destino e escolher um itinerário.
Como a Terra é esférica, o itinerário tem que ser adaptado a essa
circunstância, havendo dois tipos de trajecto a escolher: derrota
ortodrómica e derrota loxodrómica (derrota é nome marítimo de percurso).
Uma ortodrómia utiliza o troço de um círculo máximo que passa pelos dois
pontos, à superfície da Terra. É um trajecto que minimiza assim a
distância a percorrer entre os dois pontos.
No entanto, como as cartas que se utilizam na navegação são planas,
sendo a de Mercator a mais utilizada, aquele trajecto aparece como uma
curva nestas cartas.
Para navegar, é necessário seguir um rumo, pelo que a ortodrómia é muito
difícil de seguir, exigindo que se estivesse permanentemente a mudar o
rumo.
O processo alternativo mais fácil é traçar uma recta entre os dois
pontos na carta plana, traçando uma loxodrómia e definindo assim um rumo
constante com um azimute fixo marcado na girobússula.
Só que o que na planta parece o trajecto mais direito, significa um
trajecto que em grande parte dos casos é muito mais longo. Pode-se fazer
uma mistura, adoptando um conjunto de loxodrómias que se aproximem mais
da ortodrómia.
A nossa vida não é uma esfera, mais se assemelhando a uma viagem com
altos e baixos. Mas também neste caso a maneira de chegar a um objectivo
não é muitas vezes aquela que à primeira vista parece a mais direita,
já que os sistemas de coordenadas em que nos movemos fazem parecer
simples o sistema terrestre já de si bem complexo.
Publicado em Janeiro de 2008 e republicado aqui
quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018
segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018
Corrupção: um imposto escondido
Há momentos em que a actualidade se nos impõe de
uma forma tão impressiva, que não podemos fugir dela, por muito que
desejássemos que a realidade da nossa sociedade de hoje fosse diferente.
Felizmente, a corrupção é vista pela esmagadora maioria
dos cidadãos como algo de errado, ainda que muitas pessoas não se apercebam do
seu profundo significado e encontrem até motivos para a sua não reprovação
completa ou mesmo desculpabilização. Não vivemos numa sociedade em que o
“bakshish” seja norma, mas há muitos afloramentos de atitudes que não andarão
muito longe. Por exemplo, todos conhecemos casos de políticos, da esquerda à
direita, que transitam entre os ministérios e as grandes empresas com o maior
dos à-vontades, demonstrando que aquilo que se dizia ser próprio de um regime
antidemocrático se verifica também em democracia, isto é, “o que interessa não
é ser ministro, é ter sido ministro”.
Por estes dias um caso de corrupção, mais
propriamente por enquanto, de suspeita de corrupção, atingiu em pleno o cerne do
último reduto da defesa da sociedade como um todo colectivo e dos cidadãos a
nível individual, que é a Justiça. Dois juízes desembargadores da Relação de
Lisboa, um homem e uma mulher, foram constituídos arguidos por suspeita de
crimes relacionados com recebimento de dinheiro em troca de decisões judiciais
favoráveis. O caso atinge tais proporções que o Conselho Superior da
Magistratura suspendeu-os por entender que, e não é um qualquer cidadão mais
revoltado que o escreve, “em ambos os
casos, indicia-se, pois, uma muito grave, dolosa e reiterada violação dos
deveres profissionais a que se encontram adstritos os magistrados judiciais,
suscetível de se repercutir na sua vida pública de forma incompatível com a
credibilidade, prestígio e dignidade indispensáveis ao respetivo exercício
funcional”.
Já tínhamos um antigo Primeiro-ministro acusado de
corrupção a aguardar julgamento, já tivemos antigos ministros condenados,
banqueiros e gestores de grandes empresas uns condenados e outros à espera de julgamento
e por aí fora, agora temos juízes desembargadores também acusados de corrupção.
Este caso dos juízes desembargadores arguidos por
suspeita de corrupção vem juntar-se a esses casos de grande notoriedade dos
últimos anos que, apesar de tudo, são a prova de que a Justiça é o grande
garante do primado da Lei e que, embora seja um lugar comum dizê-lo, funciona.
E é precisamente quando a Justiça funciona
colocando em causa os mais poderosos, seja pelo dinheiro, seja pela relevância
das suas funções como políticos ou juízes, que vemos imediatamente um exército
bem treinado saltar para a comunicação social a colocar em causa precisamente
esse funcionamento.
Desde meados da semana passada que assistimos a
especialistas em todas as televisões e nas páginas dos jornais a clamar contra
a violação do segredo de justiça e contra uma suposta judicialização da
política ou a denunciar, pasme-se, a “agenda da PGR”. Quem estiver distraído,
poderá mesmo ser levado a pensar que os arguidos são vítimas e não suspeitos de
serem criminosos e que a Democracia poderá estar a ser posta em causa, quando é
ao contrário. A comunicação social é acusada dos piores crimes por divulgar
informação sobre os processos e não os deixar ficar na sombra, enquanto
curiosamente se louvam filmes como “The Post” ou “Os Homens do Presidente” que
mais não são do que símbolos da liberdade de imprensa contra os mais poderosos.
A corrupção é algo intolerável, que deve ser
combatido por razões éticas mas também por questões de justiça social. Os actos
de corrupção constituem um saque ao bem comum, com custos para toda a
sociedade. São um imposto escondido, que todos nós acabamos por pagar, para
benefício de uns poucos. A sociedade tem vindo, e bem, a criar mecanismos de
defesa contra a corrupção, como acontece com a obrigatoriedade da existência de
um “Plano de
Gestão de Riscos de Corrupção e Infracções Conexas” em todos organismos públicos, incluindo Empresas Públicas. Mas quando são
precisamente responsáveis de topo dessas instituições a resolver usar o seu
poder para extorquir dinheiro para as suas contas pessoais, no fim são apenas
as instâncias judiciais que têm capacidade para lhes suster o passo e os
castigar. Façamos votos para que a Justiça portuguesa continue, de forma
independente e cega aos privilégios, a defender a sociedade deste roubo social
que é a corrupção.
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