segunda-feira, 7 de agosto de 2023

UM PAÍS FAZ DE CONTA

 


Quando se vai aos restaurantes e se verifica que estão muitas vezes completos, mesmo aqueles mais caros que o habitual, pode facilmente ficar-se com a ideia de que, realmente, o país está a atravessar aquela fase de sucesso económico que todos os dias os governantes nos vendem nas televisões. Tal como o elevado número de automóveis novos, eléctricos e híbridos como está na moda, em grande parte de gama alta, parece indicar uma saúde económica generalizada.

Constatações que se fazem apesar do aumento das taxas de juro que têm levado a subidas terríveis das prestações das casas, tal como da subida generalizada de preços dos últimos dois anos que não é acompanhada por correspondentes actualizações salariais.

Em consequência cresce a sensação de que há uma disfunção económica em Portugal cujas consequências todos podemos observar directamente, mas com causas profundas mais difíceis de descobrir. Isto para além de um expressivo alargamento do fosso salarial de que um exemplo é o facto de “os presidentes executivos das empresas cotadas no índice PSI-20 logo em 2018 terem ultrapassado a crise e o período de resgate da troika com aumentos salariais de quase 50%, enquanto os trabalhadores perderam 6,2%”, como informou o jornal Expresso na altura.

Mas, se este alargamento do fosso salarial explica boa parte dos automóveis topo de gama, já a ocupação dos restaurantes terá outras causas.

A economia portuguesa sofre de vários males crónicos, na realidade ligados entre si. Um deles é a falta de capitalização e outro é o excessivo número de pequenas e médias empresas, mesmo de micro-empresas.

Aqui residirá uma das razões das disfunções sociais, dado que uma boa parte da economia existe na fronteira da legalidade, terreno favorável a uma elevada fuga ao fisco, ou mesmo é dizer, a existência de uma economia paralela de grande dimensão. Tem-se a noção de que ao crescimento económico que acompanhou a redução da economia paralela até meados da década de noventa do século passado se seguiu uma fase, de que agora temos uma visão mais nítida, de retrocesso nessa evolução. No fundo, como se costuma dizer, deixámos de nos aproximar do Norte da Europa, para nos “magrebizarmos” cada vez mais.

Este processo é ainda favorecido por uma carga fiscal verdadeiramente obscena, que bateu um novo recorde, tendo aumentado 14,9% em termos nominais em 2022, atingindo 87,1 mil milhões de euros, correspondendo a 36,4% do PIB contra 35,3% em 2021, que já tinha sido um recorde relativamente aos anos anteriores.

Só para dar um exemplo, um cidadão que ganhe 2.760 euros por mês, o que é bastante baixo em termos europeus, em Portugal é considerado milionário. Só assim se explica que pague 43,5% de IRS, isto é, entregue só do seu trabalho, 1.200 € ao Estado, quase metade do que ganha, não contando com o IVA sobre praticamente tudo o que compra para viver, para além das dezenas de outros impostos e taxas como sucede nos combustíveis, não incluindo ainda a contribuição para a Segurança Social. Se a carga fiscal já é completamente desajustada, constituindo uma canga sobre todos os contribuintes, sejam pessoas singulares ou empresas, a pressão fiscal em função das receitas torna-se insuportável e mesmo uma das maiores da EU, se não mesmo a maior.


A consequência é evidente. O ponto de equilíbrio já estará longe e foge-se aos impostos como poucas vezes aconteceu na História, existindo na realidade dois países no mesmo espaço geográfico, com todas as injustiças inerentes e a falta de competitividade da nossa economia.

O que mais impressiona é a aparente falta de atenção dedicada a esta questão por parte de políticos, governantes e da oposição. Qual será a razão dessa atitude bem como, para ser inteiramente verdadeiro, da falta de reação por parte dos portugueses?

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Agosto de 2023

Imagens recolhidas  na internet

segunda-feira, 31 de julho de 2023

A VIDA MODERNA

 


De vez em quando uma das netas pega no meu telemóvel e diz-me:” oh avô, tens que pôr isto como deve ser”. E toca de reorganizar aquilo tudo, da maneira como lhe parece melhor. Eu finjo reclamar, mas no fim deixo tudo como ela quer e dá-me mais gosto utilizá-lo assim, já que passa a ser uma memória permanente do carinho das crianças.

Mas esta simples situação tem um significado muito mais profundo. Na realidade, as alterações tecnológicas e sociais das últimas décadas têm sido de uma intensidade e rapidez que não devem ter paralelo na história da humanidade. Um dos aspectos tem precisamente a ver com a utilização de toda a parafernália que nos rodeia. As crianças utilizam os aparelhos com uma tal facilidade, que parece nascerem já ensinadas. Já nós, como o escritor destas palavras que viveu praticamente metade do século passado, temos de fazer um certo esforço para uma utilização meramente simples dos aparelhos. Parece ter sido há uma eternidade que surgiu o fax, primeira alteração radical que permitiu enviar documentos à distância, aliás boa parte de quem me lê neste momento até poderá estar a perguntar-se que diabo seria o fax. E, no entanto, parecia magia naqueles primeiros anos noventa, poder enviar a minuta de um contrato enquanto quem o iria assinar ainda estava em viagem para o local definido. Era uma revolução, mas que evolução para o mail dos dias de hoje. Aliás recordo-me que quando comecei a escrever crónicas neste Diário de Coimbra “que generosamente me acolhe nas suas páginas” ainda ia entregar o texto em mão que depois um redactor tinha de copiar para seguir para impressão.

Durante toda a juventude, para se ouvir uma determinada música era obrigatório comprar um disco (de vinil) ou então pedir para uma estação de rádio a passar num dos programas de “discos pedidos”. Quando apareceram as cassetes foi uma revolução porque se passou a poder ouvir a música preferida em qualquer lugar, mesmo no carro. Depois apareceram outros suportes, mas sempre físicos, embora tenham passado de analógicos a digitais. Atualmente tudo mudou. As colecções de discos e CD’s tornaram-se numa ocupação de espaço inútil, porque a internet permite ouvir literalmente o que se quiser quando e onde se quiser. Os fornecedores em música em “streaming” fornecem todos os tipos de música e mesmo os puristas da alta-fidelidade têm já a possibilidade de colocar um adaptador de música digital em analógica antes do amplificador possibilitando a qualidade sonora exigida. Os relógios mecânicos foram submersos com o aparecimento dos digitais que, por sua vez, foram também rapidamente engolidos pelos telemóveis e bandas digitais com controlo de actividade física.


Estes são apenas alguns dos exemplos das alterações que a evolução tecnológica tem trazido ao nosso dia-a-dia que se encontra muito mais facilitado em tarefas que antes eram muito trabalhosas. Talvez devido a isso mesmo, muitos dos nossos hábitos sociais estão também a passar por alterações. Algumas de tão profundas que só especialistas podem abordar e até reconhecer nos seus inícios, outras são já evidentes para toda a gente e serão apenas sinal das tais mais profundas. O exemplo do uso da gravata será dos mais fáceis de reconhecer; a rapidez com que as gravatas praticamente desapareceram do nosso quotidiano é espantosa. Se neste caso as implicações económicas não serão de monta, porque o fabrico de gravatas não terá nunca constituído um sector económico de grande relevância, outras alterações quotidianas têm grandes consequências a esse nível. O sector do calçado, por exemplo, passa por uma autêntica revolução. Quando andamos na rua podemos verificar que a percentagem de pessoas que utilizam sapatos clássicos de pele é extremamente diminuta, praticamente residual, perante a utilização de sapatilhas e afins.

O passado era tão colorido como é o presente, apesar da ideia que as fotografias antigas a preto-e-branco nos possam transmitir. Mas a verdade é que a sociedade está a passar por alterações radicais de uma forma que torna impossível prever o futuro, mesmo o próximo e que cores terá. Até porque a informalidade aparente pode não significar que, nas suas profundezas, a sociedade humana esteja a evoluir numa direcção coincidente com a superficial. E uma perturbante  inteligência artificial está a dar os primeiros passos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 31 de Julho de 2023

Imagens recolhidas na internet

segunda-feira, 24 de julho de 2023

LÍDERES, MAS POUCO

 

Um percurso profissional e pessoal variado traz em si experiências concretas que ajudam a fornecer uma visão muito real sobre o que até há pouco tempo se chamava “recursos humanos” e hoje se conhecem mais por “activos”, que inclui surpresas que, por vezes, se julgaria impossíveis. Mas acabam por ser muito mais frequentes do se poderia imaginar. Refiro-me, neste caso, a personalidades que atingem o topo das organizações em que se inserem, logo consideradas como extremamente capazes e mesmo competentes na sua área, mas que nessa posição mostram fragilidades antes desconhecidas que ferem gravemente a sua actuação daí para diante.

Todos conhecemos o ditado popular “não suba o sapateiro além da chinela” mas não é de nada disso que se trata. Falo de pessoas que até certa altura pareceram mais do que capazes mas que, de facto, ao chegarem ao topo mostram não terem os requisitos para a liderança.

Em instituições públicas, designadamente na área política, é muito requente, diria mesmo demasiadas vezes, isso acontecer. Na minha opinião tal é consequência de duas ordens de razão principais. Em primeiro lugar, as carreiras políticas desenvolvem-se no interior dos partidos, naquilo a que se costuma chamar uma bolha que se defende do exterior, permitindo a subida até patamares onde o poder passa a ser significado automático de “competência”; como os eleitos são designados previamente pelas direcções partidárias aos diversos níveis, os escolhidos são essencialmente os “yes-men” que passam a infestar tudo o que é ministério, secretaria de estado, direcção geral ou afins. Por outro lado, trabalho a sério em empresas é coisa que é desconhecida da esmagadora parte desse pessoal político. Vão subindo na hierarquia, entre comissões e assembleias até, eventualmente, chegarem a ministros ou mais, onde a sua incompetência desabrocha de forma magnífica. Torna-se assim muito fácil entender por que, entre os líderes políticos ou ligados ao Estado, se detectam personalidades que não fazem a mínima ideia do que andam a fazer, nem das consequências das suas decisões já que lá está, se tornou como critério de sucesso os resultados eleitorais seguintes que tudo apagam. Alguns mostram mesmo evidentes sinais de problemas mentais, mas nunca denunciados por medo do poder que detêm.

Claro que na vida privada, isto é, as empresas de cujos resultados saem todos os impostos que sustentam o Estado, existem filtros que normalmente impedem a incompetência de crescer no seu interior, sob pena de fecharem as portas. Mas a personalidade humana é muito mais complexa do que pode parecer à primeira vista. E, ao longo da vida, assisti a situações espantosas pela sua implausibilidade, porque a inteligência e a competência técnica não preenchem por completo as condições para se ser bom administrador. Acontece por vezes, tal como é tantas vezes notório no sector público, que um certo deslumbramento provocado pela boa situação financeira, mas também pelo exercício de poder junto de quem está próximo, cega um excelente administrador quando passa a presidente. Ainda que tenha sido um excelente professor universitário na sua área e que tenha gerido nas suas áreas com a maior competência. Aquele saltinho para a posição que já não tem ninguém acima para olhar os seus actos faz toda a diferença. E catrapás, lá se estatela a todo o comprimento.

Na área privada, as consequências de situações deste género reflectem-se na empresa e outras partes directamente interessadas como os accionistas e trabalhadores. Já no sector público, as lideranças incompetentes passeiam-se sem grandes problemas porque se estabelecem cortinas a tapar a realidade, que raramente são abertas. E as consequências caem sobre toda a população.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 24 de Julho de 2023

segunda-feira, 17 de julho de 2023

CRÓNICA DE UM TEMPO QUE PASSA

 



Imersos que estamos em informação que nos chega em permanência com origens as mais diversas, desde as mais próximas às mais afastadas, através dos mais diferentes meios, por vezes torna-se difícil que nos apercebamos completamente da velocidade dos acontecimentos e da sua importância para o nosso futuro colectivo.

Bastaram alguns dias de distração relativa às notícias causada por um maior e feliz acompanhamento das netas para, regressando ao ritmo habitual, deparar com uma chuva de notícias que nos deveriam fazer pensar no que nos reserva o futuro próximo e mais longínquo.

Começando pelo exterior, fiquei a saber que o presidente Putin reuniu com Prigozhin e dezenas de comandantes do grupo mercenário Wagner escassos cinco dias depois do motim que todos seguimos em directo pela TV. Declaração de incapacidade política mais evidente será difícil. Deve ser por isso mesmo que, surpresa das surpresas, o presidente da Turquia decidiu aceitar a entrada da Suécia na NATO, depois de a Finlândia ter feito o mesmo. O que coloca Putin perante novas grandes dificuldades atendendo ao domínio da Turquia sobre os acessos navais ao Mar Negro. A própria Ucrânia viu ser constituído um grupo de contacto permanente com a NATO que funcionará até à futura adesão à organização militar ocidental. Apesar de tudo, não foi grande surpresa que o único país da União Europeia a ter manifestado críticas a essa futura adesão tenha sido a Hungria, país que já deveria ter sido colocado na ordem pela União, devido à sua deriva anti-democrática. Tal como, atendendo a tudo o que tem acontecido nesta guerra desde Fevereiro de 2022, Putin demonstra de novo a sua maneira de encarar o povo ucraniano bombardeando as principais cidades do país mártir durante várias noites sucessivas. Isto enquanto o alter-ego de Putin chamado Medvedev ameaçou mais uma vez com a Terceira Guerra Mundial a propósito das notícias sobre a colocação de minas na maior central nuclear da Europa em Zaporíjia. Com a sua invasão à Ucrânia iniciada em 2014 e elevada a um novo patamar em 2022, Putin está a conseguir tudo aquilo que dizia querer evitar com esta guerra: A Ucrânia vai, mais cedo ou mais tarde, entrar na União Europeia integrando-se definitivamente na Europa das liberdades, tal como a NATO cobre hoje um arco desde o Mediterrâneo ao Ártico passando pelo Mar Báltico, estando mais unida do que nunca. E, no fim desta guerra absurda em território europeu, irá definir-se mesmo uma nova ordem internacional, mas com a Rússia muito mais rodeada por países da Aliança Atlântica, enquanto do outro lado a China está cada vez mais poderosa, económica e militarmente.

Mas a nível nacional, embora evidentemente com outras consequências, uma série de notícias de certa forma chocantes marcaram também estes dias. Poderia ter sido de outra forma, mas não foi: o Relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito às relações entre poder político e gestão da TAP foi aprovado apenas com os votos favoráveis do PS. Depois de tudo o que se passou perante os nossos olhos, o resultado foi este, claramente resultado da existência de uma maioria absoluta no Parlamento. É que nem se tentou fingir que a situação é outra que não esta. Aliás, para marcar ainda mais essa posição política, o Ministro da Cultura considerou que “a CPI contribuiu para a degradação da imagem das instituições e da democracia”. Sendo o seu pelouro a Cultura, não nos passa pela cabeça que desconheça o que se passa em inquéritos parlamentares de democracias bem mais antigas e estabilizadas que a nossa, como a americana e a britânica. A 13ª demissão de um membro do Governo que tem pouco mais de um ano, por ser suspeito de corrupção, não mereceu do seu Primeiro-Ministro mais do que um leve comentário de que os portugueses têm mais com que se preocupar, com assuntos económicos. Para terminar esta leva de notícias, só faltava mesmo assistir em directo pela TV à entrada da Justiça em casa de Rui Rio no âmbito de uma investigação judicial.

Está um cidadão calma e placidamente alheio de notícias durante poucos dias e quando acorda cai-lhe tudo isto em cima. Não sei o que será, mas estação pateta é que este Verão não está a ser.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Julho de 2023

Imagens recolhidas na internet