Aquando da
formação do actual governo, o anterior primeiro-ministro Passos Coelho referiu
que, com o novo governo PS apoiado pelo PCP e pelo BE, o diabo viria aí de
novo. Todos entendemos que se referia à necessidade de nova intervenção no
país, que surgiria na consequência de novo incumprimento dos compromissos
internacionais – défice e dívida pública- que seria consequência da aplicação
dos programas eleitorais dos partidos apoiantes do governo.
Tal não aconteceu,
e o ex- primeiro ministro muitas vezes teve que engolir as suas palavras, porque
os três partidos se “esqueceram” dos seus compromissos eleitorais e o Governo
conseguiu sossegar as instâncias da União Europeia, através do cumprimento das
regras de diminuição do défice público.
Contudo, ao fim de
três anos, percebe-se finalmente como é que o tão falado “milagre português”
foi conseguido.
Muitos sinais
foram dando conta do que se estava a passar, mas como os habituais agentes de
contestação aos governos se calaram, o quadro geral foi ficando de difícil
leitura para o cidadão comum. Contudo, chega um momento em que o estado das
coisas se altera de tal maneira que já não é mais possível escondê-lo e basta
pegar em algumas das áreas da governação para o provar.
O que se passa na
CP, por exemplo, é de tal forma grave que se imagina não estarmos num país
europeu do século XXI. A circulação de composições Alfa e Intercidades sem ar
condicionado que obrigou passageiros a desistir das viagens e sair na primeira
paragem para fazerem o resto dos percursos de táxi a suas expensas por o calor
ser insuportável, foi um sinal claro de que algo vai muito mal. A anulação de
carreiras com as desculpas mais estapafúrdias e os sistemáticos atrasos
completam o cenário. A realidade é que os Caminhos de Ferro Portugueses sofrem
de novo de cativações que, este ano, são de uns cem milhões de euros, para além
de há três anos não receberem do Governo as indemnizações compensatórias
decorrentes do serviço público. A CP não tem condições financeiras para renovar
a frota e nem sequer para a manutenção da actual.
A situação real no
INEM e no 112 veio também à superfície e não é bonita de se ver. Começa a haver
chamadas para o 112 que ficam sem respostas, como por exemplo sucedeu no
incêndio de Monchique em que tal sucedeu a umas 170 chamadas. Há turnos com menos
de metade do pessoal que normalmente atende as chamadas, havendo igualmente
atrasos inaceitáveis na resposta do INEM.
Relativamente ao
Serviço Nacional de Saúde toda a gente já se apercebeu do que se passa. Como
resultado, quem é rico foge do SNS e vai para o privado na sequência, aliás, do
que já fazem os funcionários públicos através da ADSE; o SNS é cada vez mais um
serviço para pobres, com condições de trabalho dificílimas para quem lá
trabalha e uma gritante falta de meios técnicos com equipamentos por substituir
ou mesmo por reparar.
Se em 2017 o
investimento público foi o mais baixo em quatro décadas, no corrente ano o seu
grau de execução do primeiro semestre foi de 24,5%, quando o previsto era de 49,3%.
Aqui reside, ainda, outra causa do que se passa na CP, já que o ministro das
Infraestruturas bem pode anunciar obras, que o grau de execução da
Infraestruturas de Portugal (estradas e caminhos de ferro) vai apenas nos
12,8%.
Por alguma razão a
tão criticada emigração, que anteriormente originava sistemáticas acusações,
teve em 2017, apesar da queda do desemprego e crescimento económico, um aumento
de 4,6%, sendo mesmo superior em valor absoluto à emigração de 2015, por
exemplo, no que respeita aos países para os quais há essas estatísticas.
Isto é, como não há
sol na eira e chuva no nabal, o cumprimento do défice, em simultâneo com o
eleitoralismo das “reversões” imediatas, tem como reverso a falência do Estado
nas suas mais variadas funções. E aqui está como não foi necessário vir o diabo
de fora. Ele esteve sempre cá dentro a ser alimentado, escondido durante uns
tempos, mas começando agora a mostrar as garras, com o inferno de desgraças que
carrega.