segunda-feira, 22 de abril de 2019

O DÉFICE E A POLÍTICA


O que temos. Como sabemos, quando as receitas do orçamento de Estado são inferiores às suas despesas, existe défice orçamental. O Governo português chegou ao final de 2018 com um défice de 0,7% do PIB. Para este ano, as previsões apontam para um défice entre 0,2% (Governo) e 0,6% (FMI). Isto é, estamos num ponto em que praticamente não precisamos de aumentar a dívida pública para cobrir o défice e, havendo algum crescimento económico, a dívida pública poderá mesmo começar a diminuir em volume e já não apenas em função do PIB.
O que andámos para aqui chegar. O défice das contas públicas tem sido um dos maiores problemas nacionais das últimas décadas lembrando-se, por exemplo, a festa que o governo de então fez em 2008 quando apresentou um défice de 2,5% do PIB como o mais baixo de décadas. Embora pouco brilhante, foi sol de pouca dura. Logo em 2011 trepou para uns estratosféricos 11%, a que se seguiu a desgraça que se sabe. Com a austeridade violenta trazida pela troika chamada por Sócrates, o défice foi diminuindo até ao valor de 4,3% em 2015. Desde então, já com o actual governo, a trajectória decrescente do défice foi contínua, até chegar em 2018 ao valor acima indicado de 0,7% do PIB.
Como foi conseguido. Ao longo desta legislatura, a despesa corrente primária cresceu 7 mil milhões de euros, de 71 em 2015 para 78 mil milhões em 2019. Os impostos foram praticamente neutros, não havendo diminuição da carga fiscal, dado que as reduções em impostos directos foram compensadas com impostos indirectos que afectam todos os contribuintes, nomeadamente nos combustíveis. Tal significa que se teve que compensar com reduções noutras despesas. Foi o caso do investimento público que caiu de 2,3% PIB em 2015 para 2% em 2018. Por exemplo, nesta legislatura foi transferido menos dinheiro para o SNS do que entre 2011 e 2015, como mostrou um relatório recente do Tribunal de Contas. Esta prática continua tendo, na semana passada, sido anunciado um novo corte no investimento público de mais de 470 milhões ao previsto no OGE 2019. As cativações ajudaram, significando cerca de 0,3%. A descida dos juros da dívida pública deu uma ajuda crucial, significando um corte de cerca de 0,8% nas despesas. Em resumo, a redução do défice resultou, nestes 4 anos, em grande parte da diminuição da despesa com os juros da dívida e da redução drástica no investimento público. Todos percebemos que esta diminuição de despesa é conjuntural, enquanto os acréscimos na despesa (essencialmente pessoal e prestações sociais) que se verificaram são fixos. Isto é, a descida do défice corre o risco de não ser sustentável, estando sujeita ao crescimento económico que, como sabemos, é muito dependente do que se passa na Europa e no mundo. As importações têm tido um peso crescente, enquanto o peso das exportações pouco aumentou nestes últimos 4 anos, pelo que a balança de pagamentos nos é crescentemente desfavorável.
O agora e o depois. Todos nos lembramos da frase “há mais vida para além do défice”. Historicamente, a Esquerda tem tido ao longo dos tempos, relativamente à necessidade de controlo do défice, a posição ideológica que aquela frase bem resume. Ironicamente, acabou por ser com um governo do Partido Socialista apoiado na Assembleia da República pelo Partido Comunista e pelo Bloco de Esquerda que praticamente se eliminou o défice das contas públicas. Se essas contas são sãs como defende o Ministro das Finanças, isso já é outra conversa, como acima se vê, trazendo o investimento público para um nível insustentável no futuro. Mas as esquerdas, todas elas, acabaram por ser completamente comprometidas com a política da contenção do défice e com os processos utilizados para lá chegar, por mais que digam o contrário. Já a Direita viu aquela que era uma das suas posições de princípio passar a ser, daqui para diante, assumida por todos. A grande vantagem é que, finalmente, as discussões políticas poderão passar a fazer-se entre alternativas completamente dentro de parâmetros europeus actuais abandonando velharias ideológicas já atiradas para o lixo da História em todo o lado. Tal poderá mudar tudo e colocar finalmente Portugal a caminho da “outra extremidade” da listagem de riqueza do países europeus, ao contrário do que acontece há décadas e ainda hoje.

Publicado originalmente na edição do Diário de Coimbra de 22 de Abril de 2019

quinta-feira, 18 de abril de 2019

CRISE DOS COMBUSTÍVEIS

A ouvir Paulo Baldaia na TSF sobre a greve dos motoristas de transportes de matérias perigosas que, em três dias, quase pôs o país de pantanas.
Em resumo, o que ele disse: temos um grande ministro chamado Pedro Nuno Santos; a culpa do sucedido é do governo de Passos Coelho.
Não é preciso dizer mais nada sobre a independência de alguma classe jornalista.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

BREXIT: já todos perdemos


O dia 29 de Março já lá vai, 12 de Abril idem e agora será até 31 de Outubro. Esta foi a data limite definida no Conselho Europeu da passada quinta-feira para se concretizar a saída do Reino Unido da União Europeia. Foi o consenso mínimo entre o presidente francês que pretendia um prazo mais curto e os restantes líderes europeus dispostos a dar aos britânicos o prazo que quisessem. Desta forma, o Reino Unido terá que realizar ainda as eleições para o Parlamento Europeu no final de Maio mas, no caso de não haver mais adiamentos, terá que sair antes da tomada de posse da nova Comissão Europeia.
Penso não andar muito longe da realidade se disser que todo este processo era inimaginável, mesmo depois do referendo de Junho de 2016 que ditou a vontade de saída dos cidadãos britânicos da União Europeia. O prazo ditado pelo Artigo 50º encontra-se ultrapassado, o que está aceite pelos membros da EU, não tendo o governo dirigido por Theresa May conseguido fazer aprovar no parlamento britânico o acordo negociado com a EU, mas não havendo também lugar a uma saída sem acordo, aquilo a que se convencionou chamar “hard brexit”.
Por um lado, os políticos britânicos nunca se conseguiram entender quanto ao melhor processo de organizar a saída. A primeira-ministra May vê-se a braços com as críticas dos defensores da linha dura do seu partido Conservador que, sistematicamente, a levam a perder as votações no parlamento. Do lado do partido Trabalhista, é visível uma fome de alcançar o poder através de eleições imediatas, não se percebendo uma linha clara no que diz respeito à decisão sobre o Brexit. A hipótese de segundo referendo tem sido liminarmente rejeitada por May, coerente com a tradição democrática britânica de escrupuloso respeito pela vontade popular livremente manifestada pelo voto. Assim se chegou a um beco cuja saída, seja ela qual for, não se fará sem graves consequências para o futuro do que hoje é o Reino Unido.
Do lado dos 27, e pela primeira vez, houve discussão séria sobre a posição a adoptar face ao pedido britânico de adiamento do Art. 50º. O presidente Macron manifestou claramente estar farto deste processo que se sobrepõe à vida normal da União Europeia e vem agora falar de “renascimento europeu”. Mas a verdade é que ninguém obrigou o Reino Unido a sair da União, parecendo ser consensual que todos os outros países membros prefeririam que esta questão nem se tivesse colocado. Do lado dos 27 não se discute a possibilidade de renegociar o acordo alcançado o governo do Reino Unido, pelo que do seu lado, apenas se espera que os britânicos aprovem o texto acordado. Este acordo já foi levado aos Comuns por Theresa May por três vezes, tendo sido sempre rejeitado, pelo que a esperança mais ou menos expressa pelos líderes europeus e da própria União é que os britânicos acabem por enveredar pelo caminho de um segundo referendo. No fundo, esperam que suceda o mesmo que noutras situações anteriores em que segundos referendos vieram a aprovar o pretendido pelos órgãos comunitários. Não me parece nada que isso venha a suceder, em primeiro lugar pela tradição democrática britânica e em segundo lugar porque nada leva a supor que o resultado viesse a ser diferente do do primeiro.
As declarações dos líderes europeus, aliás, não ajudam em nada a mudar o sentimento do povo britânico. É o caso das afirmações do presidente do Conselho Europeu Donald Tusk quando reconhece que o seu sonho secreto é que o Brexit nunca venha a suceder no que pode ser entendido como uma pressão inadmissível pelos britânicos sempre ciosos da independência do seu país. Mas Ângela Merkel foi no mínimo incoerente ao reconhecer que o parlamento alemão Bundestag também nunca aprovaria o acordo alcançado, se fosse esse o caso. Isto é, há na União Europeia quem seja de opinião que aquele acordo é humilhante para o Reino Unido e que a União aproveitou as negociações para mostrar a todos os seus membros que a saída é uma opção a evitar, seja por quem for.
Infelizmente, a questão do Brexit está a mostrar o pior da União Europeia: a fragilidade das opiniões nacionais perante o Conselho e a Comissão, a incapacidade de negociar de forma decente e o tratamento desonroso a quem, legitimamente, a pretender abandonar. E isso é mau para todos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 15 de Abril de 2019

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Sistema político perverso

O presidente da Câmara da Figueira da Foz, eleito pelos figueirenses para exercer esse cargo, decidiu aceitar o convite para ser Secretário de Estado. Está no seu pleno direito. Contudo, ao sair, suspendeu o mandato. Isto é, se algo correr mal, isto é, se não se der bem nas funções ou o Primeiro-Ministro que sair das eleições de Outubro não o convidar de novo para o Governo, regressa às funções de Presidente da Câmara da Figueira da Foz. Isto parece uma anedota, mas não é, é real.
O sistema político português está todo virado para o interior do Estado. Se um funcionário público for nomeado para algo, no governo ou mesmo numa empresa (pública ou privada), o seu lugarzinho fica lá à espera que regresse, o que não acontece, evidentemente, a quem trabalhar numa empresa privada, porque a função tem que ser exercida e não fica à espera do regresso. Isto já é suficientemente mau. Agora que um eleito possa fazer o mesmo é que sinceramente, não passa pela cabeça de ninguém. Este comentário não tem nada a ver com o Dr. Ataíde, pessoa que muito prezo, mas sim com a perversidade de um sistema pensado apenas em favor de quem está no Estado.

quarta-feira, 10 de abril de 2019

segunda-feira, 8 de abril de 2019

QUE FINANÇA?



Enquanto em Portugal não se sai das discussões sobre os responsáveis pelos incobráveis da CGD e do antigo BES que ficaram no Novo Banco, lá fora “o mundo pula e avança” como dizia o poeta. E aquelas discussões transformaram-se em puras armas de arremesso político, em que uns se atacam, outros alijam-se de responsabilidades e outros, mais simplesmente “não têm memória”, não contribuindo em nada para a recuperação do sector financeiro.
Na realidade o sector bancário, longe que vai a crise de 2008, reformula-se por todo o mundo, indiferente às pequenas querelas dos nossos deputados e às guerrilhas entre o ministro Centeno e o seu antigo chefe Governador do Banco de Portugal.

Já sabemos que, entre nós, restam dois bancos com capital social maioritariamente nacional, a CGD e o Montepio. Todos os outros estão maioritariamente nas mãos de estrangeiros, sejam bancos ou fundos estando, portanto, cada vez mais fora da regulação nacional e sim da europeia.
E é precisamente na Europa que ainda se continuam a verificar grandes mudanças na banca. É todo um modelo de negócio que se afirma nos processos de operação dos bancos que está em profunda transformação. A fusão proposta entre o Deutsche Bank e o Commerzbank aí está para o demonstrar e radica na vontade do próprio governo alemão para que tal aconteça, receoso de uma queda acentuada do crescimento alemão, face a uma estagnação ou mesmo recessão que se pré-anuncia. O casamento dos dois bancos, já de si grandes, produzirá uma instituição financeira que será a quarta maior do continente europeu garantindo, ainda assim, menos de 15% do mercado face à fragmentação bancária europeia. Mas isso não se fará sem que surjam dezenas de milhares de desempregados, não havendo certeza de que o novo banco que surgirá terá maior capacidade para se livrar dos problemas do que cada um deles hoje tem.
A economia europeia depende essencialmente do financiamento bancário, ao contrário do que sucede nos EUA, onde as empresas têm outras fontes de financiamento, nomeadamente através das bolsas. O exemplo português é, nesta matéria, do pior que se pode encontrar. A situação da bolsa portuguesa, que é reflexo do estado deprimente da nossa economia, é tão caricata que no chamado PSI20 só há 18 empresas que cumprem os critérios necessários para lá estar; de facto, só para aquelas poucas empresas o valor das acções disponíveis para negociação em bolsa consegue ser superior a 100 milhões de euros.
É muito provável que o prolongamento no tempo da política financeira de Mario Draghi no BCE com juros muito baixos e compra de papel de dívida pública (“quantitaive easing”), embora no imediato seja muito simpática para governos de países com dívidas excessivas como Portugal, passe a certa altura a funcionar ao contrário, limitando o crescimento económico da zona euro e desses mesmos países que pretende ajudar. Os bancos poderão estar a cair na ratoeira das baixas taxas de juro e custos crescentes, vendo a sua valorização bolsista ser corroída pela descida das margens e colocando-se crescentemente sob a ameaça dos sistemas financeiros do resto do mundo, principalmente o americano, sem esquecer a China. Os bancos americanos, depois da crise de 2008, foram fortemente recapitalizados, alteraram sistemas de funcionamento e pagam hoje em dia aos depositantes mais de 3% de juro, enquanto os congéneres europeus ainda não se conseguiram livrar completamente das suas “imparidades” e pagam menos de metade aos depositantes. A Europa faria bem em olhar para o exemplo da prolongada estagnação (ou estagflacção, como alguns lhe chamam) japonesa, com todas as consequências que se conhecem.

A compra de dívida pública nacional por parte dos bancos, prática generalizada na Europa, até pode ser muito simpática para os respectivos governos. Contudo, a médio e longo prazo, é prejudicial para os próprios bancos, embora crie nos governos a “obrigação” de os salvar em caso de sarilhos, como temos visto (e sentido nas carteiras). Mas, a curto prazo, na verdade os fundos estão a ser desviados do investimento privado que sofre de falta de financiamento, assim travando o crescimento económico, a verdadeira mola do bem-estar generalizado e garantia da existência do próprio estado-social.
Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 8 de Abril de 2019

Jules Massenet – Meditation from Thaïs – Clara-Jumi Kang, violin