segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Bom ano novo


À medida que a Terra evolui em torno do Sol, os anos vão-se sucedendo, um após outro, com a regularidade a que a Natureza nos habituou,
Hoje é o último dia do ano velho e amanhã é dia de ano novo: convenção humana, a do calendário, mas essencial para organizar a vida dos homens, com respeito pelas efemérides astronómicas e, portanto, pela própria vida da Natureza que se lhes encontra intimamente ligada.
Este é um tempo de análise do ano que passou, do que correu bem e do que correu mal. É também o momento de perspectivar o futuro, de tomar decisões de mudança, de tentar introduzir melhorias aos mais diversos níveis
Tempos houve em que se simbolizava deitar para trás o passado, atirando os trastes pela janela fora na passagem do ano. Como se fosse possível construir um futuro, anulando o que passou. O tempo, essa foice inexorável, apenas no deixa o presente. O passado existe na memória e o futuro não é.
É o tempo para lembrar pessoas desaparecidas que nos eram pessoalmente queridas e outras que, de uma maneira ou de outra, se tornaram referências e mudaram algo na vida de muita gente, casos de Óscar Niemeyer, Neil Armstrong, Dave Brubeck, Ravi Shankar, Bernardo Sasseti ou José Hermano Saraiva. Em 2012 entusiasmámo-nos com descobertas ou sucessos da ciência, como o descobrimento do Bosão de Higgs no CERN, ou novos avanços na medicina. Ficámos chocados com as mortandades de crianças em escolas americanas. Espantámo-nos com a revelação de guerras pelo poder pessoal e económico dentro do próprio Vaticano. Infelizmente já não nos surpreendemos com as violações sistemáticas dos direitos das mulheres em determinados países teocráticos. A “primavera árabe” acabou, tendo agora o Egipto um presidente islamita e uma constituição em conformidade com os novos tempos, enquanto na Síria continua a sangrenta guerra civil, onde também se foram meter os extremistas muçulmanos, baralhando todos os dados.
Muitos dos que entre nós celebraram a vitória de Obama, protestam agora pela saída dos militares americanos dos Açores, coisa que eles mesmos exigiram durante dezenas de anos.
Claro que sabemos bem que em 2013 Portugal vai continuar a receber as visitas periódicas da troika, embora quem a chamou in extremis em 2011 faça os possíveis e impossíveis para esconder essa tremenda responsabilidade que nos trouxe a austeridade que tudo indica irá ficar por muito tempo. O flagelo do desemprego continuará a atingir níveis históricos com toda a carga de tragédias sociais e infelicidade pessoal generalizada. Vamos ser obrigados a vender os anéis para tentar salvar o essencial do Estado Social. Valha a verdade que vários indicadores económicos começaram já a mudar de inclinação na sua evolução, tais como as taxas de juro da nossa dívida pública, a balança comercial com o estrangeiro e, acima de tudo, a redução do défice orçamental de 10% para 5% em ano e meio! Ainda é cedo para saber se esta evolução é significativa, mas introduz alguma esperança de que os sacrifícios possam vir a valer a pena e proporcionem o regresso do país ao bom caminho.
Em 2013 haverá eleições para as autarquias. A famosa e necessária reorganização administrativa do país acabou por se ficar numa tímida diminuição do número de freguesias, necessária mas com sabor a pouco por não ter havido coragem para se mexer nos concelhos. Entrando finalmente em vigor a lei da limitação de mandatos haverá, apesar de tudo, uma grande alteração nas caras do poder autárquico.
Ao entrar neste novo ano, façamos votos de que as mudanças a que assistimos venham a ter os resultados para que foram pensadas e que também sejamos suficientemente sensatos para não permitir que um passado por si mesmo ultrapassado venha atropelar os caminhos do futuro.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

(Re)construir Cidade



A maior parte das pessoas já terá esquecido o Euro 2004. Foi mais um daqueles tais “desígnios nacionais” que, de vez em quando, acabam por deixar o país com mais dívida e com infra-estruturas e equipamentos públicos claramente excedentários e com enormes custos de manutenção.
Vários dos estádios “municipais” então construídos, como os de Aveiro, Leiria e Algarve vieram a mostrar-se autênticos desastres urbanos e financeiros.
Curiosamente, o único caso de sucesso de integração urbana, é o de Coimbra. Quando o Dr. Carlos Encarnação tomou posse da presidência da Câmara após a sua primeira vitória, viu-se na necessidade de decidir rapidamente sobre o que fazer com o Euro 2004 em Coimbra. Da gestão autárquica anterior havia herdado o contrato de empreitada para as obras do Estádio já assinado e com a tinta bem fresca, sem que a Autarquia tivesse disponibilidades financeiras para aquela obra. Uma rápida análise da questão permitiu concluir que a indeminização a pagar, caso não se avançasse com a obra seria enorme, o que levou a que a Autarquia avançasse com a obra, negociando um empréstimo de 35 milhões de euros a vinte anos, para o seu financiamento.
Nessa época, Coimbra tinha deficiências graves na oferta para a prática da natação, sendo o Concelho do Distrito com menor superfície de piscina por habitante. Acresce que as piscinas existentes junto ao antigo estádio se encontravam em adiantado estado de degradação não permitindo, nem uma prática segura, nem a realização de meetings a nível internacional. Por outro lado, o antigo parque de campismo municipal que aí havia funcionado durante anos estava abandonado, sem que se tivesse dado qualquer passo no sentido de construir um novo nos terrenos que a Câmara havia adquirido em tempos no Areeiro para esse efeito. A Praça dos Heróis do Ultramar estava transformada num enorme parque de estacionamento alcatroado ao ar livre, sem estrutura verde nem qualquer integração paisagística.
Como o edifício do novo Estádio permitia a utilização de grandes áreas desocupadas e o topo Norte não tinha destino definido, a Câmara decidiu então proceder ao seu aproveitamento, abrindo um concurso público internacional para a sua cedência em direito de superfície, o chamado Eurostadium, completamente independente das decisões anteriores sobre o Estádio. Como contrapartidas para a cedência desse direito de superfície por um período de tempo de 90 anos o concurso definia, para além da necessária integração urbanística, a construção e entrega ao município de um complexo olímpico abrangendo piscinas de 50 e 25 metros e um pavilhão polidesportivo, dois complexos de piscinas de 25 metros, um novo parque de campismo de grande qualidade e um parque de estacionamento com cerca de 3.000 lugares, dos quais 700 seriam entregues ao município, garantindo assim que os professores das escolas vizinhas passariam a dispor de estacionamento suficiente e em segurança.
A única proposta ao concurso veio a ser adjudicada, o que veio permitir uma alteração completa de toda aquela zona da Cidade proporcionando ainda uma feliz integração urbana do novo Estádio, cujo excelente projecto da autoria do gabinete de arquitectura conimbricense PLARQ permitiu a instalação de empresas, centro comercial, serviços, restaurantes, clínica, ginásio, restaurantes, lojas diversas, etc. As dúvidas levantadas por alguns cidadãos quanto à justeza ou legalidade da solução aprovada pela Câmara vieram a ser cabalmente respondidas pelo Supremo Tribunal Administrativo, pelo que a intervenção naquela zona, para além do sucesso da intervenção urbanística e de utilização do Estádio, revelou-se também adequada sob o ponto de vista legal.
Foi assim que Coimbra não ficou apenas com um novo estádio de futebol com 30.000 lugares que infelizmente raramente ultrapassa os 5.000 espectadores por jogo. Na verdade, reconstruiu com qualidade toda uma zona urbana incaracterística e dispõe hoje em dia de uma oferta excelente de equipamentos para a prática desportiva com um grande grau de utilização permanente, que colocaram Coimbra no mapa dos grandes eventos desportivos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Dezembro de 2012

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Definir um futuro colectivo: PDM


A ocupação de um território é determinante para a vida das pessoas, quer as que lá vivem, (trabalhando, estudando, fruindo cultura, descansando, fazendo compras), quer as que o visitam esporadicamente.
Por várias razões sobejamente conhecidas, o território português tem sido, nas últimas dezenas de anos, vítima de agressões e utilizações que se verifica hoje não serem sustentáveis do ponto de vista ambiental, mas também do ponto de vista económico.
A construção de novas edificações fez-se a um ritmo alucinante, acompanhando o negócio dos empréstimos bancários para habitação a juros baixos com endividamento externo do sistema bancário. As consequências, pagamo-las hoje todos a diversos níveis: falta de mobilidade decorrente da amarração à casa que se paga ao banco, elevado endividamento familiar, reduzido mercado de arrendamento habitacional, crescimento das cidades em mancha de óleo, enormes custos de construção e manutenção de infra-estruturas, falta de capacidade de resposta dos transportes públicos, gastos excessivos com combustíveis, demasiado tempo gasto com deslocações, abandono e diminuição de valor dos centros históricos urbanos, excesso de oferta de habitação e, consequência de tudo isto, falta de qualidade de vida. Verifica-se uma gritante falta de eficiência na utilização de um recurso fundamental que é o território, com custos gigantescos pagos por todos diariamente de forma directa e em impostos necessários para a manutenção do sistema.
Uma das peças cruciais para a definição estratégica da ocupação do território de qualquer município é o chamado Plano Director Municipal (PDM). Um PDM deverá ser “um instrumento abrangente, flexível e orientador” para o espaço a que se destina, muito mais que uma ferramenta de gestão diária do território, para o que é manifestamente insuficiente, podendo mesmo, se assim utilizado, ser gerador de erros e distorções graves.
A Câmara Municipal de Coimbra aprovou recentemente a proposta de primeira revisão do PDM que data já de 1994, a qual deverá agora ser objecto de parecer da respectiva Comissão de Acompanhamento e análise da CCDRC para efeitos da Reserva Ecológica Nacional.
A proposta de revisão do PDM de Coimbra apresenta diversos aspectos que são de salientar e mesmo de saudar. Desde logo, entre muitos outros, evitou-se o crescimento da área dos perímetros urbanos, que apenas aumentam em cerca de 3%, fundamentalmente para implantação de indústrias, o que significa o fim da expansão descontrolada da construção. Depois, porque o PDM aponta para o “reforço do papel de Coimbra como cidade estratégica no sistema urbano nacional e como centro de uma região polarizada em seu torno” não deixando de manifestar a importância das questões da mobilidade e da reabilitação urbana.
Poder-se-á dizer que são boas ideias difíceis de concretizar e são-no de facto. Mas se uma Cidade não tiver consciência colectiva do seu valor e do que pretende alcançar nunca lá chegará, porque andará perdida entre boas intenções individuais dependentes do sabor de cada momento.
O novo PDM de Coimbra aponta para um futuro de Coimbra que se irá reflectir muito favoravelmente na qualidade de vida das gerações que virão, que é aquilo que verdadeiramente interessa no planeamento do território.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Dezembro de 2012

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

PACtuar com Van Rompuy?



A União Europeia discute neste momento o seu orçamento para 2013. Poder-se à pensar que uma coisa é o orçamento habitual anual e outra coisa é a situação de alguns países da união que atravessam problemas tais que, ou já estão a receber apoio financeiro como Portugal, a Grécia e a Irlanda, ou tentam fugir a essa possibilidade, casos de Espanha e Itália. Mas a visão das coisas não deve, ou não deveria, ser essa. As opções políticas da União em termos de economia têm tido e continuam a ter, consequências nos diversos países, normalmente para o bem, mas também demasiadas vezes para o mal.
Foi por definições estratégicas definidas na União Europeia que, por exemplo entre nós, se abandonaram ou diminuíram drasticamente actividades económicas ligadas à indústria pesada (metalúrgica, por exemplo), agricultura e pescas. Começa hoje a sentir-se que mais valia não termos sido “bom aluno” nessa matéria e que deveríamos antes ter mantido, ampliado e beneficiado algumas actividades económicas tradicionais em que tínhamos capacidade produtiva instalada, conhecimento e até competitividade. Não o fizemos e estamos hoje numa situação em que a necessária recuperação industrial tem que começar quase do zero em muitas áreas.
A agricultura é uma actividade económica essencial. É sabido que boa parte dos campos do país foi abandonada, tendo mesmo havido subsídios da União Europeia para tal. A chamada PAC (política agrícola comum) sempre beneficiou os grandes produtores (alemães e franceses) em detrimento dos pequenos e dos países periféricos. No início da PAC, os dinheiros europeus destinavam-se apenas a subsidiar os preços dos produtos agrícolas da Europa, com custos altos e não competitivos. A filosofia da PAC evoluiu nos últimos anos, pela diminuição gradual dos apoios directos à produção (o chamado pilar 1), passando-os para o investimento (pilar 2). No entanto, a actual proposta do presidente do Conselho Europeu Herman Van Rompuy veio inverter esta tendência virtuosa, propondo cortar mais no pilar 2 do que no pilar 1. Sucede que os apoios da PAC recebidos por Portugal estão dentro da média europeia quanto ao pilar 2 (investimento), mas abaixo no que respeita ao pilar 1; a presente proposta é, assim, prejudicial aos interesses portugueses, já que precisamos de investir massivamente em agricultura para ajudar à recuperação económica. Razão mais do que suficiente para se perceber que também do lado do orçamento anual da União poderá vir mais ajuda para ultrapassarmos a actual difícil situação em que nos encontramos, até porque o sector agrícola é dos poucos que tem crescido (2,8%).
Claro que os gastos da União com a agricultura são mínimos (0,4%) quando comparados com o total de investimento público europeu, mas mesmo assim a PAC absorve cerca de 40% do orçamento europeu, o que traduz bem a sua importância. Tratando-se de uma indústria que produz menos de 2% do produto europeu e emprega menos de 5% da força de trabalho da União, facilmente se percebe até que ponto a União se encontra ainda enfeudada aos interesses dos agricultores franceses, alemães e do antigo Benelux e receia a capacidade reivindicativa do seu lobby. Basta recordar as impressionantes manifestações de tratores em Bruxelas ou gigantesco banho de leite que ainda a semana passada os polícias apanharam em frente à sede da União. Mas o caminho deve ser o de apoiar cada vez mais o investimento no sector, levando a maiores eficiências e diminuindo drasticamente ou acabando mesmo com os apoios à produção, que subsidia produtos e baixa artificialmente os seus preços, à custa de impostos e das outras actividades económicas.
 O nosso interesse é claramente defender o investimento na agricultura, para a modernizar e tornar mais produtiva e eficiente. Devemos estar bem conscientes dele e exigir aos nossos representantes que nos defendam com eficácia, ao contrário do que se fez durante anos em que abatemos barcos de pesca e eliminámos produções agrícolas, tudo subsidiado por uma Europa artificialmente excedentária e ávida de mercados.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 10 de Dezembro de 2012

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

MÁRIO SILVA: ARTE E CIÊNCIA



Na passada sexta-feira o Mestre Mário Silva celebrou em Coimbra o seu 83º aniversário. Entre os amigos que jantaram e festejaram no Pavilhão Centro de Portugal, contaram-se os Antigos Orfeonistas que acrescentaram a sua própria arte ao encontro festivo. Ocasião para juntar mais jovens e menos jovens à volta de quem fez da sua vida uma juventude perene e cheia de irreverência.
O pintor Mário Silva é filho de um outro Mário Silva, o físico e professor da Universidade de Coimbra, único português a ter acompanhado as grandes descobertas da Física levadas a cabo no Instituto de Rádio em Paris nos anos vinte e trinta do século XX. Sob a direcção de Madame Curie e ao lado de uma plêiade de alguns dos maiores cientistas do século, Mário Silva aí se doutorou e participou no desenvolvimento da Física que viria a mudar toda a face da Ciência. Infelizmente, pouco tempo depois do seu regresso a Coimbra, velhas teias inquisitoriais (algumas ainda hoje persistentes) e a sua corajosa afirmação de independência de espírito e de apego ao valor da Liberdade, ditaram uma vergonhosa expulsão da sua Universidade em 1947, com origem directa em Salazar, injustiça só de alguma forma reparada pela sua simbólica e tardia reintegração em 1976. Com ele foram expulsos os seus assistentes, tendo-se assim perdido toda uma oportunidade de envolvimento da Universidade de Coimbra na vanguarda da Ciência da altura. Entre eles, contava-se João Teixeira Lopes que vim a conhecer e a admirar, que me contou sobre a vida de Mário Silva, bem como as caçadas com Adolfo Rocha e as tertúlias e partidas de cartas na Rua Ferreira Borges com, entre outros, Paulo Quintela, Teixeira Ribeiro e o mesmo Adolfo Rocha (M. Torga). O saudoso Mendes Silva não podia perder a oportunidade de passar pela presidência da Câmara de Coimbra sem homenagear a memória do Professor Mário Silva e foi a seu Filho que pediu ajuda na concretização do monumento.
O Mestre Mário Silva não seguiu as pisadas de seu Pai na Física. Quando jovem ainda andou pelas engenharias, mas decidiu percorrer o seu próprio caminho onde é grande, enorme: na Arte. Personalidade fascinante pela sua capacidade de chocar através da irreverência que nunca o abandonou, o que poderá assustar quem não o conheça mais de perto. Pessoalmente é de uma delicadeza e de um carinho para todos os que o rodeiam que comove. Dele não se dirá que ama a humanidade em abstrato e sim todos e cada um dos homens e mulheres que a compõem. Ver o Mestre Mário Silva a partilhar com crianças a sua Arte e a ensiná-las a produzir obras com as mais diversas técnicas é uma experiência inesquecível.

A sua pintura marca todos os que a conhecem. Terá este ou aquele período com mais elementos comuns de identificação, mas a sua obra é imediatamente reconhecível. Desde os quadros sobre a repressão e libertação até às representações de Coimbra, são todos reconhecíveis e admiráveis. A sua estatueta de bronze de Cristo na cruz é impressionante na ultrapassagem da dor do sacrificado pelo abraço que parece dar a todos os que sofrem. Como não podia deixar de ser, o artista esteve representado em exposições por todo o mundo e há obras suas em diversos Museus de Arte Moderna e Contemporânea em Portugal, mas também na Europa, EUA, Canadá e Brasil. Recebeu inúmeros prémios, de que saliento apenas o Prémio Internacional da Paz, pelo Instituto Internacional de Estudos Humanísticos de Roma - Fundação para os Poetas, Escritores, Pintores e Jornalistas em Itália (83).
O Mestre Mário Silva, que nasceu em Cimbra, vive hoje em Lavos na Figueira da Foz, sendo significativamente vizinho de pescadores. É a prova viva da ligação íntima entre a Figueira da Foz e Coimbra, pelo que não se deveria esperar muito mais para que estas cidades se unam numa justa homenagem comum ao Artista maior que é Mário Silva.
Pela minha parte, de forma modesta, e dado que a língua pertence aos que a praticam, a liberdade de escrita permite-me que assim manifeste de forma plural o reconhecimento e respeito que Pai e Filho me merecem: Pelo que nos deram e dão, bem hajam, Mário Silva.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Dezembro de 2012

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

MARKETING URBANO



As cidades estão hoje integradas num processo complexo de competição para se apresentarem como melhores sob os mais diversos pontos de vista, já que isso se poderá reflectir numa maior capacidade de atracção de moradores, investidores e turistas. Obter uma boa imagem externa passa, não só por conseguir resultados que mostrem uma boa capacidade de gestão urbana capaz de se reflectir na qualidade de vida dos seus habitantes, mas também por transmitir essa imagem.
Como todos sabemos, transmitir o valor de um produto ou de um serviço aos potenciais consumidores é o papel normal do marketing. E o marketing é muito mais do que simples publicidade, já tão gasta. Hoje em dia a capacidade de suscitar o interesse, de criar apetência e vontade de experimentar um produto é objecto de estudos e investigação aos níveis mais especializados, levando mesmo à adopção de técnicas de pura manipulação dos potenciais consumidores, com resultados cada vez mais difíceis de medir. Chega-se a um ponto de sofisticação tal que muitas vezes o segredo é voltar a fazer o mais simples. E o mais simples é mostrar a melhoria da qualidade da vivência quotidiana, que o produto oferece ou não oferece.
Com as cidades passa-se o mesmo. Qualquer cidade tem vantagens comparativas sobre as outras, tal como terá factores negativos de competitividade. O que os responsáveis fazem muitas vezes é adoptar procedimentos habituais de marketing. É esta a origem habitual de dois tipos de comunicação: uma delas consiste na tradicional publicação de anúncios em jornais, revistas e televisão; a outra, mais subtil, é feita através de “reportagens”, e “notícias plantadas” que de forma pretensamente noticiosa chama a atenção para determinados aspectos favoráveis.
Devo dizer que, dentro dos limites éticos, tudo isto é hoje necessário. Nada na vida moderna se afirma apenas por si, sem alguma forma de se mostrar.
Estas reflexões foram-me suscitadas por algo inesperado. Um dia destes, esperava pela minha vez de ser atendido numa agência da Caixa Geral de Depósitos, quando a minha atenção foi atraída pelas imagens que passavam no painel televisivo que normalmente passa informações diversas consideradas relevantes pela CGD. Estava a ser passada uma reportagem realizada aquando da realização dos últimos Encontros Internacionais de Guitarra Portuguesa em Coimbra, organizados pela Orquestra Clássica do Centro. Assim se reviu o Concerto da OCC integrado naqueles Encontros, tal como foi possível ver imagens de maestros, músicos, dirigentes da OCC e público anónimo. Tudo isto em Coimbra e transmitido nos painéis das agências da CGD em todo o país e no estrangeiro. Para a OCC e para música, em particular para os compositores e executantes de guitarra portuguesa, em boa hora a CGD decidiu apoiar financeiramente a realização daqueles Encontros.
Mas para a cidade de Coimbra e para a sua notoriedade, o valor é incomensuravelmente maior. O que é apresentado em centenas de locais é uma vivência cultural, sem artificialismos, mostrando uma pujança urbana invejável. Não terão sido poucas as pessoas que pelo país terão sentido alguma inveja pela possibilidade dos conimbricenses disporem desta oferta cultural, ou que terão mesmo encarado a hipótese de aqui se deslocarem para os concertos da OCC. Fazer simples, ou como os mais próximos do marketing dizem “make it simple”, é de facto a forma mais eficaz de chegar a um grande número de potenciais clientes e de com eles estabelecer uma ligação afectiva íntima.
Isto não é resultado de uma campanha de marketing. Com um apoio anual à OCC que, para além da sua actividade corrente, consegue alavancar esse apoio através de diversos mecenatos e colaborações, a Cidade sai claramente beneficiada com uma visibilidade favorável que extravasa em muito as suas fronteiras
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Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Novembro de 2012

sábado, 24 de novembro de 2012

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

COIMBRA, CIDADE INTELIGENTE


A compreensão da evolução urbana é importante para se perceber o papel das cidades no mundo de hoje e tentar preparar um futuro que seja coerente com o passado e o presente, mas possa melhorar as condições de vida dos futuros “cidadãos”.
As cidades surgiram por motivos muito concretos relacionados com as potencialidades da sua localização. Por exemplo, Coimbra surgiu no primeiro local onde a navegação do Rio Mondego se tornava impossível para as embarcações que o subiam a partir da sua foz. O exacto local onde o Mondego deixava as montanhas para encontrar um caminho pacífico até ao mar, permitindo a navegação e a troca de mercadorias foi aquele que apresentou as condições para o surgimento e desenvolvimento de uma Cidade. Por essas e outras condições naturais e humanas, Coimbra seria muito mais tarde escolhida para primeira capital de um país em formação.
As razões para o surgimento de Coimbra foram umas. Ao longo das suas centenas de anos outras razões surgiram para a sua manutenção e crescimento. Crucial foi a transferência da Universidade no século XVI e a circunstância de a Cidade ter albergado os únicos estudos superiores de Portugal, praticamente até ao fim do século XIX.
A partir dos meados do século XX, o desenvolvimento do país criou toda uma nova envolvência às cidades e Coimbra não podia fugir disso. Alguma estagnação se sentiu na sequência de um certo desnorte no encontrar de novas razões para a sua existência, algo crucial para continuar viva no futuro.
Qualquer cidade, para se desenvolver de forma competitiva e sustentável tem que encontrar a sua razão de ser, a sua vocação, o seu carácter, perfil, atractividade, factores de diferenciação e uma capacidade de crescente desenvolvimento económico.
A necessidade de compreensão da realidade e do potencial existente continua a ser uma constante, para definir uma visão estratégica para o futuro.
Coimbra está incluída no grupo de 70 “smart cities” da Europa. A nossa cidade é a única portuguesa incluída no grupo, no qual só mais três se localizam na Península Ibérica: Pamplona, Valladolid e Oviedo. Para a escolha destas 70 “cidades europeias inteligentes” de entre quase 1.600 cidades europeias, investigadores de várias universidades usaram diversos critérios, ligados à economia, à habitação, à cultura, e às condições sociais e ambientais.
A ponderação desses factores num universo de cidades médias europeias com uma população entre 100.000 e 500.000 habitantes, dispondo de pelo menos uma universidade e com uma área de influência de menos de 1.500.000 pessoas, veio a considerar Coimbra como a única portuguesa entre as 70 cidades europeias ditas inteligentes.
A integração de Coimbra neste grupo é resultado de uma História e de uma conjugação de factores internos e externos. Corresponde a uma situação num determinado momento histórico, podendo a partir daí as condições manter-se estáveis, degradar-se ou, preferencialmente, evoluírem no sentido da melhoria. Depende da evolução das outras cidades e também da capacidade de acção dos seus responsáveis políticos para agarrarem e trabalharem as cinco áreas a que Ernâni Lopes chamava o “Pentagrama de Ouro”: a Economia, a Criatividade (cultural), a Segurança (de pessoas e bens), as Funções e Conteúdos Básicos (administração e organização), a Estabilidade Social e a Qualidade de Vida (ambiente, transportes, saúde, educação e habitação).
Como se vê, todo um conjunto de áreas que devem ser tratadas de forma integrada e harmoniosa, com visão estratégica que pressupõe conhecimento da realidade actual e da História bem como capacidade de concretização.
Muitas vezes, nas alturas cruciais das eleições para as Autarquias discute-se tudo e mais alguma coisa, menos o essencial que é aquilo que acima se resume. Que em tempo de escolha de candidatos não se esqueça o que é verdadeiramente importante para o futuro de Coimbra e dos seus cidadãos (actuais e que hão-de ser).
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 19 de Novembro de 2012

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

NEGOCIAÇÃO PERMANENTE (OU REFUNDAÇÃO)



Em Maio de 2011, na negociação com a União Europeia e com o FMI com vista a chegar a acordo na elaboração do “Memorando de Entendimento” e conseguir dinheiro para o Estado pagar as suas despesas do mês seguinte, o Governo liderado por José Sócrates assumiu o compromisso de atingir “um défice das Administrações Públicas não superior a 5.224 milhões de euros em 2013”. Para chegar a esse objectivo, o Governo socialista comprometeu Portugal a reduzir despesas do Estado em diversos sectores, já em 2012, designadamente no funcionamento da administração central, na racionalização da educação e da rede das escolas, no decréscimo do nº de trabalhadores nas diversas administrações central e locais, do sector da saúde, etc. Dispenso-me de apontar os números gigantescos, que também lá estão no memorando de entendimento e que constituem a austeridade que conhecemos.
No fim de 2010, a dívida pública era de 173.000 milhões de euros, valor que resultou de uma duplicação da mesma em apenas dez anos o que, associado a um défice das contas públicas exageradíssimo, nos atirou para os braços dos agiotas internacionais que compram e vendem dívidas públicas. Em consequência da aplicação das medidas constantes no Memorando, os especialistas dizem que o défice de funcionamento do Estado neste momento já quase não existe, descontando os juros da dívida pública. E aí reside o busílis da questão. De facto, a violenta austeridade que nos foi imposta pelo Memorando de Entendimento está a dar os resultados pretendidos naquele documento. Só que o montante dos juros a pagar pela dívida pública, a que existia resultante dos desmandos anteriores mais a que estamos a assumir por via do tal entendimento com a troika que nos empresta dinheiro em vez dos mercados internacionais é muito alto; tão alto que todo o país está sufocado e sem capacidade de reagir para crescer o mínimo necessário à recuperação económica. Portugal sofre de anemia gravíssima e necessita de ferro que dê a todo o seu corpo o oxigénio suficiente para viver.
O actual Governo tem feito os possíveis e os impossíveis  (até mesmo socialmente inaceitáveis) para cumprir o caderno de encargos que lhe foi entregue pelo anterior.
O povo português tem aguentado a canga de uma forma impressionante, pelo seu estoicismo.
Mas há limites para tudo. Começa a estar provado que o peso do “Memorando de Entendimento” é demasiado para o país, pelo que tem que ser denunciado como prejudicial a partir de certo ponto, o qual suspeito que está prestes a ser atingido. Quem o negociou fê-lo depois de se terem passado todos os prazos normais para o fazer vendo-se, por isso mesmo, obrigado a aceitar tudo, mas tudo, o que os elementos da Troika imaginaram que podiam impor a Portugal.
Adicionar legenda
Tendo o actual Governo cumprido aquilo a que o anterior o obrigou e demostrado a boa-fé na vontade concreta de colocar as contas do país nos eixos, cabe-lhe agora sacudir a cabeça e encontrar novas soluções internacionais para o problema da dívida pública. A questão não é renegociar para piorar ainda mais as condições futuras, como vejo ser exigido pelas Esquerdas mais esquerdas e pelas Direitas mais direitas.
A questão é mostrar que os objectivos do “Memorando de Entendimento” só poderão mesmo ser conseguidos através de novas condições internacionais que permitam o aliviar do serviço da dívida e a retoma económica num quadro em que os mercados tenham a garantia de que Portugal honra os seus compromissos financeiros e faz de facto as reformas públicas a que se comprometeu perante a Troika. Não se trata de renegociação do Memorando, mas sim da negociação permanente exigida por uma situação limite do país, chame-se-lhe refundação, ou o que se quiser.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 12 de Novembro de 2012

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

COIMBRA, CAPITAL NA REGIÃO CENTRO



A linguagem é uma ferramenta poderosa para a comunicação. Por vezes, a troca de uma pequena palavra dá todo um novo significado a uma expressão. Há poucos dias, numa tertúlia sobre a nossa Cidade, alguém interveio sobre o papel de Coimbra na região Centro e afirmou que Coimbra deve ser a capital na região. Na região e não da região, como se costuma dizer. E a alteração pode parecer puramente semântica, mas é significativa e traz consequências, se for levada à letra pelos responsáveis políticos da Cidade.
Significa que Coimbra deverá assumir-se verdadeiramente como capital, não pode ser apenas a primeira entre as outras, que o é, por razões históricas e geográficas. Por razões históricas, porque é a cidade portuguesa mais ligada à nacionalidade, desde a fundação até aos dias de hoje, com tudo o que isso significa de património material e imaterial. Durante muitos séculos Coimbra albergou a única Universidade portuguesa, o que teve consequências muitas vezes imprevisíveis e curiosas como a existência do Brasil como um único país ao contrário das colónias sul americanas de origem espanhola que se dividiram em muitos países independentes. As razões geográficas são evidentes, desde a localização central até à população residente, muito superior a todas as outras cidades da Região, das quais apenas Leiria também ultrapassa os cem mil habitantes concelhios.
Para que Coimbra seja capital na Região e não apenas a capital da região, tem que se assumir a si própria como tal. Em primeiro lugar tem que se organizar de acordo com as cidades que hoje se projectam no futuro. Não pode lamentar o que foi ou o que perdeu. Tem que olhar para si e perceber como se desenvolveu, como se foi reorganizando internamente e quais são as suas vantagens competitivas actuais. Coimbra já não é uma cidade com um único centro, ainda que histórico e riquíssimo em património, centro esse a necessitar de uma cara e extensa regeneração urbana, já suficientemente estudada e planeada. A habitação e as actividades económicas, incluindo o comércio e os serviços foram-se organizando em novas centralidades que formaram outros tantos centros urbanos. Vastas zonas foram abandonadas devido à evolução das actividades económicas, com ocupação de novas áreas mais bem adaptadas às novas necessidades. Gerir a Cidade com perspectiva estratégica, significa entender esta nova realidade e potenciar as conexões entre todos estes centros que existem, se interpenetram e devem funcionar como um todo harmonioso.
Mas Coimbra tem também que se virar para fora e assumir-se como a única cidade das Beiras com potencial e capacidade para dar a cara pela Região Centro. Hoje em dia uma capital não se pode impor pela força ou por decreto. Antes deve ter a humildade dos fortes, que é oferecer o que tem para apoiar os outros, dando assim mais força ao conjunto; isto não se deve passar ao nível de associações artificiais e redutoras de municípios de “baixo mondego” ou “pinhal litoral” ou das outras denominadas NUT III, e sim da Região Centro que é a que pode impedir o ensanduichar entre as grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.
Quem perceber isto e o levar à prática demonstrará verdadeira liderança. O actual presidente da Câmara de Coimbra, embora não tenha sido eleito como tal, mostra reunir todas as condições pessoais para o fazer, caso se candidate no próximo ano. Assim queira e consiga reunir equipas com os melhores, que conheçam a realidade concreta e tenham capacidade de propor as mudanças necessárias.
Coimbra precisa de se afirmar da forma que acima descrevi, interior e exteriormente. A Região Centro precisa de Coimbra para sair do torniquete de subdesenvolvimento relativo a que tem estado sujeita. Massa crítica humana há, com pessoas mais do que capazes, independentemente de inscrição em partidos. Que seja utilizada da melhor forma é o que se espera para um futuro que não existe ainda, mas que será fruto das escolhas do presente.

domingo, 28 de outubro de 2012

COIMBRA NO SEU MELHOR




Acompanhado por assistências numerosas e interessadas, o núcleo de Coimbra dos mais representativos cultores de guitarra portuguesa acompanhou de forma participada os diversos eventos integrados nos VI Encontros de Guitarra Portuguesa que decorreram durante toda a passada semana em Coimbra, promovidos e organizados pela Orquestra Clássica do Centro. Desde o notável Concerto de abertura com a OCC e o solista em guitarra portuguesa Artur Caldeira até ao Concerto de encerramento dedicado a Francisco Martins, com Paulo Vaz de Carvalho, David Lloyd, Bruno Costa e Eddy Jam entre outros, foi enorme a variedade de tipos de música e interpretações, tendo sempre presente a guitarra portuguesa designadamente na sua versão de Coimbra. Assistiram-se a momentos de enorme virtuosismo interpretativo que por vezes raiou mesmo a genialidade.
Nestes Encontros foi possível ouvir peças escritas propositadamente para guitarra e orquestra, incluindo uma peça inédita da autoria de Marina Pikoul, que transportam a guitarra portuguesa para o patamar de instrumento orquestral, para além da sua função mais clássica de acompanhamento de canções ou de participação em guitarradas. Será assim possível ouvir a guitarra portuguesa em todo o mundo, já que a existência de partituras permitirá a qualquer orquestra clássica incluir essas peças no seu repertório. Marina Pikoul que escreveu a lindíssima peça “Em Memória da Madrugada em Coimbra” é bem o exemplo de como, mesmo depois de uma carreira brilhante a nível de interpretação e composição, com prémios por todo o mundo a começar na sua própria terra, alguém sabe manter a humildade, sem se tentar impor a não ser pela qualidade do trabalho.
Os Encontros percorreram vários locais, desde o Pavilhão Centro de Portugal ao café Stª Cruz e ao Fado ao Centro no Quebra Costas. Foi assim que se chegou a diversos públicos, incluindo turistas e moradores da Baixa de Coimbra que, de forma entusiasmada aderiram aos espectáculos aí realizados.
Pelo meio, foi possível ver e participar numa acção inédita e altamente significativa pelo seu simbolismo. Duas tunas de estudantes, “As Mondeguinas” e a Tuna da Faculdade de Medicina dedicaram uma serenata a Francisco Martins, cultor da Guitarra de Coimbra e autor da famosa Canção da Primavera. Foi um momento de rara carga emotiva que demonstrou como a canção e a Guitarra de Coimbra têm ainda hoje um papel importante na vida dos estudantes da nossa Universidade, de como a juventude continua a ser generosa e solidária e de como há em Coimbra quem resista e honre os seus melhores.
De Bruxelas vieram dois músicos irmãos, Miguel e Philippe Raposo, que demonstraram como a guitarra portuguesa associada à clássica pode, partindo do repertório da música de Coimbra, atingir novas e surpreendentes sonoridades e emoções.
Nas próximas semanas Coimbra vai ter um conjunto de espectáculos musicais a que se dá o nome de Festival de Música de Coimbra. O único concerto orquestral previsto estará a cargo de uma orquestra constituída por alunos de uma escola profissional de Espinho. Em qualquer cidade com uma orquestra profissional residente, ainda por cima apoiada financeiramente pela Autarquia, a organização de um Festival de Música não deixaria de estar a cargo dessa entidade; em Coimbra, não só isso não acontece como, para o único concerto orquestral é chamada uma orquestra de uma escola. Não fora isto tudo apenas um pouco risível e apeteceria comentar Coimbra no seu pior; na realidade, trata-se apenas de algo para que a História se encarregará de encontrar rapidamente o seu lugar.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 29 de Outubro de 2012

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Enganos e Desenganos


“Estavas, linda Inês, posta em sossego
De teus anos colhendo doce fruito,
Naquele engano da alma ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito”
Camões

De enganos e desenganos está a História cheia. Alguns enganos atingem tanta gente e de uma forma tão profunda e duradoura que a descoberta da verdade é um choque dificilmente admitido.
Até há poucos dias, dificilmente se encontraria desportista mais admirado do que o ciclista norte-americano Lance Armstrong que na sua juventude venceu um cancro de forma dramática, tendo demonstrado uma força de vontade e resistências física e anímica impressionantes. Sendo um desportista de topo, decidiu abalançar-se à mais emblemática e difícil das provas de ciclismo a nível mundial: a Volta à França. São 21 etapas corridas em três semanas, somando 3.500 km de todo o tipo de percursos, incluindo subida e descida de montanhas impressionantes, como os Alpes e os Pirinéus. Venceram-na mais que uma vez figuras míticas como Jacques Anquetil, Eddy Merckx, Bernard Hinault ou Miguel Indurain. Pois Armstrong venceu a prova em 1999 e repetiu a proeza todos os anos até 2005: sete vitórias consecutivas, um feito nunca antes sequer sonhado que o colocou no topo do desporto mundial. Mas Lance Armstrong não se ficou por aqui tendo criado uma Fundação para apoiar pessoas atingidas pelo cancro, a Livestrong que, até hoje, já apoiou cerca de 2,5 milhões de pessoas. Armstrong tornou-se um mito global, um exemplo apontado à juventude em todo o mundo.
Nos últimos dias o mundo assistiu atónito ao desmoronar do mito Lance Armstrong. Descobriu-se que o ciclista participou num sofisticado esquema de doping durante mais de dez anos, que lhe permitiu obter aqueles extraordinários resultados. É um mundo inteiro que, perplexo, descobre que foi deliberadamente enganado e que as autoridades que controlam o doping também se mostraram incapazes de evitar a situação. Em consequência, foram-lhe retirados todos os títulos desportivos obtidos desde 1999 e foi proibido para sempre de voltar a participar em provas desportivas.
O engano é ainda maior porque Lance Armstrong sempre se assumiu como um atleta livre de drogas e apresentava os seus sucessos como um exemplo para os desportistas que querem ir mais longe e mais rápido apenas através do seu esforço e vontade de vencer.
Este enorme desengano coloca imensas questões e levanta as maiores dúvidas sobre os resultados desportivos dos atletas de alta competição e mesmo sobre tudo aquilo em que o desporto se tornou.
Por outro lado, os jovens perderam um referencial. Como explicar às crianças o sucedido, sem que lhes fique a sensação de que todo o mundo é um engano? Como fazer entender que não se deve enganar e mentir para obter resultados, seja nos estudos, seja no desporto, seja no trabalho? E como explicar que o problema não está em ser descoberto, mas em praticar o mal? E que o desporto é importante se entendido como uma forma salutar de manter a boa forma física através da competição e não um negócio?

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 22 de Outubro de 2012

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Encontros em Coimbra (na Baixa)


Drogas legais


Quem passar à porta de umas lojas que têm surgido como cogumelos pelas nossas cidades, ficará certamente surpreendido com o elevado nº de jovens que saem delas depois de terem comprado produtos à primeira vista inócuos como “fertilizantes para plantas”, “incensos” “sais de banho” ou mesmo “chás”.
São as chamadas “smartshops” que estão a inundar as ruas com drogas sintéticas cujos efeitos são comparáveis às drogas proibidas já velhas conhecidas. Para além das designações enganadoras, os vendedores ainda se dão ao luxo de colocar avisos nas embalagens de que os produtos não são para consumo humano, que devem ser mantidos longe das crianças, etc.
Sem o imaginarem, aqueles compradores entram num labirinto de enganos e perigos que podem causar grandes danos à sua saúde de forma irreparável, ou mesmo a morte. O facto de as compras serem feitas em lojas abertas ao público tem duas consequências assinaláveis sobre o comportamento dos clientes: em primeiro lugar, oferece uma sensação de segurança impossível de ter quando se compram drogas proibidas em zonas inseguras e a fornecedores muitas vezes eles próprios assustadores; por outro lado, o simples facto de essas lojas estarem abertas convence os jovens de que os produtos não têm problemas porque se hoje em dia a sociedade tem tanta preocupação com a qualidade de tudo o que se vende, também neste caso isso se verificará.
Nada de mais errado: esta é uma segurança enganadora. As substâncias contidas naqueles saquinhos com figuras infantilizantes no exterior estão fora de qualquer controlo higio-sanitário. São drogas sintéticas fabricadas em laboratórios que depois as distribuem por toda a Europa. Aquelas embalagens de pó ou pastilhas podem conter até mais de duzentas substâncias, sem qualquer controlo de qualidade e ninguém consegue sequer saber com exactidão o que contêm. Se o comprador de heroína ou cocaína pode estabelecer um padrão de “qualidade do produto”, isso é absolutamente impossível para estas novas drogas legais. E os seus efeitos sobre os consumidores são frequentemente devastadores.
E a sua venda é legal, porquê? Porque os laboratórios que as produzem andam à frente da Lei nos diversos países enredados em burocracia. Quando o processo legal de um país, como por exemplo Portugal, coloca uma substância na lista dos produtos cuja venda é proibida, os laboratórios, mantendo o núcleo essencial da fórmula, logo efectuam pequenas alterações na estrutura molecular, do que resulta uma nova substância ainda não proibida; e por aí adiante.
O que mais impressiona nisto tudo, para além da hipocrisia generalizada de que se reveste, é a incapacidade ou mesmo falta de vontade dos responsáveis políticos e de saúde pública para, concertadamente, enfrentarem o problema. O que se vê é esconder e virar a cara, para além de desconhecimento generalizado. Nem sequer há estatísticas de mortes associadas a este problema, porque a medicina legal não faz testes de despistagem destas drogas. Os consumidores podem mesmo conduzir veículos à vontade, porque os testes de detecção de drogas não contemplam estes produtos.
Para além de avisar os jovens para os perigos a que se sujeitam ao consumirem estas “drogas legais”, é necessário alertar as autoridades responsáveis e exigir que tomem urgentemente uma posição séria perante este novo flagelo que a ganância de uns e a inércia de outros faz abater sobre a juventude.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Coimbra e o Metro


Embora a generalidade dos políticos não goste de o reconhecer publicamente, desde Maquiavel que a política deixou de ser encarada numa perspectiva eminentemente moral, a favor da óptica científica e técnica.
O longo processo do chamado Metro Mondego tem merecido demasiadas posições públicas no domínio da moral, normalmente sob a capa da reivindicação da justiça para estes ou aqueles. A consequência está bem à vista de todos e, infelizmente, as razões apresentadas para as posições que ultimamente têm sido tornadas públicas continuam a fazer tábua rasa da análise fria e objectiva do projecto.
O metro ligeiro de superfície designado por Metro Mondego é uma ideia que se tem tentado passar à prática desde o início dos anos noventa do século passado. Duas razões nem sempre explicitadas levaram a que se tivesse constituído a sociedade Metro Mondego para levar a cabo o projecto. Em primeiro lugar, a Linha da Lousã em modo ferroviário clássico estava claramente em perigo de seguir o caminho de muitos ramais encerrados desde essa altura, dado o evidente desnível entre os custos de exploração e a procura. A integração da linha da Lousã num projecto que abrangesse também o percurso urbano dar-lhe-ia a sustentabilidade económica que impediria o seu encerramento. Por outro lado, a desistência do projecto do túnel ferroviário na zona da Portagem por causa do seu custo proibitivo, levou a Autarquia de Coimbra a defender a alteração da linha do comboio para metro de superfície, o que permitiria encarar uma nova utilização para a margem direita do Mondego, permitindo uma sã ligação da Cidade ao Rio.
A partir daí, os estudos urbanísticos da Cidade, designadamente no que respeita à Baixa e margem direita do Rio, passaram a ter a implantação do Metro como um dado adquirido. A ligação do Metro da margem do rio aos Hospitais garante a sustentabilidade económica de todo o sistema. Mas não só. Essa ligação é hoje crucial para o próprio funcionamento da cidade, que potenciará ainda o desenvolvimento económico de largas zonas da Cidade.
É comummente entendido que um dos principais óbices à recuperação da Baixa, nomeadamente no que respeita ao seu comércio tradicional, mas também ao regresso de moradores à zona, tem a ver com as acessibilidades. O metro irá permitir que os utentes da linha da Lousã, incluindo moradores da zona urbana atravessada, tenham acesso rápido e fácil a grande parte da cidade; mas também os conimbricenses passam a poder procurar o comércio e os serviços da Baixa com toda a rapidez e comodidade, sem a preocupação de procurar estacionamento para o carro. A principal reivindicação dos comerciantes da Baixa devia mesmo ser a construção imediata do Metro que lhes trará de volta os clientes hoje desviados para os centros comerciais, bem como moradores locais, tão importantes para segurança e para o movimento contínuo nas ruas e lojas.
A recuperação para a Cidade de toda a margem direita do Mondego entre o Parque Verde e a Ponte Açude só será viabilizada com a eliminação definitiva do canal destinado aos comboios e a sua substituição pelo metro de superfície.
Os municípios vizinhos que eram servidos pela Linha da Lousã têm tudo a ganhar se lutarem igualmente pelo metro ligeiro de superfície. A metropolização que já hoje em dia é um facto, embora de forma incipiente, poderia expandir-se e estruturar-se com vantagens óbvias para as populações; a exigência da reposição da Linha da Lousã com comboios como era antes é perniciosa para todos, por ir contra toda a lógica técnica e científica.
A actual situação, no que respeita ao Metro Mondego, é claramente esta: ou ganham todos, ou perdem todos. Meus caros concidadãos, coloquemos a razão ao serviço desta discussão, em vez de interesses imediatos ou ideias morais por mais justas ou importantes que pareçam de momento.



segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O TITANIC nunca se afundou

Claro que esta história de dançar enquanto o navio se afunda só acontece nas historietas. O Titanic nunca se afundou e Portugal também não.
Dancemos, portanto.

A Finança em vez da Economia



O dinheiro tem uma história muito longa, desde que surgiu da necessidade de encontrar uma medida comum de valor para as trocas de mercadorias. Muito mais tarde a evolução da humanidade levou ao surgimento da empresa como peça central da economia, garantindo não só a produção das mercadorias necessárias a uma vida cada vez mais complexa, mas também o emprego a grande parte da população activa.
O dinheiro fazia parte deste sistema, através do financiamento das empresas e das próprias famílias, mas também pelo pagamento do trabalho. Para isso, era essencial o funcionamento do sistema financeiro, através da banca clássica ou de crédito. Ao lado, mas separada desta banca, existia também a chamada banca de investimento, trabalhando com níveis de risco mais elevados, e portanto com limites e controles bem definidos.
Nas últimas décadas temos, no entanto, assistido a alterações radicais desta situação. O surgimento da internet e o desenvolvimento das capacidades informáticas, associados à globalização, soltaram as movimentações financeiras das amarras que as seguravam e de alguma forma controlavam. O dinheiro passou a ser ele próprio apenas uma mercadoria. Mesmo o cidadão comum está perder o contacto com o dinheiro, com o uso crescente de cartões multibanco, os pagamentos de serviços por transferência automática etc.
A finança desenvolveu-se a níveis antes inacreditáveis, tomando conta da economia e mesmo substituindo-a em grande parte. A banca de investimento fundiu-se com a banca de crédito, inundando os habituais e seguros depósitos com os chamados “produtos derivados”. Os “fundos soberanos” agem por todo o mundo sem qualquer tipo de regulação. Os “hedge funds” com os seus “produtos estruturados” que, tendo provocado as bolhas imobiliárias por todo o lado se viraram agora para os produtos primários e mesmo alimentares, são movimentados de forma altamente especulativa, sem qualquer controlo.
O mercado de capitais, usando os meios disponibilizados pela informática, inclui hoje em dia a actividade de autênticos “robots” que, de forma automática, detectam toda e qualquer grande compra ou venda institucional logo no seu início, fazendo operações extremamente rentosas para os “broker” em milésimos de segundo. Mais de metade dessas transacções são anuladas no segundo seguinte.
A questão que se coloca é simples e imediata: o que fazem os governos e as entidades responsáveis pelas bolsas e bancos centrais para acabar ou limitar estas situações que estão a erodir o desenvolvimento económico do último século? Sem que se perceba a razão, não fazem nada ou quase nada. E no entanto, há coisas relativamente simples que poderiam limitar este estado de coisas. Se o fim dos “paraísos fiscais” parece muito difícil, já a introdução de uma taxa, ainda que pequena, sobre todas as transacções financeiras acabaria com a chamada finança de alta frequência. A separação entre a banca de crédito clássica e a banca de investimento traria segurança e lógica a toda a economia. A proibição imediata do “short selling” traria uma nova segurança ao mercado de capitais. É isto que devemos exigir já a quem governa aqui e na Europa.
O mundo está a mudar a uma velocidade estonteante, o que exige dos responsáveis políticos novos conhecimentos e capacidades bem como independência relativamente aos mentores deste estado de coisas. Sobretudo numa altura de crise profunda, têm que mostrar estar à altura dos acontecimentos e ser muito mais que gestores de memorandos com troikas que vão e vêm.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 1 de Outubro de 2012

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Opções (in/adiáveis) de novo?



No início do mês de Abril de 1979, Sá Carneiro enfrentou uma das maiores crises da sua liderança partidária. Dos 73 deputados do PSD, 37 passaram a independentes, por divergência com o presidente do partido, não tendo seguido a orientação partidária de abstenção na votação do Orçamento. Esta situação tinha antecedentes, que se prendiam com a publicação do documento conhecido por “Opções Inadiáveis” em que vários notáveis ou barões do partido, ao defenderem “a socialização crescente da economia” estabeleciam uma linha programática de “consenso” com o “status quo” político que então se vivia. Sá Carneiro pensava já na AD como alternativa ao socialismo e à semi-tutela militar ainda prevalecente no país e que meio ano depois viraria o país do avesso.
De uma forma que denota uma clara convergência de interesses no objectivo de apear a liderança partidária, de novo se ouvem vozes no PSD a apelar a uma dissidência dos deputados. São outra vez as chamadas reservas do Partido, que se acham “donos” dele. Só que, desta vez, o apelo à revolta dos deputados tem uma agravante crucial: o PSD está no Governo e é responsável pela governação. Discutir opções, discordar de propostas, apresentar alternativas, tudo isso é sério e mesmo necessário, num tempo em que o país está a tentar ganhar espaço para respirar após uma governação criminosamente irresponsável nos ter atirado para as mãos das instâncias internacionais corporizadas na Troika. Tentar arranjar soluções governativas não surgidas de eleições como alternativa a um governo legitimamente eleito, em que o próprio partido participa e que dispõe de maioria confortável na Assembleia da República é apenas inqualificável não só do ponto de vista partidário mas, acima de tudo, do ponto de vista nacional. Não será necessário recordar que o país está a ser ajudado financeiramente para pagar as suas contas e sob vigilância rigorosa das estâncias internacionais.
Coisa semelhante seria o Governo passar a ser ele próprio um problema em vez de solução, por dissidências entre os dois partidos que lhe servem de base. A questão não está sequer em tentar manter problemas fora da esfera pública. Os sentimentos de desconfiança e mesmo de reserva mental na abordagem dos graves problemas nacionais não são algo que se consiga esconder dos portugueses. Para o bem e para o mal, o PSD e o CDS estão amarrados entre si numa solução governativa de emergência que tem a obrigação de retirar Portugal da aflita situação em que o colocaram. Estamos num ponto em que se puxa o lençol para tapar algo e fica sempre algo a descoberto porque o pano é curto, o que dá permanentemente razões de queixa a alguém. A questão da coordenação política entre os dois partidos do Governo é crucial, não só para o próprio governo, mas para o país. Uma crise séria que colocasse em questão a estabilidade governativa, seria o suicídio do PSD e do CDS como partidos do arco governativo, mas essencialmente, um desastre para Portugal que passaria a ser visto como um país pária incapaz de se governar e sem capacidade de cumprir os seus compromissos internacionais. Espera-se que tal não venha a suceder.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 24 de Setembro de 2012

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Coimbra, menina e moça



“Vivi ali tanto tempo quanto foi necessário para não poder viver em outra parte. Muito contente fui em aquela terra, mas, coitada de mim, que em breve espaço se mudou tudo aquilo que em longo tempo se buscou e para longo tempo se buscava”
Bernardim Ribeiro em “Menina e Moça”

Certamente não por acaso, Coimbra tem um efeito algo estranho em muitos dos que nela vivem. Por vezes quase parece mesmo uma relação amor/ódio.
Não deve haver muitas cidades em que durante a maior parte do tempo os moradores digam tão mal dela, como Coimbra. Desde que me conheço que ouço a mesma ladainha do parado no tempo, do fim das indústrias, dos malvados shoppings onde todos acabam por ir, da velha universidade, da comparação negativa com as outras cidades da região, etc. etc.
Depois, repentinamente, surgem picos do que parece ser um acrisolado amor, como quando surge algum ranking a colocar a Universidade de Coimbra como a melhor portuguesa, o que até acontece quase todos os anos, mas esses entusiamos são de curta duração, logo se passando à mesma lamúria de sempre.
Conheço na nossa cidade pessoas que são do melhor que há, tanto em termos de capacidade profissional, como de espírito livre e disponibilidade para participar em tudo o que possa ajudar a um futuro melhor. Isto independentemente de opções ideológicas e mesmo partidárias. Um certo realismo e até experiência de vida, diz-nos que uma adequada e profícua gestão do dia-a-dia integrada numa visão estratégica exige dos intervenientes ideias claras em termos de opções políticas, mas também uma experiência e formação profissional que permitam ultrapassar a floresta de dificuldades que a complexa organização social e política hoje apresenta.
Claro que, como em todo o lado, também cá há muita gente que em vez de assimilar aqueles dois aspectos, apenas consegue fazer vincar apenas um deles, seja o político ou o técnico. É assim que vemos pessoas com grandes capacidades profissionais, mas sem a mínima ideia do que é uma intervenção política. E há também o oposto, que ainda é mais notório, através de intervenções políticas algo estridentes, mas qualquer continuidade no tempo, para além dos tais picos muito conspícuos.
A proximidade das escolhas das candidaturas autárquicas provoca muitos frémitos de emoção e necessidade de picar o ponto na comunicação social. Nada que nos deva espantar ou chocar, porque todos têm direito aos seus desejos e às suas ambições políticas. A sociedade, incluindo partidos, deve é ter consciência de que boa parte destas atitudes não são mais do que provas de vida, já que durante todo o resto do tempo os seus autores tratam calmamente das suas vidas, não se lhes detetando qualquer resquício de intervenção social ou política.
Coimbra dispensa bem aquela atitude que Bernardim Ribeiro tão bem descrevia no seu romance, de paixões amorosas a necessitar dos tratamentos ou remédios de amor prescritos por Ovídio na sua “arte de amar”. Ao contrário, necessita muito mais de quem sabe, quer e trabalha.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Setembro de 2012

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Notícias de (o) Eucaliptal




Quem viaja hoje pelo norte de Portugal, seja pelo litoral, seja pelo interior, não pode deixar de se impressionar com a  enorme superfície ocupada pela plantação de eucaliptos. Se ainda não se pode dizer que se trata de uma monocultura, já não anda muito longe disso. Nas últimas dezenas de anos o eucalipto tem vindo a substituir paulatinamente o pinheiro bravo como paisagem habitual das nossas zonas florestais.
O eucalipto tem características que o diferenciam das outras espécies arbóreas a que estamos habituados. Em primeiro lugar, é claramente uma espécie exótica. Isto é, o seu plantio em larga escala traduz uma alteração profunda nos nossos ecossistemas, o que inclui não só a área vegetal, mas também tudo o que respeita aos animais que vivem nas florestas, desde os insectos, às aves e mamíferos, sendo a biodiversidade prejudicada através do empobrecimento dos ecossistemas locais. Daqui resulta que a sua monocultura é muito prejudicial para o equilíbrio ecológico do país, com profundas implicações futuras, inclusive económicas.
Depois, trata-se de uma espécie que cresce muito depressa, pelo que consome muita água.
Por outro lado, curiosamente, o eucalipto é aquela espécie vegetal que mais beneficia com os incêndios que, desgraçadamente, todos os verões faz desaparecer boa parte das nossas manchas florestais. Após os incêndios, os eucaliptos nascem espontaneamente nas áreas ardidas, ocupando cada vez mais espaço que anteriormente era de outras espécies.
Muitos ecologistas começam hoje em dia a deixar de atacar o plantio de eucaliptos ou mesmo a defendê-lo ainda que de forma algo tímida, mas significativa pela mudança de posição. De facto, com o aquecimento global, o maior problema ecológico que se põe hoje à escala global terá a ver com o excesso de anidrido carbónico na atmosfera. Sendo assim, o aumento de área de florestas e, fundamentalmente, a escolha de espécies de crescimento rápido que proporcionam um grande sequestro de carbono durante o seu crescimento o que é o caso, precisamente, do eucalipto, será uma necessidade contemporânea.
Estamos no mesmo país em que uma árvore é protegida, e bem: o sobreiro. Só que neste caso se vai ao extremo de fazer depender de despacho ministerial o corte de uma pequena árvore solitária que surge no meio do caminho de uma estrada para um serviço público de reconhecido interesse.
Como em tudo na vida, um equilíbrio ponderado será a melhor solução que deverá respeitar sempre a sustentabilidade, isto é, não deverá colocar o futuro em causa.
Num momento em que se fala na liberalização do plantio de eucalipto em Portugal, é caso para dizer: já chega; limite-se é com veemência a plantação de novos eucaliptais. Não é preciso ser muito observador nem um grande cientista de biologia para perceber que o eucalipto está hoje em dia prestes a ser uma monocultura florestal em Portugal, transformando o país num gigantesco “eucaliptal”. Não se questiona o interesse económico do eucalipto. O que já começa a estar em causa é o próprio equilíbrio ecológico nacional e esse é um valor que todos temos obrigação de preservar para as gerações futuras.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra

domingo, 9 de setembro de 2012

César das Neves ao "i"


Os bancos dizem que têm dinheiro...
Mas têm medo. O terceiro elemento é a própria economia, que está muito frágil. Num momento em que há muita desconfiança internacional sobre a banca, muita desconfiança específica sobre Portugal, têm medo de emprestar. Mas um aspecto novo, que já aconteceu mas que está a voltar e num clima completamente diferente, é o que me preocupa mais: temos outra vez a banca no bolso do Estado. Resultado do último consulado Sócrates – e é preciso ver que o sistema português cabe num táxi, qualquer dia até o banco de trás do táxi chega –, as empresas desses grupos, sendo algumas indiscutivelmente privadas, como o Banco Espírito Santo, emprestaram dinheiro ao Estado porquê? Porque é que o BES emprestou tanto, se sabia que era uma estupidez? Esta nova influência política, descarada numa altura em que o mundo é completamente diferente, em que a Europa está toda aberta financeiramente, assusta-me.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

21 Julho 1969, 02:56 GMT



O momento em que Neil Armstrong poisou o pé na superfície lunar fica para sempre registado na História da Humanidade como um dos mais importantes e significativos.
Tinham passado oito anos desde que John Kennedy havia estabelecido o objectivo de levar um homem à Lua e trazê-lo são e salvo para a Terra, antes que a década de 60 terminasse, cumprindo-se assim a promessa feita pelo presidente americano perante o Congresso.
Não foi fácil fazê-lo. Custou muito dinheiro e exigiu o trabalho de mais de 400.000 pessoas durante anos a fio, sem os meios tecnológicos, essencialmente os informáticos, de que se dispõe hoje. Após a Apollo 11, houve ainda várias missões que levaram homens à Lua, sendo a última a Apollo 17 em Dezembro de 1972, faz este ano 40 anos!
Foram feitas muitas comparações com as viagens marítimas dos portugueses, inclusive pelos próprios astronautas que tiveram aquela sensação assustadora de partir para o desconhecido sem ter o regresso por certo. A comparação é ainda mais acertada porque, ao contrário do que muitos ainda hoje pensam, as viagens portuguesas foram meticulosamente preparadas, exigiram muitos esforços e grande capacidade organizativa, além da utilização intensiva de todo o conhecimento científico disponível à época.
Aquela noite de Julho de 1969 é também uma recordação pessoal gravada indelevelmente na memória. A transmissão da televisão durou muitas horas e ainda bem novo fiquei acordado à espera do momento crucial da saída de Armstrong e Aldrin para a superfície lunar, o que sucedeu já bem depois das 3 da madrugada, altura em que acordei todo o resto da família. Foi uma viagem vista em directo por todo o mundo. Desde o lançamento do gigantesco foguetão Saturno V em 16 de Julho, até à descida no Oceano Pacífico em 24 de Julho, passando pelo passeio de mais de duas horas na superfície lunar, centenas de milhões de pessoas tiveram a oportunidade de seguir a viagem pela televisão.
Sabemos hoje dos pormenores da descida do Módulo Lunar “Eagle” desde a separação do Módulo de Comando “Columbia” onde ficou Collins a observar e a aguardar o regresso dos dois companheiros de viagem. Neil Armstrong pilotou o “Eagle” na descida e antes que o combustível acabasse teve de encontrar um local seguro para poisar, enquanto os computadores de bordo emitiam sinais aflitivos de mau funcionamento, que lhe provocaram mais de 156 batidas do coração. Foi um momento chave em que a experiência e formação excepcional de piloto de Armstrong salvaram toda a missão. A frase que proferiu quando pisou a Lua e que ficou célebre (um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para a humanidade) terá vindo à sua cabeça precisamente naqueles momentos de aflição antes do pouso do “Eagle” na superfície lunar e é de uma felicidade espantosa na sua simplicidade.
Neil Armstrong foi o primeiro homem a pisar a Lua. Morreu agora. Foi um exemplo, não só pela coragem, sangue frio e determinação em momentos de tensão extrema, mas também pela humildade com que viveu todo o resto da sua vida, recusando honrarias e exposições mediáticas, salientando sempre que, além dele, muitos contribuíram para o sucesso da missão.
Depois da Apollo 17, nunca mais nenhum homem voltou a pisar a Lua. Grandes progressos científicos, inclusivamente na astronáutica se verificaram depois disso, mas o facto é que as novas gerações nunca tiveram a experiência de olhar para o nosso satélite natural, com a consciência de haver lá homens a trabalhar e a representar toda a Humanidade em missões exclusivamente científicas e de paz. Sensação estranha mas simultaneamente propiciadora de esperança no futuro da Humanidade.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Setembro de 2012