O tempo é o único critério válido para aquilatar da verdadeira importância de homens e mulheres que, em vida, ganham notoriedade por este ou aquele motivo. Entre outras áreas, isso torna-se particularmente evidente em política. Passam esta semana 50 anos sobre a realização de uma manifestação em Washington em 28 de Agosto de 1963. Foi ao discursar nessa manifestação perante o Memorial de Lincoln, que Martin Luther King proferiu as palavras que começaram a mudar a face da América e que, portanto, ficaram na História e tornaram o seu autor numa das principais personagens da História americana e do mundo: “I HAVE A DREAM”. Martin Luther King completou a sua frase, acrescentando “a evidência de que todos os homens nascem iguais”.
Palavras simples, mas de uma força espantosa, naqueles dias e também nos nossos. Na América, puseram a nu a vergonha colectiva do racismo, levando a que logo no ano seguinte fosse aprovado o “Civil Rights Act” que estabeleceu a igualdade social entre brancos e negros e um ano depois o “Voting Righs Act” que deu a todos os cidadãos a mesma capacidade eleitoral, independentemente da cor da pele. Foram estas leis que estiveram na base do fim da discriminação racial na América e foram consequência directa das palavras de Martin Luther King em 28 de Agosto de 1963. Nesse dia, King estava acompanhado por muitos, na maior manifestação política que a América já tinha visto até então. Duas artistas deram a sua colaboração importante nesse dia: Joan Baez e Mahalia Jackson que antes tinha dito a Luther King quando este escrevia o seu discurso: fala-lhes no sonho, Martin, fala-lhes no sonho!
Não se pense que o caminho do fim da discriminação social na América tem sido fácil desde então, muito longe disso. As diferenças sociais ainda hoje são enormes, embora com uma tendência de esbatimento. Por exemplo, o rendimento médio anual dos brancos é de 27.000 dolares, enquanto o dos negros é de 21.000. Mesmo a esperança de vida de homens e mulheres brancos é de 3 a 5 anos superior aos negros. A taxa de desemprego reflecte igualmente grandes diferenças, tal como os índices educacionais.
De facto, as leis, embora sendo fundamentais, não fazem tudo. A educação para a cidadania é fundamental para que o respeito pelas diferenças seja uma atitude normal e como tal praticado por todos. Não há aqui lugar a tolerância, porque se trata de pessoas e não de ideias, mas sim respeito e consideração pelo outro como igual. Se olharmos à nossa volta, ainda hoje e aqui, percebemos bem a importância disto.
Curiosamente, cinquenta anos depois daquela frase de Martin Luther King, os EUA têm o primeiro presidente negro da sua História. Não interessa para aqui se é bom ou mau presidente, se gostamos ou não da sua actuação. Também ele teve o sonho de ser presidente e teve as condições sociais e eleitorais para o ser. Tal não teria certamente acontecido se Martin Luther King não tivesse tido a coragem e a superioridade moral de assumir aquela luta, da forma como o fez, contra o ódio e a violência.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Agosto de 2013
jpaulocraveiro@ gmail.com "Por decisão do autor, o presente blogue não segue o novo Acordo Ortográfico"
segunda-feira, 26 de agosto de 2013
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
Gigante com pés de barro
A Alemanha, que hoje está em condições de poder financiar grande parte das operações de “bail-out” em diversos países europeus, passou por uma crise económico-financeira há pouco mais de dez anos, quando o então Chanceler Gerhard Schröder montou uma operação de austeridade na Alemanha. Os vencimentos foram então reduzidos drasticamente para aumentar a competitividade da economia alemã e aumentou-se a flexibilidade laboral através de mais recurso a trabalhadores temporários.
Na última década do século XX, a Alemanha conduzida por Helmut Köhl havia procedido à reintegração da antiga RDA, o que teve custos absolutamente inimagináveis, levando à crise da primeira década do novo século. Crise essa que foi encarada e resolvida com recurso à austeridade pelo governo alemão, mas também por toda a sociedade, desde os sindicatos às confederações patronais e às empresas. Quando Merkel chegou à chancelaria alemã em 2005, o processo de austeridade alemã estava ainda a decorrer e a taxa de desemprego era de 12%, quando hoje é de 5,4%. Ao contrário do que geralmente se pensa, a Alemanha de hoje tem graves problemas de sustentabilidade. Desde logo, o seu crescimento desde 2007 foi de apenas 0,7% o que, comparado por exemplo com o crescimento americano de 2,2% para o mesmo período, é apenas medíocre; isto para não comparar com o crescimento das outras grandes economias mundiais como a chinesa ou a russa, em que a comparação é ainda pior. Quando vai às reuniões do G8, Ângela Merkel é uma líder com grandes problemas no seu país, ao contrário do que sucede quando participa em reuniões da união Europeia em que aparece como líder toda-poderosa.
Por outro lado, os dados demográficos alemães são assustadores: nos últimos vinte anos, a Alemanha perdeu um milhão e meio de pessoas, consequência da taxa de natalidade mais baixa da Europa, prevendo-se que, dentro de alguns anos a população alemã seja inferior a 70 milhões, quando hoje é de 80 milhões.
Ângela Merkel é de facto a líder actual da União Europeia. Sem o seu apoio, não há nenhuma decisão importante da União que tenha hipóteses de avançar. A Alemanha vai ter eleições gerais em Setembro.
A actual chanceler tem neste momento uma taxa de aprovação que ronda os 60%, mas tem muita dificuldade interna em convencer os alemães a pagar os empréstimos aos países do Sul. Apesar dessas dificuldades, já conseguiu levar por diante o “Mecanismo Europeu de Estabilidade” dotado com 500 mil milhões de euros, importante pelo princípio, mesmo que o valor seja ainda insuficiente. E, contra a vontade dos banqueiros alemães, apoia decididamente a nova União Bancária da União Europeia. Ângela Merkel sabe que o Euro é tão importante para a Alemanha como para o resto da União, pelo que faz todos os esforços para que nem um país saia dele.
Ninguém gosta da austeridade, principalmente quem mais sofre com ela. Acresce que soluções que dão bons resultados numa economia não são imediatamente transportáveis para outra com uma organização completamente diversa. Mas convinha ter uma percepção mais completa e adequada da realidade europeia e mundial, em vez de se gritar, insultar e tentar deitar tudo abaixo, incluindo uma moeda comum.
segunda-feira, 12 de agosto de 2013
O mundo sempre em mudança
"O mundo pula e avança
Como bola
colorida
entre as mãos
de uma criança"
António
Gedeão.
Pertenço a uma geração que cresceu e se desenvolveu entre
alguns medos, alguns deles suficientemente poderosos para influenciarem
decisivamente o futuro da própria humanidade. Um deles foi o medo do holocausto
nuclear, que acompanhou toda a guerra fria desde a 2ª Guerra Mundial até à
última década do século XX.
O outro tem permanecido activo até aos dias de hoje
e prende-se com o receio do esgotamento das reservas de energia, designadamente
do petróleo, que significaria o fim do mundo tal como o conhecemos hoje. Esse
medo, propalado há dezenas de anos por imensos analistas e mesmo por muitos
cientistas, está igualmente a desaparecer, para nosso alívio. Ao contrário do
que tantos diziam, tudo indica que o mundo está prestes a atingir um pico
energético, mas de procura e não de fornecimento. De facto, as reservas
energéticas mundiais, contando com um aumento de procura semelhante à evolução
das últimas décadas, passaram recentemente de 50 anos para 200 anos. O próprio
custo da energia associada aos recursos fósseis está a conhecer uma redução
acentuada. Deve-se isto ao desenvolvimento de novas técnicas de extração do
petróleo e gás natural retidos em xistos argilosos existentes por todo o mundo,
o que até há pouco tempo era impensável. Nos EUA, mais de 25% do gás natural
produzido hoje vem das rochas xistosas e os preços unitários baixaram em cinco
anos de 23 para 4 dolares. O que já hoje se passa na América vai estender-se
rapidamente a todo o mundo, estando a China a comprar tecnologia e conhecimento
para explorar o petróleo e gás natural das suas enormes quantidades de rocha
xistosa.
Como é sabido, 60% da produção mundial de petróleo vai
para os transportes. Mas também isso está a mudar rapidamente. Grande parte dos
veículos pesados irão trocar o combustível para gás, muito mais barato e menos
poluidor, o que acontecerá igualmente nos grandes navios, centrais térmicas e
sistemas de aquecimento doméstico e industrial, por todo o mundo. No chamado
mundo rico, a procura de derivados do petróleo já está a descer desde 2005,
contando-se com o desenvolvimento dos países asiáticos para que a procura
mundial continuasse a crescer. No entanto, a China está também a introduzir
limites ao consumo dos automóveis, impondo um limite de 6,9 litros aos cem km
em 2015 e de 5l em 2020, o que contribuirá para descer o consumo.
Entre nós, o choque vai ser grande e também benéfico para
os consumidores e para a economia em geral. Pagamos uma energia caríssima
porque os políticos associaram-se durante anos ao sector energético tendo levado
a que, por exemplo, a capacidade de energia eólica instalada em Portugal seja
mais do dobro do que deveria ser num sistema equilibrado. A custos enormes,
suportados por todos nós pelos subsídios para aí canalizados e nas facturas
mensais de electricidade. Mais cedo ou mais tarde a realidade vai desatar o nó
energético que alguns têm andado a apertar à nossa custa e da economia, com
lucros enormes para os sectores protegidos pelo próprio Estado.
A História dá-nos muitos exemplos de como o excesso de voluntarismo
e mesmo alguma dose de fanatismo traz maus resultados e de como a evolução da
humanidade foge sistematicamente aos modelos pré concebidos por alguns, por
mais iluminados e bem-intencionados que se julguem. O que se está a passar com
a energia é apenas mais um desses exemplos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 12 de Agosto de 2013
segunda-feira, 5 de agosto de 2013
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança; Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades. Continuamente vemos novidades, Diferentes em tudo da esperança; Do mal ficam as mágoas na lembrança, E do bem, se algum houve, as saudades. O tempo cobre o chão de verde manto, Que já coberto foi de neve fria, E em mim converte em choro o doce canto. E, afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto: Que não se muda já como soía. Luís de Camões
"Vencer na política não é tudo: é a única coisa"
Um dos filmes da minha vida (como se costuma dizer) foi realizado em 1976 por Alan J. Pakula com o título “os Homens do Presidente”, tendo Dustin Hoffman e Robert Redford como actores principais. O filme é sobre o caso Watergate, que resultou na renúncia de Richard Nixon à presidência dos Estados Unidos da América no dia 8 de Agosto de 1974, faz portanto esta semana 39 anos.
Recordo que o chamado caso Watergate surgiu na sequência da prisão de cinco pessoas no dia 17 de Junho de 1972 naquilo que inicialmente se pensava ser um assalto comum à sede dos Democratas no edifício Watergate em Washington; decorria então a campanha presidencial que viria a ser ganha pelo Republicano Richard Nixon que assim conseguia a sua reeleição de forma esmagadora, após a sua derrota tangencial perante John Kennedy em 1960 e a primeira vitória de 1968.
No dia seguinte ao assalto o jornal Washington Post dava a respectiva notícia, adiantando que os detidos tinham tentado fotografar documentos e colocar aparelhos de escuta na sede Democrata, tudo levando a crer que o caso ficaria por aí. No entanto, o facto de os detidos estarem ligados ao FBI e à CIA levantou suspeitas sobre se a Casa Branca teria conhecimento prévio do sucedido e se, portanto, o próprio Presidente estaria envolvido no caso. Dois jornalistas de investigação do Washington Post, Robert Woodward e Carl Bernstein agarraram no caso e não mais o largaram, com uma pertinácia incansável, afrontando a Casa Branca que se defendeu utilizando todo o seu poder político, policial e mesmo económico. Claro que contaram com a ajuda preciosa de um informador secreto, supostamente colocado no interior do aparelho policial, que lhes foi dizendo se estavam no bom caminho ou se seguiam pistas falsas, mantendo-os na pista certa que os levou no fim a deslindar toda a trama. Só em 2005 esse informador, que ficou conhecido com “garganta funda”, tornou pública a sua identidade, ficando-se assim a saber que se tratava do próprio nº 2 do FBI, Mark Felt. Esta história é ainda hoje apresentada como o exemplo maior da importância do jornalismo de investigação da verdade dos factos e um dos momentos mais altos da demonstração da força da liberdade de imprensa.
A importância deste caso e do seu desfecho é ainda maior dado que, de todos os 44 presidentes americanos eleitos até hoje, Nixon foi o único obrigado a demitir-se por exercício inapropriado do cargo. O trauma dos americanos perante a descoberta de que o seu presidente era uma pessoa em que afinal não podiam confiar é enorme e persistente até hoje. Richard Nixon, apesar de ter conseguido notáveis sucessos durante a sua presidência, como o fim da guerra do Vietname, é ainda hoje símbolo vergonhoso da má conduta de um político desonesto e mentiroso que não olha a meios para conseguir os seus fins.
O título desta crónica é precisamente uma citação de Richard Nixon, o epítome que resume todo um programa de acção política que, no seu caso, levou ao desastroso resultado bem retratado no filme de Pakula e que, obviamente, não deverá, em caso nenhum, servir de inspiração ou exemplo.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 5 de Agosto de 2013
Recordo que o chamado caso Watergate surgiu na sequência da prisão de cinco pessoas no dia 17 de Junho de 1972 naquilo que inicialmente se pensava ser um assalto comum à sede dos Democratas no edifício Watergate em Washington; decorria então a campanha presidencial que viria a ser ganha pelo Republicano Richard Nixon que assim conseguia a sua reeleição de forma esmagadora, após a sua derrota tangencial perante John Kennedy em 1960 e a primeira vitória de 1968.
No dia seguinte ao assalto o jornal Washington Post dava a respectiva notícia, adiantando que os detidos tinham tentado fotografar documentos e colocar aparelhos de escuta na sede Democrata, tudo levando a crer que o caso ficaria por aí. No entanto, o facto de os detidos estarem ligados ao FBI e à CIA levantou suspeitas sobre se a Casa Branca teria conhecimento prévio do sucedido e se, portanto, o próprio Presidente estaria envolvido no caso. Dois jornalistas de investigação do Washington Post, Robert Woodward e Carl Bernstein agarraram no caso e não mais o largaram, com uma pertinácia incansável, afrontando a Casa Branca que se defendeu utilizando todo o seu poder político, policial e mesmo económico. Claro que contaram com a ajuda preciosa de um informador secreto, supostamente colocado no interior do aparelho policial, que lhes foi dizendo se estavam no bom caminho ou se seguiam pistas falsas, mantendo-os na pista certa que os levou no fim a deslindar toda a trama. Só em 2005 esse informador, que ficou conhecido com “garganta funda”, tornou pública a sua identidade, ficando-se assim a saber que se tratava do próprio nº 2 do FBI, Mark Felt. Esta história é ainda hoje apresentada como o exemplo maior da importância do jornalismo de investigação da verdade dos factos e um dos momentos mais altos da demonstração da força da liberdade de imprensa.
A importância deste caso e do seu desfecho é ainda maior dado que, de todos os 44 presidentes americanos eleitos até hoje, Nixon foi o único obrigado a demitir-se por exercício inapropriado do cargo. O trauma dos americanos perante a descoberta de que o seu presidente era uma pessoa em que afinal não podiam confiar é enorme e persistente até hoje. Richard Nixon, apesar de ter conseguido notáveis sucessos durante a sua presidência, como o fim da guerra do Vietname, é ainda hoje símbolo vergonhoso da má conduta de um político desonesto e mentiroso que não olha a meios para conseguir os seus fins.
O título desta crónica é precisamente uma citação de Richard Nixon, o epítome que resume todo um programa de acção política que, no seu caso, levou ao desastroso resultado bem retratado no filme de Pakula e que, obviamente, não deverá, em caso nenhum, servir de inspiração ou exemplo.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 5 de Agosto de 2013
domingo, 4 de agosto de 2013
Pirâmides de Gize em 1862
Retirado de http://www.nybooks.com/blogs/nyrblog/2013/jul/06/when-ruins-were-new/?src=longreads
As primeiras fotos das ruinas do Egipto antigo, tiradas por Francis Bedford que acompanhou o futuro Eduardo VII na viagem ao médio oriente.
terça-feira, 30 de julho de 2013
Mulheres e quotas
A Lei da Paridade de 2006 veio estabelecer que as listas para
a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as Autarquias
Locais são compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33% de cada
um dos sexos. Desta forma, a cada dois elementos de uma lista de um sexo, terá
que se seguir sempre um elemento do outro sexo.
É óbvio que esta lei visa adequar a representação das
mulheres ao seu papel na sociedade, onde até será hoje superior a 50%, mas não
fugindo muito desse valor.
Quem já passou pela vida partidária sabe bem a paciência que
é necessária para aguentar com as mesmas velhas discussões em que apenas variam
os intervenientes, sendo a matéria sempre a mesma. É por isso que as mulheres,
normalmente bem mais práticas, pragmáticas e com mais que fazer fogem
desses locais, deixando um palco maioritário aos homens na política.
Quando surgem as eleições é interessante ver a forma como
se processa a aplicação da lei da paridade, tantas vezes de forma perversa para
as próprias mulheres. É assim que por vezes se vai conhecendo a constituição
das listas, mas com uns buracos nos lugares que serão obrigatoriamente preenchidos
por mulheres; mulheres que, neste caso, sairão sempre diminuidas no seu papel,
porque se cria a sensação de que só lá estarão para preencher as quotas.
Ao contrário, e felizmente, há situações em que mulheres são
convidadas pelo reconhecimento do seu valor próprio, fora das quotas e mesmo
sendo politicamente independentes. Honra a elas e a quem as convida!
segunda-feira, 29 de julho de 2013
Diga não à discriminação
O ponto central da definição do desenvolvimento de uma sociedade, qualquer sociedade, não é a sua riqueza material, mas sim a capacidade de aceitação da diferença através da não aceitação da discriminação de pessoas ou grupos. E como estamos longe, tão longe disso, mesmo numa Europa supostamente civilizada!
Nos últimos dias a ministra da Integração de Itália Cécile Kyenge, que é primeira negra a exercer funções ministeriais naquele país, foi comparada a um orangotango por um senador e viu ser lhe atirada uma banana quando fazia um discurso público. Sendo quem é, a ministra respondeu apenas que a comida não deve ser desperdiçada. O racismo está incutido na cabeça das pessoas desde o início do colonialismo, quando as diferenças culturais eram tidas como atraso. Num destes dias ia no carro e quis o acaso que ouvisse na rádio uma excelente entrevista ao Prof. Poiares Baptista, grande dermatologista e professor jubilado da fac. de Medicina da nossa Universidade. Mais uma vez explicou, com o seu conhecimento profundo do assunto, como as diferentes cores da pele são apenas isso. Essa adaptação ao meio natural não tem nada a ver com inteligência, capacidade de trabalho, afectos, nada, absolutamente nada. Até a constituição da pele é exactamente a mesma. Mas a discriminação pela cor da pele continua a ser um facto e uma vergonha para todos nós.
Na Nova Zelândia, as autoridades de imigração decidiram expulsar um homem que reside naquele país há seis anos por ter 130 quilos e não ter parâmetros de saúde aceitáveis. Das duas, uma e são ambas inaceitáveis: ou o homem tem mau aspecto por causa do seu peso e é socialmente mal visto num país que vende o desporto e da vida ar livre e saudável como indústria, ou o Estado se recusa a fornecer serviços de saúde a pessoas por serem obesas. Mais uma vez a discriminação a vir ao de cima. A indústria da moda, nas suas diversas facetas, seja do vestuário seja dos cosméticos, é responsável por incentivar a discriminação de uma forma insidiosa, mas extremamente eficaz. Precisamente porque penetra no nosso subconsciente através da publicidade, da fotografia e do próprio cinema. Propõem, ou melhor, impõem, critérios de beleza absolutamente artificiais que criam complexos e levam as pessoas a desejarem ser iguais aos manequins.
Para além da artificialidade da criação das imagens que são manipuladas ao ponto de as pessoas apresentadas serem quase irreconhecíveis ao natural, impõem modelos estereotipados que levam à segregação de quem se afasta deles. É assim que quem não é magro (mesmo que não seja obeso), quem não é alto, quem tem rugas, quem nasceu com alguma diferença, ou apenas quem não é jovem, é levado a sentir-se feio e excluído. Quando a moda até faz sentido se nos levar a sentirmo-nos bem com nós próprios e com o nosso corpo, é transformada numa ditadura dos criadores e da publicidade e mesmo na forma mais pura de descriminação.
Assistimos diariamente a muitas outras formas de discriminação. Seja pela religião, seja pelo sexo, seja pela origem social, seja pela opção política, a nossa sociedade parece que se compraz na exploração da diferença, para tentar rebaixar quem é diferente da média. O respeito pelo semelhante, isto é, por toda e cada uma das pessoas em toda a sua personalidade é, de facto, pedra de toque de civilização. Sejamos cada dia mais civilizados do que no dia anterior. Só depende de nós.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 29 de Julho de 2013
Nos últimos dias a ministra da Integração de Itália Cécile Kyenge, que é primeira negra a exercer funções ministeriais naquele país, foi comparada a um orangotango por um senador e viu ser lhe atirada uma banana quando fazia um discurso público. Sendo quem é, a ministra respondeu apenas que a comida não deve ser desperdiçada. O racismo está incutido na cabeça das pessoas desde o início do colonialismo, quando as diferenças culturais eram tidas como atraso. Num destes dias ia no carro e quis o acaso que ouvisse na rádio uma excelente entrevista ao Prof. Poiares Baptista, grande dermatologista e professor jubilado da fac. de Medicina da nossa Universidade. Mais uma vez explicou, com o seu conhecimento profundo do assunto, como as diferentes cores da pele são apenas isso. Essa adaptação ao meio natural não tem nada a ver com inteligência, capacidade de trabalho, afectos, nada, absolutamente nada. Até a constituição da pele é exactamente a mesma. Mas a discriminação pela cor da pele continua a ser um facto e uma vergonha para todos nós.
Na Nova Zelândia, as autoridades de imigração decidiram expulsar um homem que reside naquele país há seis anos por ter 130 quilos e não ter parâmetros de saúde aceitáveis. Das duas, uma e são ambas inaceitáveis: ou o homem tem mau aspecto por causa do seu peso e é socialmente mal visto num país que vende o desporto e da vida ar livre e saudável como indústria, ou o Estado se recusa a fornecer serviços de saúde a pessoas por serem obesas. Mais uma vez a discriminação a vir ao de cima. A indústria da moda, nas suas diversas facetas, seja do vestuário seja dos cosméticos, é responsável por incentivar a discriminação de uma forma insidiosa, mas extremamente eficaz. Precisamente porque penetra no nosso subconsciente através da publicidade, da fotografia e do próprio cinema. Propõem, ou melhor, impõem, critérios de beleza absolutamente artificiais que criam complexos e levam as pessoas a desejarem ser iguais aos manequins.
Para além da artificialidade da criação das imagens que são manipuladas ao ponto de as pessoas apresentadas serem quase irreconhecíveis ao natural, impõem modelos estereotipados que levam à segregação de quem se afasta deles. É assim que quem não é magro (mesmo que não seja obeso), quem não é alto, quem tem rugas, quem nasceu com alguma diferença, ou apenas quem não é jovem, é levado a sentir-se feio e excluído. Quando a moda até faz sentido se nos levar a sentirmo-nos bem com nós próprios e com o nosso corpo, é transformada numa ditadura dos criadores e da publicidade e mesmo na forma mais pura de descriminação.
Assistimos diariamente a muitas outras formas de discriminação. Seja pela religião, seja pelo sexo, seja pela origem social, seja pela opção política, a nossa sociedade parece que se compraz na exploração da diferença, para tentar rebaixar quem é diferente da média. O respeito pelo semelhante, isto é, por toda e cada uma das pessoas em toda a sua personalidade é, de facto, pedra de toque de civilização. Sejamos cada dia mais civilizados do que no dia anterior. Só depende de nós.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 29 de Julho de 2013
Subscrever:
Mensagens (Atom)