segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

O FUTURO É HOJE




Se nos é vedado conhecer o futuro, pela simples razão de que ainda não existe, é nossa obrigação de cidadania observar com atenção o que se passa hoje à nossa volta, bem como conhecer o passado o mais aprofundadamente possível Tudo isto com o fim entender as razões do que acontece e tentar que o presente dos nossos vindouros venha a ser o melhor possível. A China tem crescido a níveis que se julgam insustentáveis sob uma perspectiva de pura economia de mercado Sucede que a China é um país governado com mão de ferro por um partido Comunista em que o presidente tem um mandato vitalício, pelo que o seu capitalismo é falso, usando as ferramentas desse sistema para melhor dominar a economia mundial, através de compras sucessivas de sectores vitais de diversos países que necessitam do seu capital como de pão para a boca, assim chocando o ovo da serpente. A federação Russa continua a crescer lentamente com um sistema oligárquico totalmente dependente do Kremlin, recuperando paulatinamente a capacidade militar com que os impérios russos sempre se afirmaram, independentemente dos sistemas em vigor a cada momento Putin informou o mundo, há poucos dias, que a Rússia possui um novo sistema de mísseis invencível, dado que as armas atingem velocidades vinte vezes superiores à do som. Donald Trump prossegue a sua política anunciada de desconstrução da ordem económica mundial, mostrando-se completamente nas tintas quanto ao funcionamento dos equilíbrios económicos, políticos e militares internacionais construídos ao longo de décadas Internamente, a política é substituída pelos negócios que tudo justificam, desde as mentiras ao desrespeito pelas chefias militares e mesmo desmontagem dos célebres poderes e contra-poderes criados pelos “pais fundadores”. O Reino Unido, por sua inteira responsabilidade, encontra-se perante os maiores desafios da sua História, cabendo-lhe decidir sobre uma saída sem acordo da União Europeia, um acordo que nenhum britânico defende de cara lavada, ou um segundo refendo que atiraria para o lixo uma decisão soberana do povo O desmembramento do Reino Unido está à vista, não só com uma possível unificação da Irlanda, como por uma declaração unilateral de independência pela Escócia. O Japão decidiu voltar a caçar baleias com fins comerciais, juntando-se à Noruega e à Islândia, esses faróis nórdicos de desenvolvimento humanista e preocupações ecologistas. Também os descendentes dos Vikings, os dinamarqueses normalmente apontados como ultra-civilizados, decidiram que não havia melhor maneira de instalar os imigrantes indesejados que lá chegam do que mandá-los todos para uma ilha remota. A destruição sistemática do “estado social” que está a ser levada a cabo entre nós, incluindo o “buraco negro” do investimento público seja em obra nova seja em manutenção, não motiva a mínima reacção de todos os que viam na “austeridade da troika” a implantação do neo-liberalismo, quiçá do próprio fascismo A única coisa que parece mexer em Portugal é a manifestação das corporações ligadas à administração pública, ditas sindicais, Isto num país em que os funcionários públicos trabalham menos 20 horas por mês do que os restantes trabalhadores, têm segurança de emprego e ainda vão ter um ordenado mínimo de 635 euros, enquanto o dos outros é de 600 euros E “no pasa nada” A geringonça já acabou sem festa, com os partidos apoiantes na AR a agirem como cônjuges enganados e sendo interessante observar o “pas de deux” que Costa e Rio ensaiam enquanto se espera calmamente pelas eleições do novo ano que amanhã começa, que esta história de fazer oposição a sério dá muito trabalho e muitas dores de cabeça O processo Marquês aproxima-se rapidamente de um ponto sem regresso, o juiz “calhou-me a mim” só o foi à quarta tentativa do computador e até já começaram a perder-se elementos processuais nas profundidades do Citius Quem teve a paciência de ler esta crónica até aqui deverá estar a pensar que o autor, talvez devido ao facto de “cronicar” neste jornal semanalmente sem interrupções desde há 13 anos, se “passou dos carretos” e tal até poderá ser possível mas, na realidade, a aparente falta de rumo reflecte apenas o desejo de espelhar com alguma fidelidade o caos generalizado dos nossos tempos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 31 de Dezembro de 2018

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