Nestes tempos de evidente afastamento entre a
Europa e os Estados Unidos da América, consequência das atitudes isolacionistas
muito simples mas altamente simbólicas do novo presidente dos EUA, nada como
revisitar George Steiner e a sua “Ideia da Europa” para daí retirar
consequências práticas para a nossa vida sócio-política.
Quando tantos de nós nos sentimos algo perdidos,
sem perceber bem o que se passa, descobrindo subitamente novos nacionalismos
por todo o lado agarremos a oportunidade para olhar à nossa volta, reconhecer o
que de bom existe no nosso passado sem saudosismos nem exclusivismos, perceber
a essência de onde vimos, porque somos assim e relançar o futuro em coerência
com a nossa História e o nosso presente.
Depois da Segunda Guerra Mundial a Europa, como
aliás boa parte do resto do mundo, pareceu esquecer muito do seu legado
cultural, esmagado pelo imediatismo das produções americanas de onde a beleza anda
completamente arredada, fosse no cinema, na música ou na maneira de vestir e
até de falar. Tudo ajudado pela língua “oficial” na nova cultura difundida pela
internet, o inglês falado à maneira americana.
Mas a História da Europa a que pertencemos é rica
em cultura, quer olhemos para as pedras/arquitectura, quer observemos as mais
variadas manifestações artísticas, da música à pintura ou à literatura. Sem
esquecer os usos e costumes e maneiras de viver.
As ruas das nossas cidades respiram história na sua
génese e evolução ao longo dos séculos e mesmo na sua toponímia que recorda
nomes ilustres da política, mas também cientistas, poetas, romancistas,
músicos ou pintores. A sua escala é humana, ao contrário das cidades
americanas construídas para se circular de automóvel, com as suas avenidas com
dezenas de quilómetros de extensão.
Se quem me leu até esta linha se lembrou de
Coimbra, tem toda a razão. Coimbra é uma cidade tipicamente europeia, com os
seus monumentos medievais, alguns deles já construídos sobre outros edifícios
muito mais antigos. As ruas estreitas desenvolvem-se num imbrincado orgânico em
que a sua toponímia ainda há poucas décadas lembrava as profissões que se
exerciam em cada um delas. Um antigo paço real foi transformado
numa das universidades mais antigas da Europa e até existem cafés, os cafés que
George Steiner também considerava uma das características mais profundas do
viver europeu.
Nem será por a Unesco ter considerado boa parte da
nossa cidade como Património da Humanidade, precisamente aquela que se relaciona
com a Universidade, a Rua da Sofia/Sabedoria e os seus edifícios da Alta,
antigos e modernos, que Coimbra passou a distinguir-se. Essa classificação
apenas chama a atenção para algo que existe e é muito antigo e distinto. Na
realidade, a Cultura é o que distingue Coimbra das outras cidades. Toda a
relação entre as pedras, as personagens históricas e as suas vivências chegam até
nós como um legado histórico mas cultural na sua essência, porque moldou aquilo
que somos hoje.
A cultura é muitas (demasiadas) vezes encarada como
a flor na lapela da governação, aos mais diversos níveis incluindo o municipal.
Nada de mais errado. Antes pelo contrário, devemos ter consciência de que a
área mais importante de uma autarquia como a de Coimbra é a da Cultura porque,
muito para além de ser uma programadora de eventos sempre pontuais no tempo,
deve catalisar a produção cultural da Cidade e ainda enformar toda a restante
actividade municipal dando-lhe a característica diversa e claramente humanista
da afirmação cultural. E o ensino superior de Coimbra deverá também olhar à sua
volta e verificar como o economicismo e a tecnocracia o têm levado a ficar para
trás no que toca ao ensino artístico. A Universidade criou há alguns anos a
faculdade de Arquitectura, mas o ensino das Belas Artes e da Música a nível
superior não pode continuar arredado de Coimbra, até porque não só Lisboa e o
Porto o têm, mas também cidades como Aveiro ou Castelo Branco já deram esse
passo.
Pela sua dimensão, Coimbra é uma cidade média
europeia, sendo mesmo a única a sê-lo em toda a região Centro. Mas deve ter a
ousadia, ou mesmo a coragem, de se afirmar também culturalmente como tal.