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sexta-feira, 10 de julho de 2020
segunda-feira, 6 de julho de 2020
DESCONFINAR COIMBRA
O INE
publicou as suas previsões para população dos municípios do país, para 2019.
Para Coimbra o valor apontado é de 133.945, o que significa uma redução de
5,09% relativamente a 2011. Coimbra não está sozinha neste movimento de
diminuição populacional, antes pelo contrário, acompanha 86% dos concelhos do
país nessa descida. As excepções verificam-se essencialmente em concelhos das
áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, em Aveiro e mais um ou outro concelho
mais próximo de Lisboa, embora não integrado na sua área metropolitana. Já no
que respeita à colecta de IRS, Coimbra aparece em sétimo lugar depois de
Lisboa, Porto, Cascais, Sintra, Oeiras e Gaia mas com Almada e Matosinhos já muito
próximos. Não podemos deixar de verificar que, em termos de IRS per-capita,
Coimbra surge ainda na quarta posição após Lisboa, muito destacada do resto do
país e do Porto, Oeiras e Cascais. Em termos populacionais, Coimbra surge em
décimo sétimo lugar, sendo que, na região Centro, Leiria se aproxima em termos
populacionais.
Quando se
observam estatísticas e dentro delas os resultados da nossa cidade, temos que
ser criteriosos e distantes de clubites partidárias ou ideológicas, porque
estamos todos no mesmo barco, como se costuma dizer. A evolução processa-se
normalmente com alguma lentidão, mas é claramente perceptível ao longo de
algumas dezenas de anos. E a realidade é indesmentível: Coimbra há muito tempo
que deixou de ser a terceira cidade do país como até aos anos setenta do século
passado se costumava apresentar e, em muitos critérios nacionais, surge cada
vez mais abaixo na classificação das cidades portuguesas. Nada que quem tem
filhos não verifique directamente: muitos jovens com formação superior não
encontram trabalho compatível em Coimbra e são chamados para viver em Lisboa ou
têm mesmo que emigrar. Sei exactamente o que é esta constatação, porque é essa
a situação dos meus filhos que dificilmente algum dia voltarão para Coimbra e
os netos só conhecerão a cidade como curiosidade turístico/familiar.
Perante a
situação que a realidade nos transmite, em vez das fantasias e mitos que ainda
por aí andam, duas posições se nos colocam como cidadãos.
Uma delas, a
mais fácil e devo dizer que já foi adoptada por muita gente de grande qualidade
e capacidade de intervenção é a de desistir da cidade, encolher os ombros e
dizer que os conimbricenses (ou coimbrinhas como depreciativamente costumam
dizer) têm o que merecem e o futuro de Coimbra é um lento e irreversível
definhar, restando aproveitar do muito de bom que ainda tem.
A outra será
tentar apontar caminhos, soluções para inverter o caminho das últimas décadas.
Na realidade, Coimbra está na situação muito característica de cidades que se
deixam afundar perante o crescimento de metrópoles relativamente próximas e que
perdem a sua afirmação económica para essas realidades maiores sempre em
crescimento.
A sua
localização privilegiada perto da costa e entre as duas grandes áreas
metropolitanas não foi, no entanto, acompanhada pelo estabelecimento de boas
ligações viárias com o interior, o que a isola das cidades beirãs do interior.
As boas ligações rodo e ferroviárias por que Coimbra é servida devem-se apenas
a se encontrar no caminho entre Lisboa e Porto.
Para
recuperar da estagnação que tem vivido, Coimbra tem que se reinventar
estrategicamente do ponto de vista económico. Necessita de economia produtiva,
para além do Turismo e dos excelentes serviços de que dispõe. O cluster de
indústria alimentar e de bebidas que se constituiu há cerca de cem anos
desapareceu e tem que ser substituído por outro. Só assim se encontrará massa
crítica industrial que promova emprego especializado e criação de riqueza.
Para isso é
necessária e urgente a existência de uma agência que coordene todos os parques
industriais do município de forma a oferecer e manter terrenos de qualidade e
competitivos para alojar empresas produtivas. E ainda uma outra agência, esta
de desenvolvimento, que se dedique a procurar activamente, em Portugal e no
estrangeiro, empresas que se possam localizar em Coimbra, dentro de uma
estratégia de desenvolvimento de cluster.
Tudo isto com
uma colaboração activa e profunda entre o Município e a Universidade e
Politécnico, sem o que não se gerarão sinergias capazes de atrair e desenvolver
novos núcleos produtivos tecnológicos que se afirmem no contexto internacional.
Como é evidente não se trata aqui de inventar, mas
de aplicar soluções que já provaram em muitas cidades-farol que, por um motivo
ou por outro, conheceram dias maus de estagnação e souberam reinventar-se
encontrando um novo papel de relevo na economia dos seus países e mesmo
internacional, desenvolvendo sustentadamente emprego de qualidade
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Julho de 2020
sábado, 4 de julho de 2020
sexta-feira, 3 de julho de 2020
quarta-feira, 1 de julho de 2020
A Europa do Norte não é solidária? Uma perspetiva holandesa
Artigo de Ramon O’Callaghan, "dean" da Business Scool do Porto, mo Negócios de 1 Julho 2020, a ler com muita atenção para entender melhor o que se passa na União Europeia:
« No Financial Times de 16 de junho, Mark Rutte, o primeiro-ministro holandês e os líderes da Áustria, Dinamarca e Suécia publicaram um artigo apelando para um “nível realista de despesas” e para que todo este dinheiro seja um empréstimo, não uma doação.
A chanceler alemã e o Presidente francês querem dar 500 mil milhões de euros aos países da UE mais afetados economicamente pelo “lockdown” da covid-19, especialmente os do Sul da Europa. Pretende-se que este fundo constitua uma doação incondicional. Com ele, a Alemanha está “a atravessar o Rubicão”. Pela primeira vez, está disposta a transferir dinheiro para o Sul da Europa. Embora a maioria dos Estados-membros da UE pareça apoiar a proposta, os chamados “Quatro Frugais” (Áustria, Dinamarca, Holanda e Suécia) estão contra.
Um artigo recente na revista holandesa Elsevier argumenta que esta proposta é perversa, pois os países do Sul da Europa (particularmente França e Itália) não são, de modo algum, pobres e têm acesso a dinheiro. De acordo com o Credit Suisse Global Wealth Report (a referência no que toca à avaliação de riqueza doméstica global), os alemães são menos ricos do que os franceses e os italianos. A riqueza média dos franceses é de 276.121 euros, e a dos italianos é de 234.139 euros. Mas para os alemães é de 216.654 euros. Assim, os alemães são, em média, mais pobres do que os franceses e os italianos. Os holandeses são um pouco mais ricos (279. 077 euros).
De acordo com a mesma revista, o que os holandeses acham mais estranho é a acusação do Presidente francês, Emmanuel Macron, e do primeiro-ministro italiano, Guiseppe Conte, de que a Europa do Norte não é solidária. Isto é um disparate. A Alemanha sempre foi um contribuinte líquido para a União Europeia e para os seus antecessores. E a Holanda é, per capita, o maior contribuinte líquido para o orçamento da UE.
A somar a isto, afirmam, o dinheiro está a ser transferido dos aforradores para os devedores. O Banco Central Europeu mantém as taxas de juro baixas e imprime dinheiro a uma escala sem precedentes, o que prejudica os aforradores e favorece os devedores. Na Alemanha e nos Países Baixos, por exemplo, a maioria dos empregados tem pensões privadas. Estas pensões estão a perder valor. Enquanto as pensões e poupanças do Norte da Europa estão a sofrer, os devedores estão a beneficiar, especialmente os países do Sul com uma elevada dívida nacional.
Assim, os holandeses argumentam que é a solidariedade do Sul que está a falhar. Os acordos da UE no Pacto de Crescimento e Estabilidade têm sido sistematicamente violados pelo Sul. Desde a introdução do euro em 1999, França e Itália nunca cumpriram. A dívida italiana aumentou de 113% para 137% do PIB. Deveria ter caído para 60%. E França, que tinha uma dívida nacional de cerca de 60% quando o euro foi introduzido, tem agora uma dívida de 100%. Como guardiã das regras, a Comissão Europeia deveria ter distribuído multas, mas nunca o fez sob pressão de França e de Itália. Em contraste, as dívidas nacionais da Alemanha, dos Países Baixos e dos países escandinavos sempre foram cerca de 60% ou menos (exceto temporariamente, durante a crise financeira de 2008).
Os norte-europeus pagam mais contribuições para as pensões e os impostos, e gozam de menos anos de reforma. Durante a sua vida, os holandeses trabalham em média 41 anos, os suecos 42,9 anos, os alemães 39,1, os dinamarqueses, 40 anos, relata o Eurostat. Em França, a média é de 35,4 anos, e em Itália 32. Os holandeses trabalham em média 39 horas por semana, enquanto os franceses trabalham a mais curta em toda a Europa: apenas 35 horas. Assim, a produtividade laboral dos holandeses e alemães é 25% mais elevada do que em Itália. Em suma, os europeus do Norte trabalham com mais frequência e mais anos.
O IMD acaba de publicar os resultados do Ranking Mundial de Competitividade 2020. O ranking baseia-se em muitos fatores, incluindo a produtividade, e é realizado em colaboração com institutos parceiros em diferentes países. Em Portugal, a parceira é a Porto Business School. Neste ranking global, “os Quatro Frugais” ocupam as posições cimeiras: Dinamarca - 2.º posição, seguida de Holanda (4.º), Suécia (6.º), e Áustria (16.º). A estes seguem-se a Alemanha (17.º lugar), França (32.º), Espanha (36.º), Portugal (37.º), e Itália (44.º). Não é pois, surpreendente que os “Quatro Frugais” sejam contra a atribuição deste dinheiro as europeus do Sul, que são menos produtivos e se reformam mais cedo.
No Financial Times de 16 de junho, Mark Rutte, o primeiro-ministro holandês e os líderes da Áustria, Dinamarca e Suécia publicaram um artigo apelando para um “nível realista de despesas” e para que todo este dinheiro seja um empréstimo, não uma doação, dizendo o seguinte:
“Como pode ser responsável gastar 500 mil milhões de euros de dinheiro, de repente, e enviar a conta para o futuro? Parte da recente proposta da Comissão Europeia baseia-se em encontrar novas formas de financiamento. Mas não existe dinheiro novo ou fresco. (...) quando pedimos dinheiro emprestado, em conjunto, na UE, a forma correta de utilizar esse dinheiro é convertê-lo em empréstimos para aqueles que realmente precisam deles, nas melhores condições possíveis”.
Os “quatro frugais” não se veem como mesquinhos, preferem antes ser vistos como os “quatro sensatos”. Compreendem que os trabalhadores da Volvo na Suécia e da Philips nos Países Baixos dependem do desenvolvimento económico no Sul. Quanto mais fortes forem as economias italiana e espanhola, melhor para a Dinamarca, Áustria, Suécia e Holanda. E vice-versa. Apoiam a criação de um fundo de recuperação de emergência limitado no tempo para atingir aqueles que foram mais duramente atingidos pela crise da covid-19. Mas já disseram “não” ao plano Merkel-Macron e fizeram uma contraproposta: empréstimos para os próximos dois anos com o compromisso de reformas fortes e a garantia de proteção contra a fraude.
Em última análise, na perspetiva destes países, os problemas dos países do Sul da Europa deveriam ser resolvidos pelos próprios, aumentando a idade da reforma, tornando o mercado de trabalho mais flexível, simplificando a criação de empresas, melhorando a competitividade. Os cidadãos e os políticos do Sul não devem amaldiçoar os do Norte porque se recusam a “dar dinheiro”. Os empréstimos podem ser utilizados para investimentos orientados para necessidades reais e acompanhados por reformas que podem ajudar a relançar a economia e torná-la mais forte e mais resistente para o futuro. Abraçar a transformação verde e digital será também essencial para avançar depois do coronavírus, para fomentar o crescimento e a criação de emprego e para permitir o reembolso de empréstimos, em linha com princípios económicos sólidos.»
« No Financial Times de 16 de junho, Mark Rutte, o primeiro-ministro holandês e os líderes da Áustria, Dinamarca e Suécia publicaram um artigo apelando para um “nível realista de despesas” e para que todo este dinheiro seja um empréstimo, não uma doação.
A chanceler alemã e o Presidente francês querem dar 500 mil milhões de euros aos países da UE mais afetados economicamente pelo “lockdown” da covid-19, especialmente os do Sul da Europa. Pretende-se que este fundo constitua uma doação incondicional. Com ele, a Alemanha está “a atravessar o Rubicão”. Pela primeira vez, está disposta a transferir dinheiro para o Sul da Europa. Embora a maioria dos Estados-membros da UE pareça apoiar a proposta, os chamados “Quatro Frugais” (Áustria, Dinamarca, Holanda e Suécia) estão contra.
Um artigo recente na revista holandesa Elsevier argumenta que esta proposta é perversa, pois os países do Sul da Europa (particularmente França e Itália) não são, de modo algum, pobres e têm acesso a dinheiro. De acordo com o Credit Suisse Global Wealth Report (a referência no que toca à avaliação de riqueza doméstica global), os alemães são menos ricos do que os franceses e os italianos. A riqueza média dos franceses é de 276.121 euros, e a dos italianos é de 234.139 euros. Mas para os alemães é de 216.654 euros. Assim, os alemães são, em média, mais pobres do que os franceses e os italianos. Os holandeses são um pouco mais ricos (279. 077 euros).
De acordo com a mesma revista, o que os holandeses acham mais estranho é a acusação do Presidente francês, Emmanuel Macron, e do primeiro-ministro italiano, Guiseppe Conte, de que a Europa do Norte não é solidária. Isto é um disparate. A Alemanha sempre foi um contribuinte líquido para a União Europeia e para os seus antecessores. E a Holanda é, per capita, o maior contribuinte líquido para o orçamento da UE.
A somar a isto, afirmam, o dinheiro está a ser transferido dos aforradores para os devedores. O Banco Central Europeu mantém as taxas de juro baixas e imprime dinheiro a uma escala sem precedentes, o que prejudica os aforradores e favorece os devedores. Na Alemanha e nos Países Baixos, por exemplo, a maioria dos empregados tem pensões privadas. Estas pensões estão a perder valor. Enquanto as pensões e poupanças do Norte da Europa estão a sofrer, os devedores estão a beneficiar, especialmente os países do Sul com uma elevada dívida nacional.
Assim, os holandeses argumentam que é a solidariedade do Sul que está a falhar. Os acordos da UE no Pacto de Crescimento e Estabilidade têm sido sistematicamente violados pelo Sul. Desde a introdução do euro em 1999, França e Itália nunca cumpriram. A dívida italiana aumentou de 113% para 137% do PIB. Deveria ter caído para 60%. E França, que tinha uma dívida nacional de cerca de 60% quando o euro foi introduzido, tem agora uma dívida de 100%. Como guardiã das regras, a Comissão Europeia deveria ter distribuído multas, mas nunca o fez sob pressão de França e de Itália. Em contraste, as dívidas nacionais da Alemanha, dos Países Baixos e dos países escandinavos sempre foram cerca de 60% ou menos (exceto temporariamente, durante a crise financeira de 2008).
Os norte-europeus pagam mais contribuições para as pensões e os impostos, e gozam de menos anos de reforma. Durante a sua vida, os holandeses trabalham em média 41 anos, os suecos 42,9 anos, os alemães 39,1, os dinamarqueses, 40 anos, relata o Eurostat. Em França, a média é de 35,4 anos, e em Itália 32. Os holandeses trabalham em média 39 horas por semana, enquanto os franceses trabalham a mais curta em toda a Europa: apenas 35 horas. Assim, a produtividade laboral dos holandeses e alemães é 25% mais elevada do que em Itália. Em suma, os europeus do Norte trabalham com mais frequência e mais anos.
O IMD acaba de publicar os resultados do Ranking Mundial de Competitividade 2020. O ranking baseia-se em muitos fatores, incluindo a produtividade, e é realizado em colaboração com institutos parceiros em diferentes países. Em Portugal, a parceira é a Porto Business School. Neste ranking global, “os Quatro Frugais” ocupam as posições cimeiras: Dinamarca - 2.º posição, seguida de Holanda (4.º), Suécia (6.º), e Áustria (16.º). A estes seguem-se a Alemanha (17.º lugar), França (32.º), Espanha (36.º), Portugal (37.º), e Itália (44.º). Não é pois, surpreendente que os “Quatro Frugais” sejam contra a atribuição deste dinheiro as europeus do Sul, que são menos produtivos e se reformam mais cedo.
No Financial Times de 16 de junho, Mark Rutte, o primeiro-ministro holandês e os líderes da Áustria, Dinamarca e Suécia publicaram um artigo apelando para um “nível realista de despesas” e para que todo este dinheiro seja um empréstimo, não uma doação, dizendo o seguinte:
“Como pode ser responsável gastar 500 mil milhões de euros de dinheiro, de repente, e enviar a conta para o futuro? Parte da recente proposta da Comissão Europeia baseia-se em encontrar novas formas de financiamento. Mas não existe dinheiro novo ou fresco. (...) quando pedimos dinheiro emprestado, em conjunto, na UE, a forma correta de utilizar esse dinheiro é convertê-lo em empréstimos para aqueles que realmente precisam deles, nas melhores condições possíveis”.
Os “quatro frugais” não se veem como mesquinhos, preferem antes ser vistos como os “quatro sensatos”. Compreendem que os trabalhadores da Volvo na Suécia e da Philips nos Países Baixos dependem do desenvolvimento económico no Sul. Quanto mais fortes forem as economias italiana e espanhola, melhor para a Dinamarca, Áustria, Suécia e Holanda. E vice-versa. Apoiam a criação de um fundo de recuperação de emergência limitado no tempo para atingir aqueles que foram mais duramente atingidos pela crise da covid-19. Mas já disseram “não” ao plano Merkel-Macron e fizeram uma contraproposta: empréstimos para os próximos dois anos com o compromisso de reformas fortes e a garantia de proteção contra a fraude.
Em última análise, na perspetiva destes países, os problemas dos países do Sul da Europa deveriam ser resolvidos pelos próprios, aumentando a idade da reforma, tornando o mercado de trabalho mais flexível, simplificando a criação de empresas, melhorando a competitividade. Os cidadãos e os políticos do Sul não devem amaldiçoar os do Norte porque se recusam a “dar dinheiro”. Os empréstimos podem ser utilizados para investimentos orientados para necessidades reais e acompanhados por reformas que podem ajudar a relançar a economia e torná-la mais forte e mais resistente para o futuro. Abraçar a transformação verde e digital será também essencial para avançar depois do coronavírus, para fomentar o crescimento e a criação de emprego e para permitir o reembolso de empréstimos, em linha com princípios económicos sólidos.»
segunda-feira, 29 de junho de 2020
A ESTÁTUA DE VOLTAIRE
Na altura dos
ataques terroristas ao “Charlie Hebdo”, em Paris, escrevi nesta página o
seguinte: «No Panteão de Paris repousam os restos mortais de Voltaire, o grande
iluminista e lutador pela Liberdade que introduziu em França a tolerância
religiosa e a liberdade de imprensa. Dele foi dito que a melhor maneira de
definir o seu espírito seria: "Posso não concordar com nenhuma palavra do
que você disse, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo".
Não passaram
muitos anos até a barbárie surgir de novo nas ruas de Paris, agora por outros
motivos, mas com a mesma parede de fundo: a incapacidade de perceber a
História, o desrespeito pela Liberdade e o atavismo da intolerância. No fundo,
o ódio à Cultura que espreita sempre por trás dos extremismos. Se mais não
fosse preciso, a profanação da estátua de Voltaire, em frente ao Louvre do outro
lado do Sena, mostra até que ponto as manifestações ditas anti-racistas que
grassam pelo Ocidente são atravessadas por desconhecimento da História e visam reescrever
a História sujeitando factos do passado à visão de hoje.
A origem dos
actuais movimentos de manifestantes teve início no homicídio nos EUA de um
homem de cor preta, levado a cabo por um polícia e visto por todos na televisão
perante a passividade de outros polícias que nada fizeram para impedir a morte
daquele homem. Nada mais justo do que promover manifestações de protesto contra
este facto que, infelizmente, é apenas mais uma morte levada a cabo em acções
policiais naquele país, uma de entre dezenas de milhares que sucedem todos os
anos, independentemente da cor da pele das pessoas.
A partir daí
surgiram manifestações anti-racistas por todos os EUA, que rapidamente se
transformaram num movimento contra as estátuas de personalidades homenageadas
por este ou aquele motivo. A razão imediata apresentada tem a ver com ligações
ao antigo colonialismo ou a escravatura, surgindo os designados
“afro-americanos” como vítimas actuais do que se passou há séculos. Quando vejo
isto na televisão não posso deixar de me recordar que todos os que se
manifestam são descendentes de pessoas que, de uma maneira ou de outra, foram
viver para a América. Porque americanos a sério só conheço os índios, que lá
viviam antes de os europeus terem começado a emigrar para o continente
americano e se terem dedicado a praticamente dizimar quem lá vivia antes. Todos
os americanos, excepto os poucos índios sobreviventes, são descendentes de
emigrados na América sejam europeus, asiáticos ou africanos, não havendo
euro-americanos, asiático-americanos ou afro-americanos.
O movimento
passou depois para a Europa onde as manifestações anti-racistas foram
claramente manipuladas politicamente, como foi visível em Portugal. E, claro,
perante a actual ignorância histórica generalizada, até a estátua do Padre
António Vieira em Lisboa foi vítima de vandalização.
Penso estar
correcto ao pensar que é raro haver hoje no Ocidente quem ainda defenda a
escravatura ou mesmo o racismo, sendo que mesmo este termo, presente até na
nossa Constituição, está desactualizado porque, de acordo com a ciência, a
espécie humana não tem raças. Quanto à escravatura constitui uma nódoa antiga
na História da Humanidade mas é preciso dizer que foi no Ocidente que primeiro
foi extinta, subsistindo ainda vergonhosamente noutras zonas como África e
Ásia.
Assistimos
hoje à substituição de ideologias que provaram historicamente dar mau resultado
por um conjunto de ideias sociais atraentes para muita juventude por colocarem
em causa uma sociedade que vêem estar cheia de injustiças. Não se trata de uma
ideologia, mas de uma anti-ideologia, porque não propõe objectivos nem caminhos
para os atingir, assumindo apenas críticas fortes ao existente, mas não só,
também ao que se passou na História. Em vez de se assumir tudo o que se passou
de bom ou de mau como fazendo parte do passado de que se tiram lições, parece
surgir a necessidade de fazer alguém pagar, hoje, pelo que eventuais
antepassados praticaram.
Precisamente por não se tratar de uma ideologia, é
muito difícil contrapor sem se cair no erro de defender um passado indefensável
aos olhos actuais, nem de tratar a situação como mero caso de polícia. A falta
de Cultura e inerente falta de respeito por um passado comum é consequência de falta
de políticas culturais e, acima de tudo educacionais, que forneçam aos cidadãos
ferramentas intelectuais que lhes permitam compreender o mundo e perceber onde
estão as verdadeiras injustiças actuais para verdadeiramente as combater.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 29 de Junho de 2020
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