segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Coimbra: paradigma das não-obras públicas



Um cidadão de Coimbra que seja minimamente atento ao que se tem passado na Cidade e na sua região no que toca a obras públicas não pode deixar de se interrogar sobre o que se passará para que sejamos tão ostensiva e fortemente prejudicados. As acessibilidades saltam à vista, mas não são caso único, já que vários outros investimentos são regularmente colocados em cima da mesa para de lá saírem com rapidez sem concretização ou a meio. Estas questões são de tal gravidade que obrigam a que sejam publicamente denunciadas sem optimismos nem pessimismos ambos estéreis, mas com um realismo de que anda igualmente distante qualquer estado de alma político-partidário.
Coimbra, apesar de tudo, tem alguma sorte em estar no caminho entre Lisboa e Porto, certamente a única razão para ter bons acessos às duas capitais metropolitanas. Já as acessibilidades rodoviárias de Coimbra ao interior das Beiras parecem estar atadas num nó que ninguém parece ter vontade (ou ser capaz) de desatar

A ligação em auto-estrada entre Coimbra e Viseu é uma “necessidade urgente” desde há mais de vinte anos, passe a ironia da expressão. O actual IP3 é uma estrada com condições gerais de circulação e de segurança completamente desadequadas ao altíssimo nível de utilização que apresenta. A resolução deste problema passa de governo para governo e muitos utentes já fogem do IP3, através da A25 e da A1, com gastos maiores em quilómetros e portagens, mas com compensação em termos de segurança. As Infraestruturas de Portugal mantêm o corredor do IP3 entre Coimbra e Viseu como “projecto prioritário” integrado no “Plano de Investimentos 15-20”, mas estamos em 2018 e não se perspectiva projecto, quanto mais obra.
A A13 parou há anos de encontro a um monte no alto de Ceira, aguardando-se que se construa o troço final para Norte, continuando assim sem o tráfego que justificou o seu investimento e, claro, sem o consequente retorno financeiro.
O IC6 parou num pinhal às portas de Oliveira do Hospital, cortando as veleidades de existência de ligação rodoviária moderna e segura entre Coimbra, a Covilhã e restante área da serra da Estrela.
No que respeita ao Metro Mondego, melhor dizendo, ao pomposamente chamado Sistema de Mobilidade do Mondego, todos sabemos o que se passou. Depois de serem gastos mais de cem milhões de Euros na beneficiação da linha e estações da Linha da Lousã entre Coimbra e Serpins, o projecto foi suspenso e o empreiteiro mandado para casa. Há quase um ano, antes das eleições autárquicas, claro, o actual Ministro andou a percorrer as câmaras interessadas a prometer um sistema alternativo, o MetroBus, sem carris, para o que faltariam apenas uns estudos que estavam mesmo para sair. Até hoje, nem estudos, nem projectos, nem financiamento garantido por completo, nem MetroBus. Aguardemos pois, talvez, pelas próximas eleições.
A estação de comboios carinhosamente apelidada “estação velha” continua calma e placidamente a envelhecer com os passageiros a atravessar as linhas a pé, nos intervalos da passagem dos comboios. Como as outras estações da Linha do Norte já foram modernizadas há anos, a de Coimbra ficou certamente para mostrar como eram as estações em meados do século XX: até pode ser que seja
classificada como património e a REFER comece a vender bilhetes só para a visitar.
O novo Palácio da Justiça é outra das obras por que Coimbra aguarda há décadas. Para que se saiba, já em tempos foi elaborado um projecto completo para essa obra; imagino que, como teve que entregar em Tribunal a adjudicação da elaboração desse projecto a um Arquitecto, por sinal um grande Arquitecto de Coimbra, alterando a adjudicação inicial ilegal, o projecto terá ido para uma gaveta e os respectivos custos e trabalho dispendido para o lixo. Também antes das ultimas eleições autárquicas Coimbra teve a honra de receber uma governante a prometer novos ante-projectos e estudos. Aguardemos pois também, quem sabe, até novas eleições que têm sempre o condão de retirar governantes dos gabinetes para percorrerem o país.
A nova cadeia penitenciária é que já se percebeu que não vai mesmo acontecer, apesar de promessas antigas. Neste caso continuaremos com a existente, sem possibilidades de ampliação, mesmo no coração da Cidade, com os inconvenientes sabidos de todos.
Há quase dois anos veio outra governante a Coimbra apresentar o projecto REVIVE, destinado a “promover e agilizar os processos de rentabilização e preservação de património público que se encontra devoluto, tornando-o apto para afetação a uma atividade económica com finalidade turística”. No caso, tratava-se da integração do Mosteiro de S.ta Clara-a-Nova nesse conjunto de 33 edifícios por todo o país; até hoje foram abertos 4 concursos, não incluindo o de Coimbra, certamente por razões processuais, aguardando-se por novidades num dia destes, talvez….
Alguma razão haverá para que Coimbra acumule tantas promessas falhadas, obras prometidas não iniciadas e outras suspensas a meio. Todas elas dependem do Governo, o actual, os anteriores e os que se lhe seguirão. Mas algo haverá em Coimbra e região para que se aceite tudo isto praticamente sem contestação e, certamente, sem qualquer manifestação de revolta das populações e de quem as representa.

domingo, 11 de fevereiro de 2018

Roberta Flack The First Time Ever I Saw Your Face '69

ORTODRÓMIAS E LOXODRÓMIAS

  Ao contrário das viagens terrestres, em que o caminho a percorrer se encontra bem delineado por caminhos ou estradas, nas viagens marítimas e aéreas de longas distâncias exige-se a utilização de métodos que recorrem a cálculos astronómicos.

Nessas viagens é necessário conhecer as coordenadas do ponto de partida e do ponto de destino e escolher um itinerário.
Como a Terra é esférica, o itinerário tem que ser adaptado a essa circunstância, havendo dois tipos de trajecto a escolher: derrota ortodrómica e derrota loxodrómica (derrota é nome marítimo de percurso).
Uma ortodrómia utiliza o troço de um círculo máximo que passa pelos dois pontos, à superfície da Terra. É um trajecto que minimiza assim a distância a percorrer entre os dois pontos.
No entanto, como as cartas que se utilizam na navegação são planas, sendo a de Mercator a mais utilizada, aquele trajecto aparece como uma curva nestas cartas.
Para navegar, é necessário seguir um rumo, pelo que a ortodrómia é muito difícil de seguir, exigindo que se estivesse permanentemente a mudar o rumo.
O processo alternativo mais fácil é traçar uma recta entre os dois pontos na carta plana, traçando uma loxodrómia e definindo assim um rumo constante com um azimute fixo marcado na girobússula.
Só que o que na planta parece o trajecto mais direito, significa um trajecto que em grande parte dos casos é muito mais longo. Pode-se fazer uma mistura, adoptando um conjunto de loxodrómias que se aproximem mais da ortodrómia.
A nossa vida não é uma esfera, mais se assemelhando a uma viagem com altos e baixos. Mas também neste caso a maneira de chegar a um objectivo não é muitas vezes aquela que à primeira vista parece a mais direita, já que os sistemas de coordenadas em que nos movemos fazem parecer simples o sistema terrestre já de si bem complexo.
 
Publicado em Janeiro de 2008 e republicado aqui

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Corrupção: um imposto escondido



Há momentos em que a actualidade se nos impõe de uma forma tão impressiva, que não podemos fugir dela, por muito que desejássemos que a realidade da nossa sociedade de hoje fosse diferente.
Felizmente, a corrupção é vista pela esmagadora maioria dos cidadãos como algo de errado, ainda que muitas pessoas não se apercebam do seu profundo significado e encontrem até motivos para a sua não reprovação completa ou mesmo desculpabilização. Não vivemos numa sociedade em que o “bakshish” seja norma, mas há muitos afloramentos de atitudes que não andarão muito longe. Por exemplo, todos conhecemos casos de políticos, da esquerda à direita, que transitam entre os ministérios e as grandes empresas com o maior dos à-vontades, demonstrando que aquilo que se dizia ser próprio de um regime antidemocrático se verifica também em democracia, isto é, “o que interessa não é ser ministro, é ter sido ministro”.
Por estes dias um caso de corrupção, mais propriamente por enquanto, de suspeita de corrupção, atingiu em pleno o cerne do último reduto da defesa da sociedade como um todo colectivo e dos cidadãos a nível individual, que é a Justiça. Dois juízes desembargadores da Relação de Lisboa, um homem e uma mulher, foram constituídos arguidos por suspeita de crimes relacionados com recebimento de dinheiro em troca de decisões judiciais favoráveis. O caso atinge tais proporções que o Conselho Superior da Magistratura suspendeu-os por entender que, e não é um qualquer cidadão mais revoltado que o escreve, “em ambos os casos, indicia-se, pois, uma muito grave, dolosa e reiterada violação dos deveres profissionais a que se encontram adstritos os magistrados judiciais, suscetível de se repercutir na sua vida pública de forma incompatível com a credibilidade, prestígio e dignidade indispensáveis ao respetivo exercício funcional”.
Já tínhamos um antigo Primeiro-ministro acusado de corrupção a aguardar julgamento, já tivemos antigos ministros condenados, banqueiros e gestores de grandes empresas uns condenados e outros à espera de julgamento e por aí fora, agora temos juízes desembargadores também acusados de corrupção.
Este caso dos juízes desembargadores arguidos por suspeita de corrupção vem juntar-se a esses casos de grande notoriedade dos últimos anos que, apesar de tudo, são a prova de que a Justiça é o grande garante do primado da Lei e que, embora seja um lugar comum dizê-lo, funciona.
E é precisamente quando a Justiça funciona colocando em causa os mais poderosos, seja pelo dinheiro, seja pela relevância das suas funções como políticos ou juízes, que vemos imediatamente um exército bem treinado saltar para a comunicação social a colocar em causa precisamente esse funcionamento.
Desde meados da semana passada que assistimos a especialistas em todas as televisões e nas páginas dos jornais a clamar contra a violação do segredo de justiça e contra uma suposta judicialização da política ou a denunciar, pasme-se, a “agenda da PGR”. Quem estiver distraído, poderá mesmo ser levado a pensar que os arguidos são vítimas e não suspeitos de serem criminosos e que a Democracia poderá estar a ser posta em causa, quando é ao contrário. A comunicação social é acusada dos piores crimes por divulgar informação sobre os processos e não os deixar ficar na sombra, enquanto curiosamente se louvam filmes como “The Post” ou “Os Homens do Presidente” que mais não são do que símbolos da liberdade de imprensa contra os mais poderosos.
A corrupção é algo intolerável, que deve ser combatido por razões éticas mas também por questões de justiça social. Os actos de corrupção constituem um saque ao bem comum, com custos para toda a sociedade. São um imposto escondido, que todos nós acabamos por pagar, para benefício de uns poucos. A sociedade tem vindo, e bem, a criar mecanismos de defesa contra a corrupção, como acontece com a obrigatoriedade da existência de um “Plano de Gestão de Riscos de Corrupção e Infracções Conexas” em todos organismos públicos, incluindo Empresas Públicas. Mas quando são precisamente responsáveis de topo dessas instituições a resolver usar o seu poder para extorquir dinheiro para as suas contas pessoais, no fim são apenas as instâncias judiciais que têm capacidade para lhes suster o passo e os castigar. Façamos votos para que a Justiça portuguesa continue, de forma independente e cega aos privilégios, a defender a sociedade deste roubo social que é a corrupção.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

A Democracia europeia



A questão da democracia na União Europeia é algo que deve estar sempre em cima da mesa. A representação democrática numa União com quase trinta países, todos eles com as suas identidades e História, para além das suas próprias instituições democráticas, não é um problema de menor importância. O seu deficiente funcionamento pode mesmo colocar em causa os próprios fundamentos da União que, recorde-se, começou por ser económica mas avançou depois para uma união política com avanços por vezes súbitos e profundos.
Podemos estar neste momento perante uma dessas situações, com dirigentes a pretenderem dar passos maiores do que as pernas permitem e sem que os cidadãos sejam devidamente informados, havendo mesmo uma cortina de secretismo a tentar tapar o que se passa.
Na última cimeira dos países do sul da Europa realizada em Roma há duas semanas, em que participaram Malta, Chipre, França, Grécia, Itália, Portugal, Espanha e França, os representantes desses países assinaram um documento que prevê listas transnacionais para o Parlamento Europeu. Esta é uma das ideias com que o Presidente francês Emmanuel Macron pretende o reforço e aprofundamento da unidade europeia, ou “mais Europa” como ele costuma dizer. Consistiria na criação de um círculo eleitoral supranacional nas eleições para o Parlamento Europeu em que as listas seriam transnacionais. Significa isso que para esse círculo nós portugueses, por exemplo, votaríamos não em listas propostas pelos partidos portugueses como sucede hoje, mas em listas de partidos europeus que integrariam os candidatos portugueses. Isto é, em vez de escolher deputados portugueses para o Parlamento Europeu, votaríamos em conjuntos de deputados oriundos dos vários países europeus, assim se diluindo a representação nacional no PE e, em correspondência, a responsabilidade dos deputados perante o eleitorado nacional.
Como é evidente, os países pequenos e médios perderiam força perante os maiores como a Alemanha, a França, Espanha e Itália que dominariam as listas à vontade, como já hoje são preponderantes na orientação política dos grandes grupos partidários europeus. Se actualmente é difícil encontrar alguém que consiga dizer quem são os eurodeputados portugueses, imagine-se como será caso essa ideia vá por diante. E coloco a questão no futuro e não no condicional, porque já deu para se perceber que, de uma forma ou de outra, há quem esteja muito interessado em que tal aconteça. Claro que, para alguns partidos, até daria jeito que os seus candidatos fossem à boleia dos poderes europeus, mas de vantagens de secretaria para os partidos políticos penso que a maioria dos cidadãos gostará pouco.
Dizem os defensores desta ideia que assim se obteria uma visão mais global dos problemas europeus em detrimento das visões nacionalistas e tantas vezes paroquiais de cada um dos países individualmente. Como é evidente, as consequências seriam exactamente as opostas, acentuando o afastamento já hoje existente entre as populações e os seus representantes no Parlamento Europeu que deixariam de os representar em favor dos directórios europeus das forças políticas em que se inserissem. Seriam criadas condições para reacções de rejeição da União através do surgimento de novos extremismos nacionalistas e agravamento dos já existentes, numa altura em que o Brexit já está em andamento e se notam sinais perturbadores em países do antigo bloco de Leste, mas também na Áustria, podendo mesmo alastrar-se a Itália nas próximas eleições.

Percebe-se bem que Emmanuel Macron tenha feito esta proposta, que vai objectivamente ao encontro dos interesses da França. Já não se percebe que o grupo dos outros países do Sul da Europa tenha ido na cantiga tão facilmente. E ainda menos que o nosso representante na cimeira, o Primeiro-Ministro António Costa tenha assinado o documento sem ter havido qualquer discussão pública ou explicação prévia ao país sobre o seu significado, tendo-se ainda por cima manifestado publicamente como contrário às listas transnacionais ao regressar a Portugal. Diferença de posições fora de Portugal para europeus verem e dentro do país para os portugueses? De um Primeiro-Ministro deve exigir-se mais coerência.
Uma política de aproximação da Europa aos cidadãos não se fará nunca nas suas costas e tentando sub-repticiamente sobrepor camadas políticas da União às soberanias nacionais. É por isso que, nós cidadãos, nos devemos opor a estas decisões tomadas à revelia dos povos exigindo, neste caso, que a posição portuguesa seja tomada na sede própria, isto é, na Assembleia da República e não apenas pelo Governo, seja o actual ou outro qualquer no futuro.

Ética

A Lei já não é a ética da República?



terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Isto é só um primeiro-ministro a falar.

 Isto é só um primeiro-ministro a a falar. Mas não há problema. Daqui a uns tempos teremos outro. Que, pelo menos, será capaz de falar.


"Não quer dizer que o pinhal não vá ser pinhal. O pinhal vai ser pinhal e só é pinhal se tiver pinheiro. Mas, para nós termos um bom pinhal e um bom pinheiro que seja, também ele, resistente ao fogo, é preciso que este pinhal não seja só de pinheiro e tenha a boa composição e o bom ordenamento que ajude à sua resistência".
António Costa, 22 de Janeiro de 2018.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Qual o papel do PSD no país?



Na sequência dos resultados das últimas eleições autárquicas, Pedro Passos Coelho decidiu retirar-se da liderança do PSD, dando espaço de afirmação política aos que, dentro do partido, sempre criticaram o seu exercício de poder, designadamente como Primeiro-Ministro executante do programa da Troika. Não será aqui que vou fazer uma análise desse trabalho, mas não se pode deixar de assinalar que, tendo recebido um país à beira da falência, com um duríssimo plano para cumprir e um défice superior a 11%, deixou o governo em 2015 com a economia já a crescer, o desemprego a diminuir acentuadamente e o défice nos 3%. Não foi coisa pouca o que os portugueses conseguiram nesses anos, com um governo que, embora tendo cometido erros e alguns deles graves, não perdeu de vista o essencial e foi exigente consigo próprio tendo como objectivo tirar o país do buraco em que o anterior governo o tinha metido.
Os analistas políticos dizem que, com os resultados das eleições do fim de 2015 se iniciou um novo ciclo político e é difícil não lhes dar razão. Desde logo, porque Portugal teve uma saída limpa do programa de ajustamento da Troika e, logo de seguida, saiu do “procedimento por défice excessivo”. Por outro lado, porque o Partido Socialista, embora tendo perdido as eleições, trouxe a extrema-esquerda do PCP e do BE para a área do poder, ao constituir governo com o apoio parlamentar daqueles partidos.
As próximas eleições legislativas serão no fim do próximo ano, portanto daqui a pouco mais de 20 meses. Até lá, o PSD com a nova liderança de Rui Rio terá muito trabalho de afirmação pela frente.
A nossa democracia não começou ontem; na realidade começou em 1976 com a Constituição, havendo já 41 anos de experiência de vida partidária, que deve ser olhada como um contínuo que se prolongará no futuro. O PSD, como os outros partidos, deve olhar para a sua própria História, afastando veleidades de ressurgimento completo a cada nova liderança e de negação do seu passado, com o que teve de mau, mas também de bom para o país. Em primeiro lugar, deve reconhecer quando, com quem e em que circunstâncias é que o povo português lhe entregou a responsabilidade de governar. Por duas vezes foi Governo, sempre com a companhia do CDS, não por afirmação própria evidente, mas por castigo eleitoral dos governos anteriores: foram os casos de Durão Barroso em 2001, após Guterres ter abandonado o barco por sua vontade de forma algo surpreendente e em 2011 quando Passos Coelho assumiu o Governo com a tarefa de governar em situação de soberania prejudicada após o descalabro das contas públicas de Sócrates.
Para além destas, houve no entanto duas situações em que o PSD venceu as eleições pela sua própria afirmação política.
A primeira delas foi em 1979, quando Sá Carneiro resolveu quebrar todo o establishment político da altura e avançou para a Aliança Democrática de forma decidida e muito afirmativa, contra todas as esquerdas, a política e a militar. A plataforma política que criou com o apoio e mesmo cumplicidade política de Amaro da Costa e Ribeiro Teles, para além dos Reformadores, propôs todo um caminho de rejeição dos esquerdismos e terceiro-mundismos preponderantes desde o 11 de Março de 1975, para um desenvolvimento político e económico sem tibiezas ao lado das democracias ocidentais e da então Comunidade Europeia. 

No ano seguinte, Sá Carneiro acabou morto em Camarate, vítima de um desastre de avião provocado precisamente pelos interesses afrontados pelo seu Governo. A segunda foi em 1987, com a conquista da primeira maioria absoluta do PSD sozinho com Cavaco Silva, a que se seguiu ainda outra em 1991. Nessas eleições Cavaco Silva federou todas as direitas, com um discurso desenvolvimentista e criador de esperança num futuro diferente e melhor, essencialmente para as classes médias, reduzindo o PS a uma ínfima dimensão.
Provavelmente, nos dias de hoje nem nas esquerdas, a começar pelo PS, nem no próprio PSD será de bom tom recordar a História, mas ela é a que é e não a que os actuais políticos gostariam que tivesse sido, nem mesmo a versão que dela tentam passar aos eleitorados de hoje que não viveram aqueles dias. A realidade é que o PSD só obteve os favores do eleitorado quando se apresentou com uma atitude frontal, com programas políticos claros e de corte com as situações existentes. Nunca o PSD ganhou a pensar pequenino, tentando afirmar-se num qualquer centro existente apenas na cabeça de quem não consegue pensar em grande de forma afirmativa e antes se satisfaz com jogos de espelhos para o eleitorado em função de retirar este ou aquele do poder “vendendo a alma ao diabo”.
Pensar em grande é perceber que a classe média em Portugal quase desapareceu transformada numa função pública cada vez mais dependente das políticas governamentais de distribuição de migalhas. É querer cortar com um empobrecimento e quebra de competitividade contínuos. É recusar um permanente caminhar em cima do arame, no risco de cair num novo resgate financeiro que seria o quarto desde o 25 de Abril.
É simplesmente isto que penso se dever exigir que a nova liderança do PSD faça, no que estou convencido será o desejo da maioria dos portugueses. Assim haja vontade e coragem para agir ou uma liderança, qualquer que ela seja, não servirá para nada.