segunda-feira, 9 de setembro de 2013

A SÍRIA AQUI TÃO PERTO




A única arma de guerra que o mundo proibiu até hoje é a química. O sentimento de rejeição que provoca é tão grande que a “Convenção de Armas Químicas” que as Nações Unidas fizeram entrar em vigor em 1997 não só proíbe a sua utilização, como também a sua produção e comércio. A lembrança do horror sucedido na 1ª Guerra Mundial na sequência de Ypres perdura ainda na memória colectiva dos povos. Curiosamente, mesmo Hitler jamais utilizou o seu poderoso armamento químico em batalha, talvez por ele próprio ter sido gaseado na 1ª GG (embora o tenha amplamente utilizado nos campos de concentração). Desde então, a utilização desse tipo de armas tem sido extremamente rara: Os japoneses usaram-nas na China na 2ª GG e o Iraque contra o Irão e os Curdos na década de 80.

Talvez por estas razões o presidente americano Barack Obama avisou a Síria em Agosto de 2012 de que a utilização de armas químicas seria a passagem da linha vermelha que levaria a uma intervenção americana. Isso aconteceu agora, tudo levando a crer que o regime sírio utilizou armas químicas contra os rebeldes numa zona residencial nos arredores de Damasco, provocando a morte a mais de 1.000 moradores, incluindo muitas crianças.
A guerra civil na Síria já provocou mais de 100.000 vítimas e 2 milhões de refugiados que vivem actualmente em campos em países vizinhos. O mundo inteiro tem assistido a mais esta guerra civil, sem nada fazer para terminar com ela. Antes pelo contrário, a comunidade internacional tem-se dividido no apoio aos dois contendores. Enquanto o regime de Bashar al-Assad tem o apoio político e militar da Rússia e da China, os rebeldes têm o apoio de países árabes como a Arábia Saudita e o Qatar, para além da compreensão do Ocidente. Mas os rebeldes, que contavam com apoio directo ocidental, à semelhança do sucedido noutros casos da primavera árabe, não o têm tido, o que tem levado à sua crescente islamização e condução dos combates por extremistas. A autêntica selvajaria da actuação dos rebeldes amplamente documentada em fotografias e filmes indescritíveis virá muito daí, sendo evidente que um novo regime sírio saído duma sua hipotética vitória quase transformaria Bashar Assad num saudoso humanista.
Mas o presidente sírio cometeu de facto crimes de guerra e contra a Humanidade ao utilizar armas de destruição maciça e, se algum líder actual merece castigo severo da comunidade internacional, é certamente ele.

 Se a ONU não toma a decisão de constituir uma força militar com os países que a ela aderirem para solucionar pela força o problema sírio, só resta uma solução, que é a de julgar Bashar Assad no Tribunal Penal Internacional na Haia, que foi criado para isso mesmo. Na última intervenção internacional numa guerra civil, que ocorreu na Bósnia, as Nações Unidas mostraram-se também inoperantes e incapazes de resolver o problema; dessa vez, no coração da Europa, foi a NATO que resolveu militarmente o problema. Na Síria a questão é muito diferente e trata-se do Médio Oriente que traz sempre agregada a questão do petróleo. O envio de mísseis que certamente não atingirão directamente Bashar Assad, terá grandes probabilidades de desencadear a explosão de um conflito regional com possíveis consequências a nível mundial. Antes disso, Barack Obama deverá usar as suas palavras de há um ano como argumento forte à mesa do Conselho de Segurança para pressionar Rússia e China a participar numa solução para a Síria.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Setembro de 2013

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

O DESASTRE ANUNCIADO

No fim deste mês de Setembro teremos eleições autárquicas. A menos de um mês do acto eleitoral há por todo o país candidaturas que ainda não sabem se vão realmente a votos, o que é incompreensível para qualquer cidadão comum. Tudo por causa de uma lei que a Assembleia da República aprovou em 2005, cujo texto ainda hoje se presta a interpretações diversas e mesmo antagónicas. Caberá ao Tribunal Constitucional o veredicto final sobre um assunto que já deveria ter sido esclarecido há muito pela própria Assembleia da República que no entanto, perante o imbróglio, se recusou a fazê-lo, cavando ainda mais o fosso que separa o mundo artificial dos políticos do mundo real dos restantes cidadãos. Quem fez a Lei acabou por se recusar a esclarecê-la, atirando a decisão para os braços dos Tribunais: depois venham queixar-se da judicialização da política.
Já escrevi isto mesmo sobre o assunto nestas linhas há bastante tempo:
“Parece assim pacífico, que o que está em causa é o exercício de determinadas funções por determinada pessoa, durante um período determinado de tempo considerado excessivo, como acontece aliás como o cargo de presidente da República, desde sempre com limitação de mandatos.
Entretanto, dado que o texto da Lei tem ambiguidades óbvias, o sistema político prepara-se para encontrar “soluções” para os presidentes de câmara e presidentes de junta de freguesia abrangidos. Encontrou-se um argumentário legal inatacável; de facto a lei nunca se refere a autarquias em concreto, mas fala em funções e mandatos. Legalmente, está aberta porta à maneira de contornar o óbvio espírito da lei”.
Diversos partidos resolveram autorizar que autarcas seus já com três mandatos cumpridos promovessem candidaturas a outras autarquias. Estão agora perante a contigência de o Tribunal Constitucional decidir que essas candidaturas são ilegais. O caso do PSD é paradigmático desta situação: as suas candidaturas a cidades tão importantes como Lisboa, Porto, Loures e Guarda, entre outras, estão perante a possibilidade de não poderem ir a votos. Conta-se com a consideração pelo Tribunal Constitucional de que, perante a dúvida, se deverá defender o direito individual a ser eleito.
Mas o Tribunal Constitucional pode muito bem entender que o que está escrito na Lei é o que ela quer significar e que é o seguinte: “O presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia só podem ser eleitos para tês mandatos consecutivos”. Não está lá escrito que se trata da mesma autarquia porque, como qualquer leitor de português comum percebe, seria uma repetição, nem que poderá candidatar-se a outra diferente. Só leituras abstrusas permitem conclusão diversa.
Ou muito me engano, ou o Tribunal Constitucional irá por este caminho. E será o desastre para os candidatos que forçaram os seus partidos a esta situação ridícula de estar a menos de um mês das eleições com uma espada prestes a cair-lhes em cima e para os dirigentes partidários que, cegos á realidade, se deixaram colocar à mercê dos srs. Juizes do Tribunal Constitucional. Ainda que me engane e o Tribunal Constitucional venha a autorizar essas candidaturas, duas consequências graves já não se eliminam: em primeiro lugar, o descrédito dos partidos que fazem tábua rasa do mais simples bom senso e do respeito pelos eleitores; em segundo, a falta de confiança na Justiça, já que as decisões opostas tomadas pelos diversos tribunais mais parecem simples opiniões de juízes do que outra coisa.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Setembro de 2013

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

“EU TENHO UM SONHO”

O tempo é o único critério válido para aquilatar da verdadeira importância de homens e mulheres que, em vida, ganham notoriedade por este ou aquele motivo. Entre outras áreas, isso torna-se particularmente evidente em política. Passam esta semana 50 anos sobre a realização de uma manifestação em Washington em 28 de Agosto de 1963. Foi ao discursar nessa manifestação perante o Memorial de Lincoln, que Martin Luther King proferiu as palavras que começaram a mudar a face da América e que, portanto, ficaram na História e tornaram o seu autor numa das principais personagens da História americana e do mundo: “I HAVE A DREAM”. Martin Luther King completou a sua frase, acrescentando “a evidência de que todos os homens nascem iguais”.
Palavras simples, mas de uma força espantosa, naqueles dias e também nos nossos. Na América, puseram a nu a vergonha colectiva do racismo, levando a que logo no ano seguinte fosse aprovado o “Civil Rights Act” que estabeleceu a igualdade social entre brancos e negros e um ano depois o “Voting Righs Act” que deu a todos os cidadãos a mesma capacidade eleitoral, independentemente da cor da pele. Foram estas leis que estiveram na base do fim da discriminação racial na América e foram consequência directa das palavras de Martin Luther King em 28 de Agosto de 1963. Nesse dia, King estava acompanhado por muitos, na maior manifestação política que a América já tinha visto até então. Duas artistas deram a sua colaboração importante nesse dia: Joan Baez e Mahalia Jackson que antes tinha dito a Luther King quando este escrevia o seu discurso: fala-lhes no sonho, Martin, fala-lhes no sonho!

Não se pense que o caminho do fim da discriminação social na América tem sido fácil desde então, muito longe disso. As diferenças sociais ainda hoje são enormes, embora com uma tendência de esbatimento. Por exemplo, o rendimento médio anual dos brancos é de 27.000 dolares, enquanto o dos negros é de 21.000. Mesmo a esperança de vida de homens e mulheres brancos é de 3 a 5 anos superior aos negros. A taxa de desemprego reflecte igualmente grandes diferenças, tal como os índices educacionais.
De facto, as leis, embora sendo fundamentais, não fazem tudo. A educação para a cidadania é fundamental para que o respeito pelas diferenças seja uma atitude normal e como tal praticado por todos. Não há aqui lugar a tolerância, porque se trata de pessoas e não de ideias, mas sim respeito e consideração pelo outro como igual. Se olharmos à nossa volta, ainda hoje e aqui, percebemos bem a importância disto.
Curiosamente, cinquenta anos depois daquela frase de Martin Luther King, os EUA têm o primeiro presidente negro da sua História. Não interessa para aqui se é bom ou mau presidente, se gostamos ou não da sua actuação. Também ele teve o sonho de ser presidente e teve as condições sociais e eleitorais para o ser. Tal não teria certamente acontecido se Martin Luther King não tivesse tido a coragem e a superioridade moral de assumir aquela luta, da forma como o fez, contra o ódio e a violência.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Agosto de 2013

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Gigante com pés de barro

Dois anos após o início da “política de austeridade” ditada pelo Memorando de Entendimento” que definiu as condições em que a Troika nos iria emprestando o dinheiro necessário ao nosso financiamento externo em substituição dos mercados até 2014, devemos olhar um pouco mais de perto para o país europeu que mais dinheiro coloca neste “bail-out” a Portugal. E tentar perceber um pouco melhor o que faz mover a actual Chanceler alemã, Ângela Merkel, a quem já muitos chamam a nova Dama de Ferro.
A Alemanha, que hoje está em condições de poder financiar grande parte das operações de “bail-out” em diversos países europeus, passou por uma crise económico-financeira há pouco mais de dez anos, quando o então Chanceler Gerhard Schröder montou uma operação de austeridade na Alemanha. Os vencimentos foram então reduzidos drasticamente para aumentar a competitividade da economia alemã e aumentou-se a flexibilidade laboral através de mais recurso a trabalhadores temporários.
Na última década do século XX, a Alemanha conduzida por Helmut Köhl havia procedido à reintegração da antiga RDA, o que teve custos absolutamente inimagináveis, levando à crise da primeira década do novo século. Crise essa que foi encarada e resolvida com recurso à austeridade pelo governo alemão, mas também por toda a sociedade, desde os sindicatos às confederações patronais e às empresas. Quando Merkel chegou à chancelaria alemã em 2005, o processo de austeridade alemã estava ainda a decorrer e a taxa de desemprego era de 12%, quando hoje é de 5,4%. Ao contrário do que geralmente se pensa, a Alemanha de hoje tem graves problemas de sustentabilidade. Desde logo, o seu crescimento desde 2007 foi de apenas 0,7% o que, comparado por exemplo com o crescimento americano de 2,2% para o mesmo período, é apenas medíocre; isto para não comparar com o crescimento das outras grandes economias mundiais como a chinesa ou a russa, em que a comparação é ainda pior. Quando vai às reuniões do G8, Ângela Merkel é uma líder com grandes problemas no seu país, ao contrário do que sucede quando participa em reuniões da união Europeia em que aparece como líder toda-poderosa.
Por outro lado, os dados demográficos alemães são assustadores: nos últimos vinte anos, a Alemanha perdeu um milhão e meio de pessoas, consequência da taxa de natalidade mais baixa da Europa, prevendo-se que, dentro de alguns anos a população alemã seja inferior a 70 milhões, quando hoje é de 80 milhões.
Ângela Merkel é de facto a líder actual da União Europeia. Sem o seu apoio, não há nenhuma decisão importante da União que tenha hipóteses de avançar. A Alemanha vai ter eleições gerais em Setembro.


A actual chanceler tem neste momento uma taxa de aprovação que ronda os 60%, mas tem muita dificuldade interna em convencer os alemães a pagar os empréstimos aos países do Sul. Apesar dessas dificuldades, já conseguiu levar por diante o “Mecanismo Europeu de Estabilidade” dotado com 500 mil milhões de euros, importante pelo princípio, mesmo que o valor seja ainda insuficiente. E, contra a vontade dos banqueiros alemães, apoia decididamente a nova União Bancária da União Europeia. Ângela Merkel sabe que o Euro é tão importante para a Alemanha como para o resto da União, pelo que faz todos os esforços para que nem um país saia dele.
Ninguém gosta da austeridade, principalmente quem mais sofre com ela. Acresce que soluções que dão bons resultados numa economia não são imediatamente transportáveis para outra com uma organização completamente diversa. Mas convinha ter uma percepção mais completa e adequada da realidade europeia e mundial, em vez de se gritar, insultar e tentar deitar tudo abaixo, incluindo uma moeda comum.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Filarmonica Fraude - Animais de estimação

O mundo sempre em mudança




"O mundo pula e avança
Como bola colorida
entre as mãos de uma criança"
António Gedeão.

Pertenço a uma geração que cresceu e se desenvolveu entre alguns medos, alguns deles suficientemente poderosos para influenciarem decisivamente o futuro da própria humanidade. Um deles foi o medo do holocausto nuclear, que acompanhou toda a guerra fria desde a 2ª Guerra Mundial até à última década do século XX. 

O outro tem permanecido activo até aos dias de hoje e prende-se com o receio do esgotamento das reservas de energia, designadamente do petróleo, que significaria o fim do mundo tal como o conhecemos hoje. Esse medo, propalado há dezenas de anos por imensos analistas e mesmo por muitos cientistas, está igualmente a desaparecer, para nosso alívio. Ao contrário do que tantos diziam, tudo indica que o mundo está prestes a atingir um pico energético, mas de procura e não de fornecimento. De facto, as reservas energéticas mundiais, contando com um aumento de procura semelhante à evolução das últimas décadas, passaram recentemente de 50 anos para 200 anos. O próprio custo da energia associada aos recursos fósseis está a conhecer uma redução acentuada. Deve-se isto ao desenvolvimento de novas técnicas de extração do petróleo e gás natural retidos em xistos argilosos existentes por todo o mundo, o que até há pouco tempo era impensável. Nos EUA, mais de 25% do gás natural produzido hoje vem das rochas xistosas e os preços unitários baixaram em cinco anos de 23 para 4 dolares. O que já hoje se passa na América vai estender-se rapidamente a todo o mundo, estando a China a comprar tecnologia e conhecimento para explorar o petróleo e gás natural das suas enormes quantidades de rocha xistosa.
Como é sabido, 60% da produção mundial de petróleo vai para os transportes. Mas também isso está a mudar rapidamente. Grande parte dos veículos pesados irão trocar o combustível para gás, muito mais barato e menos poluidor, o que acontecerá igualmente nos grandes navios, centrais térmicas e sistemas de aquecimento doméstico e industrial, por todo o mundo. No chamado mundo rico, a procura de derivados do petróleo já está a descer desde 2005, contando-se com o desenvolvimento dos países asiáticos para que a procura mundial continuasse a crescer. No entanto, a China está também a introduzir limites ao consumo dos automóveis, impondo um limite de 6,9 litros aos cem km em 2015 e de 5l em 2020, o que contribuirá para descer o consumo.
Entre nós, o choque vai ser grande e também benéfico para os consumidores e para a economia em geral. Pagamos uma energia caríssima porque os políticos associaram-se durante anos ao sector energético tendo levado a que, por exemplo, a capacidade de energia eólica instalada em Portugal seja mais do dobro do que deveria ser num sistema equilibrado. A custos enormes, suportados por todos nós pelos subsídios para aí canalizados e nas facturas mensais de electricidade. Mais cedo ou mais tarde a realidade vai desatar o nó energético que alguns têm andado a apertar à nossa custa e da economia, com lucros enormes para os sectores protegidos pelo próprio Estado.

A História dá-nos muitos exemplos de como o excesso de voluntarismo e mesmo alguma dose de fanatismo traz maus resultados e de como a evolução da humanidade foge sistematicamente aos modelos pré concebidos por alguns, por mais iluminados e bem-intencionados que se julguem. O que se está a passar com a energia é apenas mais um desses exemplos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em  12 de Agosto de 2013

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Kubrick's 2001: A Space Odyssey (widescreen)

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

                          Luís de Camões

"Vencer na política não é tudo: é a única coisa"

Um dos filmes da minha vida (como se costuma dizer) foi realizado em 1976 por Alan J. Pakula com o título “os Homens do Presidente”, tendo Dustin Hoffman e Robert Redford como actores principais. O filme é sobre o caso Watergate, que resultou na renúncia de Richard Nixon à presidência dos Estados Unidos da América no dia 8 de Agosto de 1974, faz portanto esta semana 39 anos.
Recordo que o chamado caso Watergate surgiu na sequência da prisão de cinco pessoas no dia 17 de Junho de 1972 naquilo que inicialmente se pensava ser um assalto comum à sede dos Democratas no edifício Watergate em Washington; decorria então a campanha presidencial que viria a ser ganha pelo Republicano Richard Nixon que assim conseguia a sua reeleição de forma esmagadora, após a sua derrota tangencial perante John Kennedy em 1960 e a primeira vitória de 1968.
No dia seguinte ao assalto o jornal Washington Post dava a respectiva notícia, adiantando que os detidos tinham tentado fotografar documentos e colocar aparelhos de escuta na sede Democrata, tudo levando a crer que o caso ficaria por aí. No entanto, o facto de os detidos estarem ligados ao FBI e à CIA levantou suspeitas sobre se a Casa Branca teria conhecimento prévio do sucedido e se, portanto, o próprio Presidente estaria envolvido no caso. Dois jornalistas de investigação do Washington Post, Robert Woodward e Carl Bernstein agarraram no caso e não mais o largaram, com uma pertinácia incansável, afrontando a Casa Branca que se defendeu utilizando todo o seu poder político, policial e mesmo económico. Claro que contaram com a ajuda preciosa de um informador secreto, supostamente colocado no interior do aparelho policial, que lhes foi dizendo se estavam no bom caminho ou se seguiam pistas falsas, mantendo-os na pista certa que os levou no fim a deslindar toda a trama. Só em 2005 esse informador, que ficou conhecido com “garganta funda”, tornou pública a sua identidade, ficando-se assim a saber que se tratava do próprio nº 2 do FBI, Mark Felt. Esta história é ainda hoje apresentada como o exemplo maior da importância do jornalismo de investigação da verdade dos factos e um dos momentos mais altos da demonstração da força da liberdade de imprensa.
A importância deste caso e do seu desfecho é ainda maior dado que, de todos os 44 presidentes americanos eleitos até hoje, Nixon foi o único obrigado a demitir-se por exercício inapropriado do cargo. O trauma dos americanos perante a descoberta de que o seu presidente era uma pessoa em que afinal não podiam confiar é enorme e persistente até hoje. Richard Nixon, apesar de ter conseguido notáveis sucessos durante a sua presidência, como o fim da guerra do Vietname, é ainda hoje símbolo vergonhoso da má conduta de um político desonesto e mentiroso que não olha a meios para conseguir os seus fins.
O título desta crónica é precisamente uma citação de Richard Nixon, o epítome que resume todo um programa de acção política que, no seu caso, levou ao desastroso resultado bem retratado no filme de Pakula e que, obviamente, não deverá, em caso nenhum, servir de inspiração ou exemplo.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 5 de Agosto de 2013

domingo, 4 de agosto de 2013

terça-feira, 30 de julho de 2013

Mulheres e quotas




A Lei da Paridade de 2006 veio estabelecer que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as Autarquias Locais são compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33% de cada um dos sexos. Desta forma, a cada dois elementos de uma lista de um sexo, terá que se seguir sempre um elemento do outro sexo.
É óbvio que esta lei visa adequar a representação das mulheres ao seu papel na sociedade, onde até será hoje superior a 50%, mas não fugindo muito desse valor.
Quem já passou pela vida partidária sabe bem a paciência que é necessária para aguentar com as mesmas velhas discussões em que apenas variam os intervenientes, sendo a matéria sempre a mesma. É por isso que as mulheres, normalmente bem mais práticas, pragmáticas e com mais que fazer  fogem desses locais, deixando um palco maioritário aos homens na política.
Quando surgem as eleições é interessante ver a forma como se processa a aplicação da lei da paridade, tantas vezes de forma perversa para as próprias mulheres. É assim que por vezes se vai conhecendo a constituição das listas, mas com uns buracos nos lugares que serão obrigatoriamente preenchidos por mulheres; mulheres que, neste caso, sairão sempre diminuidas no seu papel, porque se cria a sensação de que só lá estarão para preencher as quotas.
Ao contrário, e felizmente, há situações em que mulheres são convidadas pelo reconhecimento do seu valor próprio, fora das quotas e mesmo sendo politicamente independentes. Honra a elas e a quem as convida!

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Diga não à discriminação

O ponto central da definição do desenvolvimento de uma sociedade, qualquer sociedade, não é a sua riqueza material, mas sim a capacidade de aceitação da diferença através da não aceitação da discriminação de pessoas ou grupos. E como estamos longe, tão longe disso, mesmo numa Europa supostamente civilizada!
Nos últimos dias a ministra da Integração de Itália Cécile Kyenge, que é primeira negra a exercer funções ministeriais naquele país, foi comparada a um orangotango por um senador e viu ser lhe atirada uma banana quando fazia um discurso público. Sendo quem é, a ministra respondeu apenas que a comida não deve ser desperdiçada. O racismo está incutido na cabeça das pessoas desde o início do colonialismo, quando as diferenças culturais eram tidas como atraso. Num destes dias ia no carro e quis o acaso que ouvisse na rádio uma excelente entrevista ao Prof. Poiares Baptista, grande dermatologista e professor jubilado da fac. de Medicina da nossa Universidade. Mais uma vez explicou, com o seu conhecimento profundo do assunto, como as diferentes cores da pele são apenas isso. Essa adaptação ao meio natural não tem nada a ver com inteligência, capacidade de trabalho, afectos, nada, absolutamente nada. Até a constituição da pele é exactamente a mesma. Mas a discriminação pela cor da pele continua a ser um facto e uma vergonha para todos nós.
Na Nova Zelândia, as autoridades de imigração decidiram expulsar um homem que reside naquele país há seis anos por ter 130 quilos e não ter parâmetros de saúde aceitáveis. Das duas, uma e são ambas inaceitáveis: ou o homem tem mau aspecto por causa do seu peso e é socialmente mal visto num país que vende o desporto e da vida ar livre e saudável como indústria, ou o Estado se recusa a fornecer serviços de saúde a pessoas por serem obesas. Mais uma vez a discriminação a vir ao de cima. A indústria da moda, nas suas diversas facetas, seja do vestuário seja dos cosméticos, é responsável por incentivar a discriminação de uma forma insidiosa, mas extremamente eficaz. Precisamente porque penetra no nosso subconsciente através da publicidade, da fotografia e do próprio cinema. Propõem, ou melhor, impõem, critérios de beleza absolutamente artificiais que criam complexos e levam as pessoas a desejarem ser iguais aos manequins.
Para além da artificialidade da criação das imagens que são manipuladas ao ponto de as pessoas apresentadas serem quase irreconhecíveis ao natural, impõem modelos estereotipados que levam à segregação de quem se afasta deles. É assim que quem não é magro (mesmo que não seja obeso), quem não é alto, quem tem rugas, quem nasceu com alguma diferença, ou apenas quem não é jovem, é levado a sentir-se feio e excluído. Quando a moda até faz sentido se nos levar a sentirmo-nos bem com nós próprios e com o nosso corpo, é transformada numa ditadura dos criadores e da publicidade e mesmo na forma mais pura de descriminação.
Assistimos diariamente a muitas outras formas de discriminação. Seja pela religião, seja pelo sexo, seja pela origem social, seja pela opção política, a nossa sociedade parece que se compraz na exploração da diferença, para tentar rebaixar quem é diferente da média. O respeito pelo semelhante, isto é, por toda e cada uma das pessoas em toda a sua personalidade é, de facto, pedra de toque de civilização. Sejamos cada dia mais civilizados do que no dia anterior. Só depende de nós.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 29 de Julho de 2013

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Reabilitação Urbana


Renovação, recuperação, reabilitação, regeneração, são termos muitas vezes indistintamente utilizados em conjunto com a adjectivação “urbana” para designar uma acção, ou melhor dito, um conjunto de acções que visam agir sobre os centros históricos degradados das cidades. Assim sendo, para além da semântica, o que verdadeiramente interessa é o objectivo a atingir. E esse só pode ser o da regeneração urbana dos centros históricos já que, para além da reabilitação do edificado, se pretende que uma consequência dessas acções seja criar condições que permitam chamar novos moradores, revitalizar as velhas e chamar novas actividades económicas, em suma, criar atractividade que recentre uma cidade no seu velho centro histórico. Significa isso que a reabilitação não pode ser uma mera recuperação museológica do edificado degradado, mas todo um conjunto de acções que, para além da construção civil, regenere autenticamente o velho centro histórico dando-lhe nova vida.
A reabilitação urbana chama hoje a atenção de muita gente por várias razões: desde logo, porque os centros históricos degradados aparecem como uma chaga na cidade ao nível dos edifícios, mas também aos níveis social e económico; depois, porque a actividade da construção civil caiu a pique nos últimos anos, estando criada uma consciência social e política de que a expansão urbana das últimas décadas é insustentável. A tudo isto acresce o valor patrimonial tantas vezes identitário que, no caso de Coimbra, foi há pouco tempo considerado de interesse mundial pela Unesco.
A actividade da reabilitação urbana encontra-se regulada em termos legislativos pelo chamado “Regime Jurídico da Reabilitação Urbana” (RJRU). Uma das peças centrais são as Sociedades de Reabilitação Urbana existentes em várias cidades entre as quais Coimbra: a Coimbra Viva SRU. Ao contrário das outras SRU’s, a de Coimbra nunca dispôs de edifícios para reabilitar, nem de recursos financeiros para os adquirir e recuperar para colocar no mercado depois disso. Por isso a sua actuação foi sempre virada para a preparação dos documentos urbanísticos necessários, para o apoio aos proprietários e para encontrar parceiros financeiros para a reabilitação. Foi assim que foi constituído o primeiro Fundo de Investimento Imobiliário especial em reabilitação urbana do país em que os próprios proprietários participam e que foram delimitadas duas Áreas de Reabilitação Urbana para a Baixa e Rio (frente urbana da margem direita entre o Parque Manuel Braga e o Arnado) com os seus Programas Estratégicos aprovadas pela Assembleia Municipal em Maio último. As respectivas Operações de Reabilitação Urbana, do tipo Sistemático, têm um cronograma definido para os próximos quinze anos. O custo total previsto destas operações é de 193 milhões de euros, correspondendo 157 milhões a investimento privado e 36 a investimento público. Estas operações abrangem seis dezenas de acções concretas.
Em tempo de pré campanha eleitoral autárquica é de saudar toda a preocupação sobre esta matéria, embora muitos dos intervenientes só agora surjam a manifestar-se, quando nem participaram na discussão pública alargada que precedeu a aprovação das ARU’s. Mais vale tarde do que nunca e para quem de facto se preocupa sugere-se uma visita ao site da Coimbra Viva SRU (www.coimbraviva.pt) onde se poderá aceder a toda a informação e, provavelmente, verificar que as acções que tem em mente para a recuperação da Baixa já se encontram lá estudadas e previstas. Por fim, mas não menos importante, importa dizer que, finalmente, boa parte do financiamento para o início da reabilitação da Baixa se encontra negociado e prestes a ser disponibilizado.



Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 22 de Julho de 2013

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Wagner contemporâneo

Comemoram-se este ano os duzentos anos do nascimento de Richard Wagner. Não haverá na História da Humanidade muitos expoentes culturais que tanta polémica tenham provocado pela sua própria vida e pela criação artística, em vida e durante todo o tempo até aos dias de hoje, embora Wagner tenha morrido em 1883. A sua obra, absolutamente genial, constitui, sem sombra de dúvidas, um marco na História da Música. Mas Wagner não se ficou pela composição musical. Ele próprio escrevia os libretos das suas óperas e tratava de todos os pormenores da encenação. Para obter o som que desejava, inventou mesmo alguns instrumentos musicais. Chegou ao ponto de projectar a sala de espectáculos que considerava ideal para a apresentação das suas obras em Bayreuth, onde ainda hoje se apresenta o Festival que leva o seu nome com encenações que, não raras vezes, provocam escândalo.
A música de Wagner foi utilizada em muitas situações, como por exemplo no filme “Apocalypse Now” de Francis Ford Coppola, o que levou o seu conhecimento a variados públicos. Já o aproveitamento que o regime Nazi fez das suas composições majestosas é difícil de esquecer, não sendo ainda hoje pacífico tocar Wagner em Israel, embora o compositor não tenha qualquer responsabilidade naquela utilização feita por Hitler e seus sequazes, já que morreu mais de quarenta anos antes da subida de Hitler ao poder. O simbolismo é no entanto, tão forte, que a ligação do nazismo à música de Wagner demorará muito tempo a desaparecer, principalmente junto das maiores vítimas, os judeus. Entre outros maestros o grande Daniel Baremboim tem lutado por ultrapassar esse estigma, abordando Wagner regularmente com a sua formação orquestral constituída por jovens músicos israelitas e árabes, o que tem que fazer com muito cuidado e grande tacto.
A mitologia nórdica foi utilizada por Wagner nas suas grandes peças operáticas, de que o Anel do Nibelungo é, talvez, a obra mais emblemática e complexa. O deus central é Wotan, o pai das valquírias, entre as quais Brunnhilde que amava sobre todas as outras. Era um deus também egoísta a um nível superlativo, desleal e volúvel: a sua sede de poder leva-o à total destruição à sua volta.
A simbologia nórdica não terá muito a ver com a nossa base cultural, já que os chamados bárbaros que destruíram o império romano não deixaram por cá grandes influências. Mas o que se tem passado em Portugal nas últimas semanas não deixa de fazer lembrar muito do que se passa nas obras de Wagner, sendo relativamente fácil detectar comportamentos simbolizados pelos personagens wagnerianos. O Anel termina de forma trágica com o Crepúsculo dos Deuses. Façamos votos de que, ao contrário dos deuses da mitologia germânica que agiam apenas por estados de alma, ao menos desta vez sejamos capazes de ultrapassar as dificuldades e os grandes perigos que nos espreitam com bom senso, sentido do bem comum, capacidade de entreajuda e, acima de tudo, racionalidade.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 15 de Julho de 2013