De
acordo com notícias veiculadas por agências russas ligadas ao Kremlin, há
poucos dias o presidente Putin chamou o embaixador Turco em Moscovo e transmitiu-lhe
um aviso solene sobre o que entende ser o apoio turco aos rebeldes jihadistas
do chamado Estado Islâmico (ISIS) na Síria, país onde a Rússia possui a sua
única base militar no mar Mediterrânio. De acordo com essas notícias, nesse
encontro que não terá sido nada amistoso, o presidente russo reafirmou o apoio
do seu país ao presidente Sírio Bashar al-Assad, tendo inclusivamente comparado
o presidente Turco Erdogan, a quem chamou ditador, e os seus aliados sauditas
a, nem mais nem menos que Hitler, ameaçando fazer da Síria uma grande
Estalinegrado.
As
ameaças externas do presidente russo não são uma novidade, embora não deixe de
ser irónico que venha apelidar de ditador o presidente de outro país que, não
certamente por acaso, pertence à NATO. Na realidade, nos últimos tempos a vida
não tem corrido de feição a Vladimir Putin. Na sequência da queda do regime
soviético, a Rússia enfrentou a possibilidade real de desmembramento do seu
próprio território, para além do afastamento de boa parte dos países do
ex-Pacto de Varsóvia que, assim que puderam, fugiram e foram ligar-se à União
Europeia ou mesmo à Aliança Atlântica. Nesses tempos, Boris Yeltsin juntou os
cacos e tentou limitar as avarias até onde fosse possível. Quanto aos países
independentes, não havia muito a fazer. No respeitante às diversas nações
integradas na Rússia como a Sibéria, o Ural ou a Karélia que reivindicaram a
sua soberania, Yeltsin conseguiu mantê-las ligadas à Mãe Rússia através da
formação de uma Federação, dando às diversas regiões bastante soberania. A
magna questão das armas nucleares espalhadas pelo território da antiga União
Soviética teve que ser resolvida com apoio internacional, deslocando o
armamento da Ucrânia e do Kazaquistão para a Rússia. Neste caso, houve mesmo um
acordo assinado pela Rússia, EUA e Inglaterra, mediante o qual era garantida a
integridade territorial da Ucrânia em troca da deslocação das armas nucleares
para a Rússia.
Putin
resolveu desfazer tudo isso. De Federação, há muito tempo que não se ouve
falar. Quanto à Ucrânia, como se sabe, tratou de anexar a Crimeia e levou a
guerra à parte oriental do país. Faz agora um ano, os guerrilheiros pró-russos
abateram mesmo um avião civil com um míssil, causando centenas de mortos; há
poucas semanas Moscovo impediu pelo seu veto no Conselho de Segurança a criação
de um tribunal para tratar do abate do avião, ficando definitivamente à vista o
seu interesse no caso. Mesmo a Tchetchenia está actualmente em relativo sossego
através da relação pessoal entre Putin e o líder local Kadyrov, mantido através
de corrupção generalizada no país e de uma troca de interesses mútuos que
desaparecerão de imediato se e quando Putin estiver fora da equação.
A
anexação da Crimeia trouxe problemas acrescidos a Putin. As sanções
internacionais, em conjunto com a descida internacional dos produtos
petrolíferos, trouxeram graves dificuldades à economia russa já de si frágil em
face da sua organização oligárquica. A resposta do presidente Russo foi
fomentar um sentimento generalizado contra o Ocidente, acompanhado de ameaças
contra a Nato e contra os países bálticos. A Rússia proibiu ainda a importação
de produtos originários dos países que apoiam as sanções económicas, incluindo
produtos médicos, aparelhos de raios-X e agora também de preservativos, com a
ideia de substituir esses produtos por outros fabricados no país.
O
tipo de liderança praticada por Putin pode dar resultado durante algum tempo,
dado que é acompanhada de uma forte mão de ferro. Mas, quer seja ainda durante
a sua presidência ou logo depois, algo importante vai acontecer na Rússia,
disso não tenhamos dúvidas. Se o império Czarista desapareceu com a rapidez que
se sabe, o regime comunista com toda a sua organização centralizada implodiu
também de um dia para o outro. O Ocidente deve ter estes factos na memória e
perceber que, apesar de tudo, a Rússia é um grande país e, quanto mais não seja
por prudência e pragmatismo, é de toda a conveniência internacional que o continue
a ser e que não se desmembre em numerosos países totalmente desintegrados da
ordem internacional e sem memória organizativa própria. E, respondendo à
pergunta do título desta crónica, ajudar para que a Rússia sobreviva a Putin.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 10 Agosto 2015