De uma forma incompreensível, a comunicação social praticamente ignorou um relatório do INE sobre a distribuição dos rendimentos das famílias portuguesas publicado na passada semana. De facto, apenas a imprensa especializada em assuntos económicos lhe dedicou atenção, apesar do seu importantíssimo significado para a compreensão das actuais tensões da sociedade portuguesa e para a avaliação social dos resultados das actuações políticas governamentais entre 1995 e 2005.
Entre os vários aspectos referidos naquele relatório, destaca-se o acentuar da diferença entre os rendimentos das famílias mais ricas e mais pobres. Numa década, esse fosso duplicou. Enquanto em 1995 o rendimento médio das famílias mais ricas era 4,6 vezes superior ao das famílias mais pobres, em 2005 esse valor passou a ser de 8,9.
Significam estes números que nesta década os rendimentos das famílias mais ricas cresceram muito mais do que os rendimentos das famílias mais pobres. Muito significativo e com consequências sociais mais gravosas é o facto de as famílias mais ricas terem visto os seus rendimentos crescerem 1,4 vezes mais que as famílias da chamada classe média, que, por sua vez, ainda conseguiu afastar-se cerca de 1,3 vezes das famílias mais pobres.
Trata-se de uma tendência generalizada para a qual a OCDE tem lançado avisos, pelo que Portugal não está sozinho neste problema. Já a Espanha e a Irlanda viram diminuir o fosso na mesma década, o que é politicamente muito significativo.
A globalização será uma das causas deste fenómeno, ao eliminar as protecções das sociedades dos vários países, colocando-as em competição directa na produção económica e acentuando assim as desvantagens das menos preparadas.
Um dos aspectos cruciais a ter em conta para dar a volta a esta situação, e o mais rapidamente possível, sob pena de a nossa sociedade se tornar cada vez mais terceiro-mundista, é a educação. De facto, a maior vantagem comparativa das famílias mais ricas relativamente às outras está na qualidade da educação que podem oferecer aos seus filhos e que lhes permite aceder mais facilmente a carreiras em áreas competitivas a nível internacional.
É absolutamente crucial alterar radicalmente o panorama da educação em Portugal se queremos uma sociedade menos desigual. Se a escola pública continuar a ser dominada por teorias educativas ultrapassadas centradas no aluno e no seu bem estar, a desigualdade social continuará a aumentar e a média geral a descer. Não adianta atribuir diplomas para melhorar artificialmente as nossas estatísticas a nível internacional. O que é necessário e urgente é esquecer todo este passado e introduzir sem receios critérios de rigor e exigência absolutos, desde o 1º ao 12º anos e obrigar as escolas a cumpri-los sem contemplações.
Publicado no Diário de Coimbra em 7 de Abril de 2008
1 comentário:
Plenamente de acordo, como não podia deixar de ser. As limitações de inteligência da esmagadora maioria da nossa classe política tolda-lhes o raciocínio e faz com que não consigam ter uma visão assim tão límpida, mas, ao mesmo tempo, evidente. Em simultâneo a actual "chamada" classe alta, alguns (muitos) novos ricos, esquecem-se que a História se repete e que semelhante desigualdade só pode conduzir a convulsão social que, na maioria das vezes, sempre terminou em tragédia. A maior das nossas tragédias é o esquecimento do significado e do valor da solidariedade. Partilhar deixou de pertencer ao vocabulário da sociedade moderna, repartir também não é termo bem visto. Um dia destes vamos todos arrepender-nos.
Caro João Paulo, um significativo e efectivo incremento do nível educacional, sem dúvida contribuirá para aproximar os extremos em que estamos caindo, mas apenas quando a educação "voltar" a ser levada a sério.
Enviar um comentário