segunda-feira, 18 de março de 2013

Dame Kiri Te Kanawa sings "Ah! je ris de me voir si belle"

CAVALO DE TRÓIA



Ao longo dos séculos, a Humanidade foi desenvolvendo simbolismos que, só por si, dizem mais de muitas situações do que grandes e elaborados discursos.
Durante a Guerra de Tróia, os gregos verificaram a sua incapacidade para tomar Tróia pela força, após longo cerco sem consequências de maior para a cidade sitiada. Os sitiantes decidiram então montar uma grande operação de retirada logo festejada pelos troianos que, pela manhã, tiveram oportunidade de verificar que os gregos tinham deixado para trás um grande cavalo de madeira. Tomando a estátua como símbolo da sua vitória, transportaram-na para o interior das muralhas e deram largas à sua alegria com festas prolongadas bem regadas com vinho.
O resto da história também é bem conhecido. Quando os troianos descansavam exaustos pelos seus festejos, do interior do cavalo saíram soldados gregos que abriram os portões ao regressado exército grego, possibilitando assim a conquista e destruição da cidade até então inexpugnável, causando a desgraça e morte dos seus habitantes. Se o “Cavalo de Tróia” é símbolo de esperteza e foi motivo de júbilo para que o utilizou, pelo outro lado o seu simbolismo ficou ligado à arrogância, cegueira e desgraça de quem o meteu dentro das muralhas da Cidade que devia defender.
Os troianos morerram e a morte é também motivo de simbolismos, muitos deles de ordem religiosa, tendo dado origem a imensas manifestações artísticas, também musicais, como atestam as numerosas composições de “Requiem”. A Primavera que chega dentro de três dias é igualmente um símbolo poderoso: o da vitória da vida sobre a morte, da cor sobre o cinzento, da alegria sobre a tristeza. O ponto vernal que marca a passagem da eclíptica para norte do equador celeste assinala o início do período do ano em que os dias vão ser maiores que as noites, em que há mais luz que escuridão. Certamente não por acaso, é também nesta altura do ano que a cristandade celebra igualmente a sua Páscoa, a sua festa maior, a única que verdadeiramente dá razão de ser ao cristianismo. Por todos estes motivos, numerosas composições musicais celebram esta alegria, motivo por que se chamam “Aleluia”.
Caro leitor, pode pensar que os símbolos não são hoje em dia mais do que um arcaísmo destinado apenas aos livros e a quem se dedica ao estudo da História. Nada de mais errado, já que a Humanidade evoluiu muito na sua organização e na satisfação das necessidades essenciais e mesmo das inventadas, mas os homens e mulheres continuam a ser o mesmo: pessoas que sonham, amam e desejam construir um futuro melhor para si e para os outros. Claro que a inveja e a destruição não desapareceram da face da Terra. Mas a História deixou-nos ainda um aviso que devemos ter presente: Roma não paga a traidores e, quem se convence de que pode suceder o contrário, tem normalmente dissabores desagradáveis.
E é mesmo verdade: depois do Inverno vem sempre a Primavera.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 18 de Março de 2013


http://youtu.be/cQgd0vx3nYM



segunda-feira, 11 de março de 2013

11 DE MARÇO

Há poucos dias tive a oportunidade de assistir a uma entrevista televisiva de uma senhora que se apresentava como historiadora e que foi amplamente distribuída pela internet. Durante algum tempo foi debitando os comentários habituais sobre a austeridade, sobre o neo-liberalismo, sobre a venda ao desbarato das grandes empresas públicas aos estrangeiros, sobre a indignação, etc. O habitual. Questionada sobre quais as saídas alternativas à troika, já que só por nós não nos conseguimos financiar para o país viver o simples dia-a-dia, saiu-se com a recordação das nacionalizações de 1975 que, segundo a historiadora, até deram bom resultado.
Como se dá a circunstância de hoje ser o dia 11 de Março, aproveito a oportunidade para recordar essa data. Na sequência do 25 de Abril e do 28 de Setembro, vivia-se então o PREC, sendo presidente da República o General Costa Gomes e primeiro-ministro o Coronel Vasco Gonçalves. Entre manifestações permanentes e lutas mais ou menos escondidas entre PCP e extrema-esquerda pelo controlo do MFA, o país vivia num sobressalto permanente, sem se perceber para que tipo de “socialismo” se iria virar, já que fora disso parecia não haver nenhum caminho possível. A certa altura começou a circular um boato sobre uma suposta “matança da Páscoa” que estaria a ser preparada pelas forças extremistas de esquerda. Tal bastou para que os spinolistas, afastados da decisão política a partir da demissão de Spínola na sequência do 28 de Setembro, tentassem um golpe militar, precisamente em 11 de Março de 1975. A derrota foi completa, tendo parte das conversações entre os militares no terreno sido feitas em directo, diante das câmaras de televisão e do microfone de Adelino Gomes, uma originalidade bem portuguesa.
Poucos dias depois, surgiam as nacionalizações em força, tendo o recém-formado Conselho da Revolução tomado a decisão de nacionalizar a banca e os seguros em 14 de Março, a que se seguiu boa parte da economia. Em pouco tempo o estado era proprietário de mais de 1.300 empresas, incluindo hotéis, fábricas de transformação de tomate, de cerveja e mesmo barbearias. No fim desse Verão, o Estado detinha o controlo de 20% do PIB e as nacionalizações eram consideradas fundamentais para a transição para uma sociedade socialista na Assembleia do MFA de 19 de Abril.
O que se seguiu é bem conhecido. Pouco tempo depois, logo em 1978, estávamos a chamar o FMI pela primeira vez, para nos ajudar perante o descalabro das contas públicas e da economia. Esquecido o “caminho para o socialismo”, com todas as garantias sociais na “Constituição mais avançada do mundo”, mas sem dinheiro para as pagar, viemos lentamente a descambar até à actual situação em que temos a taxa mais elevada de auto estradas por habitante da Europa, sem dinheiro para as pagar e sem carros a passarem por lá. Sem produção, endividadíssimos, com contas públicas deficitárias, com desemprego galopante, vemo-nos obrigados a vender os anéis, isto é, os resquícios empresariais das nacionalizações de 75. E ainda temos que ouvir os disparates de “historiadoras” que não conseguem outras saídas senão voltar aos erros crassos das nacionalizações! Haja paciência.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Março de 2013

segunda-feira, 4 de março de 2013

…MAS COIMBRA TEM MAIS ENCANTO



Assim termina um artigo recentemente publicado por um deputado socialista que, a propósito de uma recente reunião do seu partido em Coimbra, resolveu envolver a sua opinião sobre o significado político daquele encontro supostamente unificador do partido Socialista em considerações sobre a cidade. Coimbra é talvez, entre as cidades portuguesas, aquela que mais referenciais históricos oferece para utilizar como fundo para a passagem de mensagens dos mais diversos tipos e pelos mais variados autores.
O articulista informa melancolicamente que, não tendo estudado em Coimbra, admira contudo as amizades profundas que ligam para a vida os que por cá passaram. Faz ainda alguns comentários certeiros e outros menos justos para a Cidade, mas que devemos olhar com atenção, porque quem observa de fora tem normalmente uma visão mais abrangente, já que livre das pequenas coisas que o dia-a-dia produz; tal como quem está entre as árvores não consegue abarcar a visão da floresta como um todo.
O deputado lembra que Coimbra marca de facto pelo mistério, encanto e sedução, evocando a magia das serenatas e a excelência na saúde, pelo elevado nº e qualidade dos médicos; aponta com razão a aposta da Universidade em alguns nichos de excelência. Mostra como é mau para a Cidade que a Académica seja assumida como segundo clube de muita gente. Aponta a existência de algumas empresas que são ponta de lança em áreas de extrema sofisticação.
Mas quem está de fora também é muito sujeito a preconceitos e ideias formadas sem sentido, o que é o caso. É assim que não foge ao lugar-comum da crítica ao “Portugal dos Pequenitos”, como se hoje o parque temático infantil tivesse mais importância do que como local de diversão para os mais pequenos. Tal como faz a ligação da Universidade a Salazar, o que já vai longe e não tem no presente qualquer significado, para além do histórico que se refere, aliás, a poucas dezenas de anos numa Universidade com mais de sete séculos de existência. Que a Universidade de Coimbra tivesse sido a única em Portugal durante séculos é uma questão nacional e não de Coimbra, além de que esse facto teve certamente consequências positivas como a existência da língua nacional e de um grande país uno como o Brasil. Apontar uma suposta decadência de Coimbra ligada à marca da portugalidade faz hoje tanto sentido como esperar pelo Desejado.
Claro que quem chega observa ainda aspectos que vêm do passado e dos quais Coimbra tem que se livrar completamente, se quer ser cada vez mais progressiva e aberta ao mundo. A chamada doutorice, doença que derrama da universidade para a cidade, é uma pecha grave que tem consequências sociais e políticas importantes. Hoje em dia nem tem muito a ver com a Universidade em si, bastando para tal concluir, ver a forma como os últimos Reitores têm feito esforços para estabelecer ligações de colaboração íntima com o governo da Cidade. Mas ainda é possível ver com alguma frequência utilizar o título académico como forma de afirmação pessoal em vez da capacidade de realização.
Outra observação certeira do deputado foi aquilo que chamou “revolução alcoólica”. Na realidade, se há algo que Coimbra deveria alterar completamente é a ligação das festas académicas ao consumo excessivo de álcool. E isso tem que ser objecto da atenção de todas as entidades responsáveis da Cidade, e não apenas das forças policiais da estrada, já que Coimbra não deseja certamente passar a ser internacionalmente conhecida como a capital europeia da bebedeira!

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 4 Março 2013

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

EUROPA, a ponte

A opinião dos portugueses sobre a Europa já terá conhecido melhores dias. De facto, o mito da Europa, isto é, de que a adesão à União Europeia constituiria só por si garantia de que os portugueses passariam a pertencer para sempre ao clube dos mais ricos com a respectiva qualidade de vida, esfumou-se com uma crise que, de aguda, se transformou em crónica, para mal dos nossos pecados.
Foi certamente com essa visão mítica, algo ingénua e mesmo um pouco deslumbrada sobre a Europa que, nos anos 90, Coimbra avançou com o nome “Europa” para uma necessária ponte a construir na zona da Boavista. Aquela ponte encontrava-se prevista no Plano Rodoviário Nacional e o PDM de Coimbra classificava-a como de “importância regional”. Os estudos então feitos apontavam para aquele local como o mais adequado para a nova ponte, tendo em atenção a necessidade ligar a EN 17 (a chamada estrada da Beira) à EN1 (IC2) e a falta de uma nova ligação rodoviária urbana entre as margens do Mondego a montante da Ponte de Sta. Clara.
Se até aí correu tudo bem, a partir da escolha do local correu tudo mal. Uma empreitada que foi adjudicada por cerca de 29 milhões de euros veio a custar, na realidade, mais de 65 milhões de euros. A abertura da ponte ao tráfego, inicialmente prevista para Dezembro de 2001 só se veio a verificar em Junho de 2004, depois de um atraso de dois anos e meio. Tudo isto numa obra que o então ministro do Equipamento Social afirmou alto e bom som que seria exemplar: “nem mais um dia, nem mais um centavo!”
Os problemas resultaram de uma questão crucial: a adjudicação foi feita, não com base num projecto de execução como deveria ser, mas sim apenas com um anteprojecto; o projecto de execução veio a ser entregue ao empreiteiro 3 meses depois da consignação da obra. Para quem queria que esta fosse uma obra pública exemplar, está tudo dito. Ou quase. Porque mesmo esse projecto não foi devidamente revisto por uma entidade competente para o fazer e veio a verificar-se ser impraticável, causando os adiamentos e aumentos de custos referidos.
A ponte veio a mudar de nome para Ponte Rainha Santa Isabel. Homenagem da Cidade à sua padroeira, abandonando uma designação que remetia para uma atitude reverencial a algo a que pertencemos de direito e de facto, não necessitando de homenagens serôdias. É uma ponte bonita, que resulta particularmente expressiva quando iluminada à noite, pelo efeito de vela dos cabos de sustentação.
No entanto, é incompreensível que uma ponte urbana não possa ser atravessada a pé, nem sequer de bicicleta. Não tem passeios, mais parecendo uma ligação de uma auto-estrada que não existe. O projecto inicial previa uma passagem pedonal sob o tabuleiro da ponte, que nunca veio a funcionar como tal, supostamente porque a alteração do projecto reduziu a altura útil da passagem, impedindo a circulação normal de peões e bicicletas.
A ironia do destino veio a ditar que a designação “Europa” para a ponte estivesse associada a incompetência técnica, incapacidade de decisão e decisões políticas erradas. Como se vê, em completa consonância com a Europa de hoje. Valha a verdade, antes o simbolismo da Santa Padroeira que transformou pão em rosas, com quem a Cidade tem uma relação de confiança há centenas de anos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Fevereiro de 2013

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

ESCREVER E REESCREVER A HISTORIA

Ai dos vencidos, terá exclamado Breno quando fez aumentar o resgate a pagar pela libertação de Roma atirando a sua pesada espada para cima da balança. A História é de facto muitas vezes favorável aos vencedores, já que escrita por eles próprios, pelos seus apoiantes ou apenas por aqueles a quem dá jeito estar com quem ganha o poder. Terá sido o caso do próprio Shakespeare quando estabeleceu a “verdade” para a História acerca de Ricardo III, último Rei inglês da família dos Plantagenetas, morto a lutar em plena batalha de Bosworth no longínquo dia 22 de Agosto 1485. Era do interesse dos Tudor, nova família reinante, que Ricardo III fosse recordado como um monstro, ideia que ainda hoje prevalece.
 A recente descoberta do esqueleto de Ricardo III não trará novidades à História. Confirma que não era corcunda e que padecia, isso sim, de escoliose acentuada surgida teria uns dez anos de idade, e elimina a sugestão de Shakespeare de que seria incapaz de mexer um dos seus braços. Acima de tudo, a análise dos ossos traz à luz do dia a forma como morreu: o seu corpo sofreu inúmeros golpes, tendo provavelmente falecido de um grande golpe na cabeça. Mesmo depois de morto foi trespassado por diversas vezes, o que demonstra, não só a violência dos combates pessoais de então, mas também a raiva que lhe tinham os vencedores e, em particular, os que o atraiçoaram em plena batalha. As crónicas tentaram pintar as cores desse Rei apenas com tons escuros, eliminando as facetas favoráveis que as teve, e não terão sido poucas. Foi leal a seu irmão o Rei Eduardo IV enquanto este viveu e era um homem culto, respeitador dos direitos dos mais pobres e grande defensor da liberdade de imprensa, então no seu início. Ele próprio era um leitor interessado, escrevendo apontamentos pessoais nos livros que lia.
A ciência de hoje permitiu afirmar que aqueles são efectivamente os ossos de Ricardo III, o que ainda há poucos anos seria impossível. Mas a identificação positiva foi também um acaso da História. De facto, foi feita através da análise do DNA mitocôndrico que só é transmitido por via feminina. Os investigadores encontraram duas pessoas descendentes de uma irmã do velho rei que confirmaram ambas o DNA, mas nenhuma delas é mulher com filhas, pelo que eram as últimas hipóteses de confirmar a identificação.
Ricardo III foi certamente um homem capaz das maiores barbaridades e violências, como era aliás habitual no seu tempo. Mas sabe-se hoje que a imagem física que Shakespeare deu dele, tendo escrito mais de cem anos após a morte do Rei, não correspondia à realidade. O grande dramaturgo escreveu que a fealdade do seu aspecto reflectia a maldade da sua alma, isto é, a aparência seria reflexo da personalidade.
A descoberta agora feita vem pelo menos destruir este mito, já que se o aspecto exterior não era de facto como Shakespeare o descreveu, a conclusão sobre a personalidade poderia estar também errada. Mas mostra ainda outra coisa: mostra de facto como muitas vezes os intelectuais, ao mais alto nível, são capazes de utilizar as suas capacidades criativas para os motivos menos nobres. E ensina-nos ainda outra coisa: nunca se pense que a História está escrita em definitivo.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 18 de Fevereiro de 3013

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

BANCOS E BANQUEIROS, ÀS VEZES.



 O banco mais antigo do mundo chama-se “Monte dei Paschi di Siena” (MPS) e foi presidido por Gioseppe Mussari que se demitiu há poucos dias da liderança da associação italiana de bancos. Em 2007, quando era presidente do MPS, comprou um banco ao Santander por mais 36% do que este tinha pago por ele, apenas um mês antes. Desconfia-se que a maior parte dessa diferença terá sido usada para fins menos próprios o que, por mais espantoso que pareça, coloca Mario Monti em maus lençois perante Silvio Berlusconi nas eleições italianas deste mês, dado que Monti pertence precisamente à elite dos banqueiros.
Há menos de um ano o presidente do banco central da Finlândia propôs a separação da banca de investimentos da banca comercial, para que esta não cubra as falhas daquela. Na semana passada, a Alemanha seguiu os passos que a França já deu nesse sentido e aprovou essa separação para os grandes bancos, esperando-se que o Reino Unido venha a fazer o mesmo em breve. No entanto, o governo alemão foi mais longe. De facto, a nova lei prevê ainda que os dirigentes dos bancos ou seguradoras que tenham provocado perdas em consequência da assunção de riscos não considerados poderão sofrer penas de prisão. Os países europeus, começam finalmente a reagir aos problemas resultantes de alguma actividade da banca. Mercê dos desenvolvimentos tecnológicos, da globalização e de uma regulação desadequada a estes novos tempos, a banca tem mostrado grandes debilidades perante a actuação de responsáveis que se aproveitam de facilidades que não deveriam existir. Relembra-se o sucedido, só desde 2008, com o Credit Suisse Group, com o Lehman Brothers, a UBS, e mais recentemente, o JPMorgan Chase e o Barclays Bank e as acusações de manipulação da LIBOR, para só referir os casos mais conspícuos.
Entre nós, os banqueiros também teimam em não sair das primeiras páginas dos jornais e, é preciso dizê-lo, nunca pelas melhores razões. Os comentários de banqueiros e outros milionários sobre a pobreza ou austeridade, com a maior das sinceridades, não são coisa que deva fazer perder um minuto das nossas vidas. Já as fugas aos impostos e negociatas mais ou menos escondidas para fugir ao fisco interessam directamente a todos os que cumprem as suas obrigações fiscais, que são a grande maioria dos portugueses. Como dizem respeito a todos os portugueses as situações que se passaram na banca, casos do BCP e do BPN. Se no BCP foram usados dinheiros públicos da CGD para comprar capital e meter uma administração “amiga” com os prejuízos no banco que estão à vista de todos, no BPN a nacionalização feita há mais de quatro anos serviu para que todos nós estejamos a pagar aquilo que os gestores do banco por lá fizeram. Continua tudo sem ser devidamente esclarecido, sabendo-se no entanto que, dos setecentos milhões referidos pelo antigo ministro das Finanças quando decretou a nacionalização, o prejuízo vai hoje em mais de 4 mil milhões de euros, havendo quem diga que possa vir a subir aos 7 mil milhões. Como a solução para o BPN foi a nacionalização do banco, são todos os contribuintes que estão a pagar o desastre, chamemos-lhe assim, já que o prejuízo de muitos foi certamente o benefício de alguns, que mais cedo ou mais tarde terão que responder publicamente pelos seus actos e pelas suas omissões. O que aliás já deveria estar a suceder, para a saúde do próprio regime. Às vezes é mesmo obrigatório não vacilar perante o poder do dinheiro.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Fevereiro de 2013

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

TURISMO EM COIMBRA


O tema do turismo em Coimbra tem sido abordado com alguma frequência nestas crónicas. A linha principal dessas intervenções tem-se relacionado com o chamado turismo cultural e surge na sequência da verificação empírica de várias características do turismo que nos visita. Essas ideias resultantes da observação directa e de alguma curiosidade pessoal, viram-se agora confirmadas no livro “A CIDADE E O TURISMO”, da autoria de Carlos Fortuna e mais quatro colegas que, de uma forma sistematizada, aborda os segmentos do turismo patrimonial e cultural.
Por esta obra ficamos agora a saber de ciência certa, e cito, que todos os anos mais de 200 mil turistas visitam a Universidade. Mas também que “o sector do turismo não tem um impacto económico muito forte na cidade”, que “o concelho de Coimbra revela francas dificuldades na fixação dos seus hóspedes e que a nossa cidade está mesmo em desvantagem no que respeita à fixação mais longa dos visitantes”, relativamente a outras cidades médias portuguesas. Verificou-se que quase metade dos turistas não passa qualquer noite na cidade, sendo de apenas 1,66 noites a estadia média dos que cá pernoitam e ainda que quase metade dos turistas gastam menos de 50 euros e apenas 28% entre 51 e 100 euros. Os autores salientam que “Coimbra… dotada de um património histórico, simbólico e monumental muito relevante, debate-se com uma série de problemas e constrangimentos de natureza estratégica e organizacional que têm condicionado o pleno aproveitamento do potencial existente.”
Isto é, a questão coloca-se no aproveitamento rentável do património existente legado pela História: temos “hardware” e falta-nos “software” como hoje se diz.
A Universidade é o principal pólo de atracção turística, o que se irá potenciar, caso tenha sucesso a candidatura a Património Mundial da Unesco, como se espera venha a suceder. Se o desfasamento de atractabilidade turística entre a Universidade e o resto da Cidade já é grande, será ainda maior se não houver engenho e arte para, rapidamente, se fazer frente a esse perigo real.
Uma das respostas está na passagem do turismo meramente patrimonial, essencialmente contemplativo, para o turismo cultural, que adiciona actividades artísticas à pedra dos monumentos. Espectáculos realizados nos monumentos, seja por grupos de teatro, seja por agrupamentos musicais nas suas diversas formas, criam ambientes novos, diferentes, muitas vezes de grande beleza, que têm obviamente um potencial económico muito relevante, se integrados numa política de turismo eficiente.
Isto mesmo tem sido provado pela Orquestra Clássica do Centro que, arrostando com algumas incompreensões, tem levado diversos tipos de música erudita aos mais variados monumentos da Cidade, sempre com agrado e mesmo por vezes espanto do público pela qualidade da prestação, como sucedeu ainda no passado dia 31 de Janeiro na Igreja do Mosteiro de Santa Clara-a.Nova, num concerto de excepcional brilho num ambiente de enorme valor simbólico para Coimbra.
Coimbra tem o património e tem produção cultural própria de altíssimo nível. Tem obviamente faltado a capacidade organizativa para juntar tudo numa oferta cultural que tem potencialidades para brilhar no cenário nacional.
Estamos num momento histórico de charneira, definido por várias circunstâncias, desde a candidatura à Unesco, à redefinição da organização administrativa do país, às mudanças económicas e sociais ligadas à política de habitação e regeneração urbana, às novas circunstâncias económicas europeias e à cada vez maior importância da política de cidades. Por aqui passa muito do nosso futuro colectivo.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 4 de Fevereiro de 2013