Há poucos dias,
enquanto circulava no IP3 perto de Chamadouro na zona da barragem da Aguieira,
deparei-me com um acidente, mais um a juntar ao triste historial daquela
estrada. Um pesado de mercadorias tinha entrado em despiste, invadindo a via
contrária e esmagando um veículo ligeiro de mercadorias que seguia em sentido
contrário. Assim se ceifou a vida do condutor do ligeiro de mercadorias. Já estamos
tão habituados a este tipo de ocorrências, que as vítimas são tratadas como mera
estatística perdendo mesmo a sua identidade. Como isto não deveria suceder
nunca, de alguma maneira retiro do anonimato a vítima mortal deste acidente.
Tratava-se de um jovem de 22 anos de idade, natural de Silvares no concelho do Fundão,
terra que por acaso conheço bem fazendo parte das minhas memórias de sempre.
Circulava naquele local e naquela viatura porque, estando a terminar os estudos
superiores, tinha aproveitado as férias para trabalhar e era o que fazia quando
perdeu a vida.
Infelizmente, este
acidente não constitui uma raridade nas estradas portuguesas, nem sequer
naquela estrada em concreto.
Durante muito
tempo, Portugal deteve um triste recorde sistemático de sinistralidade e
mortalidade rodoviárias. Mercê de diversos factores, como melhoria das
estradas, renovação dos veículos, campanhas de sensibilização e também de
policiamento, essa situação alterou-se e, de forma contínua, as estatísticas
portuguesas de sinistralidade rodoviária foram sendo reduzidas para níveis mais
próximos das médias europeias. Contudo algo de grave parece estar a suceder.
Desde 2017 que a descida das estatísticas se inverteu, aumentando o número de
acidentes e de mortos. Em 2018, o número total de vítimas mortais - 675, foi
mesmo o mais elevado desde 2012. No corrente ano, só até 21 de Agosto, já
morreram 296 pessoas e as notícias dos últimos dias têm sido trágicas, fazendo
prever que o número de mortos possa ser ainda superior ao de 2018. Convém
lembrar que a média portuguesa de mortos nas estradas é de 69 pessoas por
milhão de habitantes, o que ainda nos deixa muito longe do valor médio
equivalente europeu que é de 49. Por aqui se vê que, para além da gravidade de
estarmos a andar para trás na sinistralidade rodoviária, acresce que os nossos
valores são praticamente superiores em 70% aos valores médios europeus, o que
deveria acender as luzes vermelhas aos responsáveis. A propósito, deixo aqui
duas perguntas: fora do controlo de velocidade das auto-estradas, quando foi a
última vez que o leitor foi mandado parar pela GNR por acção de rotina, ou viu
mesmo uma patrulha a circular de forma preventiva?
Por seu lado, a
estrada onde se verificou aquele acidente é um caso verdadeiramente
inacreditável de falta de investimento público absolutamente necessário e
urgente, sendo hoje mesmo um exemplo insuportável de incúria insustentável por
parte do Estado. Se o seu traçado inicial foi um erro crasso de planeamento, o
tempo entretanto decorrido e o número de mortes que lá se têm verificado justificariam
uma atenção redobrada para este problema. Exactamente o contrário do que se tem
passado. As promessas não cumpridas têm-se sucedido ao ritmo do desfazer do que
anteriores governantes tinham igualmente prometido. O IP3 é actualmente um
imenso “ponto negro”, constituindo uma autêntica estrada da morte. Circular por
lá é um pesadelo para todos os automobilistas, permanentemente em risco de se
verem envolvidos em acidentes, sem que para isso em nada contribuam, apenas
pelas miseráveis condições de circulação.
Enquanto não se
fazem as necessárias obras que reponham condições minimamente aceitáveis de
segurança de circulação, fica aqui um desafio aos autarcas dos municípios
atravessados pelo IP3: juntem-se e encontrem uma maneira, seja ela qual for, mesmo
que eventualmente contra os regulamentos em vigor, de proibir a circulação de
veículos pesados de mercadorias nesta estrada, com excepção obviamente daqueles
com origem ou destino nas povoações que serve directamente. Na verdade, a
circulação destes pesados nem nunca deveria ter sido autorizada, quando existe
alternativa pela A25 e A1, já que o IP3 nunca teve as condições de segurança
necessárias para o tráfego pesado que o procura.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Setembro de 2019
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Setembro de 2019