Susana decidiu ir até ao jardim e tomar banho na
piscina. A tarde estava quente e quase toda a gente tinha aproveitado para
fazer uma sesta. Mandou as criadas para casa e pediu-lhes que fechassem a porta
do jardim para poder estar à vontade enquanto se banhava. Mal imaginava que,
escondidos num canto do jardim, dois velhos libidinosos a espreitavam. Eram
dois homens importantes, visita habitual de sua casa convidados por Joaquim o
seu marido, que tinham combinado entre si encontrar maneira de a possuir.
Quando Susana acaba o seu banho e se prepara para regressar a casa, os dois
homens saem-lhe ao caminho e ameaçam dizer ao seu marido que a tinham visto cometendo
adultério com um jovem, razão por que tinha mandado as criadas embora, se não
satisfizesse de imediato os seus desejos. Embora já fossem de alguma idade,
eram homens robustos e bem capazes de violentar a mulher. Susana fica na
situação de ter de escolher entre ceder ao desejo dos anciãos ou ver-se
humilhada perante toda a comunidade. Resolve gritar, assim chamando a atenção
dos restantes moradores da casa, família e criados. Perante os testemunhos dos
velhos, Susana não consegue defender-se e é quase condenada quando um jovem
chamado Daniel interrompe o julgamento propondo que os dois velhos prestem os
seus testemunhos em separado. Interrogados sobre as concretas condições do
sucedido, logo entram em contradição, acabando eles condenados e sendo Susana
absolvida de todas as acusações.
Esta história não se passa nos nossos dias, mas sim
no tempo em que os Judeus estavam em cativeiro na Babilónia, portanto no século
VI AC e surge no Livro do Profeta Daniel. Foi motivo para pinturas famosas de
artistas tão célebres como Rembrandt, Tintoretto, van Dyck ou Rubens, além de
muitos outros, incluindo Artemisia Gentilechi. O quadro relativo ao tema desta
grande pintora injustamente esquecida num mundo artístico povoado quase só por
homens é, aliás, particularmente expressivo, mostrando claramente a violência do
assédio poderoso dos dois homens e a expressão realista de repúdio da mulher
que reflecte, talvez, a violação de que a própria pintora foi vítima, enquanto
jovem. É possível apreciar várias das pinturas sobre este tema no Museu do
Prado, em Madrid, sendo as de Tintoretto e de Rubens muito conhecidas e impressionantes
pelo detalhe minucioso dos ambientes representados.
Embora a época a que se refere tenha mais de vinte
cinco séculos, há muitos aspectos da fábula de Susana e os Velhos que se mantêm
actuais, como todos os dias podemos verificar nos jornais. O voyerismo, a
violência, a mentira e mesmo a chantagem aparecem ligados ao sexo hoje, tal
como os velhos as usaram há tantos anos para tentar alcançar o seu objecto de
desejo. Os casos de abuso sexual, normalmente de jovens mulheres de alguma
forma dependentes, espantam o mundo pelo seu número, mas também pela
notoriedade dos abusadores. No mundo do cinema, mas também na política aos mais
diversos níveis e, ao que se vai conhecendo em diversos países, a herança da
libertação sexual das décadas de 60 e 70 do século passado parece ter produzido
em muita gente uma grande confusão entre sedução e assédio. E, um ambiente em
que o relacionamento entre as pessoas, incluindo a nível sexual, passou a ser
caracterizado por uma maior liberdade, acabou por proporcionar um terreno
propício para a actuação de gente com notórias taras que se sente à vontade
para arrastar na sua vida depravada pessoas com grande dificuldade em se
defender, o que já está mesmo a colocar em causa as liberdades individuais que
tão difíceis foram de conseguir. Por isso, trazer para os nossos dias as
atitudes de Susana e de Daniel perante os dois velhos parece fazer todo o
sentido porque hoje como ontem é preciso fazer frente à mentira, à chantagem e
à violência por mais poderosa que seja a sua fonte.