O
leitor sabe o que é o tempo? O escriba destas linhas, embora tenha lido “Uma
breve história do tempo” de Stephen Hawking ou se calhar por causa disso mesmo,
reconhece que não sabe o que é o tempo, na realidade.
Desde
o início dos tempos, o Homem necessita de se orientar durante a sua vida e no
dia a dia. É assim que a rotação da Terra lhe dá um meio de distribuir a sua
acção no curto prazo: dormir, trabalhar, alimentar-se, relacionar-se com os
semelhantes. A duração do dia dividida comodamente em 24 horas não corresponde
senão a uma rotação inteira da Terra sobre si própria, a uma velocidade de mais
de 1.600 km/hora. Mas a Terra não roda só sobre si própria. Ela viaja
permanentemente pelo espaço, à volta do Sol, à velocidade estonteante de 107.000
quilómetros/hora, oferecendo-nos o conceito de ano, dos meses e estações do ano
tão propícias a organizar a vida agrícola. E, nestes seus movimentos, a Terra
transporta-nos a todos na sua superfície, com o conforto e segurança que a sua
atmosfera nos proporciona. Sem disso ter consciência, imaginando estar parado
no centro do universo, o Homem utilizou esses movimentos para desenvolver o
conceito de tempo, que é falso, mas nos facilita a vida, ao dar-nos medidas
para períodos de tempo bem definidos, com segurança.
E,
assim, enquanto na realidade um ano de vida significa que fizemos uma
translacção inteira à volta do Sol, isto é, um percurso de mais de 940
milhõesde quilómetros, para nós, mais prosaicamente, significa apenas um
conjunto de 365 dias.
A
convenção da mudança de ano dá-nos ainda a oportunidade de, se não fazer uma
avaliação do que se passou, pelo menos fazer o balanço dos factos que mais
marcaram o ano findo.
O
ano de 2014 do calendário gregoriano seguido por quase todos os países do mundo
que agora termina, foi particularmente marcante em termos internacionais, mas
também em particular para nós portugueses.
Em termos internacionais,
a barbaridade islamita no chamado “estado islâmico” na Síria e Iraque, no
Paquistão e na Nigéria sobrepõe-se a tudo, pela violência indescritível. Ao
menos, houve coragem para dar o prémio Nobel à jovem Malala, o que não redime o
mundo daquilo que é permitido fazer aos extremistas religiosos, neste caso os
islamitas. Mas a anexação ilegal da Crimeia por Putin e o abate de um avião
civil sobre aquele país deixam tristes recordações e grandes preocupações pelo
futuro naquela zona da Europa. A acção do Papa Francisco, quer na renovação
doutrinária que tenta levar a cabo, quer pelos esforços pela paz como aconteceu
no reatar de relações entre Cuba e os EUA é de saudar. Como é de realçar o
facto de aqui ao lado, em Espanha, ser possível que a Justiça leve a julgamento
uma princesa, irmã do próprio Rei Filipe.
Entre nós, realce
para o fim “limpo” do programa de três anos da troika que nos trouxe
austeridade e sacrifícios. Mas, talvez sinais de uma mudança profunda no país,
os casos de justiça que têm a ver com o relacionamento da política com a
economia, começaram a sair em força dos armários.
O BES desapareceu e com ele a
influência de Ricardo Salgado e do grupo da família Espírito Santo na finança,
na economia e mesmo na política. A sua prisão, com libertação caucionada ao
pagamento de 3 milhões de euros, abriu a caixa de Pandora de onde começaram a
sair coisas nunca antes vistas em Portugal. É o caso da prisão do anterior
primeiro-ministro José Sócrates com indícios de corrupção entre outros crimes.
Mas não podemos esquecer as condenações judiciais de políticos proeminentes
como Maria de Lurdes Rodrigues, Armando Vara e Duarte Lima, neste caso a dez
anos de cadeia. Agentes superiores do Estado foram igualmente presos por
suspeitas de corrupção, como o Director Nacional do SEF Manuel Palos e o
presidente do Instituto de Registos e Notariado, António Figueiredo. A Portugal
Telecom está a ter o destino que se previa há muito pela promiscuidade entre
política e negócios, desde que vendeu a Vivo num negócio que deverá dar muito que
falar em 2015 e foi obrigada a adquirir participação nessa empresa problema
brasileira que se chama OI.
Dá a sensação de
que o mundo acelerou neste ano de 2014, mas ainda não se sabe bem para onde
havendo, no entanto, sinais de esperança, embora acompanhados de muita
preocupação.
No fim de 2014,
faço votos de que cada um dos meus leitores e leitoras tenha um ano de 2015 que
seja melhor do que este de que agora nos despedimos e que possam melhorar um
pouco as condições que o mundo vai oferecer aos nossos filhos e netos, os que
cá estão e os que chegarão.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 29 Dezembro 2014