Quando se vai aos restaurantes e se verifica que estão muitas vezes completos, mesmo aqueles mais caros que o habitual, pode facilmente ficar-se com a ideia de que, realmente, o país está a atravessar aquela fase de sucesso económico que todos os dias os governantes nos vendem nas televisões. Tal como o elevado número de automóveis novos, eléctricos e híbridos como está na moda, em grande parte de gama alta, parece indicar uma saúde económica generalizada.
Constatações que se fazem apesar do aumento das taxas de juro que têm levado a subidas terríveis das prestações das casas, tal como da subida generalizada de preços dos últimos dois anos que não é acompanhada por correspondentes actualizações salariais.
Em consequência cresce a sensação de que há uma disfunção económica em Portugal cujas consequências todos podemos observar directamente, mas com causas profundas mais difíceis de descobrir. Isto para além de um expressivo alargamento do fosso salarial de que um exemplo é o facto de “os presidentes executivos das empresas cotadas no índice PSI-20 logo em 2018 terem ultrapassado a crise e o período de resgate da troika com aumentos salariais de quase 50%, enquanto os trabalhadores perderam 6,2%”, como informou o jornal Expresso na altura.
Mas, se este alargamento do fosso salarial explica boa parte dos automóveis topo de gama, já a ocupação dos restaurantes terá outras causas.
A economia portuguesa sofre de vários males crónicos, na realidade ligados entre si. Um deles é a falta de capitalização e outro é o excessivo número de pequenas e médias empresas, mesmo de micro-empresas.
Aqui residirá uma das razões das disfunções sociais, dado que uma boa parte da economia existe na fronteira da legalidade, terreno favorável a uma elevada fuga ao fisco, ou mesmo é dizer, a existência de uma economia paralela de grande dimensão. Tem-se a noção de que ao crescimento económico que acompanhou a redução da economia paralela até meados da década de noventa do século passado se seguiu uma fase, de que agora temos uma visão mais nítida, de retrocesso nessa evolução. No fundo, como se costuma dizer, deixámos de nos aproximar do Norte da Europa, para nos “magrebizarmos” cada vez mais.
Este processo é ainda favorecido por uma carga fiscal verdadeiramente obscena, que bateu um novo recorde, tendo aumentado 14,9% em termos nominais em 2022, atingindo 87,1 mil milhões de euros, correspondendo a 36,4% do PIB contra 35,3% em 2021, que já tinha sido um recorde relativamente aos anos anteriores.
Só para dar um exemplo, um cidadão que ganhe 2.760 euros por mês, o que é bastante baixo em termos europeus, em Portugal é considerado milionário. Só assim se explica que pague 43,5% de IRS, isto é, entregue só do seu trabalho, 1.200 € ao Estado, quase metade do que ganha, não contando com o IVA sobre praticamente tudo o que compra para viver, para além das dezenas de outros impostos e taxas como sucede nos combustíveis, não incluindo ainda a contribuição para a Segurança Social. Se a carga fiscal já é completamente desajustada, constituindo uma canga sobre todos os contribuintes, sejam pessoas singulares ou empresas, a pressão fiscal em função das receitas torna-se insuportável e mesmo uma das maiores da EU, se não mesmo a maior.
A consequência é evidente. O ponto de equilíbrio já estará longe e foge-se aos impostos como poucas vezes aconteceu na História, existindo na realidade dois países no mesmo espaço geográfico, com todas as injustiças inerentes e a falta de competitividade da nossa economia.
O que mais impressiona é a aparente falta de atenção dedicada a esta questão por parte de políticos, governantes e da oposição. Qual será a razão dessa atitude bem como, para ser inteiramente verdadeiro, da falta de reação por parte dos portugueses?
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Agosto de 2023
Imagens recolhidas na internet