segunda-feira, 9 de setembro de 2019

IP3 - Estrada da vergonha


Há poucos dias, enquanto circulava no IP3 perto de Chamadouro na zona da barragem da Aguieira, deparei-me com um acidente, mais um a juntar ao triste historial daquela estrada. Um pesado de mercadorias tinha entrado em despiste, invadindo a via contrária e esmagando um veículo ligeiro de mercadorias que seguia em sentido contrário. Assim se ceifou a vida do condutor do ligeiro de mercadorias. Já estamos tão habituados a este tipo de ocorrências, que as vítimas são tratadas como mera estatística perdendo mesmo a sua identidade. Como isto não deveria suceder nunca, de alguma maneira retiro do anonimato a vítima mortal deste acidente. Tratava-se de um jovem de 22 anos de idade, natural de Silvares no concelho do Fundão, terra que por acaso conheço bem fazendo parte das minhas memórias de sempre. Circulava naquele local e naquela viatura porque, estando a terminar os estudos superiores, tinha aproveitado as férias para trabalhar e era o que fazia quando perdeu a vida.
Infelizmente, este acidente não constitui uma raridade nas estradas portuguesas, nem sequer naquela estrada em concreto.
Durante muito tempo, Portugal deteve um triste recorde sistemático de sinistralidade e mortalidade rodoviárias. Mercê de diversos factores, como melhoria das estradas, renovação dos veículos, campanhas de sensibilização e também de policiamento, essa situação alterou-se e, de forma contínua, as estatísticas portuguesas de sinistralidade rodoviária foram sendo reduzidas para níveis mais próximos das médias europeias. Contudo algo de grave parece estar a suceder. Desde 2017 que a descida das estatísticas se inverteu, aumentando o número de acidentes e de mortos. Em 2018, o número total de vítimas mortais - 675, foi mesmo o mais elevado desde 2012. No corrente ano, só até 21 de Agosto, já morreram 296 pessoas e as notícias dos últimos dias têm sido trágicas, fazendo prever que o número de mortos possa ser ainda superior ao de 2018. Convém lembrar que a média portuguesa de mortos nas estradas é de 69 pessoas por milhão de habitantes, o que ainda nos deixa muito longe do valor médio equivalente europeu que é de 49. Por aqui se vê que, para além da gravidade de estarmos a andar para trás na sinistralidade rodoviária, acresce que os nossos valores são praticamente superiores em 70% aos valores médios europeus, o que deveria acender as luzes vermelhas aos responsáveis. A propósito, deixo aqui duas perguntas: fora do controlo de velocidade das auto-estradas, quando foi a última vez que o leitor foi mandado parar pela GNR por acção de rotina, ou viu mesmo uma patrulha a circular de forma preventiva?
Por seu lado, a estrada onde se verificou aquele acidente é um caso verdadeiramente inacreditável de falta de investimento público absolutamente necessário e urgente, sendo hoje mesmo um exemplo insuportável de incúria insustentável por parte do Estado. Se o seu traçado inicial foi um erro crasso de planeamento, o tempo entretanto decorrido e o número de mortes que lá se têm verificado justificariam uma atenção redobrada para este problema. Exactamente o contrário do que se tem passado. As promessas não cumpridas têm-se sucedido ao ritmo do desfazer do que anteriores governantes tinham igualmente prometido. O IP3 é actualmente um imenso “ponto negro”, constituindo uma autêntica estrada da morte. Circular por lá é um pesadelo para todos os automobilistas, permanentemente em risco de se verem envolvidos em acidentes, sem que para isso em nada contribuam, apenas pelas miseráveis condições de circulação.
Enquanto não se fazem as necessárias obras que reponham condições minimamente aceitáveis de segurança de circulação, fica aqui um desafio aos autarcas dos municípios atravessados pelo IP3: juntem-se e encontrem uma maneira, seja ela qual for, mesmo que eventualmente contra os regulamentos em vigor, de proibir a circulação de veículos pesados de mercadorias nesta estrada, com excepção obviamente daqueles com origem ou destino nas povoações que serve directamente. Na verdade, a circulação destes pesados nem nunca deveria ter sido autorizada, quando existe alternativa pela A25 e A1, já que o IP3 nunca teve as condições de segurança necessárias para o tráfego pesado que o procura.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Setembro de 2019

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Do que o país não precisa–parte três


Estando o país a pouco mais de trinta dias das eleições legislativas, já não deverão surgir grandes novidades relativamente ao que os diversos partidos têm apresentado como ideias e propostas para o nosso futuro colectivo. Até porque as campanhas eleitorais, ao longo dos anos, se foram reduzindo a umas frases produzidas pelas agências de comunicação, a serem repetidas pelos candidatos dos diversos círculos eleitorais e já lá vai o tempo em que os candidatos eram escolhidos pelas suas capacidades profissionais e políticas. Hoje, usa-se e abusa-se de critérios de fidelidade às direcções partidárias, a quotas de paridade, apresentando-se mesmo como uma vantagem a grande juventude dos candidatos. Se, nos dias de hoje, já é de grande complexidade governar em cenários em grande parte desconhecidos, imagine-se como será para quem não faz a menor ideia das consequências das suas escolhas, por ainda não ter cultura histórica.
E se há necessidade de políticos que saibam o que estão a fazer! A política da última década foi tão traumática que os portugueses parecem anestesiados, preferindo qualquer coisa, por mais fraca que seja, a terem que passar de novo por toda a desgraça que conheceram com a chamada da troika. O reverso do êxito do défice significa a maior carga fiscal de que há memória e que continua a subir, a manutenção de uma dívida pública bruta a um nível gigantesco, um investimento público miserável ao nível de 2003 (formação bruta de capital fixo), uma dose de cativações  inacreditável fazendo lembrar os anos 30 do século passado e um Estado caloteiro que deve dinheiro a tudo e todos (transportadoras de estudantes, fornecedores de livros escolares, fornecedores hospitalares, etc. etc.) devendo mesmo mais de 160 milhões de euros ao Fundo de Estabilização da Seg. Social.
O crescimento da economia, apresentado como um sucesso por ser superior ao da média europeia é confrangedor, estando nós a caminho do último lugar europeu, sendo sucessivamente ultrapassados pelos poucos países ainda abaixo de nós. Na realidade, a média europeia é baixa por estar a ser puxada para baixo pelo comportamento das grandes economias da França, da Itália e agora da própria Alemanha que fazem prever uma nova crise. Numa reedição patética da “teoria do oásis”, é-nos dito que Portugal está a fugir a essa crise. Quando, como Ernâni Lopes ensinava, o que se passa é que, face aos aseus atrasos atávicos e dependência excessiva do Estado, a nossa economia demora mais tempo a entrar em crise, mas esta é depois mais profunda e demoramos mais tempo a sair dela não recuperando o ponto em que estávamos antes a não ser passado muito tempo. A isto se chama resiliência da economia portuguesa, que é muito diferente de resistência.
Do que Portugal não precisa mesmo é que os políticos ignorem a realidade, contando historietas de embalar aos cidadãos, continuando com um “crescimento” que não significa mais do que a continuação permanente da nossa pobreza relativa. A não ser que Portugal, tal “jangada de pedra” como a de Saramago, se solte da Península Ibérica e se desloque cinco graus para Sul, entrando num mundo completamente outro em termos culturais e de exigência económica e social.
Post scriptum: Reagindo à minha crónica recente sobre a regionalização, o meu colega Eng. Santos Veloso enviou ao director do Diário de Coimbra uma carta em que, criticando o que escrevi, expõe as suas próprias opiniões sobre o assunto. Tendo eu próprio já sido um regionalista, reconheço o valor de alguns dos argumentos expostos na carta, embora não concorde eles na totalidade. Mas há algo naquela carta que não pode deixar de ser salientado. O Sr. Eng. Santos Veloso manifesta a sua discordância com uma elegância e respeito pela diferença de opiniões que é uma lufada de ar fresco no actual ambiente degradado da discussão política em que a defesa de opiniões e o contraditório público desapareceram, transformando-se numa guerra de trincheiras em que cada lado dispara e se esconde de imediato. Por isso, e pela elegância rara de escrita, não só cumprimento o Colega Santos Veloso, como lhe agradeço a publicação da sua posição sobre a regionalização, usando para tal o meu escrito como ponto de partida.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Setembro de 2019

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Mineiros

Mineiros das Minas da Panasqueira nos anos 50 do século XX.



Espécies a privilegiar no Parque Nacional da Peneda-Gerês (viva o eucalipto) . E a coerência.

 Portaria 58/2019 que Aprova o Programa Regional de Ordenamento Florestal de Entre Douro e Minho
....

Artigo 36.º
Sub-região homogénea Parque Nacional da Peneda-Gerês
1 - Nesta sub-região homogénea, com igual nível de prioridade, visa-se a implementação e o desenvolvimento das seguintes funções gerais dos espaços florestais:
a) Função geral de conservação de habitats, de espécies da fauna e da flora e de geomonumentos;
b) Função geral de produção;
c) Função geral de recreio e valorização da paisagem.
2 - As normas de silvicultura a aplicar nesta sub-região homogénea correspondem às normas das funções referidas no número anterior.
3 - Nesta sub-região devem ser privilegiadas as seguintes espécies florestais:
a) Espécie a privilegiar (Grupo I):
i) Plátano (Acer pseudoplatanus);
ii) Vidoeiro (Betula celtiberica);
iii) Cedro-do-atlas (Cedrus atlantica);
iv) Cedro-branco (Chamaecyparis lawsoniana);
v) Eucalipto (Eucalyptus globulus);
......

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Versos dum Cavador

Adeus, cerca do Buçaco

Adeus, real portaria

Adeus, caveira mirrada

Serás minha companhia

Adeus, sagrados rochedos

Onde vertem tantas fontes,

Adeus, valeiros e montes,

Adeus, altos arvoredos,

Adeus, musgos dos penedos

Que servem de santo ornato

Adeus, tremendo aparato,

Pintura do Santuário,

Adeus, alto do Calvário,

Adeus cerca do Buçaco.

Adeus, torres, adeus, sinos

Sois música dos finados;

Adeus, castiçais dourados,

Adeus, sacrários divinos,

Adeus, painéis cristalinos

Adeus, santa livraria,

Adeus, Filho de Maria,

Cravado de pés e braços

Adeus, memória dos paços,

Adeus, real portaria.

Adeus, santo monumento

Da santa religião,

Adeus quadro da Ascensão,

Adeus mata, adeus, convento;

Adeus, Cruz Alta, que ao vento

Ergues a fronte sagrada,

Adeus, tribuna dourada,

Adeus altar dos missais,

Adeus, santos imortais,

Adeus, caveira mirrada.

Adeus, cálix consagrado

Com sangue de Jesus Cristo

Adeus, Herodes Ministro,

Adeus, ó Judas malvado,

Adeus, alto do senado,

Próprio lugar de agonia,

Adeus, reis da gerarquia

Que ao mundo dais graça e luz,

Adeus madeiro da Cruz,

Serás minha companhia.

Bibliografia: Manuel Alves, O Poeta da Bairrada, 1991 Anadia, António Silva Neves, edição de autor;

Versos dum Cavador, 1993, Anadia, revisão de José Ferraz Diogo , Câmara Municipal, Anadia


Gentilmente enviado pelo João Vila

Do que o país não precisa – parte dois


Já deixou de ser segredo, seja para quem for, que a corrupção se tornou num problema nacional. O que acarreta, desde logo, vários problemas que ultrapassam a “simples” questão ética que lhe é intrínseca. A corrupção pode ser equiparada a um imposto que todos os portugueses não corruptos pagam para que as transferências de valor entre corrompidos e corruptores se façam. É também um peso suplementar sobre a economia, um constrangimento ao seu crescimento. E mina por dentro o regime democrático. O seu combate exige uma legislação repressiva clara e consequente, tal como uma Justiça que a possa aplicar rápida e consequentemente, para o que necessita, obviamente, de ter os meios necessários de investigação e processuais à sua disposição. E a corrupção, trata-se de uma evidência social para além da lei, só existe porque agentes do Estado se dispõem a usar os poderes de que dispõem em seu favor pessoal.
Recordo aqui que o General Ramalho Eanes declarou, há poucos meses, que “a corrupção é uma epidemia que grassa pela sociedade”. Já a anterior Procuradora Geral da República Joana Marques Vidal foi, também muito recentemente, muito mais concreta ao falar de "Um Estado capturado por redes de corrupção e compadrio nas áreas da contratação pública."
Não será necessário procurar mais citações de personalidades unanimemente consideradas como exemplos de seriedade e de probidade para se concluir que o país tem, de facto, um grave problema com a corrupção. E estando a corrupção instalada no Estado, serão os Tribunais a última defesa da sociedade contra quem, usando a autoridade que lhe é concedida, o rouba para seu próprio benefício, seja este qual for. Até porque já todos percebemos que, em matéria de combate à corrupção e mesmo de defesa da transparência, o órgão legislativo se encolhe, para dizer o mínimo, como se percebe pela recusa em legislar consequentemente na área da investigação do enriquecimento ilícito e no abrandamento da legislação sobre o controlo de negócios com o Estado de familiares de políticos
Pelo que acima fica escrito, torna-se uma evidência a necessidade da existência de um Ministério Público que não seja controlado pelo Estado ou, muito concretamente, que não possa receber ordens do governo, seja através do ministro da Justiça, ou de qualquer outra forma exceptuando, como é evidente, os casos em que o próprio Estado seja o queixoso.
Antes do 25 de Abril, o Ministério Público recebia ordens do Ministro da Justiça. Depois da Constituição do regime democrático essa situação acabou, tendo o sistema evoluído em vários momentos, mas sempre no sentido de aumentar a autonomia do Ministério Público. Depois da revisão constitucional de 1989, essa autonomia ficou consagrada na lei orgânica do MP de 1992.
Contudo, uma séria incomodidade grassará nas profundidades do sistema político que à superfície se manifesta com uma vontade confessada de alterar este estado de coisas. O partido Socialista apresentou recentemente na Assembleia da República uma proposta de lei para aprovação de um novo Estatuto do Ministério Público, na qual se acaba com a equiparação entre a magistratura judicial e a magistratura do MP. A autonomia do Ministério Público é mesmo apresentada por diversos sectores ligados ao poder como significando uma “judicialização do regime”, pelo que se deveria entrar num caminho que é apresentado eufemisticamente como da sua “subordinação ao poder democrático”. Se, para um partido com militantes relevantes a braços com graves problemas na Justiça relacionados com a corrupção em que o caso mais conspícuo, mas não único, é o do ex-primeiro ministro socialista José Sócrates esta posição até se percebe, já não deixa de ser surpreendente que a actual direcção do PSD aponte no mesmo sentido, num alinhar de posições políticas contra a autonomia do MP.
Do que Portugal não precisa é de enfraquecer a Justiça no seu papel crucial de luta contra a corrupção. Para tal já chega ter os meios de investigação como a Polícia Judiciária à míngua de tal maneira que, se não o for, mais parece que o propósito governamental é coartar a sua capacidade de luta contra a corrupção. 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Agosto de 2019

O paradoxo norueguês do género.