Embora a espuma dos dias já a tenha transformado em passado mais ou
menos esquecido, a notícia sobre a diferença de salários entre os responsáveis
máximos das grandes empresas e os seus restantes trabalhadores merece que se
regresse a ela.
Ficámos a saber que o salário médio dos presidentes das empresas cotadas
na bolsa portuguesa subiu mais de 40% relativamente ao de há três anos,
passando de 700 mil euros para quase um milhão de euros. Em média, os
presidentes executivos ganham cerca de 46 vezes mais do que os trabalhadores
das suas empresas, quando esse valor, há três anos, era de 33 vezes. Significa
isto que um trabalhador médio tem que trabalhar 46 anos (curiosamente, o
trabalho de uma vida até se reformar) para receber o que o presidente da sua
empresa aufere num único ano. Uma explicação para esta evolução dos ordenados
dos gestores residirá na melhoria da rentabilidade das empresas cotadas durante
os últimos três anos, dado que os seus lucros acumulados subiram 50% para um
total superior a 3,5 mil milhões de euros.
Claro que é uma informação chocante, sobretudo porque os salários médios
dos trabalhadores em Portugal não tiveram aumentos semelhantes, aliás nem
sequer aumentaram, antes pelo contrário. De acordo com o que se leu na
imprensa, o custo médio anual de cada trabalhador dessas empresas é de 32mil
euros, tendo mesmo descido 2,7% em relação ao valor de há três anos. Nada que
nos possa admirar, porque cerca de 75% dos postos de trabalho criados nos
últimos anos aufere o ordenado mínimo nacional. Grande parte dos trabalhadores
das empresas portugueses continua a ter salários verdadeiramente indignos
quando comparados com os de outros países, reflectindo aliás, uma das pechas da
nossa economia que tarda a ser ultrapassada, que é a sua fraca competitividade.
Isto é o que se passa em Portugal. Contudo, se formos ver lá fora, veificamos
que a diferença é ainda mais acentuada. Em Espanha os presidentes das empresas
cotadas ganham, em média, 60 vezes mais que os seus empregados, na Suiça 130
vezes mais, na Alemanha 150 e nos EUA 190 vezes. Isto é, trata-se de algo que
tem a ver com a actual organização económica a nível mundial. Note-se que
estamos a falar de empresas cotadas nas bolsas, logo com determinada dimensão
que lhes faculta o acesso a financiamento através dos mercados, o que significa
também alguma participação no mundo financeiro global, para além da sua
actividade económica produtiva.
Toda esta informação, para além dos montantes concretos auferidos pelos
presidentes e outros gestores dessas empresas, causou alguma comoção e mesmo
indignação, sobretudo a nível das redes sociais, como hoje em dia se tornou
usual. E, de facto, saber que o presidente da SEMAPA levou para casa mais de 4
milhões de euros, ou que o presidente da EDP auferiu mais de 2 milhões tal como
o presidente da Jerónimo Martins tendo em conta o rendimento médio das famílias
portuguesas, é susceptível de provocar escândalo público. Esse sentimento nem
sequer é abalado por se saber que noutras actividades esses valores são
pequenos face aos rendimentos que proporcionam. Nem seria preciso ir buscar
quanto ganha Ronaldo (mais de 50 milhões) ou mesmo os 65 milhões de Messi.
Mesmo cá em Portugal o futebol rende a Jorge Jesus uns 6 milhões anuais,
batendo aos pontos responsáveis por empresas que têm vendas de 16.000 milhões e
mais de 100.000 trabalhadores como a Jerónimo Martins ou a EDP com 11.000
trabalhadores e vendas de mais de 3.000 milhões de euros e, significativamente,
tal facto não causa qualquer escândalo ou comoção pública.
A empresa é uma das construções sociais de maior êxito da história da
humanidade. Permitiu um desenvolvimento económico e social sem precedentes e
mesmo uma distribuição de rendimentos que retirou da miséria milhões de pessoas
pelo mundo inteiro. Mas deve ter também um papel importante na Justiça Social,
sem o que a sua função na sociedade sairá claramente diminuída. E a diferença
chocante entre quem nelas ganha mais e quem ganha menos, que hoje se vai
tornando regra, não será certamente a melhor maneira de encontrar esse papel.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Maio de 2018