segunda-feira, 27 de julho de 2015

Dos partidos extractivos e não inclusivos




De tantos em tantos anos, normalmente quatro mas podendo ser menos quando algo corre muito mal, os partidos políticos são obrigados a expor-se perante os cidadãos e, normalmente,  o que se vê não é muito bonito de se ver. Uns meses antes das eleições a que muitos políticos gostam de chamar pomposamente o "combate politico", há que preparar as listas a propor aos eleitores pelos partidos que vão a votos e é nesse momento que o interior dos partidos, normalmente escondido atrás de belas palavras como unidade, competência e solidariedade, fica à vista de todos.
A importância de falar sobre os partidos deve-se a duas ordens de razão essenciais. A primeira, óbvia e fundamental, deve-se a que sem partidos não há democracia. Depois, o sistema politico, por mais complexo que seja, tem por base precisamente os partidos, onde naturalmente têm origem os responsáveis pelo funcionamento desse mesmo sistema.
Há muita gente que afirma que a constituição das listas de deputados não interessa para nada, já que depois de eleitos não terão voz própria no parlamento, devendo sujeitar-se às orientações dos respectivos grupos parlamentares. Isto seria verdade tanto para os partidos suporte dos governos, como para os de oposição. À luz de tal critério, os deputados seriam considerados, não como representantes do povo, mas como recursos humanos dos partidos, como aliás lhes ouvi chamar há pouco tempo pelo presidente de um dos principais partidos, sem que tal afirmação tenha dado origem a qualquer comentário.
Na verdade,  a prática dos partidos, incluindo os dois maiores, permite que aquelas conclusões tenham muita razão de ser. Os processos de escolha dos candidatos ou são opacos ou mostram critérios que relevam apenas das eleições internas dos partidos, a níveis nacional e distrital, mas também concelhio: há que "colocar" as personalidades apoiantes dos vencedores dessas eleições internas mas também, e com frequência sobretudo, afastar os derrotados e quem os apoiou. Tudo isto independentemente das qualidades, competências e capacidades de uns e de outros. Isto é, as eleições internas dos partidos, muito mais do que escolher e promover politicos capazes de suscitar discussões sobre a realidade e propor soluções, são verdadeiras primárias restritas para escolher as listas de candidatos que propõem aos eleitores. Ao procederem assim os partidos estão a estabelecer as bases para o prolongamento deste tipo de atitude para as instituições políticas do Estado e mesmo para a organização económica nacional. Por mais que um governante nacional consciente destas situações e desejoso delas escapar se mova para fugir deste contexto, as bases para as atitudes extractivas generalizadas na esfera politica, mas também na económica, estão estabelecidas como braços de um polvo que chegam a todo o lado. E são, não tenhamos dúvidas sobre isso, a razão profunda do nosso atraso económico e dos casos de políticos e gestores extraordinariamente enriquecidos que proliferam entre nós. Como nos ensinam Acemoglu e Robinson na sua obra "Porque Falham as Nações", a existência de instituições políticas inclusivas é uma das condições essenciais para que uma nação progrida e se possa afirmar como estando entre as mais progressivas, como a maioria de nós ambiciona para Portugal.
Claro que ninguém espera que em épocas eleitorais haja ambiente para que surjam propostas para alterar profundamente este estado de coisas. Mas é nestas alturas que a sua necessidade se torna mais evidente, pelo que os alertas  devem ser dados agora, momento em que todos podem ver a realidade. Não se trata de criticar ou atacar este ou aquele partido ou político em concreto, mas de chamar a atenção para aquilo que está agora claramente visível e afirmar que, muito mais que uma discussão ética sobre corrupção,  se trata de facto de descobrir as razões profundas do nosso atraso económico relativamente a nações que poderíamos acompanhar lado a lado, com consequências graves para o povo em geral.   

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 de Julho de 2015


quinta-feira, 23 de julho de 2015

Pontes culturais entre países irmãos

Há pouco mais de uma semana Coimbra pôde assistir a dois momentos culturais, numa rara simultaneidade que proporcionou ainda a feliz comemoração de um importante acontecimento político.
A autarquia de Coimbra atribuiu o importante prémio literário Miguel Torga ao escritor cabo-verdiano Mário Lúcio de Sousa que acontece ser o actual ministro da Cultura do seu país. De referir que Mário Lúcio foi o primeiro autor não português a ganhar este prémio, tendo concorrido com o romance inédito "Biografia do lingua". O prémio foi-lhe entregue no salão Nobre da Câmara no passado dia 12, tendo assistido à cerimónia o primeiro Ministro de Cabo Verde e participado o secretário de Estado da Cultura do Governo português. Após a cerimónia, houve um concerto no Pavilhão Centro de Portugal pela Orquestra Clássica do Centro dirigida pelo Maestro António Sérgio Ferreira.
O concerto foi integralmente dedicado à música cabo-verdiana, com composições do músico cabo-verdiano Vasco Martins incluindo ainda a interpretação por Mário Lúcio da sua canção "Morna e cítara" com arranjo também de Vasco Martins. Esta composição lindissima, e que suscitou grande entusiasmo por parte do público, "é a única morna que se conhece com dois acordes, em que o compositor, além da temática da mestiçagem (crioulo), também pensou na Índia e no ‘tampura’, instrumento tradicional indiano".
O concerto abriu com a obra “Quatro notas na cidade”, inspirada nos pregões das peixeiras da cidade do Mindelo tendo, em alguns dos temas que se seguiram, intervido o próprio compositor como interprete. Vasco Martins é um compositor multifacetado e consagrado em várias áreas da música, sendo mesmo um dos raros compositores africanos de musica erudita. A sua musica tem sido interpretada por grandes orquestras e maestros reconhecidos, fazendo parte do reportório da Orquestra Clássica do Centro há mais de uma dezena de anos.
O concerto inseriu-se nos “Encontros com a Cultura Caboverdiana", que decorreram entre os dias 3 e 15 de Julho, em que a OCC e algumas associações cabo-verdianas como o Núcleo de Coimbra da Associação Maense em Portugal e o Grupo de Apoio aos Doentes Evacuados em Coimbra promoveram a comemoração dos 40 anos da independência de Cabo Verde.
Incluida nestas actividades, assistiu-se ainda à apresentação de um interessante livro sobre a cantora Cesaria Évora da autoria de Vasco Martins e do pintor Tchalé, editado pela OCC com o apoio da PLURAL. Houve a rara oportunidade de poder ouvir um dos autores, Vasco Martins, a falar sobre a vida da artista que levou a canção cabo-verdiana a todos os cantos do mundo, partilhando emocionadamente com a assistência aspectos da sua convivência pessoal com a cantora.
Assistir à actuação ao vivo de Vasco Martins ao piano é uma experiência que fica na memória. É visível a relação amorosa e mística do compositor com a sua obra e o instrumento. O pianista, ora toca delicadamente nas teclas, ora praticamente se estende ao longo do teclado tocando com violência, ora se levanta como quem quer ir-se embora, sem nunca deixar de fazer fluir a música intensa.
Dias inesquecíveis, que provaram como a Cultura pode contribuir para unir povos e ultrapassar separações artificiais, criando em seu lugar fraternidade, confiança e amizade.



terça-feira, 14 de julho de 2015

Escolher Presidente




Daqui a cerca de seis meses escolheremos quem será presidente da República durante os próximos dez anos dado que, atendendo ao histórico, quem for eleito (ou eleita) pelos portugueses no início de 2016 sê-lo-á de novo muito provavelmente cinco anos depois para um segundo mandato. Se os últimos anos foram importantes pela difícil situação económica e social decorrente da crise continuada que desembocou no resgate de que acabamos de sair, os próximos serão decisivos para o nosso futuro colectivo a médio e longo prazos.
As respostas aos mais diversos problemas, desde as reformas de redefinição das funções de soberania, às opções económicas e à adaptação do estado social às novas circunstâncias decorrentes da mudança das pirâmides etárias e das nossas possibilidades, deverão associar-se à União Europeia renovada que obrigatoriamente vai sair da actual crise grega. Para que tal seja possível, os futuros governos deverão ter em Belém alguém que, no topo da hierarquia do Estado, perceba tudo isso e seja factor de união entre os portugueses.
A escolha que os portugueses fizerem para a presidência da República será, assim, crucial para o futuro do país. Não se poderá cair no caminho perigoso da demagogia e do populismo, nem das propostas de quem entra facilmente na área de actuação do governo ou dos tribunais. Deveremos exigir um conhecimento profundo e sustentado do sistema político, dos seus fundamentos e das relações entre os diversos órgãos de soberania com os seus pesos e balanços relativos, sem esquecer a formação cultural e histórica que dá a percepção permanente das razões do que vai sucedendo. Isto a nível nacional, mas também a nível europeu, sem esquecer as relações com os PALOPS. Para os tempos que se aproximam, não poderemos ter um presidente que, embora seja muito conhecedor de uma área específica, ainda que essa área seja a da gestão, ou que seja muito preocupado com problemas sérios como o da corrupção se fique por aí, porque essas questões não se resolverão sem uma visão esclarecida e polivalente da sociedade. Não poderemos ter na presidência alguém sensível ao canto das sereias que, perante as visões fantasiadas e idílicas de amanhãs fantásticos, nos leve em três tempos aos infernos das consequências trágicas das ideologias extremistas, tenham elas a cor que tiverem. Nunca poderemos ter na presidência alguém que não saiba os limites dos diversos poderes e que se vá imiscuir nas competências dos outros poderes soberanos, principalmente nas áreas governativas, mas sim alguém que seja capaz de, com o seu conselho avisado e a sua colaboração discreta e inteligente, poder contribuir para uma sã e eficaz correlação de poderes.
Precisamos de quem seja capaz de falar com todos os partidos, mas que saiba de segurança profunda dada pela experiência e conhecimento, que é ao centro político que se encontram as soluções dos problemas do país, evitando experimentalismos perigosos. Alguém que, falando com os partidos, seja capaz de estabelecer o necessário distanciamento, tomando as suas decisões de forma isenta e independente, mesmo do seu próprio partido de origem.
Dado que antes das presidenciais ainda vamos ter eleições legislativas, os potenciais candidatos que surgiram até agora dificilmente respondem globalmente aos quesitos que acima coloquei, para além de serem pessoas estimáveis que merecem o nosso respeito e consideração pessoais. A meu ver, de entre todos os nomes que têm sido falados, duas pessoas estarão em condições para dar essa resposta e aguardarão, naturalmente, o fim das próximas eleições para anunciarem as suas candidaturas. 
Qualquer uma delas, mais à esquerda e mais à direita, poderá dar o seu contributo ao país da forma que me parece necessária. Refiro-me a Marcelo Rebelo de Sousa e a Maria de Belém.
Pelo que conheço das suas personalidades, a seriedade, capacidade de entrega ao país e independência pessoal estão em ambos acima de qualquer suspeita. Qualquer um deles saberá estar para lá das vontades e anseios de protagonismo ou mesmo de obtenção de poder pelos cidadãos que legitimamente lhes derem o seu apoio.
Que ambos trabalhem nos próximos tempos para que as suas candidaturas venham a ser a realidade de que o país precisa e mesmo, por que anseia. E que, logo depois das legislativas, mostrem ao país que há possibilidade de escolhas de altíssima qualidade no país, bem acima das fracas prestações de muitos políticos que por aí andam, tantas vezes levados ao colo por interesses inconfessáveis.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 de Julho de 2015


segunda-feira, 6 de julho de 2015

OS CENTAUROS




A festa de casamento tinha corrido bem até àquela altura. O noivo, de nome Pirítoo, era o rei dos Lápitas, povo grego que habitava na Tessália, celebrizado pela sua participação na saga dos Argonautas. Para as bodas do casamento com Hipodâmia, tinha convidado imensas pessoas importantes e da sua família, entre as quais os seus irmãos Centauros. Os Centauros eram uma raça de seres híbridos, com torso e cabeça de humano e o corpo de cavalo, que viviam nas montanhas da Tessália e nas planícies da Arcádia. Tinham tido origem no desejo do rei dos Lápitas Ixíon, pai de Pirítoo, de possuir Hera a esposa do deus Zeus, o deus de todos os deuses do Olimpo. Zeus, depois de se divertir a observar Ixíon a ter relações com uma nuvem que formara com o aspecto de Hera do que viriam a nascer o primeiro centauro e depois a sua descendência, vingou-se mais tarde violentamente do facto de Ixíon se ter vangloriado de ter conquistado Hera. Os centauros apresentavam-se de forma altiva violentos e indomáveis, evidenciando a sua força física e impulsos sexuais que lhes vinham da metade animal, mas demonstrando também capacidades excepcionais do ponto de vista da racionalidade advindas da parte humana.
Durante as bodas de Pirítoo e Hipodâmia, a certa altura foi servido o vinho. Os centauros não estavam habituados à bebida alcoólica e não lhe juntaram água. Em consequência ficaram embriagados, vindo então ao de cima a sua índole animalesca e, cegos pela luxúria e violência tentaram inclusivamente violar e raptar a própria noiva. As consequências da sua atitude foram terríveis. Os Tessálios reagiram violentamente verificando-se um grande massacre e, com a ajuda de Teseu, os centauros foram expulsos da Tessália, refugiando-se no Épiro, onde mais tarde Héracles os foi quase exterminar.


As cenas da batalha entre os Lápitas e os centauros foram objecto de inúmeras representações artísticas, de que se devem ressaltar um friso no Partenon e um baixo relevo de Miguel Ângelo, além de muitas pinturas ao longo dos séculos, o que demonstra a força do seu simbolismo.
Nos finais de Janeiro, as cenas políticas grega e europeia viram surgir uns personagens novos, diferentes dos habituais. Aléxis Tsípras, Yanis Varoufakis e Panos Kamenos chamaram a atenção generalizada pela diferença na radicalidade das suas propostas, mas também e talvez sobretudo, pela pose pública de altivez roçando muitas vezes a arrogância displicente e pelo gosto pela ostentação do abandono do trajar tradicional em lugares de representação de Estado.
Nas bodas permanentes de casamento que são as reuniões de negociação dos países europeus, um dos convidados passou a desafiar permanentemente todos os outros, de uma forma desafiante e agressiva, parecendo embriagado com a possibilidade de, participando nas bodas, retirar tudo o que lhe apetecesse para si, à custa de todos os outros. Usando de todas as armas, com o ar de que tudo lhe era devido e a tudo tinha direito, entrou em guerra aberta com todos os outros que se sentavam à mesma mesa, sem deixar nenhum de fora. Não fora o convidado beligerante grego e dir-se-ia que da História nada tinha aprendido, nem sequer da sua própria mitologia antiga, que pretendia ensinar os homens com as asneiras dos deuses. A História está ainda em aberto mas, qualquer que tenha sido o resultado do refendo/plebiscito de ontem e sabendo-se o que aconteceu aos centauros, não será difícil adivinhar o que seguirá, a não ser que a sabedoria impere em todos os lados, em vez dos sentimentos e raivas.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Julho de 2015

segunda-feira, 29 de junho de 2015

E se…tivesse sido diferente?




Numerosos livros de ficção têm sido escritos sobre o que teria sido a História se, em determinados momentos cruciais, tivessem ocorrido desfechos contrários aos que realmente aconteceram. Num dos exemplos mais conhecidos, especula-se sobre o que seria hoje a Europa e mesmo o mundo, se Hitler tivesse vencido a Segunda Grande Guerra. Tal poderia ter sucedido, por exemplo, caso o desembarque aliado na Normandia em Junho de 1944 não tivesse sido vitorioso, atrasando toda a estratégia aliada e permitindo aos alemães terminar o desenvolvimento eminente de novos e mortíferos armamentos a que os aliados não poderiam responder militarmente. Noutra versão do género especula-se, não sobre o passado, mas sobre o futuro. É o caso do livro “Submissão” de Michel Houllebecq, recentemente surgido.
 De uma forma negra e algo tenebrosa mas excepcionalmente bem escrita descreve como, num futuro próximo, o islamismo toma conta do poder em França através de eleições, numa estranha aliança para evitar a vitória da Frente Nacional.
Na realidade, a História foi-nos ensinada como uma sucessão indiscutível de factos, todos interligados de uma forma que se diria “natural”, razão por que o tipo de ficção acima descrito terá hoje um sucesso assinalável. Para quem, como eu, frequentou o liceu nos anos sessenta e inícios de setenta, a História era mesmo apresentada como uma sucessão de vidas de personagens históricos, quase sempre imbuídos de heroísmo, muito desligada das condições concretas de vida dos povos. No que respeita à História de Portugal, aquilo que era ensinado divergia mesmo muito daquilo que hoje nos é permitido saber. É certo que próprio estudo da História é hoje muito diferente do que costumava ser, embora ainda se note muito que a análise e estudo do que aconteceu há muitos anos ou mesmo séculos, se faz muito usando lentes comprometidas com visões ideológicas dos historiadores. Se a História que nos era ensinada pelos historiadores tradicionais apresentava uma versão que ia ao encontro dos valores defendidos pelo regime do Estado Novo, há hoje historiadores que apenas veem a exploração dos oprimidos, por aplicação automática da vulgata marxista.
Como escreve José Mattoso na sua notável e esclarecedora “Identificação de um País” referindo-se ao caso concreto da polémica sobre o feudalismo em Portugal que alguns historiadores defendem nunca ter existido, os historiadores tradicionais “limitavam o «feudalismo» às relações entre os membros da classe senhorial decorrentes do contrato feudal, enquanto os segundos (marxistas) referiam-se apenas à exploração do campesinato pela nobreza”.
Continuando na Idade Média, neste caso a portuguesa, qual teria sido o rumo da História se os apoiantes de D. Afonso Henriques tivessem sido derrotados na batalha de S. Mamede em 24 de Junho de 1128? Sua mãe D. Teresa mantinha uma estreita ligação com a mais alta nobreza da Galiza que, lembra-se, tinha sido atribuída por seu pai o rei D. Afonso VI de Leão e Castela, a sua meia irmã Urraca que casou com o conde D. Raimundo de Borgonha. Por outro lado, D. Teresa havia recebido o novo Condado Portucalense que abrangia os anteriores de Portucale e de Coimbra, ao casar com D. Henrique de Borgonha. No meio de tudo isto, a Igreja impunha as suas regras e condicionava fortemente a acção dos responsáveis políticos, fundamentalmente pela sua política de reconhecimento ou não de relações e casamentos, através das excomunhões usadas como arma política.
E se D. Afonso Henriques tivesse perdido a batalha de S. Mamede, como esteve quase a acontecer segundo a IV Crónica Breve de Sta. Cruz do século XIV, que diverge em muito dos Anais de D. Afonso Henriques do cónego de Sta. Cruz na narrativa dos acontecimentos da época? Um dos caminhos históricos poderia ter sido a continuação do Condado Portucalense dentro do Reino de Leão e Castela e neste caso Portugal nunca teria existido como nação. Mas as incursões dos almorávidas que em 1116 fizeram um violento assédio a Coimbra, foram combatidas com o apoio dos nobres galegos, incluindo Fernão Peres de Trava que chegou a comandar as tropas na região do rio Mondego. Isto é, uma saída alternativa poderia ter sido a junção da Galiza ao Condado Portucalense num único reino que teria obrigatoriamente que crescer também para sul como aconteceu com D. Afonso Henriques e os seus sucessores, até se conquistar definitivamente o Algarve aos muçulmanos. Aí Portugal incluiria a Galiza, a que aliás a língua de raiz comum daria um cimento sólido.
Como é evidente, a História é aquela que foi e não a que poderia ter sido. Mas o conhecimento e a compreensão do que aconteceu e porquê, é vital para percebermos o que somos hoje, porque o somos e qual o nosso papel no mundo.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 29 de Junho de 2015