Infelizmente nem seriam necessárias as tragédias que regularmente nos visitam para nos apercebermos até quanto somos ainda um país pobre e mal organizado, pese embora exista ao lado deste um outro país desenvolvido e sofisticado que gostamos de mostrar ao mundo. Nas últimas semanas temos assistido, com alguma perplexidade, a uma onda de greves simultâneas em sectores vitais. Estas greves permitem ver como é o tal país que muitos tentam ignorar ou até mesmo esconder, talvez pela sua falta de “glamour”, como tanto se gosta de dizer nos jornais e nas tv´s.
Desde logo, no sector da saúde melhor
dizendo, no Serviço Nacional de Saúde. Greve dos Enfermeiros, portanto. Greve
cuja duração já atirou para as calendas milhares de cirurgias, dizendo-se que
por cada dia são mais 500 doentes que não vêm solução para os seus problemas de
saúde. Mas parece não haver problema e, com uma calma olímpica, o Governo deixa
andar. Os portugueses descobrem que a classe dos enfermeiros é, no Sistema
Nacional de Saúde, pobre e mal paga. Muito mal paga mesmo, assim se explicando
por que razão os enfermeiros ou têm vários empregos para sobreviver andando
ensonados, cansados e desesperados com o trabalho ou vão para fora para viver
com dignidade e até receber prémios pela sua capacidade de trabalho e
competência.
A greve dos estivadores do Porto de
Setúbal tem consequências graves na economia portuguesa, desde logo pelos
problemas que acarreta à saída dos automóveis fabricados pela AutoEuropa que
representa uns 15% das exportações portuguesas e se viu obrigada a procurar
alternativas ao porto de Setúbal, cujos trabalhadores estão parados desde 6 de
Novembro. E os portugueses descobrem mais um mundo subterrâneo de trabalho
miseravelmente pago, mas sobretudo com famílias portuguesas a viver em
condições humilhantes e verdadeiramente inaceitáveis nos dias de hoje. Uma
organização laboral que supúnhamos já terminada há muitos anos, subsiste
escondida à volta dos portos portugueses. Se há uns anos os sindicatos definiam
quantos trabalhadores seriam necessários para a estiva dos navios, aguardando
os precários junto aos portões que lhes dissessem quantos poderiam trabalhar
nesse dia, hoje em dia são as empresas a fazê-lo. E dezenas e dezenas de
famílias dependem de os seus familiares arranjarem ou não trabalho em cada dia,
fazendo-se uns contratos que terminam no fim desses mesmos dias, isto durante
anos e anos a fio. Para ganharem verdadeiras misérias. Mais do que comentar os
problemas que a greve traz à economia, importa denunciar e acabar com a
situação laboral a todos os títulos vergonhosa que um país da União Europeia,
em 2018, permite que seja a de cidadãos seus.
Por fim, a greve dos Juízes. Se as greves
acima referidas acabam por mostrar um país deprimido, mal organizado e que
ainda não encontrou verdadeiros caminhos de desenvolvimento que permitam um
mínimo de estabilidade económica aos seus cidadãos, a greve dos juízes deve-nos
colocar de sobreaviso acerca do perigo de uma condição essencial da cidadania:
a nossa segurança individual e colectiva. Se há sector crucial para o
funcionamento do regime democrático é a Justiça, pelo que uma greve dos seus
agentes mais directos é algo que deve suscitar a atenção preocupada dos
cidadãos.
A greve dos juízes tem motivado as
posições mais desencontradas, mesmo por parte dos juristas mais conceituados,
que eles próprios não mantêm no tempo, razão pela qual o cidadão comum sente a
maior perplexidade perante essa situação. É que se os Tribunais são em si próprios
órgãos de soberania, a independência dos juízes tem que ser garantida e depende
de muitos factores a que eles são alheios, mesmo para além da determinação dos
seus vencimentos. E quando os juízes fazem greve em função do seu Estatuto, que
define os seus direitos e deveres, os restantes cidadãos devem prestar a maior
atenção, não se vá dar o caso de a sua independência poder vir a ser posta em
causa.
As greves em curso constituem, cada uma à
sua maneira, uma interpelação muito clara a que todos nós devemos responder
frontalmente, porque dessa resposta colectiva e esclarecida depende a escolha de
qual país queremos ser.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Dezembro de 2018