Neste Verão do nosso descontentamento
os portugueses chegaram àquele momento em que já têm justificadamente medo de
ir passar uns dias ao interior, nem que seja junto às águas de uma barragem. Os
incêndios florestais passaram a ser um pavor que invade aldeias e mesmo o
interior de vilas, matando portugueses às dezenas, mostrando à evidência o
colapso, em grande parte do interior do país, da principal função do Estado que
é garantir segurança aos cidadãos e colocando a nu a mais completa
descoordenação nos serviços nacionais com responsabilidade no sector. A forma
lamentável como o Governo está a tratar o assunto da floresta, para além de ir
ao ponto de “filtrar” a informação real sobre os incêndios, fica ainda marcada pelo
ridículo quando o ministro da Agricultura afirma que a reforma da floresta que
está a protagonizar é a mais importante desde D. Dinis.
Esta catástrofe acontece
praticamente a meio da legislatura em que o PS de António Costa, depois de
obter o sofrível resultado eleitoral de 32%, encontrou um caminho para governar
através da negociação de apoio parlamentar com o Partido Comunista Português e
com o Bloco de Esquerda. Assim, faz todo o sentido perceber como vai o país,
quais os resultados conseguidos e o que esperar até ao fim da legislatura.
A descida do desemprego e o
crescimento do PIB continuaram, felizmente, o caminho que vinham a seguir desde
o fim de 2013 atingindo hoje valores bastante razoáveis, embora a economia não
esteja a crescer tanto como em muitos países da União Europeia, a começar pela
vizinha Espanha.
As chamadas “reversões” nos vencimentos
da Função Pública e pensões que foram apresentadas como o fim da “austeridade”
aplicada pelo governo anterior na sequência da chamada da “troika” pelo último
governo socialista, foram em grande parte pagas com um aumento dos chamados
impostos indirectos que, como se sabe, são socialmente os mais injustos de
todos.
A execução orçamental do ano de
2016 sofreu um volte-face notável a partir do primeiro semestre. Quando o
Governo verificou que as medidas que tinha apontado para a recuperação da
economia e a diminuição do défice estavam a produzir efeitos contrários aos
pretendidos, aplicou medidas extremas de corte nas despesas. No fim do ano foi
possível verificar que as chamadas cativações andaram pelos 900 milhões de
euros e o investimento público baixou para os níveis mais baixos das últimas
décadas. O resultado foi um défice de 2,1%, que deixou a Comissão Europeia
deslumbrada e acalmou os mercados internacionais.
Claro que, com esta diminuição
drástica de despesa, muitas funções do Estado ficaram como se costuma dizer a
pão e água, com limitações significativas no funcionamento corrente do Estado.
Por outro lado, a dívida pública retomou
fortemente a trajectória ascendente de crescimento que desde 2012 era
descendente, apresentando em Junho deste ano um montante recorde de quase 250
mil milhões de euros. Há muito que o critério europeu dos 60% do produto foi
esquecido pela União Europeia, mas andar claramente muito acima de 100% não é
saudável e é mesmo muito perigoso, no caso de haver um solavanco económico
internacional. E um tal crescimento da dívida pública levanta ainda fundadas
dúvidas sobre a real descida do défice, sendo legítimo pensar-se que está a ser
contabilisticamente mascarado, enquanto a Comissão Europeia olha para o lado.
A evolução da economia e das
contas públicas é a maior demonstração de que as propostas do PS nas eleições
de 2015 eram completamente erradas. De facto, a economia cresce apesar do mais
baixo investimento público de há décadas. Esse crescimento é impulsionado, não
pelo aumento do consumo privado provocado pela devolução de rendimentos à
Função Pública, mas sim pelas exportações como era defendido pela direita. O
Turismo tem sido aqui um factor essencial para o crescimento da economia.
A inexistência de críticas à esquerda
pela incoerência do caminho seguido é apenas a confirmação da falta de
escrúpulos e mesmo da mais rematada hipocrisia do PCP e do BE que, calados
perante uma pesada austeridade do Estado, proporcionam uma paz social e
sindical que, por sua vez, acaba por demonstrar o papel eminentemente político
dos sindicatos.
O que se vai seguir não será,
certamente, diferente do que se viu até aqui. O PCP e o BE continuarão reféns
de António Costa que comprará o seu apoio político para o Orçamento 2018 com os
custos inerentes, pelo que o investimento público continuará baixíssimo e as
cativações serão a regra. Não haverá reformas estruturais e a dívida pública
continuará a crescer mesmo acima dos 40 milhões diários de 2016. E, no fim da
legislatura, vamos poder assistir aí sim, com medo dos resultados eleitorais, ao
espectáculo nada edificante da fuga para a frente de PCP e BE contra as
políticas que caucionaram por completo durante quatro anos.