jpaulocraveiro@ gmail.com "Por decisão do autor, o presente blogue não segue o novo Acordo Ortográfico"
sexta-feira, 17 de junho de 2011
segunda-feira, 13 de junho de 2011
CULTURA E TURISMO
Se há algo crucial para a recuperação da economia portuguesa é o aumento de produção de bens transaccionáveis. Se possível, que aumentem o volume das exportações e melhorem a nossa balança de transacções.
O turismo está na linha da frente dos nossos produtos exportáveis. Mas não um turismo qualquer. O mundo mudou muito nos últimos anos. As viagens aéreas tornaram-se baratas, pelo que não podemos competir com destinos exóticos que oferecem sol, praia e descanso espectaculares longe de tudo, destinos esses hoje em dia ao alcance de muita gente.
Por isso, muitos países designadamente europeus, mudaram o paradigma do seu turismo e adoptaram o turismo cultural. Muitas pessoas fazem hoje em dia pequenos períodos de descanso e aproveitam para se cultivar enquanto passeiam.
A óptica com que olhamos para a cultura também tem de mudar, quer a nível nacional, quer a nível local. Os responsáveis pela área da cultura não podem mais comportar-se como os antigos mecenas que pagavam aos artistas para os "divertir". No regime contemporâneo democrático, o foco deve estar virado para os potenciais usufruidores da actividade cultural. Na realidade, a actividade cultural é paga pelos consumidores, seja pela aquisição directa de bilhetes ou de obras de arte, seja pelos impostos que sustentam os subsídios entregues pelas entidades estatais, nacionais ou locais. Esses apoios financeiros deverão promover essencialmente uma oferta sustentada e permanente que leve a cultura a toda a gente e não apenas a uma elite, melhorando o nível geral da cultura das populações. Até porque para amar a arte é preciso conhecê-la.
Por outro lado, a actividade cultural deve ligar-se intimamente ao turismo. Não basta ter um património riquíssimo como acontece em Coimbra e esperar que os turistas que por cá passam parem e apreciem o que ali está há séculos. É necessário criar programas culturais que chamem os turistas, o que se traduzirá na rentabilização de uma riqueza fantástica que herdámos. Estou a falar de criar roteiros como o da Primeira Dinastia em Coimbra que já aqui referi por várias vezes, organizar eventos sistemáticos nos monumentos como cenas teatrais, pequenos concertos de música de época com trios ou quartetos, apresentações multimédia nos diversos monumentos, ementas gastronómicas votivas em restaurantes e hotéis durante todo o ano, etc. Há agências de turismo por essa Europa fora especializadas em turismo cultural interessadas em trazer turistas, desde que este tipo de oferta exista, seja de qualidade e permanente. Não é preciso inventar grande coisa. E os artistas que cá temos agradecem, obviamente.
Na minha opinião, Coimbra deveria ainda unir-se a outras terras que de alguma forma estão ligadas às personagens históricas que nos são importantes. Por exemplo, porque não ligar-se a Viseu e Guimarães por causa de D. Afonso Henriques em vez de se andar provincianamente a puxar por galões irrelevantes? Porque é que Coimbra não faz uma rede da Rainha Santa com outras povoações que têm igualmente uma tradição de devoção pela Sra. D. Isabel, como acontece com Quintanilha e Elvas, entre outras?
Há de facto muito a explorar na área do turismo cultural em Coimbra e também muito dinheiro à espera para ser aqui ganho nesta área. Assim haja visão e vontade política que promova a coordenação dos necessários esforços.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 de Junho de 2011
segunda-feira, 6 de junho de 2011
O EXEMPLO DA MÚSICA
A arte é a mais elevada demonstração da capacidade humana de produzir beleza. De entre as diversas manifestações artísticas a música é, nos dias de hoje, talvez aquela que mais democrática e eficazmente contribui para a formação da juventude, contribuindo para que se obtenha uma sociedade melhor e mais educada. O seu papel na formação dos jovens está mais que provado. Ainda há dias uma professora do Secundário afirmava que, se havia algo em comum entre os seus alunos que aprendiam música no Conservatório, é que eram todos bons alunos e apresentavam ainda algo mais que os diferenciava dos outros: para além de um maior desenvolvimento da capacidade de raciocínio, aprenderam a fazer uma boa gestão do seu tempo já que, para além dos seus estudos obrigatórios, dedicam muito tempo ao estudo e prática do seu instrumento musical.
Coimbra possui, desde há 10 anos, uma formação profissional de música, a Orquestra Clássica do Centro. Poucas cidades portuguesas se podem orgulhar disso, sonho de muitas gerações de melómanos e amantes da música dita erudita. Desde há algum tempo, a Orquestra Clássica do Centro dinamizou ainda uma Orquestra Juvenil do Centro com mais de trinta músicos com mais de quinze anos de idade, alguns deles já com o Conservatório concluído e ainda um notável Coro que tem produzido interpretações de obras absolutamente extraordinárias só ao alcance de coros constituídos por músicos com grande formação musical. Mais do que uma orquestra, trata-se já do embrião de uma casa de música com formações diversas que lhe permitem ter capacidade de resposta para um reportório cada vez mais diversificado e exigente, motivo de mais orgulho ainda para a Cidade de Coimbra. A Orquestra Juvenil participará em breve num concerto em conjunto com a Orquestra Clássica, que será transmitido gravado e depois transmitidopela Antena2 da RDP, o que só por si atesta da sua qualidade já reconhecida fora de Coimbra.
A Associação Orquestra Clássica do Centro vive do protocolo com a Câmara Municipal de Coimbra que lhe garante cerca de um terço do seu orçamento anual, de alguns pequenos apoios mecenáticos e, fundamentalmente, do seu próprio trabalho isto é, de produzir concertos em Coimbra, na nossa Região e um pouco por todo o país, desde a Maia ao Algarve.
A Orquestra Clássica do Centro demonstra, com o seu trabalho, o que deve ser a centralidade de Coimbra, desde que assumida como um serviço. As políticas nacionais e mesmo regionais têm sistematicamente tentado reduzir Coimbra a ser apenas um dos pólos urbanos da Região Centro, o que no futuro favorece o "ensanduichamento" da nossa Região pelas metrópoles do Porto e de Lisboa. Nada nos pode mover contra as outras cidades da Região, mas essa é uma política perfeitamente errada, contrária a toda a História e mesmo à realidade visível. Coimbra não tem sabido ou mesmo tido vontade de se opor a estas políticas, talvez tolamente complexada com um passado que já foi. Pelo contrário, defendo que somos nós, em Coimbra, que temos que ir ter com os nossos vizinhos, mostrar-lhes as nossas capacidades e oferecer a partilha do que temos, com o que todos certamente ganharão, Coimbra, Região e o País.
Olhemos com atenção para esse trabalho que tem sido feito pela Orquestra Clássica do centro e tentemos todos ser capazes de o replicar nos mais diversos sectores. Coimbra merece.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Junho de 2011
Coimbra possui, desde há 10 anos, uma formação profissional de música, a Orquestra Clássica do Centro. Poucas cidades portuguesas se podem orgulhar disso, sonho de muitas gerações de melómanos e amantes da música dita erudita. Desde há algum tempo, a Orquestra Clássica do Centro dinamizou ainda uma Orquestra Juvenil do Centro com mais de trinta músicos com mais de quinze anos de idade, alguns deles já com o Conservatório concluído e ainda um notável Coro que tem produzido interpretações de obras absolutamente extraordinárias só ao alcance de coros constituídos por músicos com grande formação musical. Mais do que uma orquestra, trata-se já do embrião de uma casa de música com formações diversas que lhe permitem ter capacidade de resposta para um reportório cada vez mais diversificado e exigente, motivo de mais orgulho ainda para a Cidade de Coimbra. A Orquestra Juvenil participará em breve num concerto em conjunto com a Orquestra Clássica, que será transmitido gravado e depois transmitidopela Antena2 da RDP, o que só por si atesta da sua qualidade já reconhecida fora de Coimbra.
A Associação Orquestra Clássica do Centro vive do protocolo com a Câmara Municipal de Coimbra que lhe garante cerca de um terço do seu orçamento anual, de alguns pequenos apoios mecenáticos e, fundamentalmente, do seu próprio trabalho isto é, de produzir concertos em Coimbra, na nossa Região e um pouco por todo o país, desde a Maia ao Algarve.
A Orquestra Clássica do Centro demonstra, com o seu trabalho, o que deve ser a centralidade de Coimbra, desde que assumida como um serviço. As políticas nacionais e mesmo regionais têm sistematicamente tentado reduzir Coimbra a ser apenas um dos pólos urbanos da Região Centro, o que no futuro favorece o "ensanduichamento" da nossa Região pelas metrópoles do Porto e de Lisboa. Nada nos pode mover contra as outras cidades da Região, mas essa é uma política perfeitamente errada, contrária a toda a História e mesmo à realidade visível. Coimbra não tem sabido ou mesmo tido vontade de se opor a estas políticas, talvez tolamente complexada com um passado que já foi. Pelo contrário, defendo que somos nós, em Coimbra, que temos que ir ter com os nossos vizinhos, mostrar-lhes as nossas capacidades e oferecer a partilha do que temos, com o que todos certamente ganharão, Coimbra, Região e o País.
Olhemos com atenção para esse trabalho que tem sido feito pela Orquestra Clássica do centro e tentemos todos ser capazes de o replicar nos mais diversos sectores. Coimbra merece.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Junho de 2011
quinta-feira, 2 de junho de 2011
O pato abriu a boca
Aquela abertura da última semana de campanha deve-se a uma escolha tardia dos eleitores ou apenas a "erros" sistemáticos das sondagens até essa altura? É impressionante.
terça-feira, 31 de maio de 2011
segunda-feira, 30 de maio de 2011
ESPERANÇA
Maria Ligeira não se sentia bem. Já há uns meses que tinha aquela sensação algo indefinível na barriga. Resolveu fazer uma consulta a um médico amigo e simpático. Quando vieram os exames, o médico achou por bem não lhe anunciar o verdadeiro mal de que Maria Ligeira sofria. Disse-lhe que era apenas um desconforto que teria a ver com a idade e com o clima e que deveria melhorar com melhores temperaturas e menos chuva. Conviria era tratar do seu amor-próprio, ir-se arranjando e pondo-se bonita, que logo ficaria melhor sem necessidade de tratamentos especiais. Como as melhoras não chegavam, a certa altura Maria Ligeira foi consultar um médico estrangeiro e a desgraçada ficou então a saber que teria que se sujeitar a fazer uma operação muito delicada para retirar o mal terrível que crescia dentro dela. Um outro médico informou-a ainda de que para recuperar completamente, teria que fazer uns tratamentos muito difíceis de aguentar, mas que lhe permitiriam depois ter uma nova vida. O problema é que o antigo médico, que sabia bem dos sacrifícios que ela teria que aguentar lhe dizia agora que não, a operação seria suficiente; que não desse ouvidos a quem a queria apenas fazer sofrer, sem vantagem nenhuma para o futuro. Maria Ligeira foi ainda ouvir a opinião de uns curandeiros que lhe disseram logo que o que os outros queriam todos era explorá-la e que não precisava nem de operação, nem de tratamentos de choque; que se deixasse andar com uns chazinhos naturais que ficaria boa sem mais. Maria Ligeira andava mesmo sem saber o que fazer. De qualquer forma, desconfiou dos curandeiros e deixou-os a falar sozinhos. Ainda assim, entre aquele médico que lhe dizia que a operação chegava e o outro que lhe garantia ser necessário aquele tratamento doloroso para recuperar totalmente e até, eventualmente ainda vir a ter um futuro saudável, hesitava. Na realidade, ninguém gosta de ouvir más notícias. E se de facto o tratamento for desnecessário? Valerá a pena o sacrifício? Pensava e hesitava sobre o caminho a seguir. No fim, apesar de tudo, a Maria Ligeira lá resolveu seguir o caminho difícil, porque o médico que lho propunha lhe parecia mais sensato e responsável e, por outro lado não a tinha levado até àquela situação, só para ser simpático com ela e não lhe dar más notícias.
A Maria Ligeira desta história é apenas uma pessoa normalíssima como eu e o leitor, colocados perante a decisão de escolher o tratamento a seguir pelo país, já no próximo domingo. É de facto difícil tomar algumas decisões na vida, quando já sabemos que nos vão custar muito.
Mas a esperança é a última coisa a morrer, como diz o nosso povo, com a resignação que lhe é tão característica. Ao fim de anos em que tantos indicadores económicos se foram orientando para a situação que temos hoje e que tantos de nós fizemos por ignorar, lá tivemos que pedir o resgate à Comissão Europeia, ao Banco Central Europeu e ao Fundo Monetário Internacional, a famosa "troika". Estes organismos vieram até cá, auscultaram-nos e passaram a receita médica com a frieza que se lhes exigia para evitar a morte imediata, ou seja a bancarrota. Resolveram ainda receitar algumas reformas com o objectivo, não só de consolidarmos as nossas contas públicas, mas também de ganhar competitividade e criar condições para que a economia venha a crescer no futuro. Claro que os chefes lá do hospital de Bruxelas resolveram pôr um preço nos medicamentos que nos colocam nas ruas da amargura durante um par de anos mas lá dizem eles, foram vocês que se portaram mal e não se trataram a tempo.
Quando o leitor for ao centro hospitalar chamado mesa de voto no próximo domingo, não se esqueça da Maria Ligeira. Escolha em liberdade e consciência e tenha esperança no futuro que está nas suas mãos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 30 de Maio de 2011
A Maria Ligeira desta história é apenas uma pessoa normalíssima como eu e o leitor, colocados perante a decisão de escolher o tratamento a seguir pelo país, já no próximo domingo. É de facto difícil tomar algumas decisões na vida, quando já sabemos que nos vão custar muito.
Mas a esperança é a última coisa a morrer, como diz o nosso povo, com a resignação que lhe é tão característica. Ao fim de anos em que tantos indicadores económicos se foram orientando para a situação que temos hoje e que tantos de nós fizemos por ignorar, lá tivemos que pedir o resgate à Comissão Europeia, ao Banco Central Europeu e ao Fundo Monetário Internacional, a famosa "troika". Estes organismos vieram até cá, auscultaram-nos e passaram a receita médica com a frieza que se lhes exigia para evitar a morte imediata, ou seja a bancarrota. Resolveram ainda receitar algumas reformas com o objectivo, não só de consolidarmos as nossas contas públicas, mas também de ganhar competitividade e criar condições para que a economia venha a crescer no futuro. Claro que os chefes lá do hospital de Bruxelas resolveram pôr um preço nos medicamentos que nos colocam nas ruas da amargura durante um par de anos mas lá dizem eles, foram vocês que se portaram mal e não se trataram a tempo.
Quando o leitor for ao centro hospitalar chamado mesa de voto no próximo domingo, não se esqueça da Maria Ligeira. Escolha em liberdade e consciência e tenha esperança no futuro que está nas suas mãos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 30 de Maio de 2011
domingo, 29 de maio de 2011
segunda-feira, 23 de maio de 2011
OS HOMENS QUE GOSTAM DE MULHERES
Na sua célebre trilogia MILLENNIUM, Stieg Larsson deu ao primeiro volume o título "Os Homens que Odeiam as Mulheres". Título poderoso cuja razão se vai compreendendo ao longo da leitura viciante do romance em que Larsson aborda problemas mentais graves de homens e mulheres da nossa sociedade actual, que conduzem aos abusos e maus tratos de mulheres e crianças de que todos os dias os jornais nos trazem notícias. Não pude deixar de me lembrar dos romances de Stieg Larsson ao ler um título contrário numa revista de "referência" portuguesa. De facto, a Visão não conseguiu melhor maneira de chamar a atenção para o seu artigo sobre o que está a suceder a Dominique Strauss Kahn, ex-Director Geral do FMI, do que este: "O Homem que Gosta de Mulheres". Não deve ser possível mais mau gosto e manifestação de machismo bacoco.
Não sei se DSK praticou aqueles actos no luxuoso Hotel Sofitel de Times Square de que agora é acusado pelo tribunal nova-iorquino. Esta situação trouxe, no entanto, ao conhecimento generalizado algo que, pelos vistos, muita gente já sabia. O homem já teve vários problemas deste género no passado, sempre mais ou menos abafados, atendendo à sua relevância social, política e económica. De tal forma que muitas jornalistas já se recusaram no passado a fazer-lhe entrevistas, com medo de sofrerem ataques sexuais, verbais ou físicos. Das várias questões que esta situação levanta, ressalta desde logo, a incapacidade de algumas pessoas lidarem com o poder, tendendo a abusar dele junto de quem esteja em situação de dependência, seja de que forma for; outra questão é a óbvia falta de isenção da maioria da comunicação social, lembrando aqui o caso de Silvio Berlusconi. Outra questão ainda tem a ver com a visão que a nossa sociedade tem sobre o sexo e o comportamento dos homens e das mulheres e que anda demasiadas vezes ligado à violência por incapacidade de lidar com essa faceta da vida, sabe-se lá por que razões, mais ou menos escondidas. É ainda claro que, para muita gente, se estes homens "gostam de mulheres" obviamente que não gostam de homens, pelo que os seus comportamentos desviantes são automaticamente desculpados com as consequências que se vêem.
Há de facto na nossa sociedade uma desculpabilização da violência associada ao sexo, de que as vítimas são sempre o lado mais frágil, que deveria ser sempre protegido pela sociedade. Choca-me ver políticos ponderados fazerem sorrisos marotos acerca destas atitudes do DSK, bem como a necessidade de se descobrirem teorias da conspiração para o desculpar, até porque estaria bem colocado para ser candidato presidencial em França.
Repito: não sei se DSK é culpado do que agora o acusam. Mas algo sei. E sei de ciência certa que um homem que é acusado sucessivamente de abusar sexualmente de mulheres não pode ser classificado como "gostando de mulheres". Pela simples razão de que não se gosta de quem se abusa e violenta, não respeitando a sua dignidade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Maio de 2011
Não sei se DSK praticou aqueles actos no luxuoso Hotel Sofitel de Times Square de que agora é acusado pelo tribunal nova-iorquino. Esta situação trouxe, no entanto, ao conhecimento generalizado algo que, pelos vistos, muita gente já sabia. O homem já teve vários problemas deste género no passado, sempre mais ou menos abafados, atendendo à sua relevância social, política e económica. De tal forma que muitas jornalistas já se recusaram no passado a fazer-lhe entrevistas, com medo de sofrerem ataques sexuais, verbais ou físicos. Das várias questões que esta situação levanta, ressalta desde logo, a incapacidade de algumas pessoas lidarem com o poder, tendendo a abusar dele junto de quem esteja em situação de dependência, seja de que forma for; outra questão é a óbvia falta de isenção da maioria da comunicação social, lembrando aqui o caso de Silvio Berlusconi. Outra questão ainda tem a ver com a visão que a nossa sociedade tem sobre o sexo e o comportamento dos homens e das mulheres e que anda demasiadas vezes ligado à violência por incapacidade de lidar com essa faceta da vida, sabe-se lá por que razões, mais ou menos escondidas. É ainda claro que, para muita gente, se estes homens "gostam de mulheres" obviamente que não gostam de homens, pelo que os seus comportamentos desviantes são automaticamente desculpados com as consequências que se vêem.
Há de facto na nossa sociedade uma desculpabilização da violência associada ao sexo, de que as vítimas são sempre o lado mais frágil, que deveria ser sempre protegido pela sociedade. Choca-me ver políticos ponderados fazerem sorrisos marotos acerca destas atitudes do DSK, bem como a necessidade de se descobrirem teorias da conspiração para o desculpar, até porque estaria bem colocado para ser candidato presidencial em França.
Repito: não sei se DSK é culpado do que agora o acusam. Mas algo sei. E sei de ciência certa que um homem que é acusado sucessivamente de abusar sexualmente de mulheres não pode ser classificado como "gostando de mulheres". Pela simples razão de que não se gosta de quem se abusa e violenta, não respeitando a sua dignidade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Maio de 2011
quarta-feira, 18 de maio de 2011
domingo, 15 de maio de 2011
RESGATE DE SOBERANIA
Há muitos séculos um general romano ter-se-à referido "àquela gente que vive nos confins da Ibéria e que nem se governa nem se deixa governar". Aludiria aos Lusitanos que tanta resistência ofereceram ao avanço dos exércitos romanos.
Triste herança esta, tantas vezes confirmada no nosso passado.
Chegámos de novo à situação de termos que nos deixar governar por gente de fora. Quem nos vai emprestar dinheiro a juros demasiado elevados preparou um "Memorando de Entendimento" que o Governo e os partidos que eventualmente virão a ter responsabilidades governativas se viram obrigados a assinar.
O "Memorando de Entendimento" define, como não podia deixar de ser, medidas claras e objectivas com prazos bem definidos para pôr em ordem as contas do Estado. Afinal, o Estado já não teria dinheiro para pagar as suas contas em Junho, os juros que tínhamos que pagar a quem habitualmente nos empresta dinheiro (os famosos mercados) haviam atingido valores absolutamente insustentáveis porque já ninguém acreditava em nós e os bancos portugueses deixaram de se conseguir financiar até mesmo pelo BCE. Uma tragédia portanto, e a prova de que nos últimos anos não nos conseguimos governar, como dizia o general romano.
Mas este "Memorando" vai muito mais longe. Obriga o futuro governo a adoptar medidas e opções políticas com vista à recuperação económica de Portugal. E obriga-nos em diversas áreas da governação que à partida estariam reservadas à nossa soberania e às escolhas políticas feitas em eleições.
Recordo algumas dessas áreas. Na reforma da Administração Pública, para além dos habituais cortes no nº de funcionários e congelamento de vencimentos, Portugal obrigou-se a fusões de serviços, encerramento de repartições de finanças e, imagine-se, a reduzir o nº de freguesias e câmaras, até 2013. Na saúde, teremos que aumentar as taxas moderadoras e reduzir nas suas isenções, para além de cortes substanciais na ADSE e outros subsistemas de saúde. Quanto às empresas públicas, o Estado vai ter que vender as participações que ainda detém na EDP, na REN, talvez da TAP e ainda mexer na ANA, CTT, CGD e outras; as famosas "golden shares" na EDP, GALP e PT deverão ser largadas até ao próximo mês de Julho. Em termos fiscais, vamos ter que mexer no IVA, no IMI, no IMT e no IRS. No que respeita ao Trabalho, vamos mudar os despedimentos individuais, as indemnizações e muito mais. Nos investimentos públicos foi acesa uma luz vermelha às parcerias público-privadas, ao novo aeroporto e ao TGV Lisboa-Porto. Até na Justiça nos obrigámos a mexer, reestruturando o mapa judiciário e, entre outras medidas, adoptando um prazo limite para a resolução de acções de execução, insolvência, dívidas fiscais e processos laborais. O Estado vai ter que vender o BPN até Julho sem preço mínimo definido e a CGD vai ter que vender os negócios de seguros e participações em empresas que não têm a ver com a banca.
Como se vê, quem agora nos empresta dinheiro resolveu mostrar-nos claramente que não tem confiança rigorosamente nenhuma na nossa capacidade para nos regenerarmos e recolocarmos na senda do desenvolvimento económico e social. E foi assim que resolveram meter claramente a mão na nossa governação.
Relembrando com alguma tristeza o general romano, desta vez temos mesmo que nos deixar governar, pelo menos até certo ponto. De facto, o Memorando deixa alguma liberdade ao futuro governo sobre os métodos a aplicar, desde que os objectivos sejam alcançados. Trata-se evidentemente de um período de "soberania vigiada e controlada". Como é óbvio, ninguém nos obrigou a chegar ao ponto em que estamos. Como vivemos em Democracia, foram as escolhas eleitorais que fizemos no passado que nos trouxeram até aqui. E se a Democracia tem uma vantagem, é a de responsabilizar as escolhas feitas e dar aos cidadãos a possibilidade de abrir novos caminhos sem revoluções. Assim se tenha consciência completa da situação e tenhamos uma relação não clubística com os partidos políticos, isto é, basicamente que não hipotequemos a nossa própria liberdade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Maio de 2011
Triste herança esta, tantas vezes confirmada no nosso passado.
Chegámos de novo à situação de termos que nos deixar governar por gente de fora. Quem nos vai emprestar dinheiro a juros demasiado elevados preparou um "Memorando de Entendimento" que o Governo e os partidos que eventualmente virão a ter responsabilidades governativas se viram obrigados a assinar.
O "Memorando de Entendimento" define, como não podia deixar de ser, medidas claras e objectivas com prazos bem definidos para pôr em ordem as contas do Estado. Afinal, o Estado já não teria dinheiro para pagar as suas contas em Junho, os juros que tínhamos que pagar a quem habitualmente nos empresta dinheiro (os famosos mercados) haviam atingido valores absolutamente insustentáveis porque já ninguém acreditava em nós e os bancos portugueses deixaram de se conseguir financiar até mesmo pelo BCE. Uma tragédia portanto, e a prova de que nos últimos anos não nos conseguimos governar, como dizia o general romano.
Mas este "Memorando" vai muito mais longe. Obriga o futuro governo a adoptar medidas e opções políticas com vista à recuperação económica de Portugal. E obriga-nos em diversas áreas da governação que à partida estariam reservadas à nossa soberania e às escolhas políticas feitas em eleições.
Recordo algumas dessas áreas. Na reforma da Administração Pública, para além dos habituais cortes no nº de funcionários e congelamento de vencimentos, Portugal obrigou-se a fusões de serviços, encerramento de repartições de finanças e, imagine-se, a reduzir o nº de freguesias e câmaras, até 2013. Na saúde, teremos que aumentar as taxas moderadoras e reduzir nas suas isenções, para além de cortes substanciais na ADSE e outros subsistemas de saúde. Quanto às empresas públicas, o Estado vai ter que vender as participações que ainda detém na EDP, na REN, talvez da TAP e ainda mexer na ANA, CTT, CGD e outras; as famosas "golden shares" na EDP, GALP e PT deverão ser largadas até ao próximo mês de Julho. Em termos fiscais, vamos ter que mexer no IVA, no IMI, no IMT e no IRS. No que respeita ao Trabalho, vamos mudar os despedimentos individuais, as indemnizações e muito mais. Nos investimentos públicos foi acesa uma luz vermelha às parcerias público-privadas, ao novo aeroporto e ao TGV Lisboa-Porto. Até na Justiça nos obrigámos a mexer, reestruturando o mapa judiciário e, entre outras medidas, adoptando um prazo limite para a resolução de acções de execução, insolvência, dívidas fiscais e processos laborais. O Estado vai ter que vender o BPN até Julho sem preço mínimo definido e a CGD vai ter que vender os negócios de seguros e participações em empresas que não têm a ver com a banca.
Como se vê, quem agora nos empresta dinheiro resolveu mostrar-nos claramente que não tem confiança rigorosamente nenhuma na nossa capacidade para nos regenerarmos e recolocarmos na senda do desenvolvimento económico e social. E foi assim que resolveram meter claramente a mão na nossa governação.
Relembrando com alguma tristeza o general romano, desta vez temos mesmo que nos deixar governar, pelo menos até certo ponto. De facto, o Memorando deixa alguma liberdade ao futuro governo sobre os métodos a aplicar, desde que os objectivos sejam alcançados. Trata-se evidentemente de um período de "soberania vigiada e controlada". Como é óbvio, ninguém nos obrigou a chegar ao ponto em que estamos. Como vivemos em Democracia, foram as escolhas eleitorais que fizemos no passado que nos trouxeram até aqui. E se a Democracia tem uma vantagem, é a de responsabilizar as escolhas feitas e dar aos cidadãos a possibilidade de abrir novos caminhos sem revoluções. Assim se tenha consciência completa da situação e tenhamos uma relação não clubística com os partidos políticos, isto é, basicamente que não hipotequemos a nossa própria liberdade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Maio de 2011
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