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domingo, 8 de março de 2015
quinta-feira, 5 de março de 2015
segunda-feira, 2 de março de 2015
RADICALIZOU-SE (?)
Confesso que estou farto desta conversa: o terrorista
tal foi radicalizado na mesquita tal em Londres, Nova Iorque ou Berlim não
interessa; o assassino não sei quantos foi radicalizado por se sentir
perseguido pela polícia; jovens rapazes ou raparigas sempre ligados à internet
nos seus quartos, radicalizaram-se e resolveram ir juntar-se ao dito estado
islâmico na Síria. As notícias em si criaram uma imagem que se substituiu à
realidade. Se formos procurar o significado de “radical” encontraremos que é
aquele que regressou às origens, à raiz, por oposição à modernidade, o que não
sucede com nenhum dos jovens ocidentais que resolve ir juntar-se ao dito estado
islâmico. Será, no entanto, isso sim, o que acontece com os religiosos
islamitas que adoptaram o fundamentalismo religioso, pretendendo que toda a
sociedade obedeça à sua lei religiosa, em substituição das leis civis e que, de
uma forma ou de outra, encontram um discurso que, pelo engano, consegue cativar
jovens em processo de dificuldade de afirmação.
Contam, para atingirem os seus objectivos, com a paralisação
provocada por processos de auto-culpabilização ou relativismo do ocidente não
islamita ou mesmo cristão e a verdade é que têm conseguido até agora levar a
sua avante, como se pode ver pela própria linguagem com que são referenciados
na comunicação social.
Mas basta de complexos de culpa histórica. Claro
que há umas centenas de anos houve a Inquisição e há mil anos houve as
Cruzadas. Mas também houve a Revolução Francesa, origem do moderno liberalismo,
que inventou a guilhotina e em menos de dez anos cortou a cabeça a mais pessoas
do que as Inquisições conseguiram matar durante séculos. E, antes das Cruzadas,
foram os próprios muçulmanos que, a golpes de cimitarras, instauraram um império/califado
desde a Arábia até à Península Ibérica.
Apesar de tudo isto, o Ocidente
desenvolveu uma civilização de direitos humanos e de respeito pelas minorias
como nunca houve antes. Uma civilização que respeita o passado e o seu legado
histórico, social, mas também patrimonial e que deseja que os seus descendentes
venham igualmente a desfrutar desse mesmo legado em liberdade.
O que se passa no dito estado islâmico é a negação
de todo um património civilizacional da humanidade e é assim que tem de ser
denunciado e combatido.
O auto denominado “estado islâmico” adoptou
práticas infames e autenticamente selvagens contra todos os que define como inimigos
do Islão. Pior ainda, tornou as suas acções contra pessoas tais como
lapidações, decapitações com facas pequenas, flagelações, queima de
prisioneiros em jaulas, lançamentos de pessoas do alto de prédios, assassínios
na rua, crucificações, execuções colectivas de dezenas ou centenas de pessoas
etc. em actos de propaganda, pela sua filmagem e publicação na internet, algo
que nunca antes havia sido feito.
Nos últimos dias, aos crimes contra pessoas
resolveram acrescentar a destruição de património histórico-cultural da
humanidade. Assim, queimaram milhares de livros e manuscritos raros da
biblioteca de Mossul, fazendo uma fogueira com livros culturais, científicos,
infantis e religiosos. Destruíram ainda uma igreja e o teatro da universidade
local. Não contentes, destruíram ainda estátuas com valor incalculável para a
História da Humanidade e, como habitualmente, filmaram tudo e publicaram na
internet, explicando que Maomé fez o mesmo no seu tempo e que ele próprio
enterrou ídolos com as suas mãos, dando-lhes o exemplo para o que devem fazer.
A barbárie continua à solta. Para se financiar, o
dito “estado islâmico” retira para vender órgãos aos seus prisioneiros, que a seguir
enterra em valas comuns.
Para além de uns bombardeamentos aéreos de meia
dúzia de países directamente afectados, normalmente pelo homicídio em directo
de cidadãos seus, não se vê a comunidade internacional a tomar medidas para
acabar com este estado de coisas. Designadamente, a ONU, o que está a fazer? Na
verdade, a notória incapacidade internacional para lidar com o chamado “estado
islâmico” montado por umas escassas dezenas de milhares de homens impressiona
tanto como a sua barbárie.
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015
O EXEMPLO ARGENTINO
Há precisamente cem
anos, a Argentina inaugurava em Buenos Aires a estação de comboios Retiro que é,
juntamente com o Teatro Colón, um dos edifícios emblemáticos da prosperidade em
que vivia nesses tempos. A Argentina era, por esses dias, um dos dez países
mais ricos do mundo, mais rico que a França, a Alemanha ou a Itália. O nível do
seu produto per capita era de 92% da média dos 16 países mais ricos do mundo.
Durante os 43 anos que precederam a Primeira Guerra Mundial, a Argentina foi um
país politicamente estável que conseguiu o maior crescimento do mundo, a uma
taxa anual de 6%.
A partir dessa
altura, a Argentina mudou de rumo e passou a ser um país politicamente instável
às mãos, ora de militares golpistas, ora de políticos populistas. Os golpes de
estado militares sucederam-se a partir do primeiro ocorrido em 1930. Incluindo
o último que aconteceu em 1976 e que substituiu o governo de Isabelita Péron
pela Junta Militar houve nada mais, nada menos, que seis golpes militares. O
último ainda tem consequências graves na sociedade argentina, pela brutalidade
insana com que tratou milhares de opositores políticos e suas famílias.
O
regime instaurado pelo general Videla e seus sequazes, só acabou na sequência
da invasão militar pela Argentina das Ilhas Malvinas/Falkland, a que se seguiu
a reocupação das mesmas pelas Forças Armadas britânicas, naquela que ficou
conhecida pela Guerra das Malvinas/Falkland, entre Abril e Junho de 1982.
Em 1946 Juan
Domingo Perón foi eleito para o seu primeiro mandato presidencial, com base
numa mescla ideológica, o chamado justicialismo, intervindo fortemente na
economia, fechando-a ao exterior, limitando as importações, promovendo
nacionalizações, enquanto em simultâneo aumentava o salário aos trabalhadores
incluindo o salário mínimo, 13º mês, benefícios nas aposentações, etc.
Entretanto,
a sua mulher Eva exercia um fascínio sobre a sociedade em geral, mas
especialmente sobre os mais pobres, os chamados “descamisados”. O populismo
tinha tomado conta da política argentina. Se num primeiro tempo, o país pareceu
recuperar em termos económicos e sociais, rapidamente se afundou. Perón acabou
por exercer três mandatos presidenciais, sempre eleito com grandes maiorias,
alternando com golpes militares. Após o seu falecimento em 1974, sucedeu-lhe a
mulher conhecida como Isabelita, que tentou prolongar o peronismo, experiência
terminada tragicamente em 1976.
No regresso ao regime
democrático que substituiu a Junta Militar após a Guerra das Malvinas, a Argentina
teve a possibilidade de, finalmente, entrar pelo caminho da recuperação
sustentada da economia e de regressar ao caminho do progresso e do crescimento
económico. Tal foi o caminho traçado pelo presidente eleito Raúl Alfonsin, mas
não pelos seus sucessores que voltaram ao justicialismo e populismo inerente,
com péssimos resultados. De presidente justicialista em presidente
justicialista, hoje em dia quem preside é Cristina Kirchner que, para não
variar, é a viúva do anterior presidente, Néstor Kirchner.
Comparando com os
valores do início desta crónica referentes à Argentina de há cem anos,
verifica-se que o produto per capita da Argentina é hoje apenas 43% do dos 16
países mais ricos. A tradição justicialista continua nos dias de hoje, com uma
intervenção estatal que produz resultados desastrosos, como acontece na
tradicional exportação de carne, em que a Argentina caiu de 4º maior exportador
em 2006, para 10º em 2013.
A Argentina de
hoje é o resultado de dois factores cruciais: em primeiro lugar, uma tradição
de golpismo militar. Em segundo lugar, a persistência de opção democrática por
políticos populistas, que prometem o que não podem cumprir e levam à prática
políticas sociais insustentáveis pela economia do país e que têm levado a
pesadas intervenções de apoio financeiro pelo FMI que podem resolver
pontualmente dificuldades financeiras, mas não colocam o país noutro caminho.
E, na realidade, embora os seus responsáveis, como a actual presidente, caiam
na tentação de o fazer, não podem verdadeiramente acusar ninguém pela situação.
São os próprios argentinos que, com as suas escolhas democráticas, e recorda-se
que o actual ciclo democrático tem já quase quarenta anos, têm sistematicamente
levado o seu país para a miséria e desencanto através de escolhas de políticos populistas.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Fevereiro de 2015
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Fevereiro de 2015
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015
O FUTURO, PRESENTE
Confesso que não sei se o dito popular que
assegura trazer a idade sabedoria é verdadeiro, ou não. O que sei é que, à
medida que os anos avançam, muda muito a maneira como vemos o que se passa à
nossa volta. Dizia Ortega & Gasset que o homem é ele próprio e a sua
circunstância. Passe o relativismo desculpabilizante que, por vezes, possa
estar associado a tal afirmação, a verdade é que a experiência associada aos
anos de vida não pode deixar de influenciar a percepção do mundo e mesmo a
sensibilidade perante o que acontece.
Há um período na vida em que nos sentimos fortes,
em que parece que tudo o que fazemos sai bem e em que nos sentimos capazes de
mudar o mundo. Quando temos vinte e trinta anos as certezas dominam os nossos
pensamentos e as nossas crenças. Normalmente é por essa altura que temos os
nossos filhos e até mesmo esses acontecimentos notáveis nos surgem com
naturalidade, tal como o seu crescimento e desenvolvimento. Ao fim e ao cabo, o
acompanhamento dos filhos até ganharem asas e voarem por eles mesmos dura
algumas dezenas de anos de vida em comum, o que cria naturalmente a sensação de
que são uma extensão de nós próprios. Ouvi uma vez um cientista Físico dizer
que não vale a pena tentar inventar uma máquina do tempo, porque ela já existe:
são os nossos filhos, que nos projectam no futuro. Isto sensibiliza-nos ainda
mais para com o sofrimento dos pais que, contra o que é natural, veem os seus
filhos partir.
Mas a lei da vida acompanha o tempo que vai
passando e, a certa altura, eventualmente outro acontecimento notável nos
surge: o nascimento de netos. E damo-nos conta de algo para que ninguém nos
avisa e para que não estamos preparados pela experiência da vida.
O surgimento dos netos não depende rigorosamente
nada de nós, nem a sua vida nos estará nunca ligada como aconteceu com o seu
pai ou a sua mãe, nosso filho ou filha. E é assim que, quando seguramos esse
pequeno ser nos nossos braços, um estranho sentimento nos invade. A sua evidente
fragilidade e completa dependência impressionam e assustam mesmo. Quando os
nossos filhos, pais destes agora vindos nasceram eram perfeitamente
semelhantes, mas essa consciência não era tão vívida como agora surge perante
os netos. A circunstância da nossa idade quando somos pais e da perspectiva
perante a vida com tanto futuro à frente, parece facilitar a aceitação da
fragilidade e da evolução dos filhos e até aligeirar o eventual peso que trazem
às nossas próprias vidas. Perante os netos, a naturalidade que havia com os
filhos desaparece, surgindo em seu lugar uma clara percepção da vida e das suas
contingências. Não vamos ter a responsabilidade directa de os educar e transportar
até à sua idade adulta e não devemos sequer ceder à tentação de tentar fazê-lo.
Por outro lado, a consciência da nossa idade diz-nos que a maior parte da vida
daquele ser humano vai ser passada quando nós próprios já cá não estivermos, o
que nos faz imaginar como será o mundo nessa altura e, claro, ter algum receio
por isso mesmo.
Mas isso não significa uma menor sensação de
responsabilidade interior, nem uma falta de preocupação com o futuro. Na
realidade, é perante os netos que surge mais evidente a noção de elo entre
gerações.
Com os netos nos braços, lembramos com enorme clareza os nossos
próprios avós e, sobretudo, os nossos Pais, sobretudo se já desaparecidos. Com
os nossos filhos de entremeio. Vem à recordação a vida dura dos antepassados
nas faldas da Serra da Estrela, sem instrução, mas com enorme educação, como
ainda tivemos oportunidade de testemunhar. Recorda-se com carinho infinito os
Pais que tudo fizeram para que a minha geração tivesse educação, mas sobretudo
a formação escolar que a eles por uma ou outra razão foi vedada. E olhamos para
os netos, eles que são filhos de uma geração já com uma outra formação e uma
cultura muito superiores a nós próprios e sonhamos para eles um futuro ainda
melhor, com mais abertura ao desconhecido, com mais respeito pelo próximo e
mais possibilidades de escolha do seu próprio destino. Acima de tudo, esperamos
que o mundo em que vão viver seja mais justo e que nele sejam felizes, amados e
construtores, eles próprios, de um futuro melhor para os seus descendentes. Na
verdade, eles são o futuro, hoje.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Fevereiro de 2015
terça-feira, 10 de fevereiro de 2015
ALEGORIA DA CAVERNA
Uma observação atenta da realidade dos nossos dias não deixa de ser surpreendente à luz do que nos ensinaram os filósofos gregos idos já há tanto tempo.
Platão usou a famosa alegoria da caverna para mostrar quanto a realidade percepcionada pelos nossos sentidos pode ser enganadora e como pode ser igualmente perigoso mostrar o seu engano aos que não saem da sua “zona de conforto”.
Por ironia, o que se passa na Grécia por estes dias é bem demonstrativo de tudo isto. Os partidos do novo Governo fizeram toda a campanha eleitoral que lhes deu a vitória, com um conjunto de ideias simpáticas e apelativas que pareciam oferecer uma solução fácil à situação de terríveis dificuldades do país. Ignoraram todo um mundo, perigoso e por vezes selvagem mesmo, que existe fora do conjunto de ideias sobre as quais construíram a sua mundividência.
Sucede que, assim que saíram da sua toca para falar com o resto da Europa, descobriram, e estão ainda a descobrir que, além do mundo europeu no qual já esperavam dificuldades, existe todo um conjunto de mundos com as suas próprias dificuldades e até eleitorados próprios com as mesmas exigências de soberania e conforto que eles próprios. Difícil e eventualmente mesmo perigoso, será o regresso a casa depois de um choque infrutífero com o mundo exterior, explicando esse mesmo mundo a quem ficou “na caverna”. Relembra-se a morte de Sócrates pelos atenienses e as razões que levaram a esse facto.
Mas a União Europeia e os países que a constituem correm o mesmo risco. Fechando-se no seu mundo de certezas e garantias, construídas é certo com muito trabalho, persistência e competência, correm o risco real de o ver desabar. A História está cheia de factos pequenos, sem grande relevância ou mesmo significado profundo, que vieram a dar origem a convulsões gigantescas de consequências dantescas para a Humanidade. Para não ir mais longe, quem imaginaria que o assassinato de um príncipe herdeiro da Áustria poderia originar a primeira Guerra Mundial? A recusa liminar de conversações sérias com a Grécia poderia ter consequências trágicas para todos nós. Tal como uma abordagem séria e consequente da questão da Ucrânia está a constituir-se num perigoso foco de tensões com a Rússia que muito facilmente poderá descambar num conflito de graves repercussões. O que se tem passado na Europa, após o ataque islamita ao jornal satírico em Paris também não augura boas notícias. Repetem-se os sinais de fecho securitário ao exterior, enquanto o medo vai impedindo exposições, debates, etc. em que se imagine que os islamitas radicais se possam ofender e reagir violentamente; o atentado está a produzir os resultados desejados, por inteiro.
Em Portugal há também sinais de cegueira e enclausuramento em torno de situações, uma importantes e sérias pelas consequências na nossa vida colectiva futura, outras de carácter algo anedótico. Personalidades que vivem no seu mundo próprio, muito fechado aos simpatizantes de sempre, mesmo algo fanáticos, vão “enviando sinais para o exterior” pensando nas suas eventuais candidaturas à presidência da República, imaginando que alguém lhes dá o mínimo de importância. Uns vão dizendo que avançam se houver uma vaga de fundo que lhes peça isso mesmo, enquanto outro vão andando por aí, enquanto aguardam os resultados das legislativas. Razão teve Jorge Sampaio quando, no seu tempo próprio, sem se deixar enredar em partidarites nem se fechando num mundo fácil e simpático, decidiu em 1995, por sua conta e risco, anunciar que no ano seguinte seria candidato a Presidente da República. E, contra todas as previsões, foi Presidente durante dois mandatos.
Outros mundos fechados à realidade exterior há por aí, mas impossíveis de assinalar todos nas reduzidas linhas de uma crónica semanal bastando, a concluir, lembrar outro grego antigo, Demóstenes, citado a propósito (bem) no jornal Público na semana passada: "Nada é mais fácil do que se iludir, pois todo o homem acredita que aquilo que deseja seja também verdadeiro".
Publicado originalmente no "Diário de Coimbra" em 9 de Fevereiro de 2015
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015
CAVALO DE TRÓIA
Na guerra de
Tróia, perante a impossibilidade de ocupar aquela cidade com os meios bélicos
de que dispunham, os Gregos usaram de um estratagema. Fingindo que levantavam o
cerco, afastaram-se deixando um grande cavalo de madeira para trás. Os troianos
convenceram-se de que estavam finalmente salvos, trazendo o cavalo para dentro
das muralhas e celebrando a vitória com abundante utilização de álcool.
Enquanto descansavam dos festejos, soldados gregos saíram do cavalo, abriram os
portões da cidade e permitiram finalmente a entrada do exército grego que assim
destruiu Tróia.
Há cerca de uma
semana, as eleições gregas alteraram profundamente a correlação de forças
políticas no país. O Syriza, um bloco radical formado por diversas tendências
de extrema esquerda, à semelhança do português “Bloco de Esquerda”, obteve
36,3% dos votos expressos, quando em 2012 tinha obtido 26,9%. O partido Socialista
Grego chamado PASOK que em 2009 tinha mais de 40% dos votos, depois de ter
estado anos a fio no poder e se ter visto forçado a chamar a Troika, viu-se
agora reduzido à quase extinção, com 4,7% dos votos, depois de ter tido 12,3%
em 2012. O partido de centro direita “Nova Democracia” passou de 29,7% em 2012
para 27,8% nestas eleições. A abstenção teve um valor superior ao dos votos no
Syriza. As alterações eleitorais mais expressivas têm portanto a ver com a
subida do Syrisa em quase 10%, a descida a pique do partido Socialista PAZOK em
quase 8% e numa grande abstenção.
Claro que, quando
há eleições democráticas, a Democracia ganha sempre. Ao contrário do que se viu
por toda a comunicação social e nos comentários à esquerda mas
surpreendentemente também à direita, não é por o Syriza ter ganho as eleições
que a Democracia venceu; nas eleições anteriores também ganhou e ganhará nas
próximas eleições qualquer que seja o resultado, se as houver, claro.
O Syriza ganhou, propondo
aos gregos um programa chamado anti-austeridade, que basicamente atira para o
caixote do lixo todos os compromissos assumidos anteriormente pela Grécia, com
vista a levar os índices das suas finanças públicas para dentro dos limites
determinados pela União Europeia, em termos essencialmente de dívida pública e
de défice orçamental. Entre as promessas do Syriza, contavam-se o aumento do
salário mínimo de 580 para 751 euros, a abolição de taxas na saúde, a
electricidade gratuita para 300.000 lares, a recontratação de 10.000
funcionários públicos, reposição de subsídios aos pensionistas, etc. Claro que
ainda incluíam o perdão substancial da dívida pública grega, sujeitando o
pagamento da restante ao crescimento económico, a inclusão de um período de
carência no pagamento da dívida, a exclusão do investimento público das
restrições do pacto de estabilidade e crescimento, etc. Estas últimas não
dependem, obviamente do governo grego e sim dos parceiros europeus que teriam
de pagar todo esse dinheiro para a Grécia voltar a ter a “qualidade” de vida
que tinha antes da negociação com a Troika lhe ter levado a austeridade.
Relembra-se que a Grécia já beneficiou de dois resgates que ascendem a 240 mil
milhões de euros, beneficia das taxas de juro mais baixas de toda a periferia e
obteve um corte de metade da dívida pública detida por entidades privadas.
Apesar do estranho
sistema eleitoral grego que “oferece” 50 deputados ao partido mais votado, o
Syriza não conseguiu uma maioria no parlamento, pelo que rapidamente se
entendeu com outro partido, o “Anel” para atingir a maioria e formar governo. O
Anel é considerado como um partido de extrema-direita, sendo o seu líder que
ocupou o cargo de ministro da Defesa um conhecido xenófobo, homofóbico e
antissemita.
A coligação a que
muitos amigos do Syriza entre nós consideraram uma prova de “pragmatismo” não é
mais do que a forma de levar a Grécia a sair do Euro e mesmo da União Europeia,
atirando com a responsabilidade dessa saída para a própria união, para os
neo-liberais, mercados, etc. De facto, a coligação tem um cimento, que é a luta
contra o Euro e a União Europeia e tudo o que significam. A chantagem que já
começaram a fazer à União só poderá ter o fim que todos adivinhamos, já que os
restantes europeus não aceitariam a injustiça de se sacrificarem para o
conforto dos gregos: por exemplo, nós os portugueses teríamos que pagar cada um
mais de 500 euros para o perdão da dívida grega assumida por Portugal.
O actual governo
Grego constitui-se num verdadeiro cavalo de Tróia na União Europeia e o seu fim
é abrir a porta à destruição da União. Os gregos têm todo o direito a decidir o
seu futuro, que pode passar por sair da União Europeia, se assim o desejarem.
Não têm é o direito de amarrar o futuro de toda a União europeia aos seus
desejos.
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