segunda-feira, 21 de março de 2016

Política e justiça



O que se passa no Brasil por estes dias é algo que nos choca por diversos motivos relacionados com o exercício da governação, com a corrupção política generalizada, com a justiça, levantando ainda várias questões co-relacionadas. De facto, para além do que vai sucedendo aos olhos do mundo, as reacções que suscita merecem também ser vistas com alguma atenção, pelo que revelam do mundo político.
A chamada operação “lava-jato” leva já dois anos e promete não deixar pedra sobre pedra na política brasileira, fazendo lembrar o que sucedeu em Itália com a operação “mãos limpas” na década de 1990. Depois de ter descoberto as ligações entre as maiores construtoras do Brasil, a Odebrecht, a Andrade Gutierrez e a Camargo Correa e os principais dirigentes do Partido dos Trabalhadores tendo como placa giratória a Petrobras, a Justiça brasileira chegou finalmente ao ex-presidente Lula da Silva, não há muito tempo doutorado Honoris Causa pela Universidade de Coimbra, recorde-se. A partir daqui, se antes já eram perceptíveis as manobras políticas para travar a Justiça, passou a assistir-se a algo inimaginável num país democrático, com a tentativa de nomear Lula da Silva para o Governo, com o objectivo confesso de o subtrair aos juízes.

Para se perceber o que se passa no Brasil, não se pode deixar de referir a actual situação económica do país. Quando Fernando Henriques Cardoso entregou a presidência a Lula da Silva em Janeiro de 2003, o Brasil tinha sofrido uma completa reforma económica a partir do “Plano real”, que havia retirado o país de uma década terrível do ponto de vista económico, colocando o Brasil na senda do crescimento. Lula teve a inteligência de prosseguir com a política económica de Fernando H Cardoso com um bom crescimento, enquanto criava uma série de programas para reduzir a pobreza do país, como o Bolsa Família e Fome Zero. A sucessora Dilma Rousseff veio, no entanto, a mostrar-se de uma grande incapacidade para garantir que o Brasil continuasse no bom caminho, em termos económicos.
Em 2015 a economia retraiu 3,8% e neste momento a economia desacelera há sete trimestres consecutivos. O consumo caiu 4%. O investimento cai pelo segundo ano consecutivo, acumulando actualmente 18%. O desemprego está a crescer, com 1,5 milhões novos desempregados em 2015, estimando-se para este ano que esse número suba aos 2 milhões. De acordo com os analistas internacionais, a redução do PIB per capita em 2015 e 2016 poderá ser superior a 10%, sem se prever sequer que em 2017 possa recuperar, antes pelo contrário. Neste caso, o Brasil estará a passar pela pior crise desde 1901, altura em que teve 3 anos sucessivos de recessão. A inflação em 2105 foi de 11%, o que traz receios de descontrolo, perante o estado geral da economia. A dívida pública deverá crescer 11 pontos em apenas dois anos, não havendo sinais de o governo de Dilma pretender diminuir o défice das contas públicas.
A razão das gigantescas manifestações contra a política da Presidente Dilma reside nesta trágica situação da economia brasileira.
Neste contexto, a descoberta de que as elites governativas participaram num gigantesco esquema de corrupção que lhes garantiu enormes fortunas, só poderia criar as condições propícias à revolta das classes mais atingidas, isto é, as classes médias. A atitude da Presidente Dilma tentando subtrair Lula à Justiça para obstruir a sua acção é de uma imprevidência inacreditável, para dizer o mínimo.

Entre nós espanta que, em vez de se discutirem os problemas como a situação económica do Brasil e a corrupção ao mais alto nível, se troquem os factores e se acuse a Justiça brasileira de perseguição a políticos, no caso precisamente com a mesma orientação ideológica. Ao arranjarem desculpas ideológicas para os corruptos, transformando-os em perseguidos em vez dos gangsters que na verdade são, apenas nos fazem pensar no que fariam se o poder lhes fosse parar às mãos.

segunda-feira, 14 de março de 2016

Trabalho infantil e escravo, hoje.

Os Estados Unidos da América aprovaram, no fim do passado mês de Fevereiro, legislação que proíbe finalmente a importação de produtos fabricados com recurso a mão-de-obra infantil ou escrava. Esta legislação veio tapar uma brecha na lei que permitia essa importação, caso a procura dos produtos em causa não pudesse ser satisfeita de outra forma, situação que se mantinha desde 1930.
A simples leitura de uma notícia destas causa perplexidade e mesmo alguma perturbação. Na realidade, no mundo actual e no ano de 2016 da nossa era, pode não parecer evidente que estas situações sejam uma realidade e, muito menos, que tenham uma expressão significativa. Vivemos numa União Europeia que é uma das regiões mais desenvolvidas e mais civilizadas do mundo e, à excepção de algumas ocorrências como é a actual crise dos refugiados causada pela situação de guerra do Médio Oriente, não é assim tão frequente chegarem até nós ecos de situações recorrentes de tão grande miséria humana como a escravatura ou o trabalho infantil.
Mas a necessidade de proibir algo é a primeira prova de que existe. E a lista que foi conhecida com o cruzamento dos produtos que podem ser resultado de trabalho forçado em escravatura ou por crianças, com os países onde tal acontece é verdadeiramente surpreendente. Que países do extremo-oriente como a Tailândia, o Cambodja ou as Filipinas surjam na lista não nos causará assim tanta admiração. Tal como muitos países africanos, onde talvez a pobreza extrema e persistente leve a que estas situações sejam mais frequentes, como são os casos da Guiné, da Serra Leoa ou do Congo. Satisfação causa o facto de nenhum dos países africanos de língua portuguesa fazer parte da lista, o que é de saudar. Mas a existência de numerosos países centro e sul-americanos provoca alguma surpresa e altera boa parte da percepção geral desses países, para pior. À cabeça está o Brasil com uma grande quantidade de produtos em que, pelo menos em parte da sua produção, são utilizadas crianças ou mesmo pessoas escravizadas de alguma forma. Estamos a falar de uma variedade de produtos que vão da cana do açúcar, ao algodão, aos tijolos, ao tabaco, ao vestuário, aos sapatos até à madeira, o que indicia uma situação verdadeiramente surpreendente no país irmão. Mas o Brasil não está sozinho, longe disso, sendo acompanhado pela Argentina, pelo México, pelo Paraguai e quase todos os centro-americanos desde a Bolívia à Colômbia ou à Guatemala.
Do lado dos produtos, há um que merece uma chamada de atenção especial. Estima-se que haja actualmente mais de 2 milhões de crianças na África ocidental a trabalhar na colheita de cacau, numa actividade fisicamente muito pesada e perigosa. Para além da colheita directa dos frutos da árvore, as crianças transportam cestos à cabeça com quilos e quilos de frutos e ainda procedem ao corte dos mesmos para retirar o miolo, trabalho feito com catanas que deixam milhares de crianças com feridas graves, no que corresponde a cerca de 40% das crianças envolvidas. Nesta zona do continente africano é produzido mais de 70% do cacau do mundo, principalmente na Costa do Marfim e no Gana, o que provoca uma dependência enorme da indústria mundial de chocolate do que aqui se passa. Afirma-se que os grandes fabricantes de chocolate têm investido dezenas de milhões de dólares nestes países com vista à erradicação do trabalho infantil na cultura do cacau mas, como é hoje evidente, o resultado não é minimamente satisfatório. E não é agradável, para dizer o mínimo, oferecer às nossas crianças chocolates Nestlé, Mars ou Cadbury, sabendo que na sua origem está o trabalho de milhões de outras crianças em condições desumanas.
E não devemos esquecer que, mesmo entre nós, o trabalho infantil era uma realidade ainda não há muitos anos. Podemos querer esquecê-lo ou até tentar calar a verdade, mas ainda nos anos noventa do século XX havia muitas crianças a trabalhar em Portugal. No Norte do país, uma boa parte das indústrias do vestuário e do calçado usava crianças na laboração embora de forma encapotada, ao deixar operários e operárias levar parte do trabalho para ser feito em casa. E aí, às escondidas de qualquer fiscalização, as crianças participavam arduamente na confecção dos produtos durante a noite que, no dia seguinte, seguiam para as fábricas.

Quer-se acreditar que, entre nós, esta situação já esteja completamente ultrapassada. Mas não podemos deixar de tomar consciência do problema, a nível internacional, já que hoje ninguém está sozinho e o que acontece do outro lado do mundo tem implicações no nosso dia-a-dia, nem que seja na oferta de uma tablete Kit Kat ou um pacote de M&M às nossas crianças.

segunda-feira, 7 de março de 2016

Mudança radical à vista no mundo automóvel

A sinistralidade automóvel é um problema gravíssimo pelo sofrimento e custos sociais e económicos que provoca às famílias atingidas e à sociedade em geral. É conhecido o conjunto de factores que podem estar associados aos acidentes de viação, em conjunto ou por si só: as características da via e do veículo e ainda do próprio condutor, para além da envolvente, como as condições meteorológicas.
Nos últimos dez ou quinze anos, a sinistralidade automóvel em Portugal conheceu uma diminuição assinalável. Tal deveu-se a uma melhoria radical das nossas estradas, a um rejuvenescimento do parque automóvel e também, por certo, a um policiamento mais eficaz com vista, essencialmente, a descer a velocidade habitual de circulação dos automobilistas portugueses.
Contudo, a partir de 2014/2015 verificou-se uma inversão na tendência de melhoria da nossa sinistralidade automóvel. Relativamente a 2014, no ano de 2015 registaram-se mais 5.569 acidentes rodoviários num total de 122.800, um acréscimo de quase 5%, que provocaram 478 mortos.
Têm sido apontadas várias razões para tal facto, nomeadamente ligadas a alguma retoma económica que provoca um aumento de viaturas em circulação nas estradas o que, no entanto, explicará apenas uma pequena parte do problema. Sucede que o aumento da sinistralidade nos últimos dois ou três anos se tem vindo a verificar em todo o mundo e, em particular, na Europa e nos EUA, pelo que haverá razões comuns, para além do circunstancialismo deste ou daquele país.

Dado que as estradas são as mesmas e os veículos automóveis são cada vez mais seguros, as causas para o aumento do número de acidentes residirão certamente no comportamento dos condutores. Os especialistas apontam uma razão essencial para o actual aumento da sinistralidade e tem a ver com a utilização de meios de comunicação dentro do carro. Todos nós, que diariamente nos deslocamos na cidade verificamos que, na realidade, é enorme o número de condutores que, com a maior descontracção, conduzem enquanto seguram o telemóvel junto ao ouvido com uma das mãos. Apesar da existência de inúmeros sistemas que permitem falar ao telefone mantendo as mãos livres, penso que não exagerei se disser que, na maioria dos casos não são utilizados, seja por razões de privacidade na conversa, seja por qualquer outro motivo ligado à opção pelo sistema mais fácil, que é pegar no telefone. Mas o problema não se restringe às chamadas. O telefone é hoje uma ferramenta de comunicação potente, que permite ler e enviar mensagens escritas, fazer o mesmo com e-mails e comunicar através das redes sociais. Para além da distracção causada pelos telefonemas, o desvio do olhar da estrada para o aparelho potencia de forma terrível o surgimento de acidente e é precisamente isso que se verifica actualmente em todo o mundo. O número de acidentes não aumenta nas auto estradas e sim em meio urbano ou sub-urbano onde, por a velocidade ser inferior, os condutores tendem a baixar a defesa na condução e se distraem mais facilmente.
Não por acaso, surgem cada vez mais notícias de que o desenvolvimento da indústria automóvel está prestes a seguir no caminho dos veículo que circularão sem intervenção de condutor. A enorme capacidade da informática nos dias de hoje, a possibilidade de utilizar sensores que analisam o meio ambiente de forma mais completa que as pessoas e a possibilidade de interligação automática entre veículos e entre eles e as infraestruturas viárias está a permitir o surgimento de viaturas que se conduzem por elas mesmas. Para além dos milhares de veículos experimentais da Google que circulam na Califórnia, há marcas que já oferecem a possibilidade de condução completamente automática em auto-estradas com velocidade até 130 Km/h. A vontade ou necessidade de as pessoas estarem permanentemente conectadas leva a que prescindam da condução em favor dessa situação, o que está a levar a indústria automóvel a tentar encontrar novas soluções que estão já a mostrar um futuro rodoviário completamente diferente daquele que conhecemos até hoje. Acresce uma maior consciencialização da tremenda tragédia dos mortos e incapacitados por acidentes rodoviários, situação que se considera cada vez mais inaceitável.
Os automatismos dos veículos automóveis já estão aí há alguns anos, em praticamente todos os segmentos, dos mais económicos aos mais sofisticados. Muitos dos condutores não se aperceberão disso e a esmagadora maioria nem perceberá o seu funcionamento, mas os veículos têm hoje diversos sistemas que funcionam independentemente da vontade ou da acção dos condutores. Desde o ABS até sistemas de detecção automática de peões, de leitura de sinalização rodoviária e de detecção de vias até aos sistemas electrónicos de controlo de estabilidade e de tração, o caminho tem sido o de aumentar a segurança activa e passiva dos veículos, para além das capacidades dos condutores.

O próximo passo, em grande parte ditado pelos comportamentos actuais dos condutores, será o da auto-condução generalizada dos veículos. E não deverá estar tão longe como o leitor possa imaginar.

quinta-feira, 3 de março de 2016

As mulheres são seres humanos?

Eis a magna questão discutida por uma academia saudita. Sim, nos dias de hoje. Ontem, há muito tempo, a Igreja Católica discutia o magno problema do sexo dos anjos, não sei se chegaram a alguma conclusão.
Mas as mulheres? Seres humanos? Lá teriam que deixar de andar tapadas, credo!

sauditahttps://actualidad.rt.com/sociedad/201115-mujeres-seres-humanos-saudita



quarta-feira, 2 de março de 2016

Prontos, atão é assim:

"Tinhemos" coragem de perdoar as pessoas que "interviram" assim no parlamento. Elas não têm culpa se os paizinhos não tiveram dinheiro para as mandar para a universidade aprender, a falar sem erros básicos de português, por exemplo. Ironia, claro, porque o sr. é catedrático do IST e é filho do dono do Colégio Valsassina que frequentou e é um dos melhores e mais elitistas de Lisboa.

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Os ingleses são europeus

Embora seja uma ilha, será errado pensar-se que a Inglaterra está desligada do resto da Europa. No século XIII, foi formado o primeiro Parlamento com a participação de cidadãos comuns e o Rei João sem Terra foi obrigado a assinar a Magna Carta, considerada a percursora das constituições, ao estabelecer que o Rei estava obrigado a cumprir a lei. No século XVII, o parlamento inglês estabeleceu o princípio de “no taxation without representation”, isto é, todos os impostos têm que ser aprovados pelo parlamento. À Inglaterra devemos a democracia, a tolerância religiosa e a organização do Estado em respeito pelas liberdades. A maior glória da literatura mundial chama-se Shakespeare e as suas obras ainda hoje são actuais e geniais na exposição do bem e do mal que todos temos dentro de nós. A língua inglesa é hoje, na prática, a base comum de entendimento de pessoas por todo o mundo. Milhões de pessoas são responsáveis pela derrota da barbárie que Hitler tentou espalhar pelo mundo, começando pela Europa e a todo temos que estar gratos. Mas a resposta de Churchill aos ataques aéreos nazis a Inglaterra ecoa ainda hoje nas ondas hertzianas e foi crucial para a vitória da civilização: “we shall never surrender”.
Também Portugal está intimamente ligado a Inglaterra pela História. A nossa mais incrível e bem sucedida época histórica tem raiz numa mulher inglesa, Filipa de Lencastre, que casou com uma das nossas personalidades mais marcantes, o Rei D. João I, e tal não foi certamente por acaso.
Nas últimas semanas temos assistido às mais diversas posições sobre as relações do Reino Unido com a União Europeia.
Os disparates de David Cameron, tentando resolver problemas internos do Partido Conservador através da obtenção de vantagens no relacionamento com os parceiros europeus, espantosamente suscitam de novo críticas à União Europeia entre os extremistas de esquerda e de direita. Em 23 de Junho os cidadãos do Reino Unido vão votar um referendo sobre a sua permanência na União Europeia. O primeiro-ministro DAVID Cameron vai fazer campanha pela permanência, mas pelo menos 4 dos seus ministros vão lutar pela Brexit, no que são acompanhados pelo mayor de Londres Boris Johnson, um dos mais carismáticos políticos conservadores da actualidade, que aproveita para tentar alcançar o que almeja, que é ser líder do Partido.A Inglaterra e a EU estão estão hoje muito mais ligadas do que antes de 1973. Quase metade das exportações inglesas vão para os países da UE onde registe-se, vivem quase dois milhões de britânicos.
A saída do Reino Unido traria implicações económicas graves, mas muitos outros problemas de difícil solução. A Escócia, que há poucos meses escolheu em referendo continuar no Reino Unido e é maioritariamente pró UE, faz saber que o pressuposto de continuação na União Europeia era fundamental para se manter no Reino Unido, o que estaria posto em causa no Brexit. Os defensores da saída assinalam que o Reino Unido transfere 350 milhões de libras semanalmente para o orçamento comunitário, mas esquecem que, por cada 340 libras pagas anualmente em média por cada família, são recebidas da EU 3.000 libras igualmente por ano. Por outro lado, as exportações inglesas passariam a pagar taxas alfandegárias para entrar nos países da EU. Pertencendo à EU, a Inglaterra pode influenciar os regulamentos para não prejudicar os seus agentes económicos, além de ter precisamente as mesmas regras dos seus parceiros, o que deixaria de acontecer, no caso de Brexit.
Uma União Europeia sem o Reino Unido ficaria muito mais dominada pela dimensão política e económica da Alemanha, o que se reflectiria num desequilíbrio evidente, dada a fragilidade e declínio económico da França. A Inglaterra tem sido também uma força no sentido do liberalismo económico, da luta contra o proteccionismo e de uma visão mais virada para o resto do mundo.
Uma fraqueza notória da União Europeia tem sido a sua política de defesa. A Inglaterra, com o seu poderio militar e capacidade de intervenção, é uma parte crucial da defesa europeia, significando o Grexit um enfraquecimento notório da Europa, também nessa área política. Aliás, não será por acaso que um dos políticos que mas se tem destacado no interesse da saída do Reino Unido da EU seja precisamente o presidente russo Vladimir Putin que ultimamente tem evidenciado um grande apetite por capacidade de intervenção internacional, para o que o enfraquecimento da União Europeia dará muito jeito.
Todos estes aspectos são relevantes e mostram como o interesse da manutenção da Inglaterra na União Europeia é das duas partes. Interessa à Inglaterra para evitar consequências sociais e económicas que poderiam ser desastrosas, mas a União Europeia ficaria igualmente muito fragilizada nesse caso.

Mas há outro elemento mais importante, que devo aqui realçar, e que é cultural e histórico. A Inglaterra esteve muitas vezes de costas voltadas para o continente. Outras vezes esteve mesmo em guerra, como aconteceu na Guerra dos Cem Anos. Mas é muito mais o que nos une do que o que nos separa, porque até essas situações de conflito radicaram em diferenças que também existiam no interior do continente. A nossa História comum é extensa e densa e, francamente, custa ver tanta gente por aí a desejar a saída da Inglaterra da União Europeia, apenas com o objectivo final de a enfraquecer.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Sertã, a princesa da Beira Baixa

Uma das minhas várias raízes como beirão assumido chama-se Sertã, a terra de meu Pai, a que muitos chamam princesa da Beira Baixa, com muitas e boas razões para isso.
As ligações pessoais à Sertã vão até à meninice e contêm memórias familiares, mas também ligadas aos sítios daquela terra que fazem dela um dos locais mais belos da Beira Baixa.
A vila da Sertã é atravessada por uma ribeira que tem precisamente o nome de Ribeira da Sertã. Dentro da Sertã, a ribeira tem locais como o açude que forma a piscina natural em que tantas tardes de verão da juventude foram passadas ou a Carvalha, parque frondoso limitado pela ponte em arco mandada construir por Filipe III no início do século XVII e que tanta gente diz ser romana, parque recentemente alvo de uma feliz intervenção urbano-paisagística.

A Sertã possui um pequeno castelo, que a lenda liga ao nome da terra. Segundo a tradição, uma mulher chamada Celinda terá ajudado a defender o castelo das invasões romanas, atirando com azeite a ferver de uma sertã para cima dos soldados invasores, atrasando-os o suficiente para permitir a chegada de reforços. Se esta história tradicional é verdadeira ou não, pouco interessa para esta crónica, dado que foi aquela que me foi contada desde pequeno, sendo das várias justificações para o topónimo Sertã a mais interessante, mesmo mais do que aquela que liga o nome ao general romano Sertório que por lá terá andado.
A história da Sertã é antiquíssima, sendo as primeiras referências concretas ligadas aos lusitanos, através de inscrições em pedra que nos transmitem os nomes de pessoas que por ali viveram no primeiro século depois de Cristo. Passando pelos períodos romano, dos bárbaros, dos muçulmanos até à reconquista cristã por D. Afonso Henriques que entregou um vasto território aos Templários com sede em Tomar, bem perto dali, e que incluiria a área do que hoje é o concelho da Sertã. Logo depois dos Templários vieram os Hospitalários e a Ordem de Malta que aqui estabeleceu um Almoxarifado para a administração do território que durou até 1831, tendo D. Manuel concedido o primeiro foral à Sertã em 1513.
Do concelho da Sertã faz parte Cernache do Bonjardim, onde deverá ter nascido em Junho de 1360 D. Nuno Álvares Pereira, figura ímpar da nossa História. Cernache do Bonjardim é terra muito querida e lembrada por muita gente, dado o papel crucial prestado à educação durante muitos anos pelo Colégio Vaz Serra depois Instituto Vaz Serra, onde meu Pai também estudou, única instituição de ensino liceal da região durante muitas dezenas de anos.
A Sertã foi sempre terra de grande actividade associativa e cultural. Desde muito novo acompanhei os mais velhos ao Clube da Sertã onde eram regularmente projectados filmes, instalado no que, no início do século XX, havia sido o Teatro Tasso. Neste velho Teatro, o meu Tio-Avô Olímpio Craveiro, que haveria de ser ferido na I Grande Guerra em França, actuou desde a primeira peça apresentada em Julho de 1915 até ser o ensaiador e responsável por uma companhia amadora, já nos anos 50, sempre no Teatro Tasso. 

À minha memória pertence igualmente a Filarmónica União Sertaginense, menina do coração do meu Tio e Padrinho Manuel Martins da Silva que a ela pertencia e a que presidiu nos anos oitenta do século passado, altura em que a associação comemorava já os 150 anos de vida.
Tanto há a dizer daquela terra bonita e simpática, que quase tudo fica por dizer. Mas há algo que não pode ser esquecido, e tem a ver com a gastronomia. Devo reconhecer que, muitas das vezes que me desloco à Sertã, o faço por um motivo principal: as duas iguarias da terra, o bucho e o maranho. Não preciso de aqui enaltecer estes dois pratos, que penso serem já sobejamente conhecidos e tidos como especialidades gastronómicas. Mas devo, como fiz para outras referências acima escritas, trazer a memória pessoal e lembrar como sabiam bem estes pratos após o obrigatório bacalhau cozido na noite de consoada de Natal, quando todos os familiares se sentavam à mesa.

Até pode ser que a memória pinte com cores ainda mais simpáticas tudo o que se refere à Sertã mas acredite, leitor, vale bem a pena conhecer aquela terra da Beira Baixa.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

O cheiro intenso do populismo

Estão a decorrer nos estados americanos as votações nos pré-candidatos dos partidos Democrático e Republicano, para encontrar os candidatos que, no final, se enfrentarão na eleição do Presidente dos EUA. Para não serem muito diferentes da tendência que nos últimos anos se tem acentuado um pouco por todo o mundo, é notória a faceta populista de boa parte dos candidatos em presença. A base comum é o ataque a algo que chamam “sistema”.
Quer os eleitores democratas, quer os republicanos, mostraram até agora que as suas preferências vão exactamente para os candidatos campeões do populismo. Do lado dos republicanos brilha a estrela de Donald Trump, o multimilionário que decidiu tentar a sua sorte também na política o que, para o seu gigantesco ego, só poderia significar a presidência do mais poderoso país do mundo. As suas posições, umas vezes delirantes, outras mesmo obscenas, sobre os emigrantes, sobre a organização económica e sobre a sociedade, são obviamente um perigo para os EUA e para o mundo, mas encontram eco entusiástico entre muita gente que não se sente bem num mundo em mudança rápida e que tem basicamente medo de tudo o que é novo. 

Mas Trump não está sozinho, do lado dos republicanos. O outro candidato do mesmo partido que mais sombra lhe faz é o senador Ted Cruz cujo discurso se assemelha ao populismo dos tele-evangelistas e que corporiza muita da rejeição ao actual presidente Obama, tendo ficado famoso pelo seu discurso de horas e horas no Senado, com o objectivo de evitar a aprovação do programa conhecido como “obamacare”.
Do lado dos democratas, emerge um candidato que também faz da guerra ao “sistema” o motivo principal do seu discurso. Classificando-se a si mesmo de socialista, o que nos EUA é uma novidade, Bernie Sanders capitaliza a escolha das camadas mais jovens, ao atirar-se sistematicamente aos ricos, a Wall Street e a toda a organização financeira, a começar pelos bancos. 
Até agora, e de forma algo surpreendente, o populismo de Sanders tem levado a melhor sobre Hillary Clinton, por ele apelidada de representante do sistema e do capital. Claro que faltam ainda as escolhas da esmagadora maioria dos estados, até às eleições de Novembro. Mas os sinais da influência do populismo estão aí todos, com o perigo inerente.
Na Europa, a situação não é muito diferente. O mau estar latente deve-se a múltiplas causas, como os desempregados que sabem que nunca voltarão a encontrar trabalho, a insegurança do terrorismo, a avalanche de refugiados de África e do Médio Oriente, a desorientação ideológica pela falência dos principais modelos políticos, a crise económica persistente, o relativo afastamento das instâncias comunitárias, a sistemática actuação dos responsáveis financeiros com banqueiros à cabeça, a própria desconfiança das novas gerações que percebem que o mundo dos seus pais passou de realidade a utopia.
Todos estes problemas reflectem uma crise no sistema democrático, mas desengane-se quem pense que o discurso facilitista dos populistas de esquerda e de direita é solução. Estes problemas só existem, porque se vive precisamente em democracia, em que se devem igualmente encontrar as soluções, veja-se o que se passa na Venezuela, onde um populismo grotesco campeia há anos com os resultados desastrosos que se veem.
E o medo não é bom conselheiro. Em França, foi agora feita uma alteração constitucional que é um verdadeiro desastre, ao permitir que as autoridades administrativas possam fazer buscas a qualquer hora da noite, possam proibir locais de culto e fazer detenções domiciliárias, tudo sem qualquer controlo judicial. 

Actualmente o presidente francês é socialista e o governo também, mas estas decisões não andarão muito longe do pretendido pela Frente Nacional de Le Pen que nem precisará de fazer estas alterações legislativas por “razões de segurança nacional” se vier a ganhar eleições, bastando-lhe aplicar a lei, gizada pelos socialistas.

Vejo muitas pessoas dos mais diversos quadrantes ceder ao populismo, mesmo entre nós. Não posso deixar de assim classificar muitas das posições políticas que hoje são apreciadas, por serem contra o “sistema”, contra os “políticos, todos iguais”, contra os burocratas da União Europeia, etc. Normalmente falam com voz alta e forte, disfarçando com convicção teatral o vazio destrutivo do que dizem. A defesa da Democracia passa hoje pela rejeição deste tipo de posições, pela defesa intransigente da Lei e pela reforma do que necessita de ser mudado, ao contrário da destruição de todo um sistema.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Marcelo, Presidente


Portugal acaba de passar por um dos períodos eleitorais mais longos da sua história democrática. As eleições legislativas de Outubro tiveram uma campanha eleitoral que não se limitou ao período definido na lei, dado que na realidade começou muitos meses antes. Seguiu-se-lhe a campanha presidencial que terminou com a eleição de Marcelo Rebelo de Sousa logo à primeira volta.
As eleições presidenciais tiveram vários aspectos dignos de nota. Desde logo porque houve dez candidatos, tendo-se considerado desde o início que havia nove candidatos contra um, Marcelo. Oriundos directamente do Partido Socialista, havia três candidatos a que se acrescentava um oficioso, independente “mais ou menos apoiado” pelo partido. Dois partidos, o PCP e o BE apresentaram os seus candidatos próprios, mesmo sendo estas eleições para o Órgão de Soberania Presidente da República, logo nominais e não para governação do país; claro que estão no direito de o fazer, mas não deixa de ser digno de registo que esses candidatos o sejam como militantes dos respectivos partidos e não em nome individual. Assistiu-se também a uma entrada inopinada e violenta do Tribunal Constitucional na campanha, liquidando instantaneamente a candidatura de Maria de Belém, ao escolher o momento para anunciar um acórdão sobre subvenções vitalícias atribuíveis aos titulares de postos parlamentares anteriores a 2005 que perfizessem 12 anos na AR; recorda-se que o assunto estava em apreciação no TC desde 2014, dizia respeito a centenas de políticos, mas só um deles era candidato naquele momento, pelo que o tiro foi de morte (política, claro está).

Os resultados eleitorais merecem também algumas observações. Desde logo a abstenção que foi de 51,2%, tendo portanto votado menos cerca de 700.000 eleitores do que nas eleições legislativas de três meses antes. Marcelo Rebelo de Sousa, foi eleito com 2,4 milhões de votos quando Cavaco Silva há dez anos obteve 2,8 milhões, Mário Soares teve 3 milhões em 1986 na segunda volta e Jorge Sampaio também 3 milhões em 1996.
Os partidos que apresentaram candidaturas próprias sujeitaram-se às inevitáveis comparações com os resultados das legislativas. Assim, o BE que em 2009 teve 590.000 votos e em Outubro passado 550.000, viu a sua candidata obter 470.000, longe portanto do grande sucesso propagandeado. Descida ainda maior teve o PCP que tem mantido consistentemente o seu valor eleitoral à volta dos 450.000 eleitores e viu o seu candidato perder mais de metade desses votos, devendo perguntar-se se isso terá razões conjunturais pelo apoio ao actual Governo, ou se será o caminho definitivo para a irrelevância política, tantos anos depois da queda do muro de Berlim. 
Estas duas descidas eleitorais são ainda particularmente significativas porque, em conjunto com os dois candidatos socialistas mais relevantes apoiantes da actual solução governativa, obtiveram um total de quase 2 milhões de votos quando os respectivos partidos haviam obtido, em Outubro, um total de 2,7 milhões, numa queda de 750.000 votos desde então.
O sucesso de Marcelo Rebelo de Sousa é indesmentível e resultado de uma campanha completamente definida e organizada pelo próprio candidato, que não colou um único cartaz nem deu canetas ou autocolantes. Marcelo é, indiscutivelmente, uma das personalidades portuguesas mais bem preparadas para o exercício de qualquer função no Estado. A partir de Março vai exercer a mais relevante de todas. Portugal atravessa um momento de grandes dificuldades, quer na sua afirmação externa como membro da União Europeia, também ela própria a passar por um momento difícil, quer sobretudo pela política interna que nos próximos anos vai ter que encontrar caminhos diferentes para aproximar o nível de vida dos portugueses daquele que todos ambicionamos.
Desengane-se quem pensa que Marcelo se vai imiscuir nas tácticas dos partidos do governo ou da oposição, ou mesmo nos pormenores da governação. Mas desengane-se também quem imagina que Marcelo chegou ao fim da sua brilhante carreira pessoal e que, não precisando de mais nada para se afirmar, irá agora descansar. Marcelo, o primeiro presidente da República portuguesa a ser chamado pelo nome próprio pela maioria dos portugueses, sabe diferenciar o dia-a-dia da estratégia que o país precisa e não vai ceder perante as facilidades ou mesmo erros governativos, seja qual for o partido que estiver a governar.


Quem me lê sabe que Marcelo Rebelo de Sousa era o meu candidato. Por isso mesmo, devo dizer que a minha exigência pessoal para com o seu exercício da presidência da República será maior do que seria com qualquer outra pessoa no cargo. A bem de Portugal e dos portugueses, desejo-lhe as maiores felicidades como Presidente da República de Portugal.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Tapar as vergonhas

A Europa do Século XXI é herdeira de muitos séculos de desenvolvimento social, económico e cultural de que, nós europeus, nos podemos muito legitimamente orgulhar. Esse caminho foi longo, teve altos e baixos, sucessos e tragédias lamentáveis, mas permitiu construir um legado cultural distinto até do resto do Ocidente. Desde a Grécia clássica e o Império Romano, a Europa foi-se construindo a si mesma, por dentro, evidentemente sujeita a invasões militares e culturais que também a foram influenciando, mas moldando-se sempre a si mesma de forma notável. Depois das “invasões bárbaras” e o desmantelamento do império romano do ocidente, o cristianismo foi durante séculos cimentando uma unidade social e religiosa que, apesar da Inquisição e da mistura perniciosa entre Estado e Igreja, veio a culminar num florescimento notável no fim da Idade Média e o Renascimento. O crescimento notável da Europa levou-a a expandir-se e a abrir-se para fora e ao resto do Mundo, no que os portugueses, que estavam estrategicamente localizados precisamente na extremidade ocidental do continente, foram cruciais para que tal acontecesse.

A Europa viu surgir o Iluminismo e o desenvolvimento dos ideais democráticos. A Revolução Francesa foi um marco na História Europeia, colocando os seus ideais da Liberdade, Igualdade e Fraternidade no centro das preocupações dos europeus.
Foi na Europa que tiveram origem as grandes ideologias políticas que avassalaram o mundo durante todo o Século XX, dando origem a algumas das maiores hecatombes humanitárias da História. Mas foi também na Europa que surgiram os movimentos sociais que levaram à libertação da Mulher e à afirmação dos movimentos e sentires da juventude que vieram trazer novas vivências e maneiras de estar na sociedade, com mais liberdade e respeito pelo Outro.
Tudo isto fez a Europa e a sua cultura. Dos cinco elementos que George Steiner aponta para caracterizar a Europa, três deles serão pacíficos: os cafés e as conversas que proporcionam, a geografia não muito extensa, calma e humanizada e ainda a força da História/passado sobre o presente. Os dois outros elementos identitários indicados por Steiner são um pouco mais difíceis de compreender. No quarto, a Europa surge como resultado da fusão das culturas Judaica e Helénica das quais se pode não gostar e que até são à partida antagónicas, mas sendo a realidade o que é, não se pode fugir dela. Já o quinto elemento tem a ver com a consciência de que a civilização europeia pode estar a chegar ao seu fim, perante o surgimento e desenvolvimento da globalização.
Infelizmente, o que sucedeu em Roma na semana passada aquando da visita à Europa do presidente do Irão na sequência do fim das sanções internacionais a este país parece ter tudo a ver com este último elemento da identidade europeia formulado por Steiner. O local escolhido pelo governo italiano para o encontro entre o primeiro-ministro italiano Matteo Renzi e o presidente iraniano Hassan Rouhani foi o Museu Capitolino em Roma, um dos locais mais representativos da cultura clássica romana. 
No entanto, supostamente para evitar ferir susceptibilidades do presidente iraniano que recorda-se, é o líder religioso da teocracia que governa o país, todas as esculturas com nus foram tapadas com grandes painéis brancos, tendo a foto oficial do encontro entre os dois políticos sido tirada junto da estátua equestre do imperador Marco Aurélio.

Os Museus Capitolinos parecem ser uma escolha excelente para um encontro político de significado, como símbolo da cultura italiana e europeia, localizando-se no cimo da colina do Capitólio, à volta de uma praça desenhada por Miguel Ângelo, no século XVI. No entanto, em vez de nos orgulharmos da nossa História e Cultura, parece que nós europeus chegámos a um ponto em que nos envergonhamos delas, cobrindo e escondendo as manifestações artísticas mais representativas da grandeza do império romano de há mais de dois mil anos, como se fossem pecaminosas. De caminho, perdemos a nossa identidade e, estou certo, o respeito dos outros. Se nos envergonharmos dos nossos Valores, da nossa História e da nossa Cultura, resultado de milhares de anos de evolução social, económica e também, ou sobretudo, cultural, perderemos tudo o que alcançámos, começando pela Liberdade e a seguir sabe-se lá o quê.



sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Fala quem sabe bem o que diz, e não lhe podem chamar neo-liberal ou algo do género

El comportamiento arrogante de los líderes de Podemos, con humillaciones que ponen al descubierto cuáles son sus verdaderas intenciones, no se debe aceptar. Esos dirigentes, con el debido respeto que merecen sus votantes y los grupos que se han sumado a las distintas plataformas, quieren liquidar, no reformar, el marco democrático de convivencia, y de paso a los socialistas, desde posiciones parecidas a las que han practicado en Venezuela sus aliados. Pero lo ocultan de manera oportunista. Del mismo modo, dejaron de hablar de Grecia cuando más lo necesitaron sus amigos. Son puro leninismo.

Felipe Gonzales

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Responsabilidade Social

A visita aos sites das grandes empresas nacionais ou estrangeiras permite verificar a existência generalizada de uma área denominada “Responsabilidade Social” que informa sobre as actividades da empresa não ligadas ao seu negócio concreto, mas ao apoio social e cultural à sociedade em geral. Essas empresas atribuem assim uma parte do que seria lucro a distribuir pelos seus accionistas, a acções destinadas a melhorar de alguma maneira a vida não dos seus donos, mas de pessoas que não têm nada a ver directamente com a empresa, eventualmente mesmo alguém necessitado de apoio social.
Esta faceta empresarial começou há algumas décadas, quando as empresas passaram a preocupar-se não apenas com os interesses dos seus “shareholders” que nelas investem o seu capital, mas também com os “stakeholders” que é todo o conjunto de pessoas ou entidades ligadas ao funcionamento da empresa, sejam os seus trabalhadores, os fornecedores ou mesmo os clientes. Evidentemente, o facto de uma grande empresa manifestar preocupações sociais, eleva a sua imagem externa e interior, com claros benefícios para o próprio negócio. Mas muitas ONG (organizações não governamentais) que actuam pelo mundo inteiro não conseguiriam fazer o seu trabalho meritório e tantas vezes necessário e insubstituível, não fora o apoio de grandes empresas que deste modo se tornam parceiras desse trabalho humanitário.

Pode dizer-se que a invenção da empresa foi uma das mais notáveis descobertas da humanidade. Juntar numa entidade capital, trabalho, gestão e matérias com pouco valor intrínseco e com isso tudo gerar emprego e fabricar produtos de grande valor que podem ser comercializados em todo o mundo, satisfazendo necessidades de milhares ou milhões de pessoas é, de facto, algo de notável. Para que sobrevivam e continuem a trabalhar, as empresas têm que dar lucro e é mesmo esse o objectivo inicial da sua criação. Tudo o resto vem depois, incluindo a possibilidade de a rentabilidade da empresa gerar o suficiente para pagar impostos. Impostos esses que, na sua totalidade, permitem o funcionamento do Estado e de toda a sua máquina voltada para a satisfação das necessidades dos cidadãos, seja a nível de infraestruturas e organização política, seja a nível do que habitualmente se chama “estado social” que se destina essencialmente a apoiar os cidadãos mais desprotegidos, eliminando desfasamentos e injustiças sociais. O pagamento dos impostos pelas empresas é a forma primeira de participar na redistribuição da riqueza produzida e é, claramente, uma obrigação a que as empresas não podem e não devem fugir.
No entanto, muitos gestores de grandes empresas tendem hoje em dia a querer substituir-se ao Estado através da “responsabilidade social” das empresas, argumentando que o Estado é ineficiente e até redistribui mal os impostos recebidos, afectando parte das receitas a actividades escolhidas que, no fim, ainda vão contribuir para melhorar o negócio através da melhoria da imagem. Trata-se, a partir de certa altura, de marketing associado ao bem-fazer.
Mas não deixa de ser surpreendente que empresas globais, ao mesmo tempo que gastam fortunas na sua actividade de “responsabilidade social”, tentem de todas as formas e feitios fugir ao pagamento de impostos, sua obrigação para a sociedade. Fazem-no das habituais formas muitas vezes legais de “optimização fiscal”, de maneira ilegal pela maquilhagem das contas ou, mais brutalmente, através da deslocação das suas sedes para países estrangeiros que têm políticas fiscais agressivas para chamar investimentos.
A manobra da americana Pfizer, através da aquisição da irlandesa Allergan e posterior domiciliação da actividade na Irlanda cujos impostos sobre os lucros da actividade das empresas são muito baixos, é exemplar, tendo originado enorme controvérsia nos EUA. Recorda-se que a Pfizer é uma das empresas que, historicamente, mais se orgulha da sua preocupação com a “responsabilidade social”, designadamente através das ONG’s que tentam melhorar as condições sanitárias e de acesso aos medicamentos em todo o mundo.
Também, entre nós, os últimos casos de insucessos empresariais, designadamente na Banca, com facturas a serem pagas por todos os contribuintes, mesmo os que não têm nada a ver com isso, nos devem fazer pensar. Os bancos intervencionados, resgatados ou vendidos tinham todos também os seus sectores de “responsabilidade social” e, apesar disso, não foram capazes de cumprir com as suas responsabilidades primeiras, as empresariais, que devem anteceder todas as outras.


O Pe. Edgar fez mau sermão

Os comunistas do PC tiveram o pior resultado de sempre. O afundanço total. Para onde estão a ir os seus votos fiéis. Imagino que para outros comunistas com candidatas mais engraçadinhas.

http://www.ionline.pt/artigo/494106/edgar-silva-comunistas-obt-m-o-pior-resultado-eleitoral-da-historia-do-partido?seccao=Portugal_i

Conta-me mentiras

Vai-se a ver e Marisa teve menos 80.000 votos que o BE há 3 meses.

Comunistas com sentido de humor

Quem quer casar com uma "candidata engraçadinha"?

http://observador.pt/2016/01/25/jeronimo-nao-quis-candidata-engracadinha-ter-votos/

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Pontes Culturais

De entre todos os tipos de laços que se podem estabelecer entre países, os culturais serão os que estabelecem raízes mais profundas, porque entre os povos e não entre agentes económicos ou políticos que, como se sabe, vão e vêm conforme ventos e interesses temporários. Merece portanto todo o relevo a notícia de que a Orquestra Clássica do Centro está de novo em Cabo Verde, através de um grupo de câmara, onde irá realizar vários concertos e ainda uma acção de formação numa escola. Não é a primeira vez que a OCC vai a Cabo Verde, onde já esteve em 2014 e 2015. Estas deslocações seguem-se a um estreito relacionamento de há vários anos com agentes culturais e responsáveis políticos daquele país irmão, que teve início em 2005, num festival realizado em Coimbra denominado “Coimbra à Descoberta do Mindelo” em que se deslocou a Coimbra uma representação da criação artística do Mindelo, que é cidade-irmã de Coimbra. 
Nessa altura, a OCC interpretou uma obra sinfónica do compositor cabo-verdiano Vasco Martins, um dos poucos compositores africanos da música designada como erudita, com reconhecimento mundial.
Na deslocação a Cabo Verde em 2014 a OCC participou na criação da Orquestra Nacional de Cabo Verde, no que se tornou um marco nas relações culturais entre os dois países, tendo o ministro da Cultura de Cabo Verde Mário Lúcio designado a OCC como membro fundador da nova Orquestra Nacional daquele país.
Mário Lúcio, que em 2015 veio a conquistar o Prémio Literário Miguel Torga Cidade de Coimbra com a sua obra “Biografia do Língua”, tendo participado como cantor no espectáculo que se seguiu à cerimónia de entrega do prémio que aconteceu em Julho, em Coimbra.
 Nesse concerto participou ainda Vasco Martins que apresentou várias das suas obras, numa sessão que terá ficado na memória de todos os que a ele assistiram.
Vasco Martins é também o coordenador do Centro de Estudos da Morna, sendo o responsável pela preparação da candidatura da Morna a património mundial imaterial da Unesco. 
Ainda durante os primeiros meses deste ano a OCC vai promover a gravação de um CD com obras de Vasco Martins para diversas formações de orquestra clássica e instrumentos solistas inspiradas na Morna, num projecto apoiado pela Direcção Geral das Artes.
A Morna e o Fado são patrimónios culturais que, hoje em dia, se considera terem raízes que se cruzam ainda com a modinha brasileira e que se desenvolveram autonomamente a partir do Século XVII.
Cesária Évora foi um dos expoentes da Morna, tendo levado a sua arte a todo o mundo, que se rendeu a essa grande artista. Por isso mesmo, a OCC editou a obra “Cesária – A Rota da Lua Vagabunda” da autoria de Vasco Martins e ainda do grande pintor cabo-verdiano Tchalé Figueira, que partilham histórias do convívio que ambos mantiveram durante muitos anos com Cesária Évora.
No próximo dia 20 será inaugurado o Museu do antigo campo de concentração do Tarrafal, essa vergonhosa memória colectiva que também partilhamos com Cabo Verde. 
Lá estarão representantes dos dois países ao mais alto nível, desde os primeiros-ministros aos ministros da Cultura, participando ainda o presidente da Câmara Municipal de Coimbra, que assim acompanha a Orquestra Clássica sediada na nossa Cidade, num acontecimento de elevado significado e grande importância para as relações entre os dois países. Foi em Coimbra que Mário Lúcio anunciou doar o montante do prémio Miguel Torga que lhe foi atribuído para ajuda da construção do Museu do Tarrafal. Certamente não por acaso, na cerimónia de inauguração deste Museu, actuará a Orquestra Clássica do Centro.
A Orquestra Clássica do Centro estabelece-se, assim, como um dos construtores de uma ponte cultural entre Cabo Verde e Portugal, firmando Coimbra como um dos seus pilares fundamentais. Num mundo atravessado por conflitos e lutas de interesses que minam um futuro em progresso e paz, é bom poder ver iniciativas que, pelo contrário, constroem a fraternidade, no respeito pelas diferenças, mas também pelo passado comum, baseadas no património cultural, de ontem e de hoje.


segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Admirável mundo novo? Outra vez?

Trazer a felicidade aos cidadãos parece ser o objectivo de muitas pessoas que se dedicam à política. Devo afirmar, desde já, que desconfio sempre de tais atitudes, ainda que pareçam suscitadas pelas melhores intenções, por me parecerem mais do domínio do irreal do que da prática de cuidar do bem comum, que é a governação.
No seu “Admirável Mundo Novo” Aldous Huxley alertava já, em 1933, para a tragédia de uma sociedade completamente organizada para trazer a felicidade a cada pessoa, que aliás nunca poderia fugir a essa mesma felicidade.
Muitas religiões estruturam-se à volta do conceito de um “homem novo”, livre das imperfeições humanas, à imagem de Deus, estado apenas possível de conseguir pela obediência a determinadas regras morais ou por um misticismo cego à realidade humana.
Ao longo da História, e à imagem deste desígnio de carácter religioso, foram-se sucedendo as situações, normalmente de tipo revolucionário, em que os homens entrariam num mundo novo, abandonado que estaria o velho. Foi assim na Revolução Francesa, em que o “antigo regime” desapareceu perante um novo no qual os cidadãos seriam todos iguais. Como sabemos, poucos anos depois desembocou no império de Napoleão o qual, logo de seguida, deu lugar ao regresso dos antigos “Luises”. 

Só posteriormente veio a República, de uma forma bem mais pacífica, recuperando os valores da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, mas já sem a pretensão de construir um “homem novo”.
No início do século XX, veio a revolução bolchevique que, de uma forma determinada e violenta, pretendeu criar o “homem novo”, desta vez chamado socialista, num regime que seria tão perfeito a trazer a felicidade a todos, que seria como um sol na terra. Todos sabemos qual foi o resultado deste regime que seguiu uma ideologia política como se de uma religião se tratasse. Esta característica leva ainda hoje muitos a defender a sua validade, dado que, perante a construção de um “homem novo” e a felicidade para todos, mesmo os sacrifícios e “eventuais” excessos normalmente inaceitáveis passam a ser compreensíveis e suportados, dando razão ao velho Huxley nos seus livros premonitórios. É também o motivo por que, enquanto se aceitam os comunistas que ainda hoje acreditam na “sua” religião, ninguém no seu perfeito juízo defende o nazismo que também queria construir um “homem novo”, mas neste caso louro, de olhos azuis e a dominar o mundo pela sua superioridade rácica e esmagamento e dominação de todas as outras raças consideradas inferiores ou mesmo infra-humanas.
Mesmo Portugal não fugiu à regra. Depois da chamada revolução Nacional de 1926 em que a tropa tomou o poder acabando com a 1ª República e instaurando a sua Ditadura, veio o poder civil de Salazar que se auto designou como “Estado Novo”. Novo pois, como se haveria de chamar, para estabelecer o contraste forte com o regime anterior da 1ª República responsabilizando-o por todos os problemas do país quando, na realidade, fora apenas a continuidade do nosso desgraçado século XIX?
Todos estes exemplos, e muitos mais que se podem extrair da História, se referem a situações de rotura violenta relativamente ao existente.
Nas democracias representativas como é a nossa, a substituição dos órgãos de soberania eleitos faz-se por escolha popular e não por revolução ou golpe de estado. De cada vez que se escolhe, tem-se um Presidente da República ou uma Assembleia da República de que emana um Governo que só são novos no primeiro dia. Essa designação cai logo no dia seguinte, havendo uma normal continuidade do Estado.

Assim sendo, em democracia não há novos presidentes para novos tempos. Há presidentes com competências definidas na Constituição e não outras, que devem exercer de acordo com a sua consciência e opções políticas; não deve haver presidentes em função de situações governativas, sejam elas do seu agrado ou não, que são sempre temporárias e substituíveis nas eleições, como aliás os presidentes o são todos. Afirmar o contrário é, no mínimo mostrar ingenuidade ou impreparação política ou, no máximo manifestar-se disponível a abrir a porta a outros mundos que não a Europa ocidental, livre e democrática.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Ano que começa

Quando os nossos antepassados mais longínquos começaram a praticar a agricultura, verificaram que havia fenómenos astronómicos ligados à periodicidade regular com que surgiam a chuva, o calor e o frio e de como isso influenciava a cultura dos produtos de que se alimentavam. A existência de estações tornou-se evidente e o seu conhecimento necessário para a mais adequada prática de sementeira e colheita dos produtos agrícolas. Essa periodicidade das estações surgia agrupada num outro período de tempo que acompanhava o Sol e a sua altura relativamente ao horizonte, de forma absolutamente regular. Daí surgiu o conceito de ano que se foi desenvolvendo lentamente, mas os egípcios que praticavam uma agricultura muito desenvolvida no vale do Nilo, já cinco mil anos antes de Cristo tinham adoptado um ano civil fixo de 365 dias. Sabemos hoje que o ano trópico usado para a regulação das estações e calendários solares tem a duração precisa de 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 45,3 segundos, que é ligeiramente mais curta do que o ano sideral que é a duração da translação da Terra à volta do Sol em 50, 24 segundos por ano, acontecendo isso devido à famosa precessão dos equinócios que faz rodar a eclíptica sobre o equador celeste como um prato sobre uma mesa. Toda esta complicação, que é simples para os astrónomos e que estraga a vida aos astrólogos, teve implicações ao longo da História da Humanidade, obrigando à sucessiva adopção de diversos calendários ao longo dos tempos. Júlio César decidiu encontrar a melhor solução, daí o calendário Juliano que entrou em vigor 45 anos antes de Cristo, com 365 dias nos anos comuns e 366 dias nos anos bissextos, de quatro em quatro anos. 

Mesmo assim, algumas centenas de anos depois, dado que o calendário juliano tinha um erro anual de alguns minutos, o equinócio da Primavera já surgia cada vez mais afastado do dia 21 de Março, altura do ponto vernal em que o Sol passa para o lado de cima do equador celeste, no nosso hemisfério Norte. Por isso, no século XVI, num tempo em que o equinócio da Primavera já andava por 11 de Março, o Papa Gregório XIII promoveu a adopção de um calendário, que ficou conhecido por gregoriano, na base da duração do ano com um erro de apenas 27 segundos, o que significa um dia após 3.000 anos. Finalmente um calendário passou a ter um erro sem qualquer significado na vida das pessoas, durando até hoje como calendário seguido por quase todo o mundo.
Cada vez ouço mais pessoas dizer que a mudança de ano não interessa para nada e que a seguir a 31 de Dezembro vem o 1 de Janeiro e que nada muda. Para além do significado imediato de tal afirmação que revela um distanciamento cada vez maior das pessoas relativamente à Natureza que as rodeia, há algo mais, talvez mais profundo e importante. Na realidade, a artificialização da nossa vida quotidiana, potenciada pela internet, separa-nos cada vez mais do Universo e da Natureza, criando espanto e mesmo revolta generalizada, quando alguma tragédia acontece apenas pela natureza das coisas: vulcões, tremores de terra, furacões, inundações, epidemias, etc. A bolha protectora em que a vida moderna nos coloca permanentemente cria a ilusão de que estamos imunes à Natureza e que tudo à nossa volta existe para nosso conforto.
Mesmo a morte parece afastada do nosso quotidiano e é escondida, criando-se a ilusão de que não existe, quando na verdade começamos a morrer quando nascemos.

Este texto pode parecer algo fora do contexto do desejo de bom ano novo, mas foi mesmo a melhor maneira que encontrei para o fazer, meu caro amigo leitor. Ter consciência de quem somos, do nosso lugar na Terra e no Universo e perceber que o tempo passa é, penso eu, a melhor maneira de segurar o futuro que começa por nós mesmos e pelo que fazemos, a partir do primeiro dia do novo ano, neste caso 2016. Exercitar previsões sobre o que o futuro reserva, não passará de uma sublimação dos nossos desejos e ambições, actividade mais própria de charlatões e videntes tão numerosos hoje em dia, não obstante o conhecimento científico estar hoje ao alcance de todos. Que não entremos no ano de 2016 com optimismo ou pessimismo, mas com a noção de que ele será o que dele decidirmos fazer e a certeza de que essa resolução será a principal para que no seu final, 2016 tenha sido um bom ano.