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terça-feira, 24 de dezembro de 2019
segunda-feira, 23 de dezembro de 2019
AMIZADE
Um dos fenómenos do nosso tempo é
o surgimento de uma nova solidão que vem disfarçada de companhia permanente. As
redes sociais, com as suas propostas de novas «amizades» com convites sempre em
número crescente conseguem dar a impressão de imensa companhia mas, na
realidade, não passam de um écran que, ao desligar, nos devolvem à realidade,
tantas vezes vazia de contacto humano. As redes sociais, seguindo a senda do
«facebook» criaram a figura dos «amigos» para designar as ligações pessoais
através da Internet que passou a ter um significado completamente diferente
daquele que tradicionalmente lhe é atribuído. Como o seu nome indica, o
funcionamento destas estruturas é em rede, pelo que os «amigos» chamam outros,
muitas vezes sugeridos pelos próprios algoritmos que lhes alimentam os motores.
Depois, uma espécie de protocolo não escrito leva a uma série de procedimentos
a seguir, no que respeita a «gosto», ou comentários e respectivas respostas, que
sugere o estabelecimento de relações com aspecto de serem especiais. Quem viveu
antes da existência e difusão destas redes à escala planetária, sabe muito bem
o que são amigos e, eventualmente, manterá alguns das suas listas da internet,
outros serão mantidos fora dessas redes. Contudo, quem tomou consciência de si já
depois do surgimento das redes sociais, isto é, os mais jovens, terá alguma
dificuldade em estabelecer claramente essa diferença, até porque grande parte
da sua vida passa-se na net tendo, por exemplo, abandonado a televisão clássica
e passado a estabelecer contactos pessoais através na internet, com prejuízo
dos contactos directos.
Quando se avança na idade,
percebe-se bem o valor das amizades estabelecidas ao longo da vida, sentindo-se
com maior peso a perda daquelas que se vão indo, mas aprendendo também a
apreciar melhor os momentos que se passam na sua companhia. Percebe-se quão
preciosos foram aqueles tempos aparentemente perdidos em conversas tantas vezes
leves, mas em que mutuamente se abriam as almas em momentos de cumplicidade e
de partilha de sentimentos. Aí nos demos uns aos outros, sem pedir nada em
troca, mas olhando-nos olhos nos olhos e, sem o saber então, construindo em nós
todos os alicerces da participação futura na sociedade.
Tenho, hoje em dia, a noção clara
de que as tentativas históricas de justificar o comportamento humano através de
teorias absolutas estão erradas e passam ao lado da complexidade dos seres que
todos nós somos. As teorias do homem naturalmente bom introduzidas por Rousseau
e que levaram ao iluminismo vieram a desembocar na construção do «homem novo»
do socialismo científico e nas teorias biológicas degeneradas de Lysenko. Pelo
contrário, os defensores da raça pura e da perfeição humana obtida pela luta
das espécies acelerada e artificial forneceram aos teóricos nazis a
justificação para a barbaridade do genocídio do holocausto.
É através de uma perfeita integração nas
diferentes sociedades, em respeito pelos direitos do outro que homens e
mulheres se podem afirmar na sua individualidade e personalidade próprias. Para
isso têm que se conhecer a si mesmos, o que só acontece com um desenvolvimento
de conhecimentos e bases culturais sólidas, mas também com um contacto directo
com outros, necessariamente diferentes. O papel da amizade, mesmo para além da
família, surge naturalmente como tendo uma importância crucial para a obtenção
de uma saudável integração social. Os amigos, não aqueles de construção rápida
que surgem e vão mas aqueles com quem construímos amizade em tempos
despreocupados, são muitas vezes, em determinados momentos da vida, aquele
apoio sem o qual nos seria muito mais difícil sair de situações pessoais de dor
e sofrimento. Tenho para mim que a actual inundação de ansiolíticos e
anti-depressivos na nossa sociedade se deverá, em boa parte, a uma degradação claramente
visível das redes sociais tradicionais que nos serviam de amparo nas
dificuldades. A nossa organização social actual está a desumanizar a sociedade.
Muitas pessoas trabalham a distâncias grandes de casa, correm durante todo o
dia para obterem ordenados medíocres que não lhes trazem satisfação nem
segurança económica e pessoal. A primeira vítima é o relacionamento familiar,
logo depois a possibilidade da satisfação da conversa calma e despreocupada com
amigos. Os raros momentos de relaxe são passados em frente do computador,
promovendo assim o crescimento do isolamento pessoal, enganado agora pelas
redes da Internet que se tornam numa prisão física e intelectual.Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Dezembro de 2019
quarta-feira, 18 de dezembro de 2019
segunda-feira, 16 de dezembro de 2019
INGLESES E EUROPEUS
Os resultados das eleições
britânicas da passada quinta-feira vieram confirmar as tendências das últimas
semanas, com a vitória do partido Conservador liderado por Boris Johnson e a
derrota do partido Trabalhista de Jeremy Corbyn. Se alguma surpresa houve tem a ver com
a dimensão da vitória dos conservadores que obtiveram o seu melhor resultado
desde Margaret Tatcher garantindo uma maioria absoluta confortável de 365
lugares num total de 650, mais 39 do que os necessários para essa maioria. Notória
foi também a pesada derrota dos trabalhistas que perderam 59 lugares, obtendo
apenas 203, o pior resultado do partido desde a Segunda Guerra.
A generalidade dos portugueses
terá ficado surpreendida pelos resultados dado que, durante a campanha a nossa
comunicação social, em geral, apresentava Boris Jonhson como um palhaço e
Jeremy Corbyn como uma pessoa respeitável em quem se podia confiar. Depois de
conhecidos os resultados apareceram as mais desencontradas justificações para
os mesmos, tentando desvalorizar o seu significado intrinsecamente político,
com uma boa dose de hipocrisia. O nosso primeiro-Ministro veio mesmo explicar que
os britânicos manifestaram «cansaço» com o processo do Brexit. Vale a pena
relembrar que a democracia inglesa é a mais antiga e estável da Europa, que
nestas eleições a taxa de participação foi de 67% (comparemos com o que se
passa por cá) e que o Governo agora escolhido o foi para 4 anos, sendo o Brexit
apenas uma das matérias da governação, ainda que muito importante e urgente.
Estas posições têm dois problemas: em primeiro lugar tentam menorizar o
eleitorado britânico que vai a eleições há muito tempo, devendo as suas escolha
democráticas ser respeitadas, ainda que não concordemos com elas; acresce ainda
que há uma grande probabilidade de esses comentários sofrerem um efeito de «boomerang»
político sobre quem os faz imaginando que os portugueses também são tão tontos
que não percebem as verdadeiras motivações que lhes estão subjacentes.
O eleitorado do Reino Unido
rejeitou com muita força o caminho que lhe era proposto por Corbyn, com um
programa político que fazia lembrar o esquerdismo dos anos 60/70 do século
passado, ressuscitando a luta de classes e a intervenção profunda do Estado na
vida económica e social. Este velho marxismo não tem nada a ver com a
social-democracia do Norte da Europa, antes remetendo para a prática de países
que, ao adoptarem esse caminho degradaram as suas economias e se empobreceram
irremediavelmente.
Lembrando aspectos do antigo trabalhismo, mas
radicalizando-os, Corbyn tentou passar por cima da História do seu próprio
país, fazendo por esquecer as razões dos sucessos eleitorais de Margaret
Tatcher e da «Terceira Via» trabalhista que se lhes seguiram. Jeremy Corbyn teve
sinuosas posições quanto à realização de eleições e as suas duvidosas (para
dizer o mínimo) posições anti-semitas também não devem ter ajudado a afirmar
uma posição de sensatez e equilíbrio. A sua vida política terá terminado neste
acto eleitoral, tendo agora o Partido Trabalhista quatro anos pela frente para
reformar toda a sua estratégia política para o país.
Boris Johnson é uma personalidade
complexa. Conseguiu obter os favores do eleitorado e, pelo lado do Parlamento,
tem uma vida facilitada pela frente. O seu maior adversário pode ser ele
próprio e a sua personalidade. Possui uma formação intelectual de grande
densidade, sendo o seu percurso académico prova disso mesmo. Contudo, ao mesmo
tempo cai sistematicamente na tentação de mentir, manipular a realidade e fá-lo
com o ar de quem tira o máximo divertimento pessoal disso.
É, agora, claro que o Brexit será
uma realidade a curto prazo. Os britânicos assim o escolheram, tendo o direito
de o fazer. Só podemos esperar que do lado do seu novo governo haja a
consciência de que o Reino Unido já não é uma potência imperial e que deverá
evitar ser uma marioneta nas mãos de Putin e Trump. Do lado da Europa, que
infelizmente volta a ser continental, façamos votos de que a atitude de tentar
castigar o país que sai seja substituída por uma atitude construtiva que
permita encontrar os melhores laços para um relacionamento mutuamente
proveitoso.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Dezembro de 2019
domingo, 15 de dezembro de 2019
quinta-feira, 12 de dezembro de 2019
quarta-feira, 11 de dezembro de 2019
terça-feira, 10 de dezembro de 2019
segunda-feira, 9 de dezembro de 2019
EUROPA, PASSADO E PRESENTE
Na próxima quinta-feira, 12 de
Dezembro, os britânicos vão votar em eleições legislativas antecipadas,
naquelas que serão as terceiras eleições em menos de 5 anos. Desde o referendo
do Brexit de Junho de 2016 que o eleitorado britânico se tornou especializado
em enganar previsões. Por outro lado, o sistema político britânico já não está
dividido apenas em dois grandes partidos, havendo quatro partidos com grande
expressão, a que acresce a questão de ser contra ou a favor do Brexit, que se
sobrepõe às opções político-ideológicas clássicas. Contudo, ao que tudo indica neste
momento, quem sairá vencedor deverá ser o partido Conservador e claro, o seu
líder e actual primeiro-Ministro Boris Jonhson. O Brexit deverá ser, assim, uma
realidade a curto prazo.
Não tenho grandes dúvidas de que,
a ser assim, todos perderemos. Perderá o Reino Unido que rapidamente descobrirá
aquilo que devia ser uma evidência anterior: os países que até agora acenaram
com a vantagem de acordos bilaterais passarão a ser concorrentes ferozes na
arena mundial. Pelo seu lado a União Europeia perderá uma das maiores economias
e, fundamentalmente, verá abrir-se uma brecha pela qual mais países, por uma
razão ou por outra, poderão ceder à tentação de ir atrás de promessas vãs de
reconquista de soberania. Finalmente, e mais importante, perderão os cidadãos
de ambos os lados que verão surgir diversos tipos de novas e antigas fronteiras
dificilmente aceitáveis pelas novas gerações que já nasceram na União.
Por mais difícil que seja de entender o desejo de muitos
britânicos de saída da União Europeia, essa posição não nos deve poder esquecer
o que foi a História da Europa nos últimos cem anos, bem como do papel que nela
aqueles desempenharam. Em Maio de 1940 as tropas nazis de Hitler invadiram os
Países Baixos e a França, entrando em Paris em 14 de Junho. Parecia que nada
podia fazer frente à barbárie alemã e, em Julho, Hitler ordenou que se
preparasse a invasão da Grã-Bretanha. Para tal, era necessário anular
previamente as defesas britânicas, pelo que os aviões alemães procederam a um
bombardeamento massivo do sul de Inglaterra. E foi aí que os britânicos
mostraram uma fibra notável, aguentando com os bombardeamentos, enquanto
milhares de pilotos da RAF se encarniçavam contra os bombardeiros alemães, na
que ficou conhecida por «Batalha de Inglaterra» que decorreu entre Junho e
Outubro de 1940. O seu heroísmo foi tal que Churchill o descreveu como «nunca
tantos deveram tanto a tão poucos» e a invasão das ilhas britânicas pelos
exércitos alemães nunca aconteceu, facto essencial para a futura libertação da
Europa do jugo nazi.
Relembro este momento da História recente da Europa porque,
sem conhecermos o passado não percebemos o presente e não podemos preparar o
futuro. Não por acaso, a paz europeia das últimas sete décadas coincide com uma
união entre os países europeus, seja por motivos meramente económicos como foi
a CEE, seja também com bases políticas como é hoje a União Europeia. A Grécia
clássica é muitas vezes apontada como a casa da democracia mais antiga tendo os
autores gregos estabelecido as bases filosóficas dessa experiência que, embora
de curta duração, ainda hoje é estudada.
Mas a Grécia antiga foi também palco
de experiências que deviam ser sabidas para melhor percebermos como funcionam e
podem acabar as uniões de países. As diversas ligas das cidades-estado funcionaram
umas vezes em volta de uma Cidade proeminente, outras vezes como defesa contra
Cidades hegemónicas. A organização interna dessas ligas adoptou diversas formas
de maior ou menor integração que podia chegar a um governo quase federal. Uma
dessas ligas, a de Epiro (300/170), tinha uma constituição federal, um
conselho, regras tributárias conjuntas, uma divisa comum e liberdade de circulação
individual.
O fim dessas ligas esteve normalmente ligado à sua divisão
interna perante problemas externos. Nós, europeus de 2019, bem poderíamos
estudar e conhecer o nosso passado longínquo, para não repetirmos erros
passados. Mas temo que isso não aconteça, em boa parte por falta de cultura,
mas também porque a política europeia é cada vez mais definida por burocratas e
financeiros que de arte política pouco conhecem e de História muito menos.
Originalmente publicado no Diário de Coimbra em 9 de Dezembro de 2019
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