segunda-feira, 21 de maio de 2018

António Arnaut: relembro texto que escrevi há um ano



É indiscutível ser o Serviço Nacional de Saúde uma das mais importantes aquisições sociais dos portugueses das últimas décadas. Se algumas das decisões políticas que abriram caminho à sua existência surgiram antes do 25 de Abril, elas foram tímidas na prática, cingindo-se à regulamentação das carreiras hospitalares e à criação dos centros de saúde da primeira geração, já nos anos setenta.
O verdadeiro pontapé de saída da criação do SNS deu-se em 1978 com o Despacho ministerial publicado no Diário da República em 29 de Julho, que veio a ficar conhecido como “Despacho Arnaut” do nome do Ministro dos Assuntos Sociais, Saúde e Segurança Social que o fez publicar, António Arnaut que, acompanhado pelo Secretário de Estado da Saúde, o Médico Mário Mendes, ficaram assim ligados a este importante passo com vista a uma maior justiça social. 

O passo dado, que constituiu uma verdadeira antecipação do SNS foi tão mais importante, quanto se sabe do voluntarismo e capacidade de decisão que exigiu do principal decisor contra importantes dificuldades políticas que lhe foram levantadas de vários quadrantes, pelo que é da mais elementar justiça prestar-lhe homenagem e agradecer-lhe por isso. Pela minha parte, aqui deixo com todo o respeito o meu humilde preito e obrigado ao Dr. António Arnaut que, devo dizê-lo com frontalidade, é independente da admiração que por ele tenho no que respeita à sua notável intervenção cívica e literária. De facto, pela primeira vez, foi aberto o acesso aos cuidados de saúde existentes à altura a todos os cidadãos, sem olhar às suas condições económicas, com vista à universalidade e gratuidade da prestação de cuidados de saúde.
Ao “Despacho Arnaut” seguiu-se em 1979 a publicação da Lei 56/79 que veio a concretizar a criação do Serviço Nacional de Saúde e que garantiu o “acesso à proteção da saúde a todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica e social, bem como aos estrangeiros, em regime de reciprocidade, apátridas e refugiados políticos”. Esta Lei acaba por trazer também a assinatura de António Arnaut como Vice-Presidente, em exercício, da Assembleia da República, quase que como fecho simbólico do seu papel na criação do SNS.
Ao longo destes quase 40 anos o SNS foi evoluindo acompanhando, umas vezes mal, outras vezes melhor, as alterações da organização social, da economia e mesmo da própria medicina cujas técnicas são hoje, mediante a vertiginosa evolução tecnológica que se tem verificado, muito diferentes do que eram há escassas dezenas de anos.
Os índices que medem a evolução da saúde, desde o aumento da longevidade média à mortalidade infantil, mostram o caminho impressionante que foi possível fazer e que se devem, em grande parte, à organização do SNS que se estende por todo o país. Mas os seus custos subiram também de forma gigantesca, o que leva o Estado à necessidade de tentar optimizar essa organização cortando redundâncias, eliminando custos supérfluos, contratualizando externamente o que faz caro ou mesmo não faz, aumentando a eficiência. Mas, muitas vezes também, cortando onde não deve cortar, nomeadamente tratamentos específicos em doenças raras e de tratamento muito dispendioso. E pratica também, tantas vezes, políticas de gestão que se vêm a voltar contra a própria pretensa poupança, como nos cortes cegos de manutenção de equipamentos e aquisição de peças suplentes, sem falar na substituição de profissionais de saúde por simples e anónimas prestações de serviços.
A vida política leva tantas vezes, na sua vertigem partidária de ataques aos adversários e de defesa automática de correligionários, a desfazer naquilo que deveria ser assumido como aquisição civilizacional, portanto o mais possível pertença de todos.
O Serviço Nacional de Saúde tem e sempre terá, problemas. Alguns deles terão a ver com a sua organização em cada momento, mas também com circunstâncias externas de que sofre as consequências. O que não deverá é deixar de ser considerado como um dos factores mais importantes da coesão social e do nosso desenvolvimento. A sua defesa é, como costuma dizer o Dr. António Arnaut, uma questão sobretudo ética e não de posicionamento político-partidário. Assim os responsáveis políticos de cada momento o sintam e saibam, com verdade, ser consequentes nas decisões que lhes dizem respeito, que são como em tudo na vida também económicas, mas sobretudo de carácter social.

A China e a nossa electricidade



A empresa chinesa “China Three Gorges”, que já detém 23,2% do capital da EDP, apresentou uma OPA para compra do resto do capital daquela que é a maior empresa portuguesa. Poder-se-ia pensar que se trata de um negócio privado que só podemos esperar que corra bem. Contudo, na realidade, não é disso que se trata. A empresa chinesa não é uma empresa privada, pertencendo ao Estado. E, como bem sabemos, nada do que se passa no Estado chinês foge ao controlo férreo do Governo e do único partido do país, o Partido Comunista Chinês. Acresce que a outra grande empresa portuguesa da área da energia, precisamente a REN que é a empresa responsável pela rede de distribuição do nosso país, tem também uma participação maioritária de uma empresa estatal chinesa, a “State Grid”. Isto é, há uma verdadeira possibilidade de o sector energético português vir a ser propriedade do governo chinês passando a sua estratégia a ser de quem o domina politicamente.
Torna-se assim óbvio que um assunto da maior importância para o país e para a nossa soberania só na aparência será resolvido pelo mercado, dependendo na verdade de factores externos que têm mais a ver com a política internacional, com o próprio domínio do mundo, em que a nossa dimensão é tão reduzida que as ondas passam-nos por cima e são tão grandes que nem lhes podemos fugir, quanto mais dominá-las. E, uma coisa é entregarmos voluntariamente soberania a uma União de Estados de que fazemos parte e onde temos voz para discutir tudo, inclusive opções económicas e financeiras. Outra coisa muito diferente é entregarmos uma fatia decisiva da nossa soberania a outro país, com um regime político completamente diferente, que usa e manipula os mercados apenas para se auto-promover como grande potência e atingir os seus próprios objectivos globais.

E qual a atitude de quem tem o dever directo e primário de defender os interesses do país? O primeiro-ministro já veio informar que o governo “não tem reservas à oferta chinesa”. Pelo seu lado o seu ministro-adjunto informou que “não irá intervir em matérias relacionadas com o sector eléctrico enquanto a operação se encontrar em curso”. Eventualmente, porque já interveio antes, ao fazer parte da “Estrutura de Missão para a capitalização das Empresas” que propôs ao Governo as alterações feitas ao Código dos Valores Imobiliários em Junho de 2016 que vieram facilitar em muito esta OPA à EDP dos chineses da “China Three Gorges” e ainda por ser à altura sócio da Linklaters, a sociedade de advogados que assessorou os chineses na preparação desta operação. Torna-se evidente que há meses que os nossos governantes têm conhecimento da preparação desta OPA da “China Three Gorges” tendo mesmo havido negociações a coberto de sigilo e às escondidas dos portugueses, embora a EDP seja uma empresa privada. Desde 2014 que existe legislação que criou um regime de salvaguarda de activos estratégicos essenciais, visando garantir “a defesa e segurança nacional e a segurança do aprovisionamento do País em serviços fundamentais para o interesse nacional, nas áreas da energia, dos transportes e comunicações.”. Se há serviço estratégico para o interesse nacional é o fornecimento da energia que nos ilumina e nos aquece. No entanto, não há notícia de que as nossas autoridades encarem a possibilidade de invocar esta garantia muito antes pelo contrário, o que se percebe é uma vontade de estender uma passadeira vermelha aos chineses para o domínio total da EDP, incluindo a estrategicamente apetecível EDP Renováveis.
Isto é, com esta posição governamental, a defesa dos nossos interesses nacionais está nas mãos de diversas instituições cujas funções e objectivos não têm directamente a ver com o país mas com a defesa de mercados a nível nacional e comunitário, mas também transnacional incluindo outros países onde a EDP desenvolve actividades. A envolvente de um negócio de mais de dez mil milhões de euros com matizes políticas deveria ser muito mais transparente para que os portugueses sintam que os interesses nacionais estão a ser completamente defendidos por acções e não apenas por palavras.

terça-feira, 15 de maio de 2018

HAWKING E BEETHOVEN



Como acontece sempre que uma grande personalidade nos deixa, o recente desaparecimento de Stephen Hawking aos 76 anos não deixou de trazer associada alguma controvérsia que aliás, nunca o abandonou em vida. Não há seres humanos a preto e branco e o próprio gosto pessoal muitas vezes atrai a discussão que tantas vezes se diz trazer a luz. Stephen Hawking foi um dos cientistas mais consagrados dos nossos dias, mas cujos interesses extravasaram em muito os campos da física teórica e da cosmologia a que se dedicou. Nascido em Oxford em 8 de Janeiro de 1942, exactamente 300 anos depois da morte de Galileu, veio em 1979 a ocupar a Cátedra de Matemática da Universidade de Cambridge dita Lucasiana do nome de quem deu os fundos para a fundar (Henry Lucas) e que em 1699 fora de Isaac Newton. Para além dos estudos sobre o Espaço/Tempo e sobre os Buracos Negros que o tornaram conhecido, Stephen Hawking foi um grande divulgador de ciência, tendo o seu livro “Uma Breve História do Tempo” conhecido um enorme êxito em todo o mundo. Pouco depois de completar 21 anos, foi-lhe diagnosticada esclerose lateral amiotrófica, uma doença degenerativa ainda sem cura que, ao longo dos anos, lhe foi paralisando os músculos do corpo sem atingir as funções cerebrais. Durante grande parte da vida, a sua deslocação fez-se em cadeira de rodas e a comunicação através de sintetizadores de voz, tendo a certa altura perdido mesmo todo e qualquer movimento do corpo, incluindo segurar a cabeça. O seu cérebro brilhante continuou a trabalhar confinado a um corpo que se tornou na sua prisão, embora Stephen Hawking tivesse, num esforço admirável, feito todos os possíveis para continuar a transmitir ao exterior os resultados da laboração da sua actividade puramente cerebral.

Também o cérebro de Beethoven, um dos maiores músicos de todos os tempos, se viu a certa altura impedido de comunicar com o exterior através precisamente daquilo que o distinguia de todos, a capacidade de juntar os sons de uma forma única e revolucionária para a sua época. Nascido em 1770, a partir dos 26 anos de idade, Beethoven foi progressivamente perdendo a capacidade auditiva. Aquele que já então era considerado um génio, que aos dez anos já dominaria todo o repertório da Bach e que iniciara a sua carreira de compositor aos 11 anos, passaria grande parte da sua vida sem conseguir ouvir devidamente a interpretação das suas composições. Nos últimos anos dez anos da sua vida ficou mesmo completamente surdo. Felizmente, como a surdez só se manifestou enquanto adulto, a sua memória auditiva era suficiente para compor mentalmente, passando ao papel aquilo que para ele já era apenas pura construção cerebral, sem a poder ouvir. Espantosamente algumas das suas obras mais marcantes, pelo carácter inovador e visionário, são precisamente da fase final da sua vida como os Quartetos para Cordas. Desta fase final é a célebre 9ª Sinfonia apresentada pela primeira vez em 1824 sob a regência do compositor já com surdez total que nem o permitiu ouvir a grande salva de aplausos final. A obra de Beethoven é de tal forma avassaladora na História da Música, que durante muito tempo depois da sua morte os compositores se abstiveram de compor mais do que nove sinfonias, em manifestação de respeito e homenagem.
Beethoven e Hawking, personalidades históricas tão diferentes entre si e que dedicaram os seus génios a áreas tão diferentes da criação humana, mas unidos pela prisão dos seus cérebros nos corpos e conseguindo, com enorme esforço, encontrar meios de comunicar o seu labor intelectual com o exterior, constituindo-se assim em símbolos de liberdade. Através da superação de dificuldades extremas, tanto Beethoven como Hawking conseguiram deixar a Humanidade mais rica. Na realidade, a pior prisão que pode haver é a do espírito, como muitos prisioneiros dos mais diversos campos de concentração e escravaturas as mais diferentes descobriram por si, nunca se sujeitando aos carcereiros.
Quando um dia perguntaram a um juiz, após o julgamento de um caso particularmente grave, se ainda acreditava na Humanidade depois daquilo acontecer, a sua resposta foi que sim, porque tinha lido o “Diário de Ann Frank”. Tinha toda a razão. Àquela jovem heroína podemos acrescentar muitas outras personalidades que nos mostram como é possível ao espírito humano ultrapassar as barreiras mais adversas e escrever as mais belas páginas da Arte e da Ciência, provando sempre que a Humanidade vale a pena. 
NOTA: Republicação de artigo de 2 de Abril de 2018

segunda-feira, 14 de maio de 2018

Trump cumpre



Ano e meio depois de ser eleito, o presidente americano cumpriu na semana passada uma das suas promessas eleitorais, ao decidir quebrar a participação do seu país no acordo nuclear com o Irão conhecido por JCPOA (Joint Comprehensive Plan of Action) assinado em 2015 pelos EUA em conjunto com a França, o Reino Unido, a Alemanha, a Rússia e a China além, claro, do Irão. O acordo visa, fundamentalmente, evitar que o Irão venha a desenvolver armas nucleares, constituindo um passo muito importante na luta contra a proliferação nuclear, ainda por cima numa zona com uma conflitualidade histórica permanente, como é o médio-oriente. O Irão viu descongelados os seus bens no estrangeiro e serem retiradas as sanções económicas sendo ainda autorizado a vender petróleo, o que lhe permitiu ser hoje o quinto maior produtor de crude do mundo levando a economia a uma recuperação impossível sem este acordo. Como contrapartida, o Irão reduziu em 13.000 as quase 20.000 centrifugadoras utilizadas para enriquecer urânio, entregou cerca de 98% do stock de urânio enriquecido que possuía e desmantelou o seu único reactor de plutónio. Este complexo nuclear permitiria, logo em 2015, fazer uma bomba nuclear em poucos meses se o Irão decidisse seguir por esse caminho, sendo possível fabricar até dez bombas nucleares com o material já existente. Dos prazos constantes do acordo faz parte o fim do embargo às armas iranianas em 2020, podendo o Irão retomar o seu programa nuclear com fins pacíficos em 2030 terminando as inspecções às centrifugadoras em 2035.

A monitorização deste conjunto de medidas cabe à Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), uma agência que depende da ONU. Desde o início do JCPOA em 1 de Janeiro de 2016 a AIEA já produziu 10 relatórios a certificar o cumprimento do acordo por parte do Irão levando toda a comunidade internacional envolvida a descansar sobre a execução do acordo.
Todos, excepto o presidente americano que, desde a campanha eleitoral tem classificado o acordo como um desastre, em parte pelos prazos indicados que, segundo ele, permitem ao Irão vir a desenvolver armas nucleares, e pelo dinheiro que entende estar a ser “dado” ao Irão com o fim das sanções económicas. Trump encontra-se agora bem acompanhado nestas suas opções, já que o novo Conselheiro de Segurança John Bolton defende igualmente a saída do acordo e o novo Secretário de Estado Mike Pompeo desde há muito que classifica o acordo como desastroso. Não é possível ignorar ainda outra circunstância que não terá nada a ver directamente com o caso, mas ainda que não acreditando em bruxas, que as há, há, como se costuma dizer. O novo presidente da influente NRA (National Rifle Association), o maior lobby a favor da liberdade de venda de armas nos EUA é o tristemente célebre Coronel Oliver North do célebre escândalo Irão-Contras que, nos anos finais da década de 1980, assumiu a responsabilidade por violações á lei americana, precisamente na venda de armas ao Irão.
Curiosamente, o momento escolhido por Trump para esta atitude coincide com o fim da “guerra de palavras” com o líder da Coreia do Norte que parecia seguir uma escalada com um final perigoso. Não podemos deixar de notar esta coincidência temporal, dado que o líder norte-coreano Kim Jong-un, numa reviravolta repentina resolveu, pelo menos aparentemente, restabelecer relações com a Coreia do Sul e sentar-se à mesa para negociações tendo já sido marcada uma cimeira entre os dois líderes para a primeira quinzena de Junho em Singapura
Apesar de tudo, Trump deixou ainda em aberto a hipótese de haver negociações para um novo acordo, o que poderá sugerir que tem em mente a hipótese de o Irão vir a mudar de posição perante posições de força como terá sucedido com a Coreia do Norte. Se for esse o caso, estará completamente enganado. O médio-oriente não é a península da Coreia, neste caso os EUA estão isolados no Conselho de Segurança das Nações Unidas e, fundamentalmente, a República Islâmica xiita dos ayatolás iranianos já mostrou à saciedade que não é para brincadeiras, como aliás os americanos bem sabem, dado o historial do seu relacionamento mútuo desde 1979.

domingo, 13 de maio de 2018

Nova maternidade em Coimbra

A questão da localização da nova maternidade em Coimbra parece um Benfica-Porto. Os defensores de cada uma das hipóteses de localização atiram-se uns aos outros como claques de clubes de futebol, deixando de lado a racionalidade e usando apenas de retórica. Ao lado do novo Pediátrico há muito terreno livre, porque é que está fora da discussão? A ligação prevista à circular externa, ainda por fazer, resolveria a questão dos acessos a ambas as estruturas hospitalares. Triste terra esta em que as decisões importantes são tratadas desta forma.

terça-feira, 8 de maio de 2018

Fanfare for the Common Man, New York Philharmonic, James Levine

Mentiroso? Não, apenas um reles vigarista

A verdade sempre esteve bem à vista. Havia era muita gente que não queria ver - dava-lhes jeito.
Certificado de 1996 com indicativo telefónico que só surgiu em 1998.
Um pequeno gato com o rabo de fora.
Como este da loja de fatos a 50.000 dolares: