segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Europa em transe




Quando o Reino Unido votou, no referendo de Junho de 2016, pela saída da União Europeia, logo se tornou evidente que esse processo de saída não se faria sem dificuldades. Desde logo porque a população do Reino Unido mostrou estar extremamente dividida quanto à saída, mas também porque ficou evidente que os defensores da saída tinham usado de argumentos falaciosos e mesmo falsos, apelando ao saudosismo pelas velhas ideias imperialistas, manifestando reservas à entrada de cidadãos provenientes de outros países e manipulando grosseiramente os números relativos à participação financeira britânica nas contas da União. Acresce que do lado da União Europeia não se poderiam esperar grandes facilidades já que, por um lado a saída do Reino Unido não poderia abrir caminho de facilidades a outros países e, por outro, ao sair da UE o Reino Unido passa a ser um concorrente económico. O acordo alcançado entre o governo britânico e a União Europeia não parece em condições de obter um voto favorável no Parlamento britânico, pelo que Theresa May entrou num remoinho político de cuja saída não parece vir a poder sair incólume. Aliás, nem ela nem provavelmente o país, que corre um grave risco de desagregação, qualquer que seja a solução final.
Emmanuel Macron enfrenta por estes dias algo que não esperava. As violentas manifestações populares imediatamente provocadas por um aumento de impostos sobre os combustíveis alastraram de Paris a diversas cidades francesas. Parecem significar uma revolta generalizada de classes sociais abafadas numa carga brutal de impostos. O presidente francês, que ainda há um ano e meio era eleito com uma maioria notável, concitando as esperanças de muitos franceses, é hoje um político acossado que se vê na necessidade de responder às manifestações com anulação dos aumentos previstos, com aumento do salário mínimo e adopção de outras medidas numa tentativa, que se pode considerar patética, de parar a violenta revolta das ruas. Medidas que atirarão o défice francês para valores incompatíveis com o Tratado Orçamental, o que colocará um problema gigantesco de coerência à União Europeia que exige o cumprimento estrito das regras aos países do Sul.

O incumprimento francês poderia trazer algum alívio ao governo italiano nas suas relações com a Comissão, não fora o facto de já ter aceitado alterar a sua proposta de orçamento 2019 para acolher as exigências europeias, tal como aconteceu com a Grécia e Portugal em 2016. Alguém terá soprado aos ouvidos de Salvini e di Maio, como os alemães fizeram com Centeno e antes com Tsipras, que para a Europa não interessa tanto o que se orçamenta, mas antes o numerozinho obtido no final, ficando a execução para lá chegar a cargo dos governos, não interessando minimamente à Comissão que os estados sociais, o investimento, etc. sejam comidos pelo caminho.
Aliás, sobre a continuação da hipocrisia dos dirigentes europeus que a cada dia que passa cavam mais fundo na sua credibilidade junto dos cidadãos, basta observar o cinismo do presidente do Eurogrupo (grupo dos ministros das Finanças europeus) ao mandar os ministros das finanças dos países em risco de incumprimento do défice tomarem medidas adicionais. Entretanto, saiu da última reunião a mostrar-se ufano com o grande sucesso obtido com a “reforma da zona euro” ao fim de mais de 19 horas de trabalhos. 
Na realidade o ministro da Finanças português, que é dele que se trata, presidiu à reunião de que apenas saiu aprovado algo pronto já há muito tempo, o chamado Fundo Único de Resolução, que entrará em vigor talvez daqui a uns dois anos, se tudo correr bem, para financiar o resgate dos bancos europeus.
Num mundo globalizado em que potências como os EUA, a China e a Rússia se movimentam com força à superfície, mas também nas suas profundezas, a Europa necessita urgentemente de reencontrar o seu lugar e o seu caminho, muito para além da dimensão ideal da maçã e da distribuição de subsídios e fundos com que políticos sem visão enchem o olho aos seus povos. É que a História não acabou, ao contrário de vaticínios de sociólogos de meia-tijela, e encontra-se de novo em aceleração que pode ficar descontrolada, como já tantas vezes aconteceu, estando aí todos os sinais para quem os quiser ver.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Dezembro de 2018

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