segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Enganos e Desenganos


“Estavas, linda Inês, posta em sossego
De teus anos colhendo doce fruito,
Naquele engano da alma ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito”
Camões

De enganos e desenganos está a História cheia. Alguns enganos atingem tanta gente e de uma forma tão profunda e duradoura que a descoberta da verdade é um choque dificilmente admitido.
Até há poucos dias, dificilmente se encontraria desportista mais admirado do que o ciclista norte-americano Lance Armstrong que na sua juventude venceu um cancro de forma dramática, tendo demonstrado uma força de vontade e resistências física e anímica impressionantes. Sendo um desportista de topo, decidiu abalançar-se à mais emblemática e difícil das provas de ciclismo a nível mundial: a Volta à França. São 21 etapas corridas em três semanas, somando 3.500 km de todo o tipo de percursos, incluindo subida e descida de montanhas impressionantes, como os Alpes e os Pirinéus. Venceram-na mais que uma vez figuras míticas como Jacques Anquetil, Eddy Merckx, Bernard Hinault ou Miguel Indurain. Pois Armstrong venceu a prova em 1999 e repetiu a proeza todos os anos até 2005: sete vitórias consecutivas, um feito nunca antes sequer sonhado que o colocou no topo do desporto mundial. Mas Lance Armstrong não se ficou por aqui tendo criado uma Fundação para apoiar pessoas atingidas pelo cancro, a Livestrong que, até hoje, já apoiou cerca de 2,5 milhões de pessoas. Armstrong tornou-se um mito global, um exemplo apontado à juventude em todo o mundo.
Nos últimos dias o mundo assistiu atónito ao desmoronar do mito Lance Armstrong. Descobriu-se que o ciclista participou num sofisticado esquema de doping durante mais de dez anos, que lhe permitiu obter aqueles extraordinários resultados. É um mundo inteiro que, perplexo, descobre que foi deliberadamente enganado e que as autoridades que controlam o doping também se mostraram incapazes de evitar a situação. Em consequência, foram-lhe retirados todos os títulos desportivos obtidos desde 1999 e foi proibido para sempre de voltar a participar em provas desportivas.
O engano é ainda maior porque Lance Armstrong sempre se assumiu como um atleta livre de drogas e apresentava os seus sucessos como um exemplo para os desportistas que querem ir mais longe e mais rápido apenas através do seu esforço e vontade de vencer.
Este enorme desengano coloca imensas questões e levanta as maiores dúvidas sobre os resultados desportivos dos atletas de alta competição e mesmo sobre tudo aquilo em que o desporto se tornou.
Por outro lado, os jovens perderam um referencial. Como explicar às crianças o sucedido, sem que lhes fique a sensação de que todo o mundo é um engano? Como fazer entender que não se deve enganar e mentir para obter resultados, seja nos estudos, seja no desporto, seja no trabalho? E como explicar que o problema não está em ser descoberto, mas em praticar o mal? E que o desporto é importante se entendido como uma forma salutar de manter a boa forma física através da competição e não um negócio?

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 22 de Outubro de 2012

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Encontros em Coimbra (na Baixa)


Drogas legais


Quem passar à porta de umas lojas que têm surgido como cogumelos pelas nossas cidades, ficará certamente surpreendido com o elevado nº de jovens que saem delas depois de terem comprado produtos à primeira vista inócuos como “fertilizantes para plantas”, “incensos” “sais de banho” ou mesmo “chás”.
São as chamadas “smartshops” que estão a inundar as ruas com drogas sintéticas cujos efeitos são comparáveis às drogas proibidas já velhas conhecidas. Para além das designações enganadoras, os vendedores ainda se dão ao luxo de colocar avisos nas embalagens de que os produtos não são para consumo humano, que devem ser mantidos longe das crianças, etc.
Sem o imaginarem, aqueles compradores entram num labirinto de enganos e perigos que podem causar grandes danos à sua saúde de forma irreparável, ou mesmo a morte. O facto de as compras serem feitas em lojas abertas ao público tem duas consequências assinaláveis sobre o comportamento dos clientes: em primeiro lugar, oferece uma sensação de segurança impossível de ter quando se compram drogas proibidas em zonas inseguras e a fornecedores muitas vezes eles próprios assustadores; por outro lado, o simples facto de essas lojas estarem abertas convence os jovens de que os produtos não têm problemas porque se hoje em dia a sociedade tem tanta preocupação com a qualidade de tudo o que se vende, também neste caso isso se verificará.
Nada de mais errado: esta é uma segurança enganadora. As substâncias contidas naqueles saquinhos com figuras infantilizantes no exterior estão fora de qualquer controlo higio-sanitário. São drogas sintéticas fabricadas em laboratórios que depois as distribuem por toda a Europa. Aquelas embalagens de pó ou pastilhas podem conter até mais de duzentas substâncias, sem qualquer controlo de qualidade e ninguém consegue sequer saber com exactidão o que contêm. Se o comprador de heroína ou cocaína pode estabelecer um padrão de “qualidade do produto”, isso é absolutamente impossível para estas novas drogas legais. E os seus efeitos sobre os consumidores são frequentemente devastadores.
E a sua venda é legal, porquê? Porque os laboratórios que as produzem andam à frente da Lei nos diversos países enredados em burocracia. Quando o processo legal de um país, como por exemplo Portugal, coloca uma substância na lista dos produtos cuja venda é proibida, os laboratórios, mantendo o núcleo essencial da fórmula, logo efectuam pequenas alterações na estrutura molecular, do que resulta uma nova substância ainda não proibida; e por aí adiante.
O que mais impressiona nisto tudo, para além da hipocrisia generalizada de que se reveste, é a incapacidade ou mesmo falta de vontade dos responsáveis políticos e de saúde pública para, concertadamente, enfrentarem o problema. O que se vê é esconder e virar a cara, para além de desconhecimento generalizado. Nem sequer há estatísticas de mortes associadas a este problema, porque a medicina legal não faz testes de despistagem destas drogas. Os consumidores podem mesmo conduzir veículos à vontade, porque os testes de detecção de drogas não contemplam estes produtos.
Para além de avisar os jovens para os perigos a que se sujeitam ao consumirem estas “drogas legais”, é necessário alertar as autoridades responsáveis e exigir que tomem urgentemente uma posição séria perante este novo flagelo que a ganância de uns e a inércia de outros faz abater sobre a juventude.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Coimbra e o Metro


Embora a generalidade dos políticos não goste de o reconhecer publicamente, desde Maquiavel que a política deixou de ser encarada numa perspectiva eminentemente moral, a favor da óptica científica e técnica.
O longo processo do chamado Metro Mondego tem merecido demasiadas posições públicas no domínio da moral, normalmente sob a capa da reivindicação da justiça para estes ou aqueles. A consequência está bem à vista de todos e, infelizmente, as razões apresentadas para as posições que ultimamente têm sido tornadas públicas continuam a fazer tábua rasa da análise fria e objectiva do projecto.
O metro ligeiro de superfície designado por Metro Mondego é uma ideia que se tem tentado passar à prática desde o início dos anos noventa do século passado. Duas razões nem sempre explicitadas levaram a que se tivesse constituído a sociedade Metro Mondego para levar a cabo o projecto. Em primeiro lugar, a Linha da Lousã em modo ferroviário clássico estava claramente em perigo de seguir o caminho de muitos ramais encerrados desde essa altura, dado o evidente desnível entre os custos de exploração e a procura. A integração da linha da Lousã num projecto que abrangesse também o percurso urbano dar-lhe-ia a sustentabilidade económica que impediria o seu encerramento. Por outro lado, a desistência do projecto do túnel ferroviário na zona da Portagem por causa do seu custo proibitivo, levou a Autarquia de Coimbra a defender a alteração da linha do comboio para metro de superfície, o que permitiria encarar uma nova utilização para a margem direita do Mondego, permitindo uma sã ligação da Cidade ao Rio.
A partir daí, os estudos urbanísticos da Cidade, designadamente no que respeita à Baixa e margem direita do Rio, passaram a ter a implantação do Metro como um dado adquirido. A ligação do Metro da margem do rio aos Hospitais garante a sustentabilidade económica de todo o sistema. Mas não só. Essa ligação é hoje crucial para o próprio funcionamento da cidade, que potenciará ainda o desenvolvimento económico de largas zonas da Cidade.
É comummente entendido que um dos principais óbices à recuperação da Baixa, nomeadamente no que respeita ao seu comércio tradicional, mas também ao regresso de moradores à zona, tem a ver com as acessibilidades. O metro irá permitir que os utentes da linha da Lousã, incluindo moradores da zona urbana atravessada, tenham acesso rápido e fácil a grande parte da cidade; mas também os conimbricenses passam a poder procurar o comércio e os serviços da Baixa com toda a rapidez e comodidade, sem a preocupação de procurar estacionamento para o carro. A principal reivindicação dos comerciantes da Baixa devia mesmo ser a construção imediata do Metro que lhes trará de volta os clientes hoje desviados para os centros comerciais, bem como moradores locais, tão importantes para segurança e para o movimento contínuo nas ruas e lojas.
A recuperação para a Cidade de toda a margem direita do Mondego entre o Parque Verde e a Ponte Açude só será viabilizada com a eliminação definitiva do canal destinado aos comboios e a sua substituição pelo metro de superfície.
Os municípios vizinhos que eram servidos pela Linha da Lousã têm tudo a ganhar se lutarem igualmente pelo metro ligeiro de superfície. A metropolização que já hoje em dia é um facto, embora de forma incipiente, poderia expandir-se e estruturar-se com vantagens óbvias para as populações; a exigência da reposição da Linha da Lousã com comboios como era antes é perniciosa para todos, por ir contra toda a lógica técnica e científica.
A actual situação, no que respeita ao Metro Mondego, é claramente esta: ou ganham todos, ou perdem todos. Meus caros concidadãos, coloquemos a razão ao serviço desta discussão, em vez de interesses imediatos ou ideias morais por mais justas ou importantes que pareçam de momento.



segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O TITANIC nunca se afundou

Claro que esta história de dançar enquanto o navio se afunda só acontece nas historietas. O Titanic nunca se afundou e Portugal também não.
Dancemos, portanto.

A Finança em vez da Economia



O dinheiro tem uma história muito longa, desde que surgiu da necessidade de encontrar uma medida comum de valor para as trocas de mercadorias. Muito mais tarde a evolução da humanidade levou ao surgimento da empresa como peça central da economia, garantindo não só a produção das mercadorias necessárias a uma vida cada vez mais complexa, mas também o emprego a grande parte da população activa.
O dinheiro fazia parte deste sistema, através do financiamento das empresas e das próprias famílias, mas também pelo pagamento do trabalho. Para isso, era essencial o funcionamento do sistema financeiro, através da banca clássica ou de crédito. Ao lado, mas separada desta banca, existia também a chamada banca de investimento, trabalhando com níveis de risco mais elevados, e portanto com limites e controles bem definidos.
Nas últimas décadas temos, no entanto, assistido a alterações radicais desta situação. O surgimento da internet e o desenvolvimento das capacidades informáticas, associados à globalização, soltaram as movimentações financeiras das amarras que as seguravam e de alguma forma controlavam. O dinheiro passou a ser ele próprio apenas uma mercadoria. Mesmo o cidadão comum está perder o contacto com o dinheiro, com o uso crescente de cartões multibanco, os pagamentos de serviços por transferência automática etc.
A finança desenvolveu-se a níveis antes inacreditáveis, tomando conta da economia e mesmo substituindo-a em grande parte. A banca de investimento fundiu-se com a banca de crédito, inundando os habituais e seguros depósitos com os chamados “produtos derivados”. Os “fundos soberanos” agem por todo o mundo sem qualquer tipo de regulação. Os “hedge funds” com os seus “produtos estruturados” que, tendo provocado as bolhas imobiliárias por todo o lado se viraram agora para os produtos primários e mesmo alimentares, são movimentados de forma altamente especulativa, sem qualquer controlo.
O mercado de capitais, usando os meios disponibilizados pela informática, inclui hoje em dia a actividade de autênticos “robots” que, de forma automática, detectam toda e qualquer grande compra ou venda institucional logo no seu início, fazendo operações extremamente rentosas para os “broker” em milésimos de segundo. Mais de metade dessas transacções são anuladas no segundo seguinte.
A questão que se coloca é simples e imediata: o que fazem os governos e as entidades responsáveis pelas bolsas e bancos centrais para acabar ou limitar estas situações que estão a erodir o desenvolvimento económico do último século? Sem que se perceba a razão, não fazem nada ou quase nada. E no entanto, há coisas relativamente simples que poderiam limitar este estado de coisas. Se o fim dos “paraísos fiscais” parece muito difícil, já a introdução de uma taxa, ainda que pequena, sobre todas as transacções financeiras acabaria com a chamada finança de alta frequência. A separação entre a banca de crédito clássica e a banca de investimento traria segurança e lógica a toda a economia. A proibição imediata do “short selling” traria uma nova segurança ao mercado de capitais. É isto que devemos exigir já a quem governa aqui e na Europa.
O mundo está a mudar a uma velocidade estonteante, o que exige dos responsáveis políticos novos conhecimentos e capacidades bem como independência relativamente aos mentores deste estado de coisas. Sobretudo numa altura de crise profunda, têm que mostrar estar à altura dos acontecimentos e ser muito mais que gestores de memorandos com troikas que vão e vêm.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 1 de Outubro de 2012

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Opções (in/adiáveis) de novo?



No início do mês de Abril de 1979, Sá Carneiro enfrentou uma das maiores crises da sua liderança partidária. Dos 73 deputados do PSD, 37 passaram a independentes, por divergência com o presidente do partido, não tendo seguido a orientação partidária de abstenção na votação do Orçamento. Esta situação tinha antecedentes, que se prendiam com a publicação do documento conhecido por “Opções Inadiáveis” em que vários notáveis ou barões do partido, ao defenderem “a socialização crescente da economia” estabeleciam uma linha programática de “consenso” com o “status quo” político que então se vivia. Sá Carneiro pensava já na AD como alternativa ao socialismo e à semi-tutela militar ainda prevalecente no país e que meio ano depois viraria o país do avesso.
De uma forma que denota uma clara convergência de interesses no objectivo de apear a liderança partidária, de novo se ouvem vozes no PSD a apelar a uma dissidência dos deputados. São outra vez as chamadas reservas do Partido, que se acham “donos” dele. Só que, desta vez, o apelo à revolta dos deputados tem uma agravante crucial: o PSD está no Governo e é responsável pela governação. Discutir opções, discordar de propostas, apresentar alternativas, tudo isso é sério e mesmo necessário, num tempo em que o país está a tentar ganhar espaço para respirar após uma governação criminosamente irresponsável nos ter atirado para as mãos das instâncias internacionais corporizadas na Troika. Tentar arranjar soluções governativas não surgidas de eleições como alternativa a um governo legitimamente eleito, em que o próprio partido participa e que dispõe de maioria confortável na Assembleia da República é apenas inqualificável não só do ponto de vista partidário mas, acima de tudo, do ponto de vista nacional. Não será necessário recordar que o país está a ser ajudado financeiramente para pagar as suas contas e sob vigilância rigorosa das estâncias internacionais.
Coisa semelhante seria o Governo passar a ser ele próprio um problema em vez de solução, por dissidências entre os dois partidos que lhe servem de base. A questão não está sequer em tentar manter problemas fora da esfera pública. Os sentimentos de desconfiança e mesmo de reserva mental na abordagem dos graves problemas nacionais não são algo que se consiga esconder dos portugueses. Para o bem e para o mal, o PSD e o CDS estão amarrados entre si numa solução governativa de emergência que tem a obrigação de retirar Portugal da aflita situação em que o colocaram. Estamos num ponto em que se puxa o lençol para tapar algo e fica sempre algo a descoberto porque o pano é curto, o que dá permanentemente razões de queixa a alguém. A questão da coordenação política entre os dois partidos do Governo é crucial, não só para o próprio governo, mas para o país. Uma crise séria que colocasse em questão a estabilidade governativa, seria o suicídio do PSD e do CDS como partidos do arco governativo, mas essencialmente, um desastre para Portugal que passaria a ser visto como um país pária incapaz de se governar e sem capacidade de cumprir os seus compromissos internacionais. Espera-se que tal não venha a suceder.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 24 de Setembro de 2012

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Coimbra, menina e moça



“Vivi ali tanto tempo quanto foi necessário para não poder viver em outra parte. Muito contente fui em aquela terra, mas, coitada de mim, que em breve espaço se mudou tudo aquilo que em longo tempo se buscou e para longo tempo se buscava”
Bernardim Ribeiro em “Menina e Moça”

Certamente não por acaso, Coimbra tem um efeito algo estranho em muitos dos que nela vivem. Por vezes quase parece mesmo uma relação amor/ódio.
Não deve haver muitas cidades em que durante a maior parte do tempo os moradores digam tão mal dela, como Coimbra. Desde que me conheço que ouço a mesma ladainha do parado no tempo, do fim das indústrias, dos malvados shoppings onde todos acabam por ir, da velha universidade, da comparação negativa com as outras cidades da região, etc. etc.
Depois, repentinamente, surgem picos do que parece ser um acrisolado amor, como quando surge algum ranking a colocar a Universidade de Coimbra como a melhor portuguesa, o que até acontece quase todos os anos, mas esses entusiamos são de curta duração, logo se passando à mesma lamúria de sempre.
Conheço na nossa cidade pessoas que são do melhor que há, tanto em termos de capacidade profissional, como de espírito livre e disponibilidade para participar em tudo o que possa ajudar a um futuro melhor. Isto independentemente de opções ideológicas e mesmo partidárias. Um certo realismo e até experiência de vida, diz-nos que uma adequada e profícua gestão do dia-a-dia integrada numa visão estratégica exige dos intervenientes ideias claras em termos de opções políticas, mas também uma experiência e formação profissional que permitam ultrapassar a floresta de dificuldades que a complexa organização social e política hoje apresenta.
Claro que, como em todo o lado, também cá há muita gente que em vez de assimilar aqueles dois aspectos, apenas consegue fazer vincar apenas um deles, seja o político ou o técnico. É assim que vemos pessoas com grandes capacidades profissionais, mas sem a mínima ideia do que é uma intervenção política. E há também o oposto, que ainda é mais notório, através de intervenções políticas algo estridentes, mas qualquer continuidade no tempo, para além dos tais picos muito conspícuos.
A proximidade das escolhas das candidaturas autárquicas provoca muitos frémitos de emoção e necessidade de picar o ponto na comunicação social. Nada que nos deva espantar ou chocar, porque todos têm direito aos seus desejos e às suas ambições políticas. A sociedade, incluindo partidos, deve é ter consciência de que boa parte destas atitudes não são mais do que provas de vida, já que durante todo o resto do tempo os seus autores tratam calmamente das suas vidas, não se lhes detetando qualquer resquício de intervenção social ou política.
Coimbra dispensa bem aquela atitude que Bernardim Ribeiro tão bem descrevia no seu romance, de paixões amorosas a necessitar dos tratamentos ou remédios de amor prescritos por Ovídio na sua “arte de amar”. Ao contrário, necessita muito mais de quem sabe, quer e trabalha.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Setembro de 2012

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Notícias de (o) Eucaliptal




Quem viaja hoje pelo norte de Portugal, seja pelo litoral, seja pelo interior, não pode deixar de se impressionar com a  enorme superfície ocupada pela plantação de eucaliptos. Se ainda não se pode dizer que se trata de uma monocultura, já não anda muito longe disso. Nas últimas dezenas de anos o eucalipto tem vindo a substituir paulatinamente o pinheiro bravo como paisagem habitual das nossas zonas florestais.
O eucalipto tem características que o diferenciam das outras espécies arbóreas a que estamos habituados. Em primeiro lugar, é claramente uma espécie exótica. Isto é, o seu plantio em larga escala traduz uma alteração profunda nos nossos ecossistemas, o que inclui não só a área vegetal, mas também tudo o que respeita aos animais que vivem nas florestas, desde os insectos, às aves e mamíferos, sendo a biodiversidade prejudicada através do empobrecimento dos ecossistemas locais. Daqui resulta que a sua monocultura é muito prejudicial para o equilíbrio ecológico do país, com profundas implicações futuras, inclusive económicas.
Depois, trata-se de uma espécie que cresce muito depressa, pelo que consome muita água.
Por outro lado, curiosamente, o eucalipto é aquela espécie vegetal que mais beneficia com os incêndios que, desgraçadamente, todos os verões faz desaparecer boa parte das nossas manchas florestais. Após os incêndios, os eucaliptos nascem espontaneamente nas áreas ardidas, ocupando cada vez mais espaço que anteriormente era de outras espécies.
Muitos ecologistas começam hoje em dia a deixar de atacar o plantio de eucaliptos ou mesmo a defendê-lo ainda que de forma algo tímida, mas significativa pela mudança de posição. De facto, com o aquecimento global, o maior problema ecológico que se põe hoje à escala global terá a ver com o excesso de anidrido carbónico na atmosfera. Sendo assim, o aumento de área de florestas e, fundamentalmente, a escolha de espécies de crescimento rápido que proporcionam um grande sequestro de carbono durante o seu crescimento o que é o caso, precisamente, do eucalipto, será uma necessidade contemporânea.
Estamos no mesmo país em que uma árvore é protegida, e bem: o sobreiro. Só que neste caso se vai ao extremo de fazer depender de despacho ministerial o corte de uma pequena árvore solitária que surge no meio do caminho de uma estrada para um serviço público de reconhecido interesse.
Como em tudo na vida, um equilíbrio ponderado será a melhor solução que deverá respeitar sempre a sustentabilidade, isto é, não deverá colocar o futuro em causa.
Num momento em que se fala na liberalização do plantio de eucalipto em Portugal, é caso para dizer: já chega; limite-se é com veemência a plantação de novos eucaliptais. Não é preciso ser muito observador nem um grande cientista de biologia para perceber que o eucalipto está hoje em dia prestes a ser uma monocultura florestal em Portugal, transformando o país num gigantesco “eucaliptal”. Não se questiona o interesse económico do eucalipto. O que já começa a estar em causa é o próprio equilíbrio ecológico nacional e esse é um valor que todos temos obrigação de preservar para as gerações futuras.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra

domingo, 9 de setembro de 2012

César das Neves ao "i"


Os bancos dizem que têm dinheiro...
Mas têm medo. O terceiro elemento é a própria economia, que está muito frágil. Num momento em que há muita desconfiança internacional sobre a banca, muita desconfiança específica sobre Portugal, têm medo de emprestar. Mas um aspecto novo, que já aconteceu mas que está a voltar e num clima completamente diferente, é o que me preocupa mais: temos outra vez a banca no bolso do Estado. Resultado do último consulado Sócrates – e é preciso ver que o sistema português cabe num táxi, qualquer dia até o banco de trás do táxi chega –, as empresas desses grupos, sendo algumas indiscutivelmente privadas, como o Banco Espírito Santo, emprestaram dinheiro ao Estado porquê? Porque é que o BES emprestou tanto, se sabia que era uma estupidez? Esta nova influência política, descarada numa altura em que o mundo é completamente diferente, em que a Europa está toda aberta financeiramente, assusta-me.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

21 Julho 1969, 02:56 GMT



O momento em que Neil Armstrong poisou o pé na superfície lunar fica para sempre registado na História da Humanidade como um dos mais importantes e significativos.
Tinham passado oito anos desde que John Kennedy havia estabelecido o objectivo de levar um homem à Lua e trazê-lo são e salvo para a Terra, antes que a década de 60 terminasse, cumprindo-se assim a promessa feita pelo presidente americano perante o Congresso.
Não foi fácil fazê-lo. Custou muito dinheiro e exigiu o trabalho de mais de 400.000 pessoas durante anos a fio, sem os meios tecnológicos, essencialmente os informáticos, de que se dispõe hoje. Após a Apollo 11, houve ainda várias missões que levaram homens à Lua, sendo a última a Apollo 17 em Dezembro de 1972, faz este ano 40 anos!
Foram feitas muitas comparações com as viagens marítimas dos portugueses, inclusive pelos próprios astronautas que tiveram aquela sensação assustadora de partir para o desconhecido sem ter o regresso por certo. A comparação é ainda mais acertada porque, ao contrário do que muitos ainda hoje pensam, as viagens portuguesas foram meticulosamente preparadas, exigiram muitos esforços e grande capacidade organizativa, além da utilização intensiva de todo o conhecimento científico disponível à época.
Aquela noite de Julho de 1969 é também uma recordação pessoal gravada indelevelmente na memória. A transmissão da televisão durou muitas horas e ainda bem novo fiquei acordado à espera do momento crucial da saída de Armstrong e Aldrin para a superfície lunar, o que sucedeu já bem depois das 3 da madrugada, altura em que acordei todo o resto da família. Foi uma viagem vista em directo por todo o mundo. Desde o lançamento do gigantesco foguetão Saturno V em 16 de Julho, até à descida no Oceano Pacífico em 24 de Julho, passando pelo passeio de mais de duas horas na superfície lunar, centenas de milhões de pessoas tiveram a oportunidade de seguir a viagem pela televisão.
Sabemos hoje dos pormenores da descida do Módulo Lunar “Eagle” desde a separação do Módulo de Comando “Columbia” onde ficou Collins a observar e a aguardar o regresso dos dois companheiros de viagem. Neil Armstrong pilotou o “Eagle” na descida e antes que o combustível acabasse teve de encontrar um local seguro para poisar, enquanto os computadores de bordo emitiam sinais aflitivos de mau funcionamento, que lhe provocaram mais de 156 batidas do coração. Foi um momento chave em que a experiência e formação excepcional de piloto de Armstrong salvaram toda a missão. A frase que proferiu quando pisou a Lua e que ficou célebre (um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para a humanidade) terá vindo à sua cabeça precisamente naqueles momentos de aflição antes do pouso do “Eagle” na superfície lunar e é de uma felicidade espantosa na sua simplicidade.
Neil Armstrong foi o primeiro homem a pisar a Lua. Morreu agora. Foi um exemplo, não só pela coragem, sangue frio e determinação em momentos de tensão extrema, mas também pela humildade com que viveu todo o resto da sua vida, recusando honrarias e exposições mediáticas, salientando sempre que, além dele, muitos contribuíram para o sucesso da missão.
Depois da Apollo 17, nunca mais nenhum homem voltou a pisar a Lua. Grandes progressos científicos, inclusivamente na astronáutica se verificaram depois disso, mas o facto é que as novas gerações nunca tiveram a experiência de olhar para o nosso satélite natural, com a consciência de haver lá homens a trabalhar e a representar toda a Humanidade em missões exclusivamente científicas e de paz. Sensação estranha mas simultaneamente propiciadora de esperança no futuro da Humanidade.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 3 de Setembro de 2012

terça-feira, 28 de agosto de 2012

REGRESSOU A TROIKA


Regressou a Troika.
Para verificar se continuamos a empobrecer de acordo com as regras.
E para me lembrar sempre de agradecer todos os dias a quem os chamou, 



segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Construir uma Cidade com História


Brasília foi construída do nada nos anos 50 e 60 do século passado, sob o impulso do Presidente Kubitschek de Oliveira, segundo um plano urbanístico de Lúcio Costa e tendo os edifícios mais marcantes a assinatura de Oscar Niemeyer.
Há poucos exemplos de cidades construídas assim apenas a partir de uma ideia e de um terreno vazio. Teoricamente, têm tudo para dar certo. Quem já foi a Brasília sabe que isso não é verdade. Para além do artificialismo e mesmo de um formalismo demasiado pesado, para uma cidade com menos de 100 anos, aparece-nos surpreendentemente velha e gasta. Mesmo os edifícios governamentais que aparecem tão bonitos nas fotografias surgem já, quando vistos mais de perto, com um ar sujo e pouco brilhante.
O que se dirá de uma cidade como Coimbra? Que é muito mais que o resultado do sonho de um homem. Coimbra não nasceu ontem. Antes de o ser já era Aeminium. Isso muito antes de um jovem rebelde ter resolvido pegar na História com as suas mãos e, mal ou bem, ter separado para sempre o Condado Portucalense da Galiza virando-se para Sul para construir um País, conquistando-o aos mouros.
O jovem que se fez Rei começando por lutar contra a própria Mãe, fez de Coimbra a primeira capital do seu Reino e foi nesse preciso momento que a História da nossa Cidade se começou a confundir com a História de um Portugal então nascente.
Nós, os que cá estamos hoje, tenhamos ou não responsabilidades públicas, somos apenas um momento fugaz na história da nossa Cidade. Isso não diminui o nosso papel, antes pelo contrário. Torna-nos responsáveis por um legado antiquíssimo que temos que transmitir aos que haverão de vir depois de nós. Da forma como o melhorarmos ou não dependerá a qualidade de vida das futuras gerações de conimbricenses.
Caímos muitas vezes na tentação de dizer que vamos definir o futuro, falamos mesmo demasiadas vezes num “homem novo”, temos a arrogância de imaginar que, com o poder, poderemos construir uma cidade nova.
Nada de mais errado, convenhamos, pelos desgraçados exemplos históricos que conhecemos. Mas cair na posição contrária não é melhor. Uma veneração estática do passado tantas vezes consequência de um conhecimento aprofundado pelo estudo universitário, mas acompanhada por uma incapacidade de provocar mudança e evolução, equivale a parar no tempo, transformando a cidade num museu de pedras mortas.
Isto é, construir uma cidade como Coimbra nos dias de hoje, exige, para além de um respeito pelo passado baseado num conhecimento histórico estruturado, uma compreensão do mundo actual e, fundamentalmente, uma grande vontade de acompanhar as mudanças e capacidade para “Fazer”.
Coimbra nem pode ter vergonha de si mesma e do seu passado, nem pode deixar de ter capacidade de se afirmar de uma forma orgulhosa por tudo o que de bom e progressivo possui nos dias de hoje, impondo-se numa grande região beirã que só espera isso mesmo de nós.
Aqui está a chave para a resolução de todos e cada um dos problemas sectoriais da nossa Cidade, quer na área da Cultura e do Turismo, quer na área do desenvolvimento sócio-económico, quer na gestão do território. O facto de todo o país atravessar um momento particularmente difícil, só nos pode encorajar a utilizar de forma consequente o legado do passado com os meios do presente, encontrando novas soluções para problemas velhos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 de Agosto de 2012

sábado, 25 de agosto de 2012

Neil Armstrong

Há quarenta anos fiquei agarrado à televisão para ver os primeiros homens na Lua. Neil Armstrong faz parte do meu "eu" e morreu hoje.


quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Paganini-Liszt La Campanella

Tango dos Barbudos

"O Vaticano é um antro de misóginos"

Maria João Sande Lemos, hoje na Visão:
- O que falta à Igreja?
R: Amor. Enquanto Jesus significava amor, solidariedade e compaixão, a Igreja tornou-se seca, árida, quezilenta e sempre contra tudo. É um espaço de exclusão e não de abertura.

Tal e qual. Pelo menos. Além de excluir, persegue muitas vezes, o que ainda é pior.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Livros escolares



O novo ano escolar está aí à porta. Traz consigo novidades e alegrias para os jovens estudantes, mas também alguns problemas para os pais. A compra dos manuais escolares é sempre um momento difícil, ainda mais em tempos de dificuldades económicas agravadas, este ano alargadas a muitas famílias que não puderam dispor dos subsídios de férias que têm tido a função supletiva de financiar essa despesa familiar. Se para os pais desempregados a situação é genericamente desesperada, para muitos outros pais o mês de Setembro vai ser também muito difícil.
A questão dos manuais escolares tem em Portugal diversas vertentes que não têm sido devidamente equacionadas e muito menos resolvidas.
Começa pela evolução dos livros ao longo das últimas dezenas de anos. O seu tamanho, peso e claro, o seu custo, cresceram de uma forma inacreditável. Mesmo este ano, com taxas de crescimento do PIB bem negativas e em que todas as famílias perdem dinheiro, os editores conseguiram a proeza de aumentar o preço dos livros.
Não me vou alongar pela faceta pedagógica da organização dos conteúdos. Convido apenas os pais a tentarem perceber as mesmas matérias que estudaram no seu tempo. Se conseguirem organizar-se pelos esquemas, citações e distribuição das matérias importantes pelo meio do que é acessório, terão muita sorte. Fica-se com a ideia de que as crianças de hoje terão que ser muito mais inteligentes para obterem bons resultados, porque tudo parece programado para que o estudo seja mais um jogo do que trabalho sério, que obrigatoriamente terá sempre de incluir memorização. Por outro lado, o manual da matéria nunca é suficiente, vindo sempre acompanhado de outros livros de apoio que é necessário comprar, porque funcionam em conjunto com o manual principal.
Os livros escolares são hoje verdadeiramente um luxo e autêntico desperdício, pela quantidade de papel utilizado, pela profusão da utilização de gráficos e fotografias a cores desnecessários e até pela superfície de papel não utilizado.
Acresce que todos os anos mudam, pelo que não se consegue fugir à despesa, ainda que haja irmãos com pouca diferença de idades.
Com tudo isto, o negócio da edição de livros escolares tornou-se uma verdadeira mina de ouro. Claro que o ministério da Educação, com os seus inúmeros serviços centralizadores dominados por teorias pedagógicas falsamente modernas está na base de tudo isto, não se conseguindo fugir à ideia de que foi tomado por dentro pelos interesses das editoras.
Os pais começaram a tentar reagir ao cerco que lhes foi montado, estando a surgir “bancos de livros escolares” um pouco por todo o país. É assim que os jornais noticiaram há poucos dias que “o banco de livros escolares de Coimbra já ajudou 75 famílias”. Perante tudo o que se passa, não é possível deixar de saudar o esforço e vontade de ajudar o próximo em dificuldades. Mas permitam-me: nesta questão dos livros escolares isto não é solução e não se pode ficar por aqui.
O ministério da Educação tem o dever de arrepiar caminho e modificar a estrutura do manual escolar de alto a baixo, em função da aprendizagem, dos interesses dos alunos e economia familiar e não da maximização dos proveitos das editoras, que é o que se passa hoje, ou vamos todos concluir que quem foi eleito para mandar na Educação não quer ou não tem poder para mudar o estado de coisas. Aliás já vai tarde, porque neste ano escolar que agora começa deveriam ter sido dados sinais sérios nesse sentido, até pela emergência social da situação actual.
As escolas também têm responsabilidades nesta área. Em vez de serem os pais a organizar “bancos de livros escolares”, devem elas próprias organizar-se para que os livros utilizados num ano possam ser reutilizados no ano seguinte.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 20 de Agosto de 2012

Linda Ronstadt & Aaron Neville - Don't Know Much (live 1990)

PEUGEOT 203


segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Banca, para que te queremos



Passaram agora cinco anos sobre o desastre do Banco Northern Rock. O Freddie Mac e o Fannie Mae foram intervencionados no mês seguinte, em Setembro de 2008, mês que viu igualmente a falência do Lehman Brothers. Vista à distância, causa espanto a absoluta incompreensão do que se passava debaixo da superfície calma da economia, por parte dos responsáveis de então, que em boa parte são ainda hoje os mesmos. A cegueira política, irresponsabilidade ou mesmo incompetência então manifestadas continuam a ser a imagem de marca desta União Europeia a que pertencemos. Nessa altura a U. E. celebrava com o célebre “porreiro, pá” a montanha de inutilidades do chamado Tratado de Lisboa, lembrando o baile do Titanic enquanto afundava. Ainda a semana passada o presidente do BCE Mário Draghi com o nosso bem conhecido Vítor Constâncio ao lado, voltou a usar a técnica do duche gelado depois do banho quente das promessas impossíveis de cumprir; deixou tudo na mesma ou pior, já que condicionou a compra de dívida portuguesa a ainda mais reduções generalizadas de salários, numa nova demonstração grotesca da solução Goldman Sachs para tudo.
A banca espanhola, ainda há pouco tempo apresentada como um caso de sucesso a nível mundial é agora uma dor de cabeça gigantesca. Pelo menos 20% já foi nacionalizada, com alguns exemplos de falta de qualidade de gestão e mesmo de abusos gritantes de utilização indevida de fundos por parte de muitos gestores. O chamado resgate à banca espanhola com fundos europeus está ainda em andamento, prevendo-se que o Estado venha a ficar com uma parcela da banca ainda maior nas suas mãos.
Em Portugal considera-se geralmente que o problema com a banca que se verifica em Espanha, largamente associado à chamada “bolha imobiliária” não tem uma relevância tão grande. Mas as notícias não são animadoras, com reflexos na economia pela falta de financiamento. Nos últimos dias soube-se de alguns projectos gigantescos que foram por água abaixo. Curiosamente, ambos eram considerados PIN, valiam mais de mil milhões de euros cada um e corriam com apoio massivo do Estado: a RPP Solar e o Parque Alqueva. Em ambos os casos os promotores desistiram quando lhes foram pedidos documentos de responsabilidade essenciais ou garantias pessoais, como acontece quando qualquer pessoa vai ao banco pedir dinheiro para investir. Isto é, a banca, neste caso a Caixa Geral de Depósitos, mudou de agulha e resolveu acabar com o amiguismo à custa de todos nós e tratou os projectos privados como devem ser tratados: ou têm viabilidade por si ou não há dinheiro. Tivesse a banca trabalhado assim ao longo dos últimos anos e não estaríamos certamente como estamos em termos de economia.
Assim, temos o Estado a resgatar também os nossos maiores bancos, usando parte do financiamento acordado com a Troika para o efeito. Entre nós o Estado não está a entrar directamente no capital dos bancos, mas a utilizar a figura dos “CoCos” que são obrigações subordinadas convertíveis em capital, caso o banco entre em incumprimento no respectivo pagamento. Só o BPI receberá um financiamento deste tipo no montante de pelo menos 1,3 mil milhões de euros, podendo o valor ser ainda superior. Já o Millennium BCP recebe pelo menos 3 mil milhões de euros em CoCos. Resta dizer que os bancos vão ter que pagar estes montantes em cinco anos, com uma taxa de juro que evolui de 8,5% no primeiro ano até mais de 10% no último ano.
Isto é, se os bancos fecharam a torneira ao financiamento da economia, no que aliás são elogiados pelo próprio Governador do Banco de Portugal, preocupado com a solvabilidade da banca e deixando as outras preocupações para o ministro da Economia, ainda vão ter de arranjar maneira de cumprir o contratado. Deixo as conclusões para o leitor, bem como a adivinha sobre o que acontecerá aos bancos nesta situação dentro de cinco anos. Mas uma coisa é certa: com aquelas taxas de juro, daquele dinheiro não vai passar nem um cêntimo para as empresas ou para as famílias.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 de Agosto de 2012

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

“O que interessa é Portugal”



Sá Carneiro foi um político que viveu pouco mas muito depressa. Enfrentou muitas críticas, ataques e mesmo traições; fora e dentro do seu partido. Acreditava no que fazia e assumia por inteiro as consequências dos seus actos quer na vida privada, quer na vida pública. Hoje em dia, é referido a propósito de tudo e mais alguma coisa, mesmo por muitos que durante a sua vida estiveram contra ele, do que nem vem grande mal ao mundo, já que todos devemos aprender com os erros.
Sá Carneiro foi muitas vezes atacado no partido por ter razão antes do tempo, por não se vergar ao peso ideológico dos militares do MFA e por falta de compreensão dos seus objectivos estratégicos que, para ele, eram os do país devendo o partido fazer parte da solução e não do problema. Muitas vezes os companheiros o acusaram de ter um programa “liberal” e não verdadeiramente social democrata, quando ele sabia bem que, para distribuir, é preciso produzir primeiro: sem se produzir, não há distribuição nenhuma, seja com justiça, seja sem ela. Por tudo isso, Sá Carneiro dizia sempre que primeiro Portugal, depois a Democracia e só depois o PSD.
Esclareço desde já que, sendo social-democrata há muitos anos, nunca fui sá-carneirista, nem cavaquista e nem serei certamente passista se tal classificação vier a existir. Prezo demasiado a independência e a liberdade de pensar pela própria cabeça, consciente dos males do seguidismo acéfalo e de que ninguém é perfeito, muito menos na governação de um país, devendo a crítica justa e oportuna ser sempre feita.
Nas últimas semanas li e ouvi com espanto algumas críticas ao actual primeiro-ministro que me fizeram recordar o que acima escrevi. De facto, numa reunião partidária Passos Coelho afirmou: “Que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal”.
Escândalo à esquerda e à direita. Para uns, o primeiro-ministro não quer saber do julgamento popular, mandando a democracia às urtigas. Para outros, afinal também ele acha que para se governar como deve ser, será necessário suspender a democracia por uns tempos. Claro que todos transcrevem só a primeira parte do que foi dito, “esquecendo” a referência a Portugal, que explica claramente a primeira parte da frase.
Quando Passos Coelho avisa o partido olhos nos olhos de que vai fazer o que é necessário para recuperar o país, mesmo que com isso venha a perder as eleições, aqui d’el rei que não é democrata. Como se democracia fosse governar permanentemente para sondagens, ainda que à custa da hipoteca de um país inteiro. Como se não nos lembrássemos todos do que foram os últimos seis anos de governação até se acabar por chamar a Troika quando já não havia dinheiro para pagar o ordenado do mês seguinte aos funcionários públicos. Como se a Troika não tivesse sido chamada pelo governo socialista que aqui nos trouxe. Como se o acordo para três anos e não quatro não tivesse sido negociado por esse governo. Como se ainda há um ano não andássemos todos a discutir as vantagens do TGV, do novo aeroporto de Lisboa e da terceira auto-estrada paralela à costa. Como se as PPP ainda não fossem então a grande solução para o desenvolvimento e não tivessem sido renegociadas passando para o Estado todo o risco, ficando os concessionários privados com as rendas brutais garantidas. Como se então não nos continuássemos a afundar com as eólicas a preço de ouro. Como se nas eleições de 2009, mergulhados no fundo da crise, não tivesse havido aquele aumento aos funcionários públicos. Como se não soubéssemos todos de ciência feita, o resultado de governar a fugir para a frente e a prometer sempre mais e mais para permanecer em cima nas sondagens, enfiando o país no buraco profundo em que nos encontramos e de que tentamos sair, mas a que custo!
Se um primeiro-ministro assume hoje de novo a posição corajosa e patriótica de dizer aos militantes do seu partido que em primeiro lugar está o país e não está disponível para facilitismos eleitoralistas ainda que venha a perder as eleições, tenhamos ao menos a honestidade de assumir a discordância de opções, mas não de fazer política a enganar mais uma vez os portugueses, desta vez com jogos de palavras. O momento é demasiado grave para muitos portugueses que sofrem, para que o puro cabotinismo de políticos e comentadores venha distorcer a realidade que já por si é suficientemente acabrunhante.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Agosto de 2012

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Política por profissionais?



A crescente “profissionalização” da política tem trazido alguns aspectos ao regime democrático que merecem ser conhecidos e discutidos por toda a população, mesmo aquela que não milita nos partidos políticos. Até para melhor se compreender boa parte dos métodos de decisão política aos mais diversos níveis.
Os partidos políticos evoluíram nos últimos anos para máquinas de ganhar eleições, ultrapassando a ideia original e algo romântica de associações de cidadãos livres que se juntam de forma generosa para fazer prevalecer uma determinada maneira de construir o futuro de um país. Depois do período inicial da Democracia, muitos daqueles que a certa altura começaram a chegar aos cargos partidários de topo fizeram-no pela subida nos escalões organizativos dos partidos, geralmente desde as juventudes partidárias. São os chamados políticos profissionais que, na realidade, nunca viveram fora da política e nunca se afirmaram social e profissionalmente de outra forma. Têm características próprias, desenvolveram mesmo algumas capacidades especiais, umas boas e outras não tanto, mas é frequente mostrarem algum complexo perante quem não seguiu esse caminho e fez uma vida digamos, mais vulgar, designadamente no percurso académico. Complexos esses muito visíveis nos últimos anos, os quais não fazem aliás qualquer sentido e só são compreensíveis num meio tacanho como o nosso que ainda privilegia a doutorice, ao contrário de muitas sociedade mais desenvolvidas. O que é certo é que os políticos profissionais são mais eficazes em termos de execução de políticas e reformas no imediato, mas a ligação destas à realidade falha muitas vezes o que as coloca mesmo em causa a médio e longo prazo.
Lá para o Outono do próximo ano haverá eleições autárquicas. É pois natural que os partidos se afadiguem em encontrar as soluções que melhores resultados lhes trarão nessas eleições. Seria normal pensar-se que os responsáveis políticos concelhios se colocassem em campo para encontrar quem, na sua área política, tenha capacidade para gerir e desenvolver estratégias de mudança e de futuro para os seus municípios.
O leitor sente que algo disto se passa? Penso que muito dificilmente. O que vai correndo do interior dos partidos para a comunicação social são sondagens ao eleitorado em que lhes são propostas listas de nomes para detectar quem será mais capaz de colher as simpatias do eleitorado para ganhar as eleições. De fora ficam todas as considerações sobre que futuro se quer, sobre capacidade de liderar equipas, sobre capacidade de elaborar programas e realizá-los, sobre a capacidade de dizer não às máquinas partidárias quando for preciso. O que interessa verdadeiramente é encontrar um nome que seja simpático ao eleitorado, seja por que motivo for. O resto não interessa por ser tido como fantasia de quem não anda pela realidade. Por alguma razão os partidos preferem fazer isto a organizar verdadeiras “primárias” onde os mais capazes e independentes poderiam sobressair perante as máquinas partidárias.
Na verdade, quanto mais profissional, menos política é a política. Na década de setenta do século passado, os portugueses foram inundados de política até à náusea. Talvez por isso uma tecnocracia disfarçada de política foi tomando lugar em grande parte do aparelho do Estado, abrindo portas a uma tomada do mesmo por parte dos mais variados e desenfreados interesses. As consequências deste tipo de acção partidária “profissionalizada” e desideologizada têm-se visto pelos seus frutos pelo país fora, não necessitando de qualquer demonstração, sendo muitas vezes os próprios partidos os primeiros a arrepender-se das escolhas assim feitas.
Os partidos são essenciais à Democracia. Mas também podem ser o seu coveiro. A política deve ser uma actividade nobre e sobrepor-se aos interesses económicos financeiros e outros que têm o seu lugar, mas para isso tem que ser exercida por quem é verdadeiramente político, isto é, quem sabe em cada momento onde está o bem comum e cuida dele, custe o que custar.

domingo, 29 de julho de 2012

O fundamental

Sá Carneiro: Primeiro Portugal, depois a democracia, só depois o Partido.
Passos Coelho: Que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal.
Credo, que escândalo!

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Banca: acima de tudo o resto?

Agora foi a vez do HSBC. Para quem não se lembre, este é o maior banco europeu, operando em mais de oitenta países por todo o mundo; a sua divisão americana está entre os dez maiores bancos americanos. E foi mesmo a polícia americana que descobriu as actividades fraudulentas permitidas pelo HSBC. Durante cerca de oito anos, o banco permitiu que pelas suas contas em todo o mundo circulassem milhares de milhões de dólares provenientes do tráfico de droga dos piores cartéis mexicanos, numa operação gigantesca de lavagem de dinheiro. Para além disso, apoiou financeiramente operações proibidas com o Irão. Um mimo de actuação bancária global, portanto. Tudo isto apesar da “Declaração de Valores e de Princípios de Negócio” patentes no próprio site do Banco. Claro que os responsáveis máximos já pediram todas as desculpas e garantiram que esta situação não se repetirá, tendo já sido afastados alguns dos responsáveis directos pelo sucedido, embora ninguém acredite que a própria administração andasse tão distraída que não notasse nada durante tantos anos. Este caso do HSBC seguiu-se ao escândalo LIBOR do Barclays Bank, um banco com mais de 300 anos que cedeu à tentação de manipular as taxas de referência mais importantes. A LIBOR define todos os dias as taxas que os principais bancos da City usam nos seus negócios financeiros por todo o mundo, que por sua vez servem de referência em muitas outras áreas da economia, mexendo com valores absolutamente astronómicos. A manipulação duraria já há uns seis anos, sem que tal tivesse sido detectado, em boa parte porque na City se acredita que os grandes bancos são geridos por cavalheiros que estão imunes a fraudes, confiando-se na sua auto-regulação. Está-se a ver no que deu, não estando ninguém livre de mais uma crise financeira global causada pela falta de confiança na LIBOR. Esta crise vai adicionar-se àquela bem conhecida de nós todos que foi espoletada pelo sub-prime americano que teve origem exactamente em operações bancárias erradamente alavancadas, sem sustentação real, que se espalhou a todo o mundo ocidental. Nessa altura a Reserva Federal Americana injectou valores inimagináveis na banca americana, tendo apenas deixado ir o Lehman Brothers à falência Mas isso foram os americanos que não tiveram problemas em colocar as rotativas a fazer moeda. Cá pela Europa continuamos na triste saga das relações entre BCE e os bancos que, pelo seu lado, são estrangulados pelas novas regras espartanas de solvabilidade, sugando o dinheiro para o seu interior para se salvarem, deixando a restante economia a secar sem financiamento. O famoso e influente JPMorgan Chase também mostrou não estar imune a tentativas de ganhos ilícitos, tendo deixado que no seu interior se desenvolvessem actividades baseadas em derivados falseados. O valor das imparidades detectadas já este ano continua a crescer, falando-se em perdas acima dos 5 mil milhões de dólares. Olhando cá para Portugal, tivemos dois casos graves recentes com bancos: o BPN e o BPP. Este era demasiado pequeno e reservado a determinada clientela, pelo que as consequências do sucedido foram facilmente controladas. Já com o BPN, todos percebemos que os nossos impostos vão servir para pagar o que não deviam. O anterior ministro das Finanças justificou a certa altura a intervenção do Estado com o perigo sistémico da falência do BPN; perante o que se vai vendo, hoje tendo a dar-lhe razão, com a nuance de que o tal perigo sistémico se referia mais ao sistema político do que ao sistema financeiro. O que é que liga todos estes casos? Falhas clamorosas da regulação da actividade bancária, por todo o lado. A actividade bancária mudou imenso com a globalização e com a internet que possibilitou trocas financeiras de qualquer valor entre todos os pontos do mundo, de forma instantânea. A actividade económica, de que a banca era apenas um financiador tornou-se ela toda muito mais financeira, sendo o dinheiro já não o meio que permite comprar ou vender produtos, mas também ele próprio um produto. Na City de Londres, que é o maior mercado financeiro do mundo, confiou-se até agora nos bancos e nos banqueiros, mas isso vai mudar rapidamente, após este caso do Barklays. Em Portugal, o BPN permitiu-se andar a fazer o que fazia durante anos, embora toda a gente soubesse disso, porque também o Banco de Portugal confiava nos elementos que lhe eram entregues: pelos vistos nem seria educado desconfiar de um banqueiro. Espera-se que os responsáveis políticos que deverão reformar também esta regulação, tenham a capacidade técnica, coragem e independência para o fazer, ou o futuro da economia será ainda mais negro do que já é hoje.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Julho de 2012

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Partículas de Deus


Há cerca de quinze dias uma notícia invadiu os meios de comunicação social, baralhando as pessoas pela sua linguagem algo esotérica e surpreendendo muitas outras pelo significado da descoberta que anunciava.
O que deu origem à notícia foi um simples comunicado emitido em 4 de Julho de 2012 pelos responsáveis do CERN que dizia o seguinte: “obervamos nos nossos dados sinais claros de uma nova partícula no nível 5 sigma, na região de massa 126 GeV”.
Já as notícias que nos chegavam por todos os meios informavam que tinha sido descoberta a partícula da Deus. Nem mais!
Como leigo na matéria, mas não gostando de andar por aí às cegas, cedo percebi a importância da descoberta que justifica os milhões gastos no gigantesco LHC (Grande Colisionador de Hadrões), o maior e com mais energia acelerador de partículas do mundo, construído na zona fronteiriça entre a França e a Suíça, onde trabalham mais de 3.000 pessoas.
A chamada “partícula de Deus” é tão de Deus como todas as outras partículas, até porque só por si não explica a própria criação. É o chamado bosão de Higgs, assim designado pelos cientistas porque a sua existência foi prevista pelo físico teórico Peter Higgs há mais de 50 anos. A formalização da necessidade da sua existência decorre do Modelo Padrão de partículas que estaria errado se o bosão de Higgs não existisse, já que seria precisamente essa partícula que daria coerência ao Modelo, “entregando” matéria às outras partículas. Esta era a única das 61 partículas elementares do Modelo Padrão ainda por encontrar experimentalmente.
É a teoria do Big Bang que ganha credibilidade, já que, logo após se ter verificado, algo “agarrou” parte da energia, atrasando a sua libertação e permitindo assim a sua transformação em matéria que, pela sua futura organização viria a dar origem às estrelas, aos planetas e a tudo que nos rodeia hoje, incluindo a vida. Esse “algo” é o campo de Higgs, formado pelos bosões com o mesmo nome.
Torna-se assim evidente o extremo interesse da descoberta. Claro que o comunicado do CERN, na sua estranha linguagem não confirma a descoberta em absoluto, querendo o “nível 5 sigma” dizer apenas que a probabilidade de o bosão de Higgs ter sido detectado é de cerca de 99,9999% e a “região de massa 126 GeV” que a sua massa modelo padrão é de 126 mil milhões de electrões-volt, dentro da gama de valores esperados. Na prática, foi mesmo encontrado.
Esta descoberta permite que a ciência, em particular a física, continue no caminho que tem vindo a trilhar de melhor conhecimento do universo, desde o infinitamente grande ao infinitamente pequeno, já que “as peças” se vão todas encaixando umas nas outras de forma coerente, mesmo quando a teoria tem que esperar dezenas de anos pela sua comprovação experimental. Mostra ainda como a cooperação internacional pode ser bem sucedida quando levada a sério, ainda que fora das grandes parangonas dos jornais que frequentemente, mais não fazem que desvirtuar o significado profundo da actividade humana, ao inventarem cabeçalhos espectaculares como “foi descoberta a partícula de Deus”.
Mas não se pense que a investigação da Física termina aqui. O que falta conhecer é muito mais do que aquilo que hoje se conhece, o que aliás torna a designação “partícula de Deus” apenas ridícula. Segundo alguns, a matéria que corresponde ao “modelo padrão” agora completado será apenas 4% de todo o Universo. Cerca de 75% correspondem ao que ainda hoje se designa por “energia negra” e quase 22% restantes correspondem a algo que apenas a gravidade poderá ajudar a detectar, mas que tem força suficiente para parar a rotação de galáxias inteiras.
O que foi anunciado a 4 de Julho de 2012 terá, no entanto, um lugar muito mais importante na História da Humanidade do que tudo o que aparece hoje nos nossos jornais e nas televisões do mundo inteiro, disso o leitor pode ter a certeza.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Julho de 2012

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Mudar o mundo



Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.

Luís de Camões

Peço que me perdoem o atrevimento de começar a minha singela crónica desta semana citando o nosso maior poeta, mas às vezes sabe bem voltar à simplicidade do génio.
Há poucos dias, um amigo cá da nossa Cidade que não tem nada a provar na vida quer pessoal, quer profissionalmente porque transformou uma pequena empresa de Coimbra num conglomerado que actua em vários países da Europa, na Ásia e na América dizia-me, a propósito destas minha pequenas e despretensiosas crónicas semanais, que eu não desistia de querer mudar o mundo. Agradeci a amizade mas neguei qualquer propósito meu nesse sentido. No entanto, aquela frase fez-me pensar. O leitor não sabe, mas esta é a minha crónica semanal nº 347 publicada no Diário de Coimbra. Em 347 semanas vivemos 58.246 horas isto é, 3.497.760 minutos. Não é inocentemente que refiro o nº de minutos e não o nº de anos decorridos. É que se vivemos de facto, sem meramente deixar passar o tempo, vivemos aquele número gigantesco de minutos e todos sabemos como às vezes um simples minuto demora a passar. Tempo suficiente para ver partir pessoas queridas que em nós deixam feridas que nunca sararão, tempo para ver filhos voar para as suas vidas próprias, tempo para ver netos a encher-nos o coração, tempo para ver aquelas linhas do monitor ao lado da cama do hospital a ficarem horizontais e ter a graça de acordar com vontade de viver plenamente e agarrar de novo o futuro nas mãos, custe o que custar.
Fui reler a minha primeira crónica desta série e lá encontrei alguma ingenuidade, mas também as linhas fundamentais do que tenho escrito desde então: nunca atacar ninguém em concreto, criticar situações e propor soluções. Também lá citei alguém que nos ensina que não devemos ser optimistas nem pessimistas e sim optimizadores: isto não é um mero jogo de palavras e sim todo um programa de acção e corresponde àquilo que tenho tentado fazer.
De novo digo: não tento mudar o mundo, embora às vezes apeteça. Quem muda o mundo, para além das guerras e revoluções que se sabe como começam mas não como acabam, são os artistas, os cientistas e todos os anónimos que deixam o mundo um pouco melhor do que o encontraram. Como pessoa comum, tento apenas dar o meu melhor, participar em reformas necessárias e ser cidadão a tempo inteiro, tentando perceber o mundo e lembrando-me de Álvaro de Campos quando escrevia que “o Teorema do Binómio é tão belo como a Vénus de Milo, o que há pouca gente para dar por isso”.
Esta foi uma crónica diferente do habitual. Mas como costumo afirmar que aquilo que deixamos por dizer não existe, tenho que agradecer ao Amigo que, com um simples e simpático comentário, me levou esta semana por territórios que, sem ele, teriam o destino de não existir.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Julho de 2012

segunda-feira, 2 de julho de 2012

COIMBRA, CIDADE COM FUTURO


Foi publicado há poucos dias o resultado de mais um inquérito sobre as cidades com maior qualidade de vida. Claro que este tipo de inquéritos, feitos através de perguntas a um reduzido número de moradores de cada uma delas tem um valor estatístico reduzido, até pela complexidade de análise dos 11 critérios utilizados, verificando-se pequena variação para o inquérito realizado pela mesma associação há cinco anos. É provável que o crónico espírito crítico dos conimbricenses relativamente à sua cidade se reflicta também nestes resultados, ao contrário de outras cidades em que os seus moradores são genericamente benevolentes relativamente às suas falhas. Curiosamente, em inquéritos do mesmo tipo levados a cabo por outros promotores, por exemplo o jornal Expresso, as cidades que no inquérito da DECO aparecem no final, são nesse caso as primeiras da lista, casos de Lisboa e Porto. E alguma razão haverá para isso, tendo em conta a fuga de populações do interior para essas metrópoles, valorizando as pessoas na prática, a maior possibilidade de ter emprego relativamente a poderem dormir de janelas abertas. Já a nossa cidade, Coimbra, mantém-se sensivelmente na mesma classificação relativamente há cinco anos, semelhante aliás, à anterior classificação do Expresso, isto é, sempre no terço superior do conjunto.
As muitas vantagens comparativas de Coimbra são históricas e bem conhecidas, não sendo necessário sequer referir as que advêm da localização central no país e boas ligações ao litoral e a Norte e a Sul, o que não se verifica, infelizmente em relação ao interior. As áreas da saúde e do ensino superior são, desde há muito, aquelas que colocam Coimbra na frente de todos os rankings. Outras há em que a potencialidade é enorme, mas exigem capacidade de iniciativa e de conjugação de esforços da parte dos decisores públicos na Cidade, para que passem a ser realidade concreta.
A indústria tradicional de Coimbra foi-se há muito, estando agora a ser substituída por novas actividades de ponta, da área da tenologia intimamente ligada à investigação científica; a mão de obra barata dos operários é agora substituída pelos programadores e investigadores, com grandes repercussões sociais e económicas. Mesmo a área industrial de fabrico de medicamentos é paulatinamente substituída pela produção de processos de fabrico, vendidos com grande valor acrescentado em todas as partes do mundo.
O património histórico de Coimbra é riquíssimo e conhecido por todo o mundo. A classificação da Unesco será uma alavanca poderosíssima na atracção de turismo. O turismo é precisamente uma das áreas económicas que deverá ser trabalhada a sério por Coimbra e apoiada publicamente, havendo pelo menos duas vertentes a decidir de imediato: colocar toda gente a trabalhar para o mesmo lado, acabando com divisões artificiais e estabelecer uma ligação forte com a cultura. O turismo cultural é hoje uma actividade económica de grande valor a nível europeu, mas não se compadece com amadorismos nem boas intenções. Tem que ser olhado como isso mesmo: actividade económica com tudo o que lhe é inerente, desde o levantamento de oportunidades e estudo exaustivo da procura internacional com definição do público-alvo, estabelecimento de planos de negócios, escolha de oferta e montagem do produto, até ao necessário financiamento. Mas não se pense que esta revolução no turismo de Coimbra se poderá fazer através de serviços públicos, camarários ou outros, que têm um orçamento anual para gastar e se esquecem de facturar. Deverão ser apoiados outros actores, privados ou associativos, com provas dadas na gestão, que sejam capazes de casar cultura com turismo, já que hoje em dia praticamente ninguém viaja apenas para ver pedras, por mais bonitas e antigas que elas sejam.
Com muita facilidade Coimbra poderá passar a um patamar superior nesta área, com grandes vantagens para todos os agentes económicos envolvidos e consequente subida nos rankings de cidades. Relembro, por exemplo, o que já aqui escrevi várias vezes: a ligação histórica de Coimbra com a História de toda a 1ª Dinastia, desde o estabelecimento da primeira capital do Reino até às cortes de Coimbra que escolheram D. João I, passando pelos amores trágicos de Inês e Pedro, é um “euromilhões” que aguarda apenas quem jogue nele. Assim haja vontade e capacidade para ultrapassar atavismos e hábitos bolorentos que tantas vezes impendem Coimbra de ser ainda melhor.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Julho de 2012