segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

PACtuar com Van Rompuy?



A União Europeia discute neste momento o seu orçamento para 2013. Poder-se à pensar que uma coisa é o orçamento habitual anual e outra coisa é a situação de alguns países da união que atravessam problemas tais que, ou já estão a receber apoio financeiro como Portugal, a Grécia e a Irlanda, ou tentam fugir a essa possibilidade, casos de Espanha e Itália. Mas a visão das coisas não deve, ou não deveria, ser essa. As opções políticas da União em termos de economia têm tido e continuam a ter, consequências nos diversos países, normalmente para o bem, mas também demasiadas vezes para o mal.
Foi por definições estratégicas definidas na União Europeia que, por exemplo entre nós, se abandonaram ou diminuíram drasticamente actividades económicas ligadas à indústria pesada (metalúrgica, por exemplo), agricultura e pescas. Começa hoje a sentir-se que mais valia não termos sido “bom aluno” nessa matéria e que deveríamos antes ter mantido, ampliado e beneficiado algumas actividades económicas tradicionais em que tínhamos capacidade produtiva instalada, conhecimento e até competitividade. Não o fizemos e estamos hoje numa situação em que a necessária recuperação industrial tem que começar quase do zero em muitas áreas.
A agricultura é uma actividade económica essencial. É sabido que boa parte dos campos do país foi abandonada, tendo mesmo havido subsídios da União Europeia para tal. A chamada PAC (política agrícola comum) sempre beneficiou os grandes produtores (alemães e franceses) em detrimento dos pequenos e dos países periféricos. No início da PAC, os dinheiros europeus destinavam-se apenas a subsidiar os preços dos produtos agrícolas da Europa, com custos altos e não competitivos. A filosofia da PAC evoluiu nos últimos anos, pela diminuição gradual dos apoios directos à produção (o chamado pilar 1), passando-os para o investimento (pilar 2). No entanto, a actual proposta do presidente do Conselho Europeu Herman Van Rompuy veio inverter esta tendência virtuosa, propondo cortar mais no pilar 2 do que no pilar 1. Sucede que os apoios da PAC recebidos por Portugal estão dentro da média europeia quanto ao pilar 2 (investimento), mas abaixo no que respeita ao pilar 1; a presente proposta é, assim, prejudicial aos interesses portugueses, já que precisamos de investir massivamente em agricultura para ajudar à recuperação económica. Razão mais do que suficiente para se perceber que também do lado do orçamento anual da União poderá vir mais ajuda para ultrapassarmos a actual difícil situação em que nos encontramos, até porque o sector agrícola é dos poucos que tem crescido (2,8%).
Claro que os gastos da União com a agricultura são mínimos (0,4%) quando comparados com o total de investimento público europeu, mas mesmo assim a PAC absorve cerca de 40% do orçamento europeu, o que traduz bem a sua importância. Tratando-se de uma indústria que produz menos de 2% do produto europeu e emprega menos de 5% da força de trabalho da União, facilmente se percebe até que ponto a União se encontra ainda enfeudada aos interesses dos agricultores franceses, alemães e do antigo Benelux e receia a capacidade reivindicativa do seu lobby. Basta recordar as impressionantes manifestações de tratores em Bruxelas ou gigantesco banho de leite que ainda a semana passada os polícias apanharam em frente à sede da União. Mas o caminho deve ser o de apoiar cada vez mais o investimento no sector, levando a maiores eficiências e diminuindo drasticamente ou acabando mesmo com os apoios à produção, que subsidia produtos e baixa artificialmente os seus preços, à custa de impostos e das outras actividades económicas.
 O nosso interesse é claramente defender o investimento na agricultura, para a modernizar e tornar mais produtiva e eficiente. Devemos estar bem conscientes dele e exigir aos nossos representantes que nos defendam com eficácia, ao contrário do que se fez durante anos em que abatemos barcos de pesca e eliminámos produções agrícolas, tudo subsidiado por uma Europa artificialmente excedentária e ávida de mercados.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 10 de Dezembro de 2012

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

MÁRIO SILVA: ARTE E CIÊNCIA



Na passada sexta-feira o Mestre Mário Silva celebrou em Coimbra o seu 83º aniversário. Entre os amigos que jantaram e festejaram no Pavilhão Centro de Portugal, contaram-se os Antigos Orfeonistas que acrescentaram a sua própria arte ao encontro festivo. Ocasião para juntar mais jovens e menos jovens à volta de quem fez da sua vida uma juventude perene e cheia de irreverência.
O pintor Mário Silva é filho de um outro Mário Silva, o físico e professor da Universidade de Coimbra, único português a ter acompanhado as grandes descobertas da Física levadas a cabo no Instituto de Rádio em Paris nos anos vinte e trinta do século XX. Sob a direcção de Madame Curie e ao lado de uma plêiade de alguns dos maiores cientistas do século, Mário Silva aí se doutorou e participou no desenvolvimento da Física que viria a mudar toda a face da Ciência. Infelizmente, pouco tempo depois do seu regresso a Coimbra, velhas teias inquisitoriais (algumas ainda hoje persistentes) e a sua corajosa afirmação de independência de espírito e de apego ao valor da Liberdade, ditaram uma vergonhosa expulsão da sua Universidade em 1947, com origem directa em Salazar, injustiça só de alguma forma reparada pela sua simbólica e tardia reintegração em 1976. Com ele foram expulsos os seus assistentes, tendo-se assim perdido toda uma oportunidade de envolvimento da Universidade de Coimbra na vanguarda da Ciência da altura. Entre eles, contava-se João Teixeira Lopes que vim a conhecer e a admirar, que me contou sobre a vida de Mário Silva, bem como as caçadas com Adolfo Rocha e as tertúlias e partidas de cartas na Rua Ferreira Borges com, entre outros, Paulo Quintela, Teixeira Ribeiro e o mesmo Adolfo Rocha (M. Torga). O saudoso Mendes Silva não podia perder a oportunidade de passar pela presidência da Câmara de Coimbra sem homenagear a memória do Professor Mário Silva e foi a seu Filho que pediu ajuda na concretização do monumento.
O Mestre Mário Silva não seguiu as pisadas de seu Pai na Física. Quando jovem ainda andou pelas engenharias, mas decidiu percorrer o seu próprio caminho onde é grande, enorme: na Arte. Personalidade fascinante pela sua capacidade de chocar através da irreverência que nunca o abandonou, o que poderá assustar quem não o conheça mais de perto. Pessoalmente é de uma delicadeza e de um carinho para todos os que o rodeiam que comove. Dele não se dirá que ama a humanidade em abstrato e sim todos e cada um dos homens e mulheres que a compõem. Ver o Mestre Mário Silva a partilhar com crianças a sua Arte e a ensiná-las a produzir obras com as mais diversas técnicas é uma experiência inesquecível.

A sua pintura marca todos os que a conhecem. Terá este ou aquele período com mais elementos comuns de identificação, mas a sua obra é imediatamente reconhecível. Desde os quadros sobre a repressão e libertação até às representações de Coimbra, são todos reconhecíveis e admiráveis. A sua estatueta de bronze de Cristo na cruz é impressionante na ultrapassagem da dor do sacrificado pelo abraço que parece dar a todos os que sofrem. Como não podia deixar de ser, o artista esteve representado em exposições por todo o mundo e há obras suas em diversos Museus de Arte Moderna e Contemporânea em Portugal, mas também na Europa, EUA, Canadá e Brasil. Recebeu inúmeros prémios, de que saliento apenas o Prémio Internacional da Paz, pelo Instituto Internacional de Estudos Humanísticos de Roma - Fundação para os Poetas, Escritores, Pintores e Jornalistas em Itália (83).
O Mestre Mário Silva, que nasceu em Cimbra, vive hoje em Lavos na Figueira da Foz, sendo significativamente vizinho de pescadores. É a prova viva da ligação íntima entre a Figueira da Foz e Coimbra, pelo que não se deveria esperar muito mais para que estas cidades se unam numa justa homenagem comum ao Artista maior que é Mário Silva.
Pela minha parte, de forma modesta, e dado que a língua pertence aos que a praticam, a liberdade de escrita permite-me que assim manifeste de forma plural o reconhecimento e respeito que Pai e Filho me merecem: Pelo que nos deram e dão, bem hajam, Mário Silva.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Dezembro de 2012

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

MARKETING URBANO



As cidades estão hoje integradas num processo complexo de competição para se apresentarem como melhores sob os mais diversos pontos de vista, já que isso se poderá reflectir numa maior capacidade de atracção de moradores, investidores e turistas. Obter uma boa imagem externa passa, não só por conseguir resultados que mostrem uma boa capacidade de gestão urbana capaz de se reflectir na qualidade de vida dos seus habitantes, mas também por transmitir essa imagem.
Como todos sabemos, transmitir o valor de um produto ou de um serviço aos potenciais consumidores é o papel normal do marketing. E o marketing é muito mais do que simples publicidade, já tão gasta. Hoje em dia a capacidade de suscitar o interesse, de criar apetência e vontade de experimentar um produto é objecto de estudos e investigação aos níveis mais especializados, levando mesmo à adopção de técnicas de pura manipulação dos potenciais consumidores, com resultados cada vez mais difíceis de medir. Chega-se a um ponto de sofisticação tal que muitas vezes o segredo é voltar a fazer o mais simples. E o mais simples é mostrar a melhoria da qualidade da vivência quotidiana, que o produto oferece ou não oferece.
Com as cidades passa-se o mesmo. Qualquer cidade tem vantagens comparativas sobre as outras, tal como terá factores negativos de competitividade. O que os responsáveis fazem muitas vezes é adoptar procedimentos habituais de marketing. É esta a origem habitual de dois tipos de comunicação: uma delas consiste na tradicional publicação de anúncios em jornais, revistas e televisão; a outra, mais subtil, é feita através de “reportagens”, e “notícias plantadas” que de forma pretensamente noticiosa chama a atenção para determinados aspectos favoráveis.
Devo dizer que, dentro dos limites éticos, tudo isto é hoje necessário. Nada na vida moderna se afirma apenas por si, sem alguma forma de se mostrar.
Estas reflexões foram-me suscitadas por algo inesperado. Um dia destes, esperava pela minha vez de ser atendido numa agência da Caixa Geral de Depósitos, quando a minha atenção foi atraída pelas imagens que passavam no painel televisivo que normalmente passa informações diversas consideradas relevantes pela CGD. Estava a ser passada uma reportagem realizada aquando da realização dos últimos Encontros Internacionais de Guitarra Portuguesa em Coimbra, organizados pela Orquestra Clássica do Centro. Assim se reviu o Concerto da OCC integrado naqueles Encontros, tal como foi possível ver imagens de maestros, músicos, dirigentes da OCC e público anónimo. Tudo isto em Coimbra e transmitido nos painéis das agências da CGD em todo o país e no estrangeiro. Para a OCC e para música, em particular para os compositores e executantes de guitarra portuguesa, em boa hora a CGD decidiu apoiar financeiramente a realização daqueles Encontros.
Mas para a cidade de Coimbra e para a sua notoriedade, o valor é incomensuravelmente maior. O que é apresentado em centenas de locais é uma vivência cultural, sem artificialismos, mostrando uma pujança urbana invejável. Não terão sido poucas as pessoas que pelo país terão sentido alguma inveja pela possibilidade dos conimbricenses disporem desta oferta cultural, ou que terão mesmo encarado a hipótese de aqui se deslocarem para os concertos da OCC. Fazer simples, ou como os mais próximos do marketing dizem “make it simple”, é de facto a forma mais eficaz de chegar a um grande número de potenciais clientes e de com eles estabelecer uma ligação afectiva íntima.
Isto não é resultado de uma campanha de marketing. Com um apoio anual à OCC que, para além da sua actividade corrente, consegue alavancar esse apoio através de diversos mecenatos e colaborações, a Cidade sai claramente beneficiada com uma visibilidade favorável que extravasa em muito as suas fronteiras
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Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Novembro de 2012

sábado, 24 de novembro de 2012

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

COIMBRA, CIDADE INTELIGENTE


A compreensão da evolução urbana é importante para se perceber o papel das cidades no mundo de hoje e tentar preparar um futuro que seja coerente com o passado e o presente, mas possa melhorar as condições de vida dos futuros “cidadãos”.
As cidades surgiram por motivos muito concretos relacionados com as potencialidades da sua localização. Por exemplo, Coimbra surgiu no primeiro local onde a navegação do Rio Mondego se tornava impossível para as embarcações que o subiam a partir da sua foz. O exacto local onde o Mondego deixava as montanhas para encontrar um caminho pacífico até ao mar, permitindo a navegação e a troca de mercadorias foi aquele que apresentou as condições para o surgimento e desenvolvimento de uma Cidade. Por essas e outras condições naturais e humanas, Coimbra seria muito mais tarde escolhida para primeira capital de um país em formação.
As razões para o surgimento de Coimbra foram umas. Ao longo das suas centenas de anos outras razões surgiram para a sua manutenção e crescimento. Crucial foi a transferência da Universidade no século XVI e a circunstância de a Cidade ter albergado os únicos estudos superiores de Portugal, praticamente até ao fim do século XIX.
A partir dos meados do século XX, o desenvolvimento do país criou toda uma nova envolvência às cidades e Coimbra não podia fugir disso. Alguma estagnação se sentiu na sequência de um certo desnorte no encontrar de novas razões para a sua existência, algo crucial para continuar viva no futuro.
Qualquer cidade, para se desenvolver de forma competitiva e sustentável tem que encontrar a sua razão de ser, a sua vocação, o seu carácter, perfil, atractividade, factores de diferenciação e uma capacidade de crescente desenvolvimento económico.
A necessidade de compreensão da realidade e do potencial existente continua a ser uma constante, para definir uma visão estratégica para o futuro.
Coimbra está incluída no grupo de 70 “smart cities” da Europa. A nossa cidade é a única portuguesa incluída no grupo, no qual só mais três se localizam na Península Ibérica: Pamplona, Valladolid e Oviedo. Para a escolha destas 70 “cidades europeias inteligentes” de entre quase 1.600 cidades europeias, investigadores de várias universidades usaram diversos critérios, ligados à economia, à habitação, à cultura, e às condições sociais e ambientais.
A ponderação desses factores num universo de cidades médias europeias com uma população entre 100.000 e 500.000 habitantes, dispondo de pelo menos uma universidade e com uma área de influência de menos de 1.500.000 pessoas, veio a considerar Coimbra como a única portuguesa entre as 70 cidades europeias ditas inteligentes.
A integração de Coimbra neste grupo é resultado de uma História e de uma conjugação de factores internos e externos. Corresponde a uma situação num determinado momento histórico, podendo a partir daí as condições manter-se estáveis, degradar-se ou, preferencialmente, evoluírem no sentido da melhoria. Depende da evolução das outras cidades e também da capacidade de acção dos seus responsáveis políticos para agarrarem e trabalharem as cinco áreas a que Ernâni Lopes chamava o “Pentagrama de Ouro”: a Economia, a Criatividade (cultural), a Segurança (de pessoas e bens), as Funções e Conteúdos Básicos (administração e organização), a Estabilidade Social e a Qualidade de Vida (ambiente, transportes, saúde, educação e habitação).
Como se vê, todo um conjunto de áreas que devem ser tratadas de forma integrada e harmoniosa, com visão estratégica que pressupõe conhecimento da realidade actual e da História bem como capacidade de concretização.
Muitas vezes, nas alturas cruciais das eleições para as Autarquias discute-se tudo e mais alguma coisa, menos o essencial que é aquilo que acima se resume. Que em tempo de escolha de candidatos não se esqueça o que é verdadeiramente importante para o futuro de Coimbra e dos seus cidadãos (actuais e que hão-de ser).
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 19 de Novembro de 2012

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

NEGOCIAÇÃO PERMANENTE (OU REFUNDAÇÃO)



Em Maio de 2011, na negociação com a União Europeia e com o FMI com vista a chegar a acordo na elaboração do “Memorando de Entendimento” e conseguir dinheiro para o Estado pagar as suas despesas do mês seguinte, o Governo liderado por José Sócrates assumiu o compromisso de atingir “um défice das Administrações Públicas não superior a 5.224 milhões de euros em 2013”. Para chegar a esse objectivo, o Governo socialista comprometeu Portugal a reduzir despesas do Estado em diversos sectores, já em 2012, designadamente no funcionamento da administração central, na racionalização da educação e da rede das escolas, no decréscimo do nº de trabalhadores nas diversas administrações central e locais, do sector da saúde, etc. Dispenso-me de apontar os números gigantescos, que também lá estão no memorando de entendimento e que constituem a austeridade que conhecemos.
No fim de 2010, a dívida pública era de 173.000 milhões de euros, valor que resultou de uma duplicação da mesma em apenas dez anos o que, associado a um défice das contas públicas exageradíssimo, nos atirou para os braços dos agiotas internacionais que compram e vendem dívidas públicas. Em consequência da aplicação das medidas constantes no Memorando, os especialistas dizem que o défice de funcionamento do Estado neste momento já quase não existe, descontando os juros da dívida pública. E aí reside o busílis da questão. De facto, a violenta austeridade que nos foi imposta pelo Memorando de Entendimento está a dar os resultados pretendidos naquele documento. Só que o montante dos juros a pagar pela dívida pública, a que existia resultante dos desmandos anteriores mais a que estamos a assumir por via do tal entendimento com a troika que nos empresta dinheiro em vez dos mercados internacionais é muito alto; tão alto que todo o país está sufocado e sem capacidade de reagir para crescer o mínimo necessário à recuperação económica. Portugal sofre de anemia gravíssima e necessita de ferro que dê a todo o seu corpo o oxigénio suficiente para viver.
O actual Governo tem feito os possíveis e os impossíveis  (até mesmo socialmente inaceitáveis) para cumprir o caderno de encargos que lhe foi entregue pelo anterior.
O povo português tem aguentado a canga de uma forma impressionante, pelo seu estoicismo.
Mas há limites para tudo. Começa a estar provado que o peso do “Memorando de Entendimento” é demasiado para o país, pelo que tem que ser denunciado como prejudicial a partir de certo ponto, o qual suspeito que está prestes a ser atingido. Quem o negociou fê-lo depois de se terem passado todos os prazos normais para o fazer vendo-se, por isso mesmo, obrigado a aceitar tudo, mas tudo, o que os elementos da Troika imaginaram que podiam impor a Portugal.
Adicionar legenda
Tendo o actual Governo cumprido aquilo a que o anterior o obrigou e demostrado a boa-fé na vontade concreta de colocar as contas do país nos eixos, cabe-lhe agora sacudir a cabeça e encontrar novas soluções internacionais para o problema da dívida pública. A questão não é renegociar para piorar ainda mais as condições futuras, como vejo ser exigido pelas Esquerdas mais esquerdas e pelas Direitas mais direitas.
A questão é mostrar que os objectivos do “Memorando de Entendimento” só poderão mesmo ser conseguidos através de novas condições internacionais que permitam o aliviar do serviço da dívida e a retoma económica num quadro em que os mercados tenham a garantia de que Portugal honra os seus compromissos financeiros e faz de facto as reformas públicas a que se comprometeu perante a Troika. Não se trata de renegociação do Memorando, mas sim da negociação permanente exigida por uma situação limite do país, chame-se-lhe refundação, ou o que se quiser.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 12 de Novembro de 2012

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

COIMBRA, CAPITAL NA REGIÃO CENTRO



A linguagem é uma ferramenta poderosa para a comunicação. Por vezes, a troca de uma pequena palavra dá todo um novo significado a uma expressão. Há poucos dias, numa tertúlia sobre a nossa Cidade, alguém interveio sobre o papel de Coimbra na região Centro e afirmou que Coimbra deve ser a capital na região. Na região e não da região, como se costuma dizer. E a alteração pode parecer puramente semântica, mas é significativa e traz consequências, se for levada à letra pelos responsáveis políticos da Cidade.
Significa que Coimbra deverá assumir-se verdadeiramente como capital, não pode ser apenas a primeira entre as outras, que o é, por razões históricas e geográficas. Por razões históricas, porque é a cidade portuguesa mais ligada à nacionalidade, desde a fundação até aos dias de hoje, com tudo o que isso significa de património material e imaterial. Durante muitos séculos Coimbra albergou a única Universidade portuguesa, o que teve consequências muitas vezes imprevisíveis e curiosas como a existência do Brasil como um único país ao contrário das colónias sul americanas de origem espanhola que se dividiram em muitos países independentes. As razões geográficas são evidentes, desde a localização central até à população residente, muito superior a todas as outras cidades da Região, das quais apenas Leiria também ultrapassa os cem mil habitantes concelhios.
Para que Coimbra seja capital na Região e não apenas a capital da região, tem que se assumir a si própria como tal. Em primeiro lugar tem que se organizar de acordo com as cidades que hoje se projectam no futuro. Não pode lamentar o que foi ou o que perdeu. Tem que olhar para si e perceber como se desenvolveu, como se foi reorganizando internamente e quais são as suas vantagens competitivas actuais. Coimbra já não é uma cidade com um único centro, ainda que histórico e riquíssimo em património, centro esse a necessitar de uma cara e extensa regeneração urbana, já suficientemente estudada e planeada. A habitação e as actividades económicas, incluindo o comércio e os serviços foram-se organizando em novas centralidades que formaram outros tantos centros urbanos. Vastas zonas foram abandonadas devido à evolução das actividades económicas, com ocupação de novas áreas mais bem adaptadas às novas necessidades. Gerir a Cidade com perspectiva estratégica, significa entender esta nova realidade e potenciar as conexões entre todos estes centros que existem, se interpenetram e devem funcionar como um todo harmonioso.
Mas Coimbra tem também que se virar para fora e assumir-se como a única cidade das Beiras com potencial e capacidade para dar a cara pela Região Centro. Hoje em dia uma capital não se pode impor pela força ou por decreto. Antes deve ter a humildade dos fortes, que é oferecer o que tem para apoiar os outros, dando assim mais força ao conjunto; isto não se deve passar ao nível de associações artificiais e redutoras de municípios de “baixo mondego” ou “pinhal litoral” ou das outras denominadas NUT III, e sim da Região Centro que é a que pode impedir o ensanduichar entre as grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.
Quem perceber isto e o levar à prática demonstrará verdadeira liderança. O actual presidente da Câmara de Coimbra, embora não tenha sido eleito como tal, mostra reunir todas as condições pessoais para o fazer, caso se candidate no próximo ano. Assim queira e consiga reunir equipas com os melhores, que conheçam a realidade concreta e tenham capacidade de propor as mudanças necessárias.
Coimbra precisa de se afirmar da forma que acima descrevi, interior e exteriormente. A Região Centro precisa de Coimbra para sair do torniquete de subdesenvolvimento relativo a que tem estado sujeita. Massa crítica humana há, com pessoas mais do que capazes, independentemente de inscrição em partidos. Que seja utilizada da melhor forma é o que se espera para um futuro que não existe ainda, mas que será fruto das escolhas do presente.

domingo, 28 de outubro de 2012

COIMBRA NO SEU MELHOR




Acompanhado por assistências numerosas e interessadas, o núcleo de Coimbra dos mais representativos cultores de guitarra portuguesa acompanhou de forma participada os diversos eventos integrados nos VI Encontros de Guitarra Portuguesa que decorreram durante toda a passada semana em Coimbra, promovidos e organizados pela Orquestra Clássica do Centro. Desde o notável Concerto de abertura com a OCC e o solista em guitarra portuguesa Artur Caldeira até ao Concerto de encerramento dedicado a Francisco Martins, com Paulo Vaz de Carvalho, David Lloyd, Bruno Costa e Eddy Jam entre outros, foi enorme a variedade de tipos de música e interpretações, tendo sempre presente a guitarra portuguesa designadamente na sua versão de Coimbra. Assistiram-se a momentos de enorme virtuosismo interpretativo que por vezes raiou mesmo a genialidade.
Nestes Encontros foi possível ouvir peças escritas propositadamente para guitarra e orquestra, incluindo uma peça inédita da autoria de Marina Pikoul, que transportam a guitarra portuguesa para o patamar de instrumento orquestral, para além da sua função mais clássica de acompanhamento de canções ou de participação em guitarradas. Será assim possível ouvir a guitarra portuguesa em todo o mundo, já que a existência de partituras permitirá a qualquer orquestra clássica incluir essas peças no seu repertório. Marina Pikoul que escreveu a lindíssima peça “Em Memória da Madrugada em Coimbra” é bem o exemplo de como, mesmo depois de uma carreira brilhante a nível de interpretação e composição, com prémios por todo o mundo a começar na sua própria terra, alguém sabe manter a humildade, sem se tentar impor a não ser pela qualidade do trabalho.
Os Encontros percorreram vários locais, desde o Pavilhão Centro de Portugal ao café Stª Cruz e ao Fado ao Centro no Quebra Costas. Foi assim que se chegou a diversos públicos, incluindo turistas e moradores da Baixa de Coimbra que, de forma entusiasmada aderiram aos espectáculos aí realizados.
Pelo meio, foi possível ver e participar numa acção inédita e altamente significativa pelo seu simbolismo. Duas tunas de estudantes, “As Mondeguinas” e a Tuna da Faculdade de Medicina dedicaram uma serenata a Francisco Martins, cultor da Guitarra de Coimbra e autor da famosa Canção da Primavera. Foi um momento de rara carga emotiva que demonstrou como a canção e a Guitarra de Coimbra têm ainda hoje um papel importante na vida dos estudantes da nossa Universidade, de como a juventude continua a ser generosa e solidária e de como há em Coimbra quem resista e honre os seus melhores.
De Bruxelas vieram dois músicos irmãos, Miguel e Philippe Raposo, que demonstraram como a guitarra portuguesa associada à clássica pode, partindo do repertório da música de Coimbra, atingir novas e surpreendentes sonoridades e emoções.
Nas próximas semanas Coimbra vai ter um conjunto de espectáculos musicais a que se dá o nome de Festival de Música de Coimbra. O único concerto orquestral previsto estará a cargo de uma orquestra constituída por alunos de uma escola profissional de Espinho. Em qualquer cidade com uma orquestra profissional residente, ainda por cima apoiada financeiramente pela Autarquia, a organização de um Festival de Música não deixaria de estar a cargo dessa entidade; em Coimbra, não só isso não acontece como, para o único concerto orquestral é chamada uma orquestra de uma escola. Não fora isto tudo apenas um pouco risível e apeteceria comentar Coimbra no seu pior; na realidade, trata-se apenas de algo para que a História se encarregará de encontrar rapidamente o seu lugar.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 29 de Outubro de 2012