segunda-feira, 25 de setembro de 2017

“Quer um bom concelho?”



A Comissão Nacional de Eleições adoptou para as eleições autárquicas do próximo Domingo um slogan apelativo, seguindo o caminho dos trocadilhos com graça que ouvidos têm um significado e lidos outro completamente diferente mas relacionado directamente com aquilo que está em causa nestas eleições.
“Um bom concelho” resume de forma simples, mas com alguma felicidade, o conjunto de palavras de ordem e slogans utilizados pelas diversas forças concorrentes que, no caso de Coimbra, atinge o número recorde de sete candidaturas à Câmara Municipal.
Seguindo a tendência recente em Portugal, também para estas eleições surge uma lista de chamados “independentes”, aproveitando uma onda populista contra os partidos políticos existentes e, como quase sempre acontece, protagonizada por políticos que o são sem querem parecer que o são. Na realidade, em autárquicas, quem está em causa são as pessoas e não tanto os partidos ou a ideologia. Sucede mesmo que os presidentes de câmara depois de eleitos não são correias de transmissão dos partidos que eventualmente os apoiaram, antes se constituindo na única fonte real de poder nos respectivos municípios, pelo que a diferença prática para os ditos “independentes” é, na realidade, muito diminuta.

Coimbra tem vindo a conhecer uma fase de declínio, por razões externas, mas também por causas internas que são da consequência da inacção dos responsáveis da Cidade. Não é apenas a questão demográfica que é grave, mas também a diminuição de actividade económica que implica a saída sistemática de jovens com formação superior e capacidades profissionais elevadas para fora de Coimbra, situação que eu conheço bem demais. A degradação geral tem no centro urbano antigo o sinal mais evidente da falta de capacidade que tem existido para encontrar soluções que permitam dar a volta e recolocar Coimbra no lugar que já foi o seu no contexto das cidades portuguesas. Quando se pára fica-se para trás e isso é evidente quando nos comparamos com outras cidades na nossa região, como Viseu, Aveiro ou Leiria. E isso tem que acabar.
Gostar da nossa cidade não é fechar os olhos à realidade e imaginar que é algo de diferente do que todos vemos, porque está bem à vista para que tem os olhos abertos. As cidades competem hoje umas com as outras, mais mesmo do que os países entre si, principalmente estando integrados numa comunidade como é a União Europeia. Para terem sucesso têm que ter estratégias de captação de investimento económico, que permita emprego de qualidade e em quantidade. É preciso ter estruturas com esse objectivo que vão ter com os investidores lá onde eles estão, ter ambição e vontade de vencer, ter atitude e não ficar à espera que eventualmente venham bater à porta para lhes apresentar regulamentos administrativos, ainda que muito bem elaborados.
Gostar da nossa cidade não é propor impossibilidades reais como transformar um aeródromo municipal situado no cimo de um monte, que tem uma pista com 920m de comprimento, num aeroporto internacional com uma pista com 1.800 m e pretender que quem chama os conimbricenses à razão o faz porque não sonha e não ama Coimbra. Gostar da nossa cidade é, neste caso, não insultar a inteligência dos conimbricenses e não fazer da cidade alvo da chacota nacional.
Gostar da nossa cidade é assumir o papel liderante que Coimbra pode ter na nossa Região e propor às cidades vizinhas estratégias comuns que possam diminuir o estrangulamento imposto pelo crescimento terceiro-mundista das grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.
Gostar da nossa cidade é fazer tudo para que a sua afirmação cultural, honrando a herança que a classificação como património Mundial Mundial, seja uma realidade e projecte Coimbra a nível europeu, designadamente através de uma candidatura credível e profissional a Capital Europeia da Cultura 2027.

Gostar da nossa cidade é lutar eficazmente contra a pobreza extrema e degradação física e moral visível nas nossas ruas, fazendo de Coimbra um exemplo nacional nessa matéria.
Nas eleições do próximo Domingo, todos os candidatos à presidência da Câmara são pessoas respeitáveis e dignas da nossa consideração. Mas, na realidade, as sondagens e estudos de opinião indicam que só há dois candidatos com real capacidade eleitoral de serem eleitos, que são Manuel Machado e Jaime Ramos. Para quem não aprecia favoravelmente a governação autárquica dos últimos quatro anos de Manuel Machado, a única alternativa eficaz é, pois, a candidatura protagonizada por Jaime Ramos, independentemente da contribuição que todos possam vir a dar na próxima governação autárquica.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Um ministro perdido no seu labirinto



E, ao fim de dois meses e meio, o ministro da Defesa resolveu falar...para dizer que não sabe nada sobre o assalto de armas em Tancos. Chegou ao ponto de afirmar, e não dá gosto nenhum transcrever um ministro de Portugal neste desnorte, que “no limite, pode não ter havido furto nenhum. Como não temos prova visual nem testemunhal, nem confissão, por absurdo podemos admitir que o material já não existisse”.
Recordando o que nos chegou pelas notícias que foram sendo dadas, em 29 de Junho soubemos que tinha havido um assalto a um paiol de armamento na Base de Tancos. Nesse mesmo dia o porta-voz do Exército Tenente Coronel Vicente Pereira explicou como se tinham apercebido da situação, tendo a primeira indicação no sentido do roubo sido dada pela existência de um buraco na vedação detectado pela patrulha. Em 1 de Julho o chefe do Estado-Maior do Exército anunciou a demissão de cinco comandantes de alguma forma ligados ao furto de material de guerra em Tancos, “para evitar interferências nas investigações”.

O assalto tinha tanta gravidade que, no dia 4 de Julho, o próprio Presidente da República foi a Tancos, levando consigo o ministro da Defesa Nacional que até aí ainda não tinha sentido necessidade de aí se deslocar, para se inteirar no próprio local das circunstâncias da ocorrência. Após a vistoria às instalações que todos os portugueses tiveram oportunidade de acompanhar em directo pela televisão, pelo menos na parte não reservada, o Presidente da República reuniu com o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, com o Chefe do Estado Maior do Exército, com o ministro da Defesa Nacional e com o seu secretário de Estado. O roubo de Tancos tinha provocado a realização de uma reunião ao mais alto nível da defesa nacional, já que o próprio Presidente da República é, por inerência constitucional, o Comandante Supremo das Forças Armadas. Maior relevância não podia ter, e todo o país assim o entendeu.
Entretanto, nesse dia, os jornais davam já informação do material roubado, que incluía, não sendo a lista completa, mais de 50 quilos de explosivos, 22 bobines de fio de metal para bombas, 44 lança-rockets anticarro, mais de 100 granadas de mão ofensivas e 1.450 munições de calibre 9 mm.
Tudo isto se passava enquanto o primeiro-Ministro estava em férias no estrangeiro, que não interrompeu, sendo com toda a normalidade substituído pelo Ministro Santos Silva que sublinhava publicamente a importância da intervenção do Presidente da República.
Os partidos apoiantes do Governo iam assobiando para o lado ou mesmo corrigindo o tiro, com o BE e o PCP a exigirem investigação antes de consequências políticas e com Jerónimo de Sousa a garantir que “o que falhou em Pedrógão e em Tancos foi política de Direita e não o Estado”, pasme-se.
No Exército as repercussões das atitudes da chefia provocaram graves convulsões, de que a ponta do iceberg foi a demissão de dois oficiais generais, de entre os quais o tenente-general Antunes Calçada que aqui em Coimbra conhecemos bem por ter comandado brilhantemente a Brigada de Intervenção aqui sedeada.
O regresso do primeiro-Ministro às suas funções coincidiu com um profissional e bem visível desmontar da importância do problema, para o que foram convocadas as chefias militares que obedientemente se prestaram ao serviço. Foi assim que o CEMGFA logo a 11 de Julho reconheceu que o assalto de Tancos “representou um soco no estômago”, mas adiantando logo que o valor do material roubado seria apenas de 34 mil euros e que algum dele até estaria para abate. Cinco dias depois, o Chefe do Estado-Maior do Exército reintegrou os cinco comandantes que tinha exonerado “temporariamente”, embora o ministro da Defesa ainda fosse dizendo que essa reintegração não significava que não pudessem vir a ser responsabilizados nas investigações em curso.
Visivelmente, a “coisa” estava a compor-se e os estragos políticos a diminuírem a cada dia que passava. O CEMGFA recuperava a auto-confiança e já afirmava que "depois de um soco no estômago, os chefes militares levantaram a cabeça”.
De descida em descida da importância do assunto, chegou-se agora ao grau zero de desresponsabilização dos intervenientes, com uma entrevista do ministro da Defesa, em jornal e em rádio. O ministro, claramente perdido num labirinto demasiado complexo para ele, fala agora em “material que se diz roubado” e mesmo em “hipotéticos ladrões”. Aplicando uma técnica de dúvida metódica ao roubo de Tancos, o ministro coloca tudo em causa, apetecendo mesmo perguntar se ele será efectivamente ministro da Defesa, ou apenas assinou uma tomada de posse de exercício de uma pantomima ligada à tropa, conclusão aliás fácil de tomar quando se vê a sua pose ao passar revista a militares.

Das duas, uma: ou tudo o que se passou a seguir a 29 de Junho foi teatro e aí alguém vai ter que responder ao representante máximo do povo português que é o Presidente da República pela vergonha de tudo o que o fez passar e dizer sem motivo, ou então o Governo e o ministro da Defesa em particular, não têm capacidade para apresentar relatórios sobre um simples assalto em quase três meses.
Cada uma das situações é pior do que a outra, denunciando ambas falta de respeito pela dignidade das Forças Armadas e do que significam para o país, ainda por cima arrastando nessa atitude os chefes máximos militares.

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

O caso do aeroporto internacional de Coimbra



 Estas eleições autárquicas ficam desde já marcadas pela promessa de transformar o Aeródromo Municipal Bissaya Barreto em aeroporto internacional. Tendo em consideração as responsabilidades de quem a fez, o actual Presidente da Câmara que se recandidata, trata-se, obviamente, de uma questão a merecer análise, sob diversos pontos de vista.
Que faz sentido haver um equipamento deste tipo na Região Centro, não parece haver grandes dúvidas, pela distância aos aeroportos internacionais existentes e pela população presente na zona, para além do seu elevado interesse turístico.
A distância entre Lisboa e Porto, cidades onde se situam os dois aeroportos internacionais mais próximos é de 300 quilómetros. Em Lisboa, o aeroporto Humberto Delgado situa-se a Norte da cidade, embora praticamente no seu interior, o que significa que, quem vai do Centro, não tem que atravessar a cidade para o alcançar, muito menos passar o rio Tejo. Contudo, mais cedo ou mais tarde haverá um segundo aeroporto em Lisboa que, se fosse na Ota como previsto durante alguns anos, o aproximaria algumas dezenas de quilómetros da região Centro. Já a localização actualmente prevista, na margem Sul do Tejo, afastará irremediavelmente essa infra-estrutura de quem vive no centro do país. O aeroporto Sá Carneiro está localizado cerca de 20 quilómetros a Norte do Porto.
A sua acessibilidade é, no entanto, muito fácil indo de Coimbra, sendo a deslocação de cerca de 120 quilómetros rápida e económica usando o comboio até Campanhã e o metro até ao interior do aeroporto.

O aeroporto Sá Carneiro apresenta uma proximidade, relativamente a Coimbra, que não foge muito a aeroportos que servem muitas cidades pela Europa, ao contrário do aeroporto Humberto Delgado que está, à luz desse critério, algo afastado, o que só piorará caso seja deslocalizado para a margem esquerda do Tejo. Se considerarmos a distância entre os dois aeroportos referidos, uma alternativa intermédia, a ser necessária, deveria situar-se no triângulo Figueira da Foz, Coimbra. Leiria, o que sugere a hipótese da utilização civil da Base Aérea de Monte Real como a mais viável, pela localização e baixos custos da alteração para utilização comum, à semelhança do que sucede na Base das Lages, na Ilha açoriana da Terceira.
A procura de um aeroporto internacional tem a ver com a população residente na sua área de influência e, embora hoje menos devido às companhias low-cost, com o rendimento gerado na mesma área. A Área Metropolitana do Porto tem mais de um milhão e setecentos mil habitantes, enquanto a de Lisboa tem mais de dois milhões e oitocentos mil habitantes, que comparam com a população da região Centro, de dois milhões e duzentos e cinquenta mil habitantes.
O Aeródromo Municipal Bissaya Barreto foi construído no cimo de um monte, apresentando, pois, semelhanças com um porta-aviões terrestre, com o vazio nas duas extremidades da sua pista que, na sua parte pavimentada, tem uma extensão de 920 metros que poderá ser aumentada para cerca de 1.200 metros utilizando toda a extensão até aos limites das duas extremidades.
Colocando de parte a hipótese do prolongamento da pista através da construção de laje sobre estacaria como foi feito no Funchal pela óbvia inviabilidade financeira, aquela será a extensão máxima da pista, não permitindo qualquer falha nas operações de aterragem ou de levantar voo. Fica assim impossibilitada a sua utilização por aviões comerciais médios, designadamente os utilizados pelas companhias low-cost, que necessitam de uma extensão dupla daquela. Acresce que um aeroporto internacional não se resume às pistas, sendo necessária a instalação de táxi-ways, edifícios e equipamentos para os quais o aeródromo Bissaya Barreto manifestamente não possui área suficiente. Observar um avião C-295 da FA a aterrar neste aeródromo e daí concluir da possibilidade da sua utilização por aviões comerciais de médio porte não parece fazer sentido, porque aquele avião militar necessita apenas de 700 metros para aterrar.
De facto, é reconhecido que o Aeródromo Municipal Bissaya Barreto necessita de ser dotado com novas estruturas e equipamentos que lhe permitam uma utilização mais frequente e diferenciada e essas obras são mesmo pedidas há bastantes anos, nomeadamente pelo Aero-Clube de Coimbra. Contudo, isso é muito diferente de pretender transformá-lo em aeroporto comercial internacional, para o que não dispõe de condições físicas, mais parecendo essa ideia com pretender “meter o Rossio na Betesga”. E afirmar isto não é menorizar Coimbra e muito menos pertencer a um clube dos que não querem o melhor para Coimbra. É precisamente por se querer mais e o melhor para Coimbra que não se podem iniciar mais processos de saída complicada ou mesmo sem ela e que se vêm a prolongar no tempo sem solução e com custos desnecessários: Coimbra já tem demasiadas destas situações e passa bem sem mais uma.
Se governar é a arte do possível, a política é a arte de sonhar? Sim, desde que o sonho não se venha a tornar numa frustração permanente ou mesmo em pesadelo, como no caso do aeroporto de Beja onde se enterraram 30 milhões de euros para nada.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Neo Lysenkoismo

A destruição da produção agrícola que se seguiu à revolução russa de há cem anos levou a que os novos dirigentes soviéticos tentassem encontrar soluções que rapidamente resolvessem os problemas da fome que surgiam num país que, até então, tinha sido um produtor gigantesco de cereais.
Num regime com uma ideologia que, supostamente, iria resolver todos os problemas que a humanidade tinha sentido ao longo da sua História, em particular após a primeira revolução industrial, acreditou-se que os princípios fundamentais do marxismo se aplicariam também aos métodos científicos da agricultura e a toda a biologia.
Foi assim que um técnico agrário conseguiu influenciar e mesmo dominar toda a ciência, em particular a Biologia, na União Soviética durante a primeira metade do século XX com consequências desastrosas sobre a ciência, mas sobretudo pela fome e desgraça que levou a milhões de pessoas nos campos do país.
Trofim Denisovicht Lysenko desenvolveu as suas doutrinas pseudo-científicas contra toda a investigação científica de muitos anos, tendo-se conseguido impor através da intrusão da política e da ideologia na área que deveria estar reservada aos cientistas no seu trabalho livre e independente. Prometendo ao poder soviético grandes colheitas de cereais na sequência das fomes dos anos 30, Lysenko distorceu todo o conhecimento científico que já existia na altura em nome dos princípios da teoria marxista e de um discurso politicamente correcto. Negou toda a genética mendeliana e a teoria da evolução de Darwin, descartando o papel dos cromossomas e dos genes como estando na base da hereditariedade, contrapondo-lhe o disparate científico dos “caracteres adquiridos” já que, segundo ele, o espírito da teoria marxista exigia uma teoria de formação das espécies por saltos e não pelo gradualismo da evolução de Darwin. Quem não concordasse era reacionário, com as consequências inerentes.
Para Lysenko, todos os organismos tinham a capacidade, em função do meio ambiente, de se poderem modificar, com a vantagem de transmitir essas mudanças à sua descendência. Esta afirmação era música para os ouvidos dos comunistas, na altura liderados por Stalin, apostados na construção de um “homem novo” e para quem o homem seria largamente o produto da sua própria vontade. Para os soviéticos a ciência devia servir a ideologia política, pelo que Lysenko encontrou o terreno ideal para dar largas à difusão das suas teses, colocando toda a comunidade científica a seus pés. O que era mentira passou, através do poder político, a ser a verdade obrigatoriamente aceite.

O Comité Central do Partido Comunista ofereceu-lhe todos os meios para se afirmar contra a verdadeira ciência o que, num regime ditatorial significou a perseguição de todos os cientistas que se atreceram a manifestar a mínima discordância, como sucedeu com Vavilov que era um cientista reconhecido mundialmente e que foi afastado, enviado para um campo de concentração e logo depois eliminado. Ao mesmo tempo, Lysenko era eleito para a Academia das Ciências da URSS e para presidente da Academia Lenine das Ciências Agrárias, só tendo perdido o seu ascendente já em meados dos anos 60.
Nos nossos dias começa a falar-se apenas de géneros, ultrapassando-se tudo o que a ciência ensina acerca da genética e mesmo da biologia celular, sendo politicamente incorrecto falar de sexo masculino e de sexo feminino. Contudo, a evolução das espécies, em particular nos animais mamíferos como os seres humanos, orientou-se para a diferenciação de dois sexos, que transmitem a sua informação genética através das células reprodutoras masculinas e femininas. Os cientistas dizem que foi isso que levou à enorme variedade dos seres humanos, dos quais não há dois rigorosamente iguais e daí a enorme riqueza da humanidade. As diferenças entre os dois sexos não são apenas, ou mesmo essencialmente, exteriores existindo ao nível de todas as células do corpo humano, por exemplo nas mitocôndrias. É por isso que o aspecto exterior de qualquer um de nós pode ser artificialmente alterado de acordo com a nossa vontade, mas não a essência biológica profunda.
O respeito pelas opções individuais de cada um incluindo as sexuais, que deve ser defendido, não pode ser confundido com uma obrigatoriedade de aceitar acriticamente teorias sociais que mudam com os respectivos autores, susceptíveis das maiores manipulações. É por isso que, por exemplo, é insensato substituir sexo por género em documentos oficiais, abrindo a porta à substituição da realidade concreta e verificável por algo que não se conhece nem de que se sabe o fim.

O exemplo do Lysenkoismo deve estar presente quando alguém ultrapassa a evidência e o conhecimento científico, curiosamente de novo a Biologia e a Genética, para chegar a conclusões pré-definidas em função de objectivos sociais assentes em orientações políticas.

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

O nazismo, derrotado há 72 anos



No dia 2 de Setembro de 1945, faz no próximo sábado 72 anos, foi assinada a rendição japonesa que ditou o fim da Segunda Guerra Mundial em que perderam a vida mais de 33 milhões de pessoas. O Japão imperial foi a última das potências do Eixo a assumir a derrota militar, depois da Itália fascista e da Alemanha nazi.
A guerra tinha começado oficialmente seis anos antes, no dia 3 de Setembro de 1939, quando a Grã-Bretanha e a França declararam guerra à Alemanha, dois dias após esta ter invadido a Polónia que, a partir de 17 do mesmo mês, começou a ser igualmente ocupada a Leste pelo exército soviético, assim se dando cumprimento ao Pacto Nazi-Soviético assinado em 23 de Agosto desse mesmo ano.
Pode-se considerar que a Segunda Grande Guerra foi apenas o verdadeiro epílogo da Primeira, com um intervalo 23 anos de paz pelo meio. Mas o que lhe deu origem imediata foi a ascensão ao poder de Hitler e dos seus sequazes do partido Nacional-Socialista. Todas as justificações dadas pelos nazis, desde a cláusula da “Culpa de Guerra” do Tratado de Versalhes às reparações financeiras impostas à Alemanha pelo mesmo Tratado até à definição do “espaço vital” e à superioridade da “raça ariana” e inferioridade de todas as outras “raças”, não foram mais do que desculpas para obter o poder absoluto e total que permitisse o seu domínio do mundo.
Em 1923 Hitler era ainda apenas um político excitado que insultava judeus, marxistas e todos os que considerava serem responsáveis pela derrota alemã de 1918. O seu partido não tinha qualquer deputado no parlamento alemão, o “Reichstag”. Com apoio financeiro por parte de grandes industriais, começou a fazer crescer o número de apoiantes. Em 9 de Novembro desse ano, depois de um encontro célebre numa cervejaria em Munique, proclamou um novo governo, mas foi preso e, em Abril de 1924, condenado a 5 anos de cadeia. Acabou por ser libertado em Dezembro do mesmo ano, tendo aproveitado o tempo de cadeia para escrever o livro “A minha luta” – Mein Kampf. Aí apresentou as suas ideias e desenvolveu a estratégia para conseguir os seus objectivos: Os arianos eram a raça pura, enquanto os judeus representavam tudo o que os homens podiam ter de pior, sendo causadores permanentes da adulteração do sangue. O ódio puro com base na “raça” era elevado a orientação política. Com base no populismo e aproveitamento da crise económica com elevadíssima inflação e grande desemprego, os nazis aumentaram de número, ficando-se no entanto pela eleição de 12 deputados nas eleições de Maio de 1928. Enquanto passou a haver milícias nazis nas ruas com perseguições generalizadas a criar medo colectivo, nas eleições de 1930 esse número aumentou para 107, correspondendo a 18% dos votos. 

Nas eleições seguintes em Julho de 1932, o partido nazi alcançou a sua maior votação democrática - 37,1% sem ter no entanto, a maioria absoluta. Perante a incapacidade de formar governo e as diatribes de Hitler, houve novas eleições em Novembro do mesmo ano e o Partido Nazi desceu para 33,1%. Desta vez o velho Marechal Hindenburg viu-se obrigado a chamar Hitler para Chanceler em 30 de Janeiro e aí começou a tragédia alemã do século XX, ao ser levado para o poder o terror que já grassava nas ruas às mãos dos “camisas castanhas “nazis. O incêndio do Reichstag em 27 de Fevereiro de 1933 e as posteriores “eleições” de Março desencadearam a tomada do poder total pelos nazis, tendo imediatamente começado o envio para o primeiro campo de concentração (Dachau) de todos os considerados inimigos, a começar por judeus e políticos comunistas, sociais-democratas e sindicalistas, cujo número atingia os 100.000 já no final desse ano.
A barbárie que foi o regime nazi na Alemanha dos anos 30 e 40 estendeu-se à cultura com proibição e queima pública de livros, mas também perseguição a todos os artistas criadores do que considerava “arte degenerada”. Não foi menor a consequência, que durou muitos anos, da apropriação pelos nazis da criação artística alemã do século XIX tida como simbólica daquilo que consideravam representativo da cultura ariana, como a música de Wagner. Como não pode ser escamoteada a forma como um sistema jurídico sofisticado não só aceitou, como mesmo legitimou os procedimentos instituídos pelo regime de Hitler.
Mas há algo que marca o regime nazi para sempre. Foi a perseguição fanática aos judeus, por motivos puramente raciais, a que se chamou Holocausto. A eliminação pelas mais diversas formas, qual delas a mais desumana, de mais de seis milhões de pessoas é uma marca indelével na História da Humanidade. Ann Frank foi apenas uma dessas pessoas, mas é o símbolo do que aconteceu naqueles anos.

Quando hoje se vêem pessoas a assumir a admiração e saudade pelos nazis nos mais diversos pontos do globo, não podemos deixar de recordar quem foram na realidade, o que fizeram e o que tentaram fazer, evitado pelo sacrifício de milhões de pessoas, civis e militares, que deram a vida para que a escuridão que traziam não se estendesse a todo o mundo.
A cultura e o conhecimento que nos diz, por exemplo, que na humanidade só existe uma raça, são o melhor antídoto para as tentações que levam ao totalitarismo sempre pronto a saltar para a luz do dia. Mas uma força calma e decisiva que advém da justiça e do desejo da Liberdade é sempre também necessária, não o esqueçamos.