No dia 17 de Junho deste
ano, ainda o Verão não tinha começado, ocorreu a grande tragédia de Pedrógão
Grande, provocando a morte de 64 mortos, nas condições de que todos estamos
recordados. Naquele dia, o Estado falhou numa das suas funções mais básicas,
que é garantir a segurança dos cidadãos.
jpaulocraveiro@ gmail.com "Por decisão do autor, o presente blogue não segue o novo Acordo Ortográfico"
segunda-feira, 23 de outubro de 2017
segunda-feira, 16 de outubro de 2017
Os portugueses votaram, está escolhido
Passados que estão quinze dias sobre as eleições autárquicas, é já possível observar os respectivos resultados com algum distanciamento que permita uma abordagem fria dos números e de algum do seu significado político.
Há muito tempo que defendo que os eleitores fazem as suas opções eleitorais através de um conjunto de factores pessoais, numa simbiose de pura opção política com um sentimento de adesão afectiva a pessoas que se apresentam a escrutínio, mais ainda que a projectos. Este último factor é ainda mais visível e frequente nos casos de rejeição, do que nos de adesão. O paradigma nacional desta situação é o caso do PRD que, surgido do nada, obteve praticamente 19% nas eleições legislativas de 1985 que saíram do eleitorado habitual do PS. Aquele partido serviu apenas para cortar o vínculo afectivo ao PS daqueles eleitores, que ficaram “soltos” para votar em massa no PSD nas eleições seguintes em 1987, naquela que foi a primeira maioria absoluta de um partido desde 1974. É minha convicção que o PSD não receberia nunca aqueles votos, se antes não tivessem saído do PS para um receptor intermédio, dado que PS e PSD são os dois maiores partidos do nosso sistema político e, portanto, os maiores rivais entre si.
Nestas eleições autárquicas de Coimbra observou-se um fenómeno de transferências de votos com algumas semelhanças com aquela situação. Em minha opinião não é possível fazer uma análise coerente e sustentada de uns resultados eleitorais sem atender também aos resultados de eleições semelhantes anteriores, interessando mais olhar para os grandes números do que para o pormenor dos resultados a nível de freguesias. Irei aqui utilizar os resultados a partir de 2009, último ano em que o PSD ganhou a Câmara Municipal com Carlos Encarnação, a quem daqui saúdo.
Assim, em primeiro lugar, é evidente a grande estabilidade das votações no Partido Socialista: para a Câmara Municipal, que aqui servirá de referência em todos os números, em 2009 o PS, não vencendo, obteve 24.377 votos, em 2013 obteve 22.631 votos ganhando a Câmara e em 2017 teve 24.232 votos, vencendo de novo as eleições. Aproveito para aqui felicitar Manuel Machado pela sua nova vitória, extensiva a Carlos Cidade pelo seu trabalho político eficiente à frente do PS de Coimbra.
No que respeita aos resultados do Partido Social Democrata, deve-se fazer uma análise em conjunto com o Centro Democrático Social. Embora em 2013 não tenham ido coligados, utilizarei aqui a soma dos dois partidos nessas eleições, dado que nas restantes aqui abordadas houve coligação. Não refiro aqui os outros partidos dessas coligações que, pela sua reduzida dimensão, não alteram os resultados finais das votações tendo apenas um valor simbólico, ainda que possam ser importantes por isso mesmo. Nas eleições de 2009, a coligação PSD/CDS obteve 29.357 votos, ganhando a presidência da Câmara. Em 2013 a soma dos resultados do PSD e do CDS foi de 21.439 votos, o que significou uma perda de 7.919 votos relativamente a quatro anos antes. Nestas últimas eleições do passado dia 1 a coligação obteve 18.151 votos, numa significativa e algo surpreendente perda de 3.287 votos, comparando com 2013. Na realidade a coligação, desde a última eleição em que obteve a vitória, que foi em 2009, perdeu no total o apoio de 11.206 eleitores.
Como é evidente que aqueles votos não foram para o Partido Socialista que mantém uma grande estabilidade eleitoral há muitos anos, para algum lado haveriam de ir dado estarem “soltos” em termos eleitorais e não se verificar subida na abstenção. O surgimento de uma nova alternativa corporizada pela candidatura “Somos Coimbra” encabeçada por José Manuel Silva veio proporcionar àqueles eleitores a possibilidade de fazerem a sua escolha sem regressarem ao PSD/CDS, nem se voltarem para o PS. O resultado da candidatura Somos Coimbra foi de 10.976 votos, o que corresponde, com uma aproximação impressionante, ao número de eleitores perdidos pelo PSD/CDS nos últimos anos (11.206). São cerca de 11.000 eleitores que passaram directamente da coligação para uma proposta política surgida do nada, embora personificada em alguém bem conhecido e com uma afirmação própria evidente com o seu passado à frente da Ordem dos Médicos, ainda por cima numa cidade em que a área da saúde tem a relevância que todos conhecemos.
Ao contrário do que muitos pensarão, não me parece que, hoje em dia, as campanhas eleitorais tenham uma grande influência nos resultados eleitorais, por maior voluntarismo que evidenciem. Evidentemente têm que ser feitas, se possível com o mínimo de custos possível, mas pouco alteram no sentir dos leitores que é formado ao longo de quatro anos na observação do exercício das responsabilidades políticas dos eleitos, quer os escolhidos para governar, quer os que têm que fazer oposição. E aqui, permitam-me que o diga, os partidos de oposição não podem restringir a sua acção política à comparência nas sessões do executivo municipal, apenas esperando pelas novas eleições. Quando tal sucede, em vez de exercerem um trabalho político permanente e construtivo junto das pessoas e dos seus problemas, perdem o contacto directo com a sociedade com óbvias consequências, também a nível eleitoral.
Quanto aos partidos mais à esquerda, não haverá muito a dizer, a não ser constatar a descida eleitoral, quer da CDU/PCP que perdeu quase 1.500 votos mantendo ainda assim o seu vereador, quer dos Cidadãos por Coimbra desta vez mais conotados com o BE que perderam 1.100 eleitores não conseguindo entrar no executivo municipal.
Publicado no Diário de Coimbra em 16 de Outubro de 2016
segunda-feira, 9 de outubro de 2017
Viva a Música
Na última semana a Orquestra Clássica do Centro deu-nos a
oportunidade de assistir a dois concertos notáveis e completamente diferentes
do habitual. Tratou-se de duas incursões em tipos de música não erudita, que se
saldaram em êxitos longa e entusiasticamente aplaudidos pelas assistências dos
espectáculos.
O primeiro desses concertos teve lugar no auditório do
Conservatório de Música de Coimbra e integrou-se nas iniciativas da passagem de
30 anos sobre a morte de José Afonso, sob o mote “Insisto não ser tristeza” do
poema do autor com o mesmo nome. Os arranjos das canções de José Afonso para
orquestra tiveram diversos autores, como José Firmino, Sérgio Azevedo ou
Virgílio Caseiro, entre outros. Deve-se salientar que o concerto se iniciou com
a estreia de uma peça para orquestra da autoria de José Firmino, intitulada “In
Memorian”, em que o compositor de Coimbra homenageia José Afonso. O interesse
das canções de José Afonso vai muito para além da intervenção política de muitos
seus poemas, certamente importante, mas limitativo do seu valor, se a tal for
reduzido. Particularmente no que respeita à nossa cidade, a ele muito se deve a
evolução profunda da chamada “música de Coimbra” que se operou no fim dos anos
50 e na década seguinte. Muitos consideram que se pode considerar que há uma
canção de Coimbra antes de José Afonso e outra depois dele, o que diz muito
sobre a sua importância artística.
No concerto do passado dia 30 de Setembro a OCC foi dirigida
pelo seu Maestro titular José Eduardo Gomes, tendo as canções sido
interpretadas por João Afonso que está a construir uma carreira própria há
vários anos, com diversos CD’s muito interessantes já publicados, dentro de um
estilo musical que nada tem a ver com a canção de Coimbra. Contudo, o facto de
ter uma voz com características que se assemelham bastante à do seu Tio José
Afonso fez do concerto uma experiência única, que talvez devesse mesmo ser alvo
de publicação em CD para ser desfrutada por mais gente do que aquela que
esgotou completamente o auditório do Conservatório de Música. A novidade de
temas célebres como “Cantares de Andarilho”, “Minha Mãe”, “Por detrás daquela
janela”, “Venham mais Cinco” ou “Traz outro amigo também” serem interpretadas
por uma orquestra clássica acompanhando o cantor, traz uma nova vida à obra do
autor e permite uma fruição diferente e especialmente envolvente. Alguns temas,
como “Pastor de Bensafrim” ou “Verdes são os Campos”, foram (muito bem) acompanhados
pela guitarra clássica de Rui Pato que, como é sabido acompanhou José Afonso
durante muitos anos, em actuações ao vivo e em gravações de discos.
O segundo concerto festejou os 45 anos de carreira artística de Jorge Palma e decorreu no Coliseu de Lisboa no dia 5 de Outubro passado, com repetição no Coliseu do Porto dois dias depois. Desta feita a OCC foi dirigida pelo Maestro Rui Massena. A experiência de acompanhar música rock com orquestra clássica não é novidade, sendo de recordar uma particularmente bem sucedida no início dos anos 70 que ainda hoje se ouve com agrado, em que os Procol Harum tocaram com a Edmonton Symphony Orchestra. Também este concerto foi um sucesso que entusiasmou o Coliseu lotado, tendo havido um entrosamento raro entre Jorge Palma e Rui Massena que, nos temas “Encosta-te a mim” e “Deixa-me rir” atingiu momentos de sonoridade espantosa. Mesmo no tema “Portugal, Portugal” que tem um ritmo fortíssimo, foi possível apreciar a capacidade da orquestra para acompanhar brilhantemente um Jorge Palma frenético na sua interpretação. Os temas mais intimistas como “Frágil” ou “Lado errado da noite” foram alvo de orquestrações particularmente felizes que mantiveram o público suspenso das interpretações, percebendo-se bem a emoção que o tomava, para logo depois passar a ovações estrondosas.
Houve até um momento em que Rui Massena e Jorge Palma trocaram de papéis, para logo depois ensaiarem um medley entusiasmante ao piano a quatro mãos com início na célebre marcha fúnebre do terceiro andamento da primeira sinfonia de Mahler e continuando por diversas peças famosas de jazz.
A Cultura une e não divide. Isso ficou bem marcado nestes dois concertos “fora da caixa”, como agora se costuma dizer, em que a Orquestra Clássica do Centro mostrou um ecletismo notável, fruto de um grande desenvolvimento artístico, que lhe permitiu ser peça central em momentos musicais de grande qualidade e intensidade afectiva para públicos tão diferenciados. E a cultura de Coimbra produzida profissionalmente mostrou-se, mais uma vez, a grande altura nas principais salas de espectáculos do país.
segunda-feira, 2 de outubro de 2017
A Alemanha de Merkel e nós
Como se previa, a CDU/CSU venceu as eleições na Alemanha, dando
a oportunidade a Angela Merkel de um quarto mandato como Chanceler, no que será
a mais longa governação desde o fim da II Grande Guerra, já que iniciou essas
funções em 2005.
Contudo, os resultados destas eleições têm outros aspectos a ter
em conta, já que houve novidades relativamente ao que anteriormente se tornara
habitual na Alemanha. Desde logo, pela primeira vez desde o fim da guerra, o
partido AfD – “Alternativa para a Alemanha”, assumidamente de extrema-direita,
obteve uma votação (13%) que lhe permitiu eleger 94 deputados, sendo a terceira
força no parlamento alemão. Os socialistas democráticos do SPD caíram para
próximo dos 20%, um resultado péssimo para o seu líder Martin Schulz que se havia
demitido de presidente do parlamento europeu para tentar a chancelaria no seu
país vindo a obter a pior votação de sempre para o seu partido. Mas o próprio resultado
do partido da própria Angela Merkel foi decepcionante, já que caiu mais de 8%
em relação ao resultado anterior, ficando-se nos 33% o que, ainda assim, lhe
permite a manutenção na chancelaria, embora se antevejam algumas dificuldades
para formar a necessária coligação.
A duração do seu mandato à frente dos destinos da Alemanha
obriga a que se observe com algum detalhe a personalidade e modo de governar
desta mulher que é considerada a mais influente do mundo e, em particular, a
personalidade mais importante entre os líderes da União Europeia. Merkel nasceu
na antiga Alemanha de Leste e a sua formação foi largamente influenciada, quer
pelo pai pastor de uma igreja luterana a norte de Berlim, quer pelo ambiente
paranóico e ultra vigiado do seu país, aprendendo a falar pouco e a ser discreta.
A formação científica do doutoramento em química forneceu-lhe os métodos de
análise e de decisão sustentada que mais tarde aplicaria no seu exercício de
governante. A sua personalidade discreta mantém-se até hoje. Ao fim do dia de
trabalho no seu imponente gabinete, regressa a casa que é apenas um
vulgaríssimo pequeno apartamento, para calmamente preparar a sopa que constitui
o seu próprio jantar.
Após a queda do muro de Berlim, dedicou-se à política, tendo
sido eleita deputada e iniciado a carreira de governante quando Helmut Kohl,
que lhe chamava a sua menina, a convidou para um ministério relativamente
secundário, mas de onde partiu para o que hoje é.
Politicamente, Merkel costuma dizer que é “um pouco liberal, um
pouco social-cristã e um pouco conservadora”. Isto é, fundamentalmente,
acredita numa série de princípios simples, não demasiado elaborados ideologicamente
e muito ligados à vida concreta das pessoas. Há mesmo quem diga que pensa de
forma ética e não ideológica. Talvez por isso reagiu à desgraça dos refugiados
de 2015 tendo, surpreendentemente para muita gente, permitido a entrada na
Alemanha de mais de um milhão de pessoas fugidas à fome e à guerra. Aqui
residirá o surpreendente resultado do AfD nestas eleições recolhendo, sobretudo
na população residente no antigo território da Alemanha de Leste, o voto de
reacção à entrada de tantos refugiados. Os esquerdistas que, também por cá,
ainda há pouco tempo se divertiam a pintar bigodes hitlerianos na cara de
Merkel e a colocá-la a fazer saudações nazis bem podiam pintar agora a cara de
preto perante a verdadeira face de Angela Merkel.
Mas estas eleições alemãs trouxeram à superfície alguns aspectos
insuspeitados da política de Merkel e que colocam nuvens escuras no futuro do
país que ameaçam transformar-se em tempestade se a Chanceler não alterar a sua
política interna no próximo mandato.
Na realidade, Merkel tem governado sobre as reformas económicas
profundas introduzidas pelo Chanceler Gerhard Schröder do SPD que a antecedeu,
nomeadamente na área do emprego, e que trouxeram competitividade e catapultaram
a economia alemã depois de anos de estagnação ou pior. O investimento público alemão,
em função do PIB, é hoje inferior à média da OCDE e o valor líquido das
infraestruturas do país tem caído de forma impressionante. O seu cuidado
obsessivo com o défice, descurando o investimento nas infraestruturas, tem
garantido boas contas mas descura claramente o futuro e obrigará, mais cedo ou
mais tarde, a reformas e grandes investimentos que alterarão a situação económica.
Um investimento público de apenas 2,1% do PIB fica abaixo da própria média da
UE, que é de 2,7%. As infraestruturas clássicas, como estradas, pontes,
edifícios escolares e hospitais começam mesmo a ter problemas decorrentes de
falta de investimento, mas até a velocidade de internet é hoje muito baixa em
comparação com a maioria dos países.
Curiosamente, encontramos aqui a justificação para um olhar tão
benigno de Merkel e mesmo do até agora seu ministro das Finanças Wolfgang
Schäuble relativamente às contas do actual governo português que atinge as
metas exigidas quanto ao défice através de cativações e cortes maciços no
investimento público: na verdade, eles próprios têm essa prática no seu próprio
país. A sua preocupação é o número do défice no fim do ano, independentemente
do processo seguido para lá chegar, e fazer reformas não é propriamente o seu
forte.
Texto publicado no Diário de Coimbra em 2 de Outubro de 2017
Texto publicado no Diário de Coimbra em 2 de Outubro de 2017
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