A vida política ocupou de tal forma o espaço
público em Portugal, que a vida económica parece ter sido relegada para um
plano inferior de importância para todos nós. Tal situação é, em grande parte,
consequência das dificuldades económicas do país que nos últimos 40 anos se
traduziram, designadamente, em três pedidos de ajuda financeira ao exterior.
Como é evidente, essas situações não foram causadas pela economia portuguesa e
sim pela política, isto é, pelas asneiras, incompetência e vai-se agora
sabendo, mesmo pela corrupção que grassa entre a classe política até ao mais
alto nível.
O Estado, apesar da grande carga fiscal a que
obriga os portugueses e as empresas, tem tido a capacidade de gastar mal o
dinheiro dos impostos e essencialmente de o desperdiçar de forma muitas vezes
inacreditável até para o senso comum, acabando por reflectir sobre todos o
custo das suas más opções.
O que sustenta toda a máquina pública é o
dinheiro gerado pelas empresas privadas, sejam pequenas, médias ou grandes.
Tudo o resto, incluindo o chamado sector empresarial do Estado, vive
exactamente do produto gerado por essas empresas. Isto é muito diferente de
afirmar que o Estado não deva existir, antes pelo contrário. O Estado tem
funções essenciais de soberania e de solidariedade e reequilíbrio social para
com os seus cidadãos que necessitam de apoio, como a Saúde, a Educação e a
Justiça. Os seus agentes têm é que respeitar o dinheiro dos impostos como
resultado do esforço de muitos portugueses e não como um manancial de meios
financeiros colocados à sua disposição para desperdiçar a seu belo prazer.
Tudo isto conhecia o Eng. Belmiro de Azevedo, que
agora nos deixou, muito bem. Grande empreendedor, um dos maiores em Portugal,
grande construtor de valor, nada o aborrecia mais do que ver certos políticos
destruir o que ele, como muitos portugueses a outros níveis, constroem no dia-a
dia das suas empresas. Como sempre se recusou a depender do Estado, fosse como
fosse, dizia em público o que muitos calam, por de alguma forma terem que
negociar com esse mesmo Estado.
O sem procedimento como investidor pautava-se
pela independência, mas também por uma extrema exigência de rigor e competência
em toda a cadeia de construção de valor, desde a decisão de investimento na
base de estudos económico-financeiros rigorosos, até à exploração final dos
estabelecimentos comerciais e industriais, passando pela fase da construção. Ao
contrário do que sucede nos investimentos do Estado, na SONAE qualquer obra
deve ser objecto de estudo minucioso nas suas alternativas até se encontrar a
solução mais eficaz ao seu objectivo, gastando-se na fase do projecto aquele
tempo que não se pode depois gastar na obra não cumprindo prazos. Tempo e
dinheiro, já que as obras não podem custar mais do que o orçamentado. E a sua ordem
de recusa de pedidos de corrupção para facilitar algum investimento ia de cima
até abaixo no grupo.
A SONAE começou pelas fábricas de contraplacado
de madeira e laminados, numa dimensão reduzida, ainda nos anos 70. Com Belmiro
de Azevedo transformou-se no grupo gigantesco que é hoje, empregando mais de
40.000 pessoas. As lojas de distribuição, com o Continente à cabeça, mudaram
para sempre o panorama do comércio em Portugal. Lembro-me bem das queixas que
se ouviam sobre o papel dos distribuidores acusados de retirarem a maior fatia
do valor dos produtos, em detrimento quer dos produtores, quer dos
comerciantes. Ao alterar a cadeia, associando a venda à compra directa aos
produtores, contribuiu de forma decisiva para baixar a inflação e impor
profissionalismo na própria agricultura e pecuária do país.
Os hipermercados e centros comerciais tornaram-se
na imagem de marca do grupo SONAE, tendo-lhe dado músculo financeiro para
crescer em muitas outras áreas de negócio, desde o comércio às telecomunicações
e à própria comunicação social, com o jornal Público. Mas há um ou dois
aspectos da vida do grupo SONAE curiosamente pouco referidos na comunicação
social que dizem muito sobre a visão empresarial do Eng. Belmiro. A sua ligação
à indústria nunca se perdeu, antes pelo contrário. Em períodos longos de
prejuízos das fábricas de contraplacados e MDF, em vez de se livrar delas,
colocava a distribuição a pagar esses prejuízos até voltar o lado positivo do
ciclo e aproveitar então para expandir a área industrial pela Europa, onde é
hoje um dos grupos fabricantes de relevo. Por outro lado, preveniu o futuro do
Grupo, preparando a sua sucessão de forma inteiramente profissional, como
sempre fez na vida empresarial. Se hoje está um filho à frente dele, é porque
foi considerado o mais capaz entre os gestores do grupo.
Durante toda a sua vida, o Eng. Belmiro nunca
deixou de se actualizar no que diz respeito às técnicas de gestão e transformou
o próprio Grupo numa grande escola de gestão, mas resistindo às tentações de
enveredar pela finança espulativa, não vendendo empresas produtivas para
transformar em participações financeiras. Assim contribuiu sempre, ao mais alto
nível, para o desenvolvimento económico do país. E o reconhecimento desse valor
para o país é, penso eu, a maior homenagem que, merecidamente, se lhe pode
prestar.