segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Boas-vindas ao Outono


 Já são setenta chegadas do Outono as vividas até agora. Curiosamente, é raro encontrar alguém que partilhe comigo o sentimento de satisfação que esta época me transmite. E, com o avançar da idade, esse sentimento é cada vez mais nítido, muito por significar o fim do Verão que sinto mais agressivo.

O Outono chegou ontem, de novo. De facto, no nosso hemisfério o Sol no seu movimento aparente anual ao longo da Eclíptica passou para o Sul do Equador Celeste no que chamamos o equinócio do Outono. É um dos dois momentos ao longo do ano em que a duração do dia é igual à da noite, sabendo-se que em 21 de Junho do próximo ano acontecerá o outro equinócio, nesse caso o da Primavera cuja importância astronómica é tão grande que tem o nome próprio de Ponto Vernal. Curiosamente, a Natureza encarrega-se de trocar as voltas aos adivinhos e outros charlatães que pretendem prever o futuro através das posições dos astros, não sabendo que a precessão dos equinócios ao longo do Equador Celeste coloca os astros onde eles não supõem.

E porque gosto do Outono? Porque a Natureza entra numa época de serenidade e de calma, não apenas pela temperatura mais amena, parecendo que tudo está pacificado. As árvores e muitas outras plantas como as videiras adoptam um colorido diferente, amarelo e avermelhado, antes de descansarem completamente para suportar os rigores do Inverno que aparecerá mais tarde. A festa anual das vindimas acontece agora, quando as uvas acabaram de absorver os calores estivais e estão prontas para se transformar nos vinhos que apreciamos desde tempos imemoriais. Na realidade, acredito que não estarei muito sozinho neste apreciar do Outono, pelo menos em alguns dos seus aspectos.

Nas suas Quatro Estações, que tanto detestei em tempos, para depois apreciar sobremaneira depois de as ouvir no violino de Nigel Kennedy que mas deu a melhor compreender, Vivaldi dedica ao Outono um trecho de suave beleza e encantamento. Bem diferentemente dos dedicados às outras estações que, claro, também têm a sua beleza própria, mas diversa, tal como as que a Natureza nos oferece.

Socialmente, estes dias têm um significado profundo. É o tempo do regresso ao trabalho em força, depois do merecido descanso anual. As cidades são-devolvidas aos seus habitantes e retomam o seu ritmo normal com a saída das multidões de turistas que actualmente as ocupam durante o Verão. E, fundamentalmente, os jovens regressam às escolas sendo um encanto ver como as crianças pequenas enchem o ar de gritos e risadas no seu reencontro com os colegas.

Muitos poetas se sensibilizam com o Outono, não resistindo a citar aquele que tanto nos diz a nós, conimbricenses, que não esquecemos a sua figura austera. Falo de Miguel Torga que em 1966 cantava no seu Diário X:

Tarde pintada

Por não sei que pintor.

Nunca vi tanta cor

Tão colorida!

Se é de morte ou de vida

Não é comigo!

Eu, simplesmente, digo

Que há fantasia

Neste dia,

Que o mundo me parece

Vestido por ciganas adivinhas,

E que gosto de o ver, e me apetece

Ter folhas como as vinhas.

 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Setembro de 2024 

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quinta-feira, 19 de setembro de 2024

PATRIMÓNIO ESCONDIDO: Paço de Tentúgal

 


Em Tentúgal, quando circulamos na estrada para a Figueira da Foz, se virarmos à esquerda nos semáforos podemos ver, por trás das edificações existentes, um conjunto arquitectónico evidentemente antigo em acentuado estado de degradação. Trata-se do Paço do Infante Dom Pedro, também conhecido por Quinta do Paço ou Paço dos Duques do Cadaval.

Para conhecer algo sobre este conjunto arquitectónico socorro-me das informações do Sistema de Informação para o Património Arquitetónico da Direcção Geral do Património Cultural. Ficamos assim a saber que a informação mais antiga sobre este Paço é de Outubro de 1413 quando o Rei D. João I doou ao Infante Dom Pedro, ainda muito jovem, o lugar, paços e reguengo de Tentúgal. Dois anos depois, no regresso da tomada de Ceuta, Dom Pedro é nomeado Duque de Coimbra e, em 1417, o Duque de Coimbra mandou construir a capela de S. Miguel no seu Paço.

Dom Pedro de Avis e Lencastre foi Regente da Coroa de Portugal durante a infância de D. Afonso V, Duque de Coimbra, Senhor de Montemor e de Buarcos, de Aveiro, Ílhavo, bem como Senhor de Tentúgal, de Mira, de Penela, Lousã e outras terras da Beira Litoral. Haveria de ser vítima de cilada por parte de D. Afonso V e de D. Afonso 1º Duque de Bragança seu meio-irmão, sendo cobardemente assassinado em Alfarrobeira em 20 de Maio de 1449.

É quase impossível não cair na tentação de ligar o actual destino do Paço ao do seu mais antigo proprietário já que a memória do Infante dom Pedro, o Príncipe das Sete Partidas, parece ter sofrido alguma maldição destinada a apagar o seu nome e o seu relevante papel na História do Portugal do início do sec. XV. Ao destruir a memória de Dom Pedro nunca um cronista oficial terá sido tão eficiente na limpeza de um nome grande como Gomes Eanes de Zurara que bem mereceria ser considerado o grande percursor das “fake news” do nosso tempo.


Em 1476 o Paço de Tentúgal seria objecto de uma troca entre o príncipe D. João, futuro Rei Dom João II o Príncipe Perfeito neto do Duque Dom Pedro, e D. Álvaro de Portugal, pai do 1º Conde de Tentúgal, D. Rodrigo de Melo. Assim terminava a ligação do Paço de Tentúgal com o antigo Regente do Reino. Em 1648 o Conde de Tentúgal D. Nuno Álvares Pereira de Melo, é nomeado 1º Duque de Cadaval, título concedido por D. João IV aí se iniciando a ligação do Paço à Casa de Cadaval, entrando em ruínas pouco depois por falta de utilização. Em 1834 o Paço foi incendiado pelos liberais dado que o então 6º Duque do Cadaval pertencia à facção absolutista. Continuando na posse da Casa de Cadaval, sofreu profundas alterações durante o sec. XIX e foi utilizado ainda durante boa parte do sec. XX, após o que entrou em estado de acentuada degradação, até hoje. Por volta do fim do sec. XX o Paço que inclui as edificações e terrenos com mais de 120 mil metros quadrados foi vendido a uma sociedade imobiliária, tendo desde então sido objecto de várias transacções.

Felizmente, devido à atenção e cuidado do CEMAR dirigido por Alfredo Pinheiro Marques o Paço foi declarado Monumento de Interesse Público por Portaria publicada no Diário da República em Junho de 2013.


Uma breve visita permitiu verificar que as edificações abrangem o palácio propriamente dito constituído por vários corpos, com aberturas de janelas ogivais e três grandes chaminés. A capela mandada construir pelo Duque Dom Pedro nunca foi reconstruída, resistindo as paredes de grande altura e o pórtico ogival. O celeiro para o milho construído há mais de 500 anos impressiona pelas suas dimensões, mas também pelas características da construção, havendo notícia de que o telhado ruiu já durante o sec. XX. Tem oitenta metros de comprimento, sendo constituído por três naves à maneira de uma grande igreja, com colunas lindíssimas ainda hoje erectas.

Todo o conjunto é impressionante, incluindo eira e os acessos ao longo dos terrenos, com uma vista extraordinária sobre os terrenos do Baixo Mondego. As edificações terão ainda elementos significativos das construções originais, pelo que a classificação como monumento de interesse público é de capital importância para uma futura e desejável recuperação e capacidade de utilização que lhes dê nova vida. Em suma, se o leitor ainda não conhece, desafio-o a passar por lá e aperceber-se de um património escondido e quase desconhecido que só posso classificar como fabuloso, aqui lhe deixando uma fotografia que tirei à distância.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em  16 de Setembro 2024

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Síndrome de Estocolmo na Alemanha?


 No fim da II Guerra Mundial a Conferência de Potsdam dividiu a Alemanha em quatro zonas de ocupação controladas pelos países vencedores: Estados Unidos, França, Reino Unido e União Soviética. Essa divisão foi alterada em 1949 quando as três zonas dos países ocidentais se uniram para formar a República Federal da Alemanha (RFA). Já a zona de ocupação soviética passou a ser a República Democrática Alemã (RDA). Enquanto a RFA integrou por completo, isto é, dos pontos de vista económico, social e político o mundo liberal ocidental, a RDA tornou-se o epítome do modelo comunista. As populações da RFA foram sujeitas a uma desnazificação profunda visando um futuro completamente democrático para os alemães. Já na RDA vigorou um sistema policial férreo com uma das polícias políticas mais eficazes e aterrorizantes que se conhecem, a STASI; diz-se mesmo que metade da população vigiava e denunciava regularmente a outra metade. Esta divisão vigorou até 1990 quando se verificou a reunificação alemã após a queda do Muro de Berlim em 1989 e subsequente implosão do império soviético. A população da RDA viveu naquele regime durante 44 anos que se seguiram aos 22 anos de regime nazi com Hitler no poder, incluindo os anos da II Grande Guerra.

Verifica-se hoje que a reunificação alemã consistiu fundamentalmente numa chuva de dinheiro sobre a zona da antiga RDA que conseguiu recuperar fisicamente o território que o regime comunista tinha degradado com as suas políticas económicas desastrosas, incluindo dos pontos de vista habitacional e ambiental. Mas é evidente que algo ficou por fazer: a recuperação social da população abrangida que ainda hoje se sente inferiorizada face à sua congénere da antiga RFA.

Mas outro aspecto social mais profundo parece hoje ressaltar depois de tantos anos de repressão violenta e confinamento político. Como se sabe, as vítimas de sequestro desenvolvem, por vezes, sentimentos positivos de compreensão ou mesmo de empatia e cumplicidade em relação aos seus raptores. É a chamada Síndrome de Estocolmo. Serviria uma situação deste tipo para explicar em boa parte o que se está a passar com as eleições regionais alemãs nos estados que integravam a antiga RDA em que, pela primeira vez na Alemanha desde o fim da II Guerra Mundial, se verificou a vitória de um partido declaradamente de extrema-direita, com liderança mesmo fascista. Na Turíngia a AFD (Alternativa para a Alemanha) venceu as eleições estaduais com 32,8% dos votos, tendo ficado em segundo lugar, atrás da CDU, na Saxónia com 30,6%. Nestas eleições foram chamados a votar cinco milhões de alemães pelo que não são uns resultados a desprezar, longe disso. Acresce que já no próximo dia 22 haverá eleições semelhantes no estado de Brandenburgo, com as sondagens a colocar a AFD à frente num estado governado há 11 anos por um líder do SPD que, a perder, colocará o governo federal de Olaf Scholz em apuros. O líder da AFD na Turíngia é Björn Höcke que já foi condenado por usar slogans nazis e defende que a Alemanha devia deixar de pedir desculpa pelos crimes do nazismo.

Há na AFD quem defenda a realização de um referendo sobre a saída da Alemanha da União Europeia, o que poderá fazer se chegar ao poder. Como se percebe, isso ditaria o fim da União Europeia, o que deixaria alguém muito satisfeito. Falo de Putin e dos países que com ele defendem uma nova ordem internacional que constituiria um retrocesso civilizacional evidente com o abandono de todas as regras de convivência que têm sido arduamente conquistadas desde o fim da II Guerra Mundial. Sabe-se que, entre os quadros da AFD, se incluem antigos membros da STASI, o que vem mais uma vez provar nos extremos políticos as proximidades sobre desejo de exercício de poder absoluto são muito mais fortes do que as diferenças ideológicas.


Nada do que acontece num determinado momento é independente do passado, antes sendo resultado de movimentos sociais muitas vezes imperceptíveis à maioria. No fim da II Guerra Mundial o Gen. Dwight D. Eisenhower, Comandante Chefe das Forças Armadas Aliadas, chamou todos os jornalistas para fotografar e filmar no sítio os horrores dos campos de concentração nazis, argumentando que o fazia para criar testemunhos porque sabia que, mais cedo ou mais tarde, alguém viria a negar tudo o que ali se tinha passado. Tal como obrigou os alemães moradores da zona a verem com os seus próprios olhos as barbaridades que o seu país tinha cometido.

Nós, europeus do início desde sec. XXI, temos de ter consciência do que nos trouxe até aqui, do valor da paz e dos desenvolvimentos civilizacionais de que temos beneficiado. E evitar que extremistas ponham tudo isso em causa, a bem dos nossos filhos e dos nossos netos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Setembro de 2024

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LIBERDADE DE INFORMAÇÃO

 


A simples passagem do tempo leva que cada vez vão sendo menos os portugueses que sabem, por experiência vivida, o que significam a falta de liberdade de expressão e de informação. A ditadura já lá vai há cinquenta anos e a Constituição da República Portuguesa garante essas liberdades nos seus artigos 37º e 38º.

Quando os regimes ditatoriais duram muito tempo, os cidadãos acabam frequentemente por interiorizar as limitações à sua liberdade, parecendo até que a actividade dos censores já não é necessária. Olhando para trás isso parece evidente, quer em ditaduras de direita como era o nosso caso, quer nas de esquerda como acontecia nos países da Europa de Leste, de que a RDA e a Roménia serão exemplos claros. Claro que, ao abrir-se uma janela, a liberdade entra por ali dentro e os cidadãos, ao respirar ar limpo, rapidamente se habituam à nova situação e quase esquecem a anterior, como se fosse apenas um sonho mau. Nada que impeça alguns de tentarem de novo “proteger” o povo de “más influências. Relembro que em 1975 quando os portugueses ainda estavam a aprender a viver em liberdade, um membro de um governo provisório tentou abafar a liberdade de informação. Era Comandante da Marinha e sujeitou-se a um artigo demolidor de Artur Portela Filho com o título “À abordagem” tendo metido a viola no saco, nunca mais se tendo ouvido falar de tal coisa.

É por isso que se estranha e dificilmente se admite que, precisamente nos 50 anos do 25 de Abril, tenha sido possível assistir à recente intervenção da ERC (Entidade Reguladora da Comunicação Social) emitindo uma deliberação contra o jornalista da RTP José Rodrigues dos Santos a propósito da sua entrevista à cabeça de lista do PS nas recentes eleições para o Parlamento Europeu. Em primeiro lugar, mal se percebe que, em plena Democracia estabilizada, exista uma tal instituição que, lembra-se, é uma herança da tenebrosa governação de José Sócrates, também no que respeita ao condicionamento político da comunicação social. Em segundo lugar, todos nós estamos habituados a assistir a entrevistas nas televisões mais variadas de países democráticos em que os entrevistados têm de se defender a sério de perguntas difíceis. Parece que em Portugal se continua com a mentalidade do “respeitinho” pelo poder. Isto não tem nada a ver com qual a personalidade em causa, muito menos qual o partido a que pertence. E ver uma entidade como a ERC emitir uma deliberação condenatória de um jornalista para a seguir se ver obrigada a alterá-la porque colocou na boca do jornalista palavras que ele não disse só pode ser vexatório para quem tem nas suas atribuições “assegurar o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos no espaço mediático, zelar pela independência dos meios de comunicação social perante o poder político e económico, e garantir a diversidade de opiniões”.

Uma democracia adulta não precisa de uma entidade como a ERC para defender liberdade de opinião e independência dos meios de comunicação social. Até porque a nomeação dos seus membros é política por depender dos partidos na AR e do Governo. Para tudo isso existem os tribunais e os diversos crimes que podem estar em causa estão todos contemplados na Lei. Quando as pessoas se acham vítimas de insulto ou de injúria têm perfeita liberdade para corrigir a situação junto da Justiça.

Assiste-se com frequência, parece mesmo ser uma regra, defender automaticamente os políticos do partido da sua preferência e denegrir todos os outros. Trata-se de uma armadilha que, mais tarde ou mais cedo, se volta contra quem assim procede. Acima de tudo, devemos ter consciência de que as garantias constitucionais e o seu exercício cívico estão acima das querelas partidárias, devendo-se ter sempre respeito pela liberdade de informação, condição essencial para a existência de Democracia. E não esqueçamos que acusar os transmissores das más notícias pelos seus próprios desaires é algo que já desde os tempos dos romanos se sabe dar mau resultado.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Setembro 2024

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terça-feira, 27 de agosto de 2024

PALESTINA: A GUERRA SEM FIM

 


Em Agosto de 1929 os muçulmanos atacaram o bairro judeu de Jerusalém, mutilando e matando os judeus que encontraram. Foi o início de massacres que duraram vários dias e se estenderam a cidades vizinhas, tendo-se praticado atrocidades horrorosas, incluindo decapitação de crianças. No fim, contaram-se algumas centenas de mortos, judeus e árabes. Por respeito aos leitores dispenso-me de descrever os horrores praticados pelos muçulmanos, de acordo com relatórios feitos na altura.

Em 7 de Outubro de 2023, quase cem anos depois destes acontecimentos, palestinianos pertencentes ao grupo terrorista Hamas saíram da faixa de Gaza e atacaram civis israelitas que estavam nas suas casas e a participar num festival de música. O ataque saldou-se por mais de mil mortos, muitos deles com os mesmos requintes de sadismo de há cem anos e ainda pelo rapto de quase 200 pessoas levadas à força para Gaza.

Há algumas diferenças relativamente aos factos de 1929. Em primeiro lugar, o de 2023 foi longamente planeado e preparado, ao contrário do de há cem anos. Em segundo lugar, o ataque mais recente foi testemunhado praticamente em directo pelo mundo inteiro através dos actuais meios de comunicação. Em terceiro lugar, foram feitos reféns. Em quarto lugar, há cem anos ainda não havia Estado de Israel, sendo o território um protectorado britânico, na sequência da I Grande Guerra e do fim do Império Otomano que antes dominava a zona.

De notar que naquela terra os judeus, até meados do sec. XIX, estavam sob um regime introduzido no sec. VIII chamado “dhimma” segundo o qual eram seres inferiores e só poderiam viver e praticar o culto se aceitassem esse estatuto. A terra chamava-se “Palestinae” desde que o Imperador Adriano riscou a anterior designação “Judeia” na sequência da última revolta judaica violentamente reprimida. A título de curiosidade o nome “Palestina” é da autoria de Heródoto que assim designava os povos que, vindo de barco da Egeia, se instalaram nas costas. Na altura, até Jerusalém viu o seu nome alterado para “Aelia Capitolina” e os judeus foram proibidos de lá habitar. Como se vê, a existência de judeus naquelas terras é de séculos, nunca tendo sido interrompida apesar de tudo o que, entretanto, se passou.

Desta vez Israel decidiu reagir ao ataque de 2023, com o objectivo declarado de destruir o movimento Hamas, para além de recuperar os reféns levados para Gaza. Essa reacção, que se traduziu num ataque do exército israelita à faixa de Gaza mantém-se ainda em actividade. A acção militar provocou a deslocação de centenas de milhares de habitantes da Faixa que vivem em condições desumanas em campos de refugiados, vendo as suas habitações e cidades serem sistematicamente destruídas pelo exército israelita.

Para além de terroristas do Hamas, há milhares de mortos civis, embora esteja por fazer a contabilidade correcta, dado que os elementos existentes são os dados fornecidos por um dos lados, no caso o Hamas. E não esqueço a eficácia da propaganda palestiniana desde que há uns anos fiquei muito impressionado com uma fotografia de um pai sentado desesperado num passeio com uma criança morta nos braços. Sucede que, poucos dias depois, apareceu um vídeo em que se vê pai e filho irem calmamente embora depois da montagem para a fotografia. E não devo estar sozinho ao detestar ser vítima de propaganda mentirosa, principalmente quendo mexe com os sentimentos.


Israel responde sempre que é atacado, o que não pode deixar de fazer para defender a sua própria existência, reconhecida internacionalmente desde 1948. Pessoalmente recordo as Guerras dos Seis Dias e do Yom Kippur, para além dos outros inúmeros conflitos. Razão por que suspeito que o fim do Hamas ao realizar o ataque de 7 de Outubro era mesmo esse: provocar a reacção. E Israel desta vez excedeu-se claramente não conseguindo atingir os objectivos para além da destruição: o Hamas ainda existe, os palestinianos nunca esquecerão o sucedido e ainda há mais de cem reféns nas mãos do Hamas.

O conflito está agora a passar para um patamar internacional. O Irão, que está por detrás do Hamas, aliou-se à Rússia de Putin e o primeiro-Ministro israelita é um claro aliado de Trump. Sabendo-se do interesse de Putin na eleição de Trump, o destino do mundo está nas mãos dos eleitores americanos.

Nota: os elementos históricos foram recolhidos na obra “As origens do Conflito Isaraelo-Árabe” da autoria de Georges Bensoussan, editado em 2024 pela Guerra e Paz

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Agosto 2024

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A MORTE, COMO SIGNIFICADO DE VIDA

 


Morreu um Amigo. A morte de alguém que nos era querido de alguma forma deixa sempre um espaço vazio dentro de nós. Não haverá mais aquelas conversas ou discussões que nos puxavam pelo que temos de melhor. Dele guardamos aquelas memórias que, de forma quase mágica, ocupam um espaço no nosso interior, espaço em que não podemos tocar, mas que está lá. No caso deste Amigo cuja morte suscitou as linhas desta crónica, há felizmente a possibilidade de revisitar as suas ideias, reflexões e valiosos ensinamentos nas crónicas que nos foi proporcionando ao longo dos anos. Ensinamentos que acrescentaram aos que o Eng. Celestino Quaresma me proporcionou e a muitos colegas nas suas aulas excelentes de Resistência dos Materiais no curso de Engenharia Civil. Sei que não estou sozinho, muito longe disso, ao recordar e homenagear intimamente o antigo professor e amigo e colega de dezenas de anos. Por tudo o que nos deu, obrigado, Eng. Quaresma.

Escrevo “morreu” porque quero dizer isso mesmo: morreu. Atualmente lê-se quase sempre que “passou para o além”, “partiu” ou, diz-se de forma talvez mais poética e fofinha, que “nasceu mais uma estrela”. Tentando, com alguma ingenuidade ou incapacidade de aceitar a realidade, esconder algo que, mais cedo o mais tarde, nos sucederá a todos. A nossa sociedade sofisticada pretende, de forma artificializada, eliminar a morte dos nossos olhos, havendo mesmo quem defenda que as crianças devem ser afastadas desses acontecimentos para não ficarem perturbadas. Acontece que a morte é a última consequência do que que acontece no início da vida de um novo ser que, com sorte, nascerá, crescerá, terá a sua vida própria e dará origem a novos seres semelhantes, mas sempre diferentes, que assegurarão a continuidade da espécie. A morte é de tal forma importante nas nossas vidas que levou desde muito cedo desde as mais antigas civilizações humanas a pensar no que se lhe seguirá, originando as crenças religiosas na vida para além dela. Felizes são aqueles que, tendo Fé, acreditam numa nova vida para além da morte física.

Quando atingimos uma determinada idade, os nossos pais e restante família da sua geração já morreu, ficando nós na linha da frente para que tal também nos aconteça, dentro da normalidade da substituição das gerações. Trata-se de um período em que, normalmente, passamos a assistir com demasiada frequência à morte de colegas e velhos amigos de infância, o que nos leva obrigatoriamente a pensar na nossa vida e sobre o que nos espera num período que será já de certeza muito mais curto do que os anos que já levamos.


A certa altura da vida entra-se num período mais descansado, com uma passagem do tempo mais fluida, mas em que, curiosamente, os dias, as semanas e os meses se sucedem a um ritmo cada vez mais vertiginoso. O oposto exacto do que sucedia na nossa juventude em que o tempo parecia passar lentamente, tendo nós pela frente todo o tempo do mundo. E é olhando para os filhos e netos que uma compreensão mais completa e perfeita da vida nos faz entender com propriedade o que verdadeiramente importa. E, claramente, não são os bens materiais que de alguma maneira nos rodeiam sempre ao fim de tantos anos, mas aquilo que tivermos sido capazes de transmitir, em particular os valores, tal como algum amor que tivermos dado aos mais próximos, em cada momento. Se tivermos sido capazes de o fazer, esse será o melhor legado que deixaremos aos que ficam: uma memória de felicidade que não nos deixará no esquecimento.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em  19 de Agosto de 2024

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segunda-feira, 12 de agosto de 2024

SERÁ APENAS NO REINO UNIDO?


Em 4 de Junho de 1940 o primeiro-ministro britânico Winston Churchill pronunciou um discurso de que cito uma parte: “We shall fight on the beaches, we shall fight on the landing grounds, we shall fight in the fields and in the streets, we shall fight in the hills; we shall never surrender”. A parte que ficou mais famosa foi mesmo: “Nunca nos renderemos”.

E os britânicos daquele tempo não se renderam mesmo. Recordo o que se passava na Europa na altura do discurso: Em 1 de Setembro de 1939 as tropas de Hitler invadiram a Polónia após o que O Reino Unido e a França declararam guerra à Alemanha. Em 10 de Maio de 1940 a Alemanha iniciou a sua conquista a Ocidente, conquistando sucessivamente a Bélgica, os Países Baixos e o Luxemburgo. Nesta “guerra relâmpago” seguiu-se a França que se rendeu em 25 de Junho. As tropas francesas e britânicas foram cercadas nas praias de Dunquerque, tendo os britânicos montado uma impressionante operação de salvamento que pode ser vista no filme que leva o mesmo nome que permitiu, para grande ira de Hitler, a evacuação para a Grã-Bretanha de mais de 300.000 soldados.

Foi no contexto do êxito desta operação que Churchill fez aquele célebre discurso. A partir daquele momento o Reino Unido agigantou-se na História ao ficar completamente sozinho frente à besta nazi. Recordo que a Alemanha e a União Soviética tinham assinado em Agosto de 1939 um pacto de não-agressão, o famoso Pacto Molotov-Ribbentrop pelo qual a Polónia foi dividida pelos dois estados, o qual só seria rasgado em Junho de 1941 com a invasão alemã da União Soviética.

O Reino Unido esteve mesmo sozinho perante a barbárie que ameaçava formar o Reich de mil anos em toda a Europa. Nunca agradeceremos demais o heróico esforço britânico desse tempo. Claro que a liderança foi muito importante, mas a coragem e a determinação então evidenciadas pelo povo britânico foram impressionantes.

É por isso que se torna difícil de compreender o que se tem passado nas ruas de numerosas cidades do Reino Unido. Milhares de pessoas com comportamentos verdadeiramente bárbaros manifestaram-se contra a presença de imigrantes, nomeadamente de religião muçulmana. A causa imediata apresentada foi o assassínio de três meninas por um rapaz de 17 anos imediatamente apresentado como um refugiado muçulmano recém-chegado ao país. O que, além do mais era mentira, já que nasceu no Reino Unido, sendo filho de imigrantes legais. Impressionante foi ainda ver, no meio dos tumultos, numerosas pessoas a fazer a saudação nazi. No Reino Unido o que, além do mais, é um insulto e desconsideração pela geração britânica dos anos 40 do sec. passado que deu tudo pela Liberdade, parte dela ainda viva.

As manifestações são claramente racistas, mas são a parte visível do iceberg que é um intenso mal-estar social no Reino Unido que vai muito para além da questão da imigração e dos problemas raciais e de integração social. O primeiro sinal terá sido o Brexit que em 2016 deixou muita gente perplexa, incluindo o autor destas linhas. O disparate dessa decisão era tão evidente que só um povo a passar por graves problemas seguiria um populista como Nigel Farage, claramente ao serviço de obscuros interesses anti-europeus e anti-britânicos como é hoje claramente visível.


Trata-se também de uma consequência de fracas lideranças que deixaram o país sem rumo e a população à mercê dos populismos mais descarados e da propagação de notícias falsas pelos meios cibernéticos, mas também pela comunicação social tradicional. Pelo menos desde Tony Blair que o Reino Unido tem escolhido lideranças políticas pouco lúcidas e mesmo patéticas, bastando lembrar os casos de Boris Johnson ou Liz Truss.

Infelizmente esta situação não é exclusiva do Reino Unido já que é notória a incapacidade governativa de muitos líderes europeus, que estão mais interessados nas suas próprias carreiras pessoais e em manter permanentemente bons graus de satisfação imediata em vez de resolver os problemas estruturais. Nos anos 60 e 70 do sec. passado a Europa passou por uma crise política séria que deu origem ao desenvolvimento de organizações terroristas, naquela altura esquerdistas, que foi muito difícil ultrapassar, por vezes pondo mesmo de lado os métodos democráticos. Seria bom que os líderes actuais olhassem para o que se está a passar, evitando o desenvolvimento de uma situação semelhante, agora vinda da extrema-direita.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 12 de Agosto de 2024 

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