segunda-feira, 13 de agosto de 2018

De como o diabo sempre cá esteve, ou o rei vai nu.



Aquando da formação do actual governo, o anterior primeiro-ministro Passos Coelho referiu que, com o novo governo PS apoiado pelo PCP e pelo BE, o diabo viria aí de novo. Todos entendemos que se referia à necessidade de nova intervenção no país, que surgiria na consequência de novo incumprimento dos compromissos internacionais – défice e dívida pública- que seria consequência da aplicação dos programas eleitorais dos partidos apoiantes do governo.
Tal não aconteceu, e o ex- primeiro ministro muitas vezes teve que engolir as suas palavras, porque os três partidos se “esqueceram” dos seus compromissos eleitorais e o Governo conseguiu sossegar as instâncias da União Europeia, através do cumprimento das regras de diminuição do défice público.

Contudo, ao fim de três anos, percebe-se finalmente como é que o tão falado “milagre português” foi conseguido.
Muitos sinais foram dando conta do que se estava a passar, mas como os habituais agentes de contestação aos governos se calaram, o quadro geral foi ficando de difícil leitura para o cidadão comum. Contudo, chega um momento em que o estado das coisas se altera de tal maneira que já não é mais possível escondê-lo e basta pegar em algumas das áreas da governação para o provar.
O que se passa na CP, por exemplo, é de tal forma grave que se imagina não estarmos num país europeu do século XXI. A circulação de composições Alfa e Intercidades sem ar condicionado que obrigou passageiros a desistir das viagens e sair na primeira paragem para fazerem o resto dos percursos de táxi a suas expensas por o calor ser insuportável, foi um sinal claro de que algo vai muito mal. A anulação de carreiras com as desculpas mais estapafúrdias e os sistemáticos atrasos completam o cenário. A realidade é que os Caminhos de Ferro Portugueses sofrem de novo de cativações que, este ano, são de uns cem milhões de euros, para além de há três anos não receberem do Governo as indemnizações compensatórias decorrentes do serviço público. A CP não tem condições financeiras para renovar a frota e nem sequer para a manutenção da actual.

A situação real no INEM e no 112 veio também à superfície e não é bonita de se ver. Começa a haver chamadas para o 112 que ficam sem respostas, como por exemplo sucedeu no incêndio de Monchique em que tal sucedeu a umas 170 chamadas. Há turnos com menos de metade do pessoal que normalmente atende as chamadas, havendo igualmente atrasos inaceitáveis na resposta do INEM.
Relativamente ao Serviço Nacional de Saúde toda a gente já se apercebeu do que se passa. Como resultado, quem é rico foge do SNS e vai para o privado na sequência, aliás, do que já fazem os funcionários públicos através da ADSE; o SNS é cada vez mais um serviço para pobres, com condições de trabalho dificílimas para quem lá trabalha e uma gritante falta de meios técnicos com equipamentos por substituir ou mesmo por reparar.
Se em 2017 o investimento público foi o mais baixo em quatro décadas, no corrente ano o seu grau de execução do primeiro semestre foi de 24,5%, quando o previsto era de 49,3%. Aqui reside, ainda, outra causa do que se passa na CP, já que o ministro das Infraestruturas bem pode anunciar obras, que o grau de execução da Infraestruturas de Portugal (estradas e caminhos de ferro) vai apenas nos 12,8%.
Por alguma razão a tão criticada emigração, que anteriormente originava sistemáticas acusações, teve em 2017, apesar da queda do desemprego e crescimento económico, um aumento de 4,6%, sendo mesmo superior em valor absoluto à emigração de 2015, por exemplo, no que respeita aos países para os quais há essas estatísticas.
Isto é, como não há sol na eira e chuva no nabal, o cumprimento do défice, em simultâneo com o eleitoralismo das “reversões” imediatas, tem como reverso a falência do Estado nas suas mais variadas funções. E aqui está como não foi necessário vir o diabo de fora. Ele esteve sempre cá dentro a ser alimentado, escondido durante uns tempos, mas começando agora a mostrar as garras, com o inferno de desgraças que carrega.

Monchique: "um sucesso"

1. Em Monchique não houve mortos, ao contrário do ano passado. Em Monchique ardeu demais, tal como no ano passado nas Beiras.
2. Em Monchique viu-se a GNR em força a tirar os habitantes das casas para os proteger das chamas, e muito bem. Ao contrário do que aconteceu no ano passado nas Beiras. Significa que, nesta matéria, se aprendeu muito e se agiu de acordo com os ensinamentos.
3. Em Monchique arderam mais de 27.000 hectares, no que foi o maior incêndio do ano em toda a Europa, incluindo os famosos incêndios da Suécia e da Grécia. Exactamente nos mesmos locais onde se viam GNRs a retirar pessoas, não se viam bombeiros, apesar de andarem por lá mais de 1.200. As queixas das populações sobre a ineficácia do combate ao incêndio e sobre a falta de apoio dos bombeiros são generalizadas. Toda a gente percebeu que o sistema de combate aos incêndios não evoluiu desde o ano passado e ANPC "sucks", para não dizer que é aquilo que em português tem um nome começado por m e cinco letras.
4. Vir o Governo argumentar que um incêndio com 27.000 ha de área ardida, apara além de dezenas de habitações é  uma excepção a tudo o que correu bem é um insulto aos algarvios de Monchique e não só.
5. Fazer uma festa porque não morreu ninguém só mostra uma alarvidade sem limites, falta de respeito pelos que morreram no ano passado e uma consciência muito pesada pelo que que aconteceu nas Beiras em 2017. Tentar contrapor as casas ardidas e propriedades ardidas à inexistência de mortos, por uma coisa ser preferível a outra é misturar alhos com bugalhos e chamar estúpidas às pessoas. Os bombeiros não andavam a retirar pessoas das casas e os GNR não andavam a combater o incêndio. São coisas diferentes.
6. Faço votos que este ano não haja mais nenhum incêndio forte, porque a cambada de incompetentes e ineptos nomeados politicamente para a ANPC com aquele general reformado com colete a dizer "presidente" nas costas à cabeça é a mesma do ano passado e só a GNR a salvou de em Monchique não ter havido mortes. Isso e a sorte, que também dá sempre jeito alguma.

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Políticos espertalhões fazem milhões



Não vou escrever sobre o caso da actualidade que veio desmascarar um político português e de seguida toda a direcção do seu partido ao tentar defender o indefensável que estava à vista de toda a gente, porque ainda vai dar pano para muitas mangas. Até porque permanecem dúvidas sobre a utilização de “informação privilegiada” na aquisição, para além de eventuais favores no financiamento e no licenciamento das obras.
O caso português resultou num lucro de uns 4 ou 5 milhões de euros, mas noutras paragens há políticos a conseguirem vantagens financeiras, nos mercados, em montantes de centenas ou milhares de vezes aquele valor. O Reino Unido continua a passar por dificuldades tremendas decorrentes do resultado do referendo de Junho de 2016 em que os eleitores escolheram abandonar a União Europeia. Parece mesmo que os responsáveis políticos só agora tomam verdadeiramente consciência dos problemas que enfrentam e ainda mais dos que os esperam no futuro que já está muito próximo.
Mas nem todos os políticos estão preocupados, já que muitos defenderam precisamente a saída da EU e continuam a defendê-la, custe o que custar. São políticos populistas como Nigel Farage que, basicamente, apelaram aos sentimentos nacionalistas de segmentos de população mais idosos e menos urbanos acenando-lhes com o encerramento de portas à imigração e com poupanças no financiamento da União Europeia. Mas, na realidade, o “custe o que custar” que acima escrevi aplica-se aos britânicos comuns e não aos próprios políticos, com Farage à cabeça.
Soube-se, através de uma investigação da Bloomberg, que na própria noite de 23 de Junho de 2016, se fizeram fortunas gigantescas jogando com o valor da Libra e com o conhecimento secreto (porque não público) de sondagens feitas nos dias imediatamente anteriores. Foi assim que, após o encerramento das urnas, o próprio Nigel Farage e o representante de uma das principais empresas de sondagens britânicas, a YouGov, foram às televisões anunciar que o referendo tinha sido ganho pelos defensores da manutenção do Reino Unido na União Europeia. Contudo, quer a empresa de sondagens, quer Nigel Farage tinham conhecimento, há vários dias, de que o resultado do referendo ditaria, com grandes probabilidades, a vitória do Brexit. No prazo de poucas horas, quando o resultado final por todos tido como surpreendente, começou a formar-se, o valor da Libra viria a cair a pique, quando no início da noite até tinha subido Os que tinham conhecimento prévio do que iria acontecer tiveram uma janela temporal de algumas horas para fazer negócios no “short selling” em contramão com as notícias que surgiram logo após o fecho das urnas. As mais-valias foram gigantescas e as declarações nada inocentes de Nigel Farage foram valiosíssimas para que tal tenha sucedido.
Segundo a Bloomberg, o volume de negócios financeiros daquele dia na City foi de uma envergadura brutal. Alguns “hedge funds” realizaram centenas de milhões de dólares, enquanto as empresas de sondagens que com eles trabalharam reconhecem ter sido aquele o dia de maiores lucros da actividade, desde sempre. De acordo com a legislação inglesa, os resultados das sondagens apenas podem ser entregues aos clientes, sendo proibido fazê-los chegar ao público antes do fecho das urnas. Uma dessas empresas de sondagens, a Survation, está muito ligada a Nigel Farage e proporcionou-lhe informação sobre a probabilidade do Brexit, bem antes do resultado do referendo. Apesar disso, o político prestou-se a dar ao público informação contrária, assim beneficiando directamente os “hedge funds” que tinham a mesma informação que ele próprio.
A actividade das empresas de sondagens fica claramente debaixo dos holofotes, mostrando que a legislação regulatória actual, ao defender as decisões de voto dos eleitores, coloca na mão dos especuladores, sejam eles financeiros ou políticos, uma ferramenta poderosa de manipulação dos mercados. Não esquecendo que os políticos estão do lado de fora, podendo usar a informação que detêm a seu belo prazer e enganar os investidores mais fracos, com a possibilidade de argumentar depois que os mercados são mesmo assim, tanto se podendo perder como ganhar. Como, aliás, fez Nigel Farage.

segunda-feira, 30 de julho de 2018

O valor da opinião pública


Com alguma regularidade, surgem na comunicação social temas que levantam grande indignação, muitas interjeições de que “é uma vergonha”, eventualmente um “prós e contras” e, certamente, programas das rádios dando a voz aos ouvintes estilo “antena aberta” ou “fórum” que, as mais das vezes, apenas servem para esvaziar as tensões existentes.
Há poucos dias, a DECO anunciou que os clientes de gás natural estão a pagar ilegalmente a chamada “TOS” – taxa de ocupação do subsolo - desde Janeiro de 2107, exigindo mesmo que os valores pagos sejam devolvidos aos consumidores. Durante dois dias houve grande agitação na comunicação social e nas redes sociais, até porque o montante global da devolução, sem juros, ascenderia a uns 50 milhões de euros, para logo depois o assunto desaparecer dos holofotes.
De que se trata? Há uns anos os Municípios foram autorizados a criar a “TOS”, a ser paga pelos clientes de gás natural. A taxa tem grandes variações de município para município tendo, segundo os jornais, Cascais um dos valores mais altos em que a TOS chega a valer mais de 30% da factura final e a Figueira da Foz o mais baixo, inferior a 0,1%. O pagamento da “TOS” era, até à aprovação do Orçamento de Estado para 2017, pago pelos consumidores através da factura mensal, sendo depois entregue aos municípios pelas empresas distribuidoras. O OE 2017 alterou esta situação e atribuiu o pagamento da TOS às empresas distribuidoras, desonerando os consumidores. Contudo, esta transferência de obrigação de pagamento nunca se verificou. Pelo que se depreende da discussão havida, a alteração depende de legislação regulamentar que o Governo nunca fez aprovar, apesar de a Entidade Reguladora do sector energético lhe ter feito chegar o necessário estudo técnico. Parece haver um problema com as diferentes taxas dos municípios, havendo alguns, como no caso de Cascais, em que o seu valor será considerado demasiado elevado para as empresas distribuidoras de gás natural, sendo necessário haver uma revisão do estabelecido que incluirá uma uniformização da taxa. Pasme-se: o que é aceitável para os cidadãos, deixa de o ser para as distribuidoras, com a GALP à cabeça.

Mas esta taxa é apenas mais um dos exemplos da inventiva do Estado português no que toca a inventar taxas e taxinhas, como se costuma dizer. Escuso de dizer que, sobre grande parte disto incide ainda o IVA, como se aqui houvesse algum valor acrescentado económico, que justificasse o fiscal.
Há uns anos, foi considerado ilegal o pagamento de aluguer dos contadores de água para a vida inteira e os municípios obrigados a terminar com essa prática. O resultado foi aquele que hoje é possível ver nas facturas de água. Em vez do aluguer dos contadores inventou-se a “tarifa de disponibilidade de serviço de água” a adicionar ao próprio consumo, como se essa disponibilidade não fosse a própria razão ser dos serviços ou empresas municipais de distribuição domiciliária de água. De facto, pagar aluguer de contadores para quê? Até porque à boleia da primeira nasceram outras disponibilidades, como a do serviço de saneamento e a dos resíduos urbanos, aguardando-se que a inventiva estatal descubra mais umas tantas para carregar no bolso dos contribuintes.
Carregar no bolso dos contribuintes de forma verdadeiramente obscena é o que se pode verificar mensalmente nas facturas de electricidade, algo para o que desde há anos venho chamando a atenção nestas linhas. E é-o de tal forma que até um dos principais responsáveis por isso, o ex-ministro da economia Manuel Pinho, foi à Assembleia da República chamar “vaca leiteira” a essa facturação, certamente vaca com corninhos, algo a que ele já nos habituou.
O que verdadeiramente impressiona, para além do descaramento com que os cidadãos são alvo de taxas, tarifas, impostos e tudo o mais escondido sob a forma de rendas dadas às escondidas a alguém, é a passividade com que tudo isto é aceite. A opinião pública é algo que em Portugal desapareceu sob a capa de supostas indignações que mais não são do que manipulações feitas com os mais diversos objectivos, normalmente partidários. Basta ver como actualmente sindicatos, comissões de utentes e partidos normalmente muito activos nessa área se calam hoje perante a realidade, comprovando pelo absurdo aquilo que acima escrevo. Se há algo que a democracia portuguesa, já com 44 anos, não conseguiu, foi mesmo criar uma opinião pública forte e esclarecida, factor essencial à sustentabilidade da própria democracia

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Para onde corre o PSD?


Na semana passada o PSD absteve-se na Assembleia da República na votação da alteração às leis laborais, oferecendo ao Governo e ao partido Socialista a aprovação da legislação, uma vez que os partidos que sustentam o Governo votaram contra. O líder do PSD justificou esse voto com o “interesse nacional”, como se todas as leis aprovadas na Assembleia da República não merecessem esse qualificativo. Ainda na semana passada, o PSD voltou a abster-se para “salvar” o governo e o partido Socialista na votação em plenário de uma proposta vinda da comissão de agricultura, na sequência de uma proposta do PCP que só surpreende por defender a propriedade privada. Segundo a proposta os proprietários de terrenos obrigados a ceder parcelas para a criação das chamadas “faixas de gestão de combustível”, através da constituição de servidões administrativas, deveriam ser indemnizados. Neste caso, a posição do PSD tornou-se ainda mais conspícua, porque significou um volte face, à última hora, relativamente às posições que haviam sido as suas, até então.
Estamos todos a assistir, por estes dias, a uma pantominice levada a cabo pelo partido Socialista e os outros partidos apoiantes do Governo sobre a aprovação do Orçamento de Estado do próximo ano que, como é evidente, está mais que garantida. E o que faz o PSD perante esta farsa? Vem ajudar à festa, através do Dr. Silva Peneda, um dos principais conselheiros do líder do partido, que há poucas semanas veio garantir que “o PSD não deve deixar cair o Governo se o Bloco e o PCP roerem a corda na votação do Orçamento para 2019”.

Os portugueses ficaram certamente muito mais descansados e a sua confiança no Governo só poderia, como se verificou logo nas sondagens seguintes, ter uma subida apreciável, o que é notável face à percepção generalizada dos graves problemas por que o país passa.
Aqui as sondagens até serão o que menos nos interessa. O importante é verificar que toda a actuação política do Dr. Rui Rio desde que assumiu a liderança do PSD tem como efeito posicionar o partido Socialista no centro do espectro político, precisamente num tempo em que este abandonou a sua histórica separação da extrema-esquerda que vinha dos tempos de 1975. Para quem justificou a sua corrida à liderança com a suposta “fuga” do PSD do seu caminho social-democrata de centro esquerda verificada nos anos anteriores, o resultado não podia ser mais contraditório. Ao recentrar o PS, está evidentemente a puxar o PSD para fora desse centro, já que a existência de dois partidos no mesmo sítio é coisa que só pode existir na cabeça de distraídos.
Na verdade, tudo isto são minudências, embora tenham o seu significado simbólico e todos sabemos como os símbolos são importantes em política. O que interessa, para um partido que tem a obrigação de ser uma verdadeira alternativa ao partido que está no poder e nunca a sua muleta, é apresentar propostas claras, objectivas e definidoras de um futuro diferente. Isto é, tem que exercer uma oposição forte e sem tibiezas, esclarecendo para que serve votar nele.
O seu líder não pode andar a dizer que “é necessário políticas sociais de proximidade” ou que “o país precisa de uma reforma judicial”, banalidades genéricas ao alcance de qualquer militante neófito de uma qualquer juventude partidária.
Ao deixar o papel essencial de definidor das linhas necessárias para o futuro ao Governo, como Augusto Santos Silva fez numa importantíssima entrevista recente, o PSD está a perder todas as oportunidades de afirmação, remetendo-se a um papel secundário que nunca deveria ser o seu. O PSD transmite actualmente uma imagem de quem diz que anda à caça do javali que lhe come as plantações, mas que dispara contra todos os pássaros que lhe aparecem pela frente, deixando obviamente a caça em alegre liberdade.
A não ser que a liderança do PSD esteja mesmo a seguir o princípio de que “as eleições não se ganham, perdem-se” invocado pelo Dr. Rui Rio logo a seguir à tomada de posse como líder do PSD. Se for realmente esse o caso, bem pode afirmar que o PSD vai vencer as próximas europeias, as próximas legislativas e as próximas autárquicas, que toda a gente percebe que se trata apenas de recados para o interior do partido, tentando calar vozes discordantes.