Quando parte um artista é habitual dizer-se que a cultura fica mais pobre; quando esse artista é conterrâneo poderá dizer-se ainda que a cidade ficou mais pobre; quando esse artista é um Amigo, que nós ficamos mais pobres. Mas quando parte um Homem que aliou toda a sua vida de cidadão exemplar a uma intervenção artistica verdadeiramente única é toda a comunidade que perde, muito para além de nós mesmos, da cidade ou da própria cultura.
A forma musical a que se convencionou chamar fado de
Coimbra ou canção de Coimbra,distinção que para o caso pouco interessa, teve em
Francisco Martins um cultor verdadeiramente único. Claro que era um executante da
guitarra portuguesa com rara sensibilidade, vocação artística que descobriu bem
novo e que desenvolveu a um nivel elevado, muito pelo que recolheu da sabedoria
do grande artista que foi António Portugal, que aliás contou com ele no seu
disco notável “Flores para Coimbra”.
Mas Francisco Martins foi muito mais do que um grande
intérprete, o que já não seria pouco. Foi um compositor excepcional, que publicou
três discos que são autênticas jóias musicais. Curiosamente, os albuns sairam
de dez em dez anos, durante trinta anos: em 1986 “Canção da Primavera”, em 1996
“Primavera 2” e em 2006 “Convívios musicais”. De notar que nos dois primeiros
contou com o seu colega médico e amigo de sempre Rui Pato à viola, que não pode
ser esquecido quando se fala da obra discográfica de Francisco Martins. Ao
referir as composições de Francisco Martins, não falo propositadamente de
música de Coimbra, porque isso seria claramente uma redução, dado que a sua
qualidade a torna um património não restrito à Cidade ou mesmo ao País,
merecendo ser amplamente conhecida e interpretada.
Francisco Martins não se restringiu a ser um músico,
muito antes pelo contrário. Foi um médico distinto, era uma pessoa admirável na
sua maneira de ser, amigo dos seus amigos e sempre pronto a receber e a
partilhar dos problemas dos outros.
O contacto directo com Francisco Martins, que
cultivava uma forma de ironia subtil, era sempre estimulante e agradável, tantas
vezes irreverente, mas sempre simpático e amigo. A sua inteligência muito
afectiva facilitava o contacto com aqueles que sentia verdadeiros e os
convívios tidos com ele ficarão certamente para sempre na memória dos que
tiveram o privilégio de com ele contactar ou mesmo ser seus amigos.
As estações do ano continuarão a suceder-se após a sua
partida. Mas em todas elas a sua “Canção da Primavera” nos acompanhará com a
sua beleza intemporal, quer seja tocada numa guitarra portuguesa, ao piano ou
por uma orquestra.
Obrigado Francisco, pelo legado que nos deixaste a
todos, seja a tua saudosa amizade, seja a arte que já não é tua, mas de todos
nós e que não é recordação, antes está bem viva para sempre.