segunda-feira, 16 de junho de 2014

Príncipes



Há precisamente 500 anos, Niccolò Machiavelli escreveu a obra que ainda hoje orienta muito do que se passa na política, o que muitos teimam em não ver, ou não querer ver: O Príncipe.
No seu livro dedicado a Lourenço de Medici, entre outras coisas Machiavelli assinalava que em política não há amigos, apenas aliados. Afastava da acção política os conceitos moralistas que ainda hoje enganam muita gente e nos leva frequentemente a apoiar ou mesmo a seguir actores políticos que se apresentam como virtuosos, isto é, generosos, honestos e confiáveis, quando na sombra dos seus gabinetes praticam o oposto.
Os políticos deverão perseguir os objectivos da segurança e do bem-estar dos cidadãos, o que não deve ficar escondido por detrás das mais piedosas intenções que tantas vezes levam ao descalabro colectivo e à ruína das nações.
Machiavelli não escreveu no Príncipe que “os fins justificam os meios”, embora as interpretações do texto levem frequentemente a tirar essa conclusão. Sendo uma afirmação mais que discutível e dificilmente aceite, é no entanto praticada todos os dias em política, ainda que de forma encapotada. Em democracia, as balizas comportamentais estão bem definidas por regras estabelecidas e aceites por todos, mesmo por aqueles que com elas não concordam no seu íntimo. Os meios a usar serão assim aceites pela comunidade, desde que dentro dos limites da lei. É a ética pessoal que autoriza os meios a utilizar por cada um dentro daqueles limites. Os critérios moralistas deverão ser esquecidos porque na realidade não têm qualquer efeito, sendo a vantagem competitiva efectivamente de quem utiliza quaisquer meios para atingir os seus fins sem peias morais. Não vale a pena negar que isto acontece, porque sucede permanentemente e mesmo aqueles que apregoam grandes regras morais se calam perante o sucesso dos que assim agem, porque conseguem alcançar o poder.
Para Machiavelli, é preferível a um Príncipe ser temido do que amado. Grande máxima para quem tem estomago para a seguir à letra. E nós temos bons exemplos em Portugal neste século e no anterior, para não irmos mais longe. Já tivemos um primeiro-ministro intelectualmente brilhante mas conhecido por ser muito afectivo e com grande dificuldade de dizer não. Quando as condições para a governação se complicaram, ele próprio acabou por perceber que o melhor a fazer era desistir e ir para bem longe tratar de assuntos sociais e de caridade. Já um chefe de Governo racional e frio como o que nos governou em ditadura durante dezenas de anos, nunca teve a preocupação de que gostassem dele: bastava-lhe que o temessem para que a desejada “normalidade” seguisse o seu caminho sem grandes sobressaltos. Mas mesmo em democracia há quem prefira ser temido a ser amado e, embora com matizes diferentes, já tivemos pelo menos dois primeiros-ministros eleitos com essa característica evidente. Isto é, a afirmação de Machiavelli não tem nada a ver com os regimes políticos concretos, mas com a personalidade e a visão própria da acção política dos seus agentes. Como em democracia é o povo que escolhe quem governa, por vezes dá mesmo a impressão de que entre nós se vai cansando à vez de um e outro estilo e os vai elegendo alternadamente.
Claro que os principais objectivos de qualquer político são obter e manter o seu cargo, seja ele governativo, seja de direcção partidária. Um líder não deverá portanto admirar-se quando alguém, ainda que do seu próprio partido, tente ocupar o seu lugar no momento em que achar que as condições para tal lhe são propícias; e nem deverá trazer palavras como traição à colação, a não ser que o desafiante lhe tenha expressamente garantido que nunca o desafiaria. Mas o que desafia andará também melhor se não esquecer que os seus apoios são, não manifestações de amizade como podem parecer, mas acções visando o futuro deles próprios e amanhã se virarão para outro lado que lhes parecer mais eficaz para obterem aquilo que pretendem. Pior mesmo é perceber-se que por detrás das motivações grandiloquentes em nome do povo não estão mais que ambições pessoais de poder, mesmo sendo legítimas, situação que o próprio Machiavelli aconselhava o Príncipe a evitar, ainda que usando de dissimulação.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Junho de 2014

segunda-feira, 9 de junho de 2014

As eleições Europeias



Eu sei que não parece, mas convém lembrar que no passado dia 25 de Maio houve eleições europeias, isto é, para o Parlamento Europeu. Por isso é muito importante perceber as consequências dos resultados deste acto eleitoral para o futuro da União Europeia a que pertencemos, já que se reflectirá necessariamente no nosso próprio futuro.
Claro que as eleições europeias têm também uma importância política nacional em todos os países e isso está bem à vista nas repercussões que os resultados nacionais tiveram e estão a ter na nossa vida política. As perspectivas que as sucessivas sondagens foram criando e a subida da parada por parte de alguns chocaram de frente com os resultados concretos. Por isso mesmo o líder do partido Socialista foi de imediato confrontado com um desafio interno à sua liderança; percepcionou-se que a votação obtida foi resultado das suas próprias opções estratégicas para estas eleições, claramente mal acolhidas pelo eleitorado, ainda por cima ao fim de três anos de uma austeridade fortíssima levada a cabo pelo Governo na aplicação do PAEF assinado com a troika. Pelo seu lado, o Governo viu a coligação que o suporta ter uma votação abaixo dos 20%, resultado fraco que nem a reduzida margem face ao principal partido da oposição consegue fazer apagar. O Bloco de Esquerda reduziu a sua representação europeia em 2/3, elegendo apenas Catarina Martins, enquanto o Partido da Terra com Marinho Pinto como bandeira elegeu dois deputados de uma assentada, surpreendendo tudo e todos. O PCP, mais uma vez através da sua já clássica coligação conseguiu, certamente pela sua linguagem anti EU e anti Euro, absorver descontentamento e aumentar a sua representação no PE em um deputado. Não valerá muito a pena analisar transferências de votos entre formações partidárias, que servem sempre para justificar isto e o seu contrário. Importante é relevar a elevada abstenção de cerca de 2/3 do eleitorado. Seja para marcar uma posição “contra o sistema”, seja por alheamento face às questões europeias, este é um nº verdadeiramente significativo.
Mas eleições europeias merecem sobretudo uma análise a nível europeu. A maior alteração verificada na distribuição dos lugares no Parlamento Europeu consistiu numa diminuição do total de deputados dos grupos claramente pró-europeus que são o PPE (Partido Popular Europeu), S&D (Socialistas e Democratas), ALDE (Liberais) e Greens (Verdes) cuja percentagem em bloco desceu de 79% para 69%. Como se verifica, apesar de importante como eventual tendência para futuro, a mudança não está perto sequer de significar uma alteração profunda da situação, até porque os chamados euro-cépticos estão fraccionados numa série de pequenos agrupamentos com pouco ou mesmo nada de comum entre si além de serem contra a UE e o Euro. Claro que, apesar de reduzida dimensão europeia, esses agrupamentos incluem partidos nacionais que falam muito alto e fazem muito barulho como a Frente Nacional francesa, os gregos Syrisa (esquerdista) e Golden Dawn (neo-Nazi), o britânico UKIP ou o dinamarquês DPP. As expressivas votações obtidas por estes partidos constituem assim, mais um problema nacional para cada um dos seus países do que propriamente um problema europeu, embora seja previsível que as percentagens que agora alcançaram se devam em grande parte à elevada abstenção generalizada destas eleições. De qualquer forma, houve seis países em que a votação nos euro-cépticos foi muito relevante, isto é, entre os 20% e os 40%: Grécia, Grã-Bretanha, Itália, Dinamarca, França e Áustria.
Deve ser salientado que a tentativa de transformar estas eleições para o Parlamento Europeu numa espécie de eleição do futuro Presidente da Comissão como se fosse um primeiro-ministro falhou redondamente. A indicação de Jean Claude Juncker como futuro presidente da Comissão por parte do Partido Popular Europeu encalhou na oposição frontal do primeiro ministro britânico David Cameron e a própria chanceler alemã Ângela Merkel não garante o seu apoio ao luxemburguês.
Entre as competências do Parlamento Europeu não está a escolha da Comissão, mas pode de facto reprovar os nomes que o Conselho apresentar. E o Tratado de Lisboa obriga, pela primeira vez, a que a escolha do Conselho tenha em conta os resultados das eleições. Para bem de todos nós, façamos votos para que, ao menos desta vez, os responsáveis europeus tenham bem em conta os resultados destas eleições e correspondam aos sinais enviados pelos cidadãos europeus.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Junho de 2014


segunda-feira, 2 de junho de 2014

Heroísmo de Homens comuns



A Operação “Overlord” significou o início do fim da ocupação do continente europeu pela barbárie nazi. Durante longos meses, uma logística de uma dimensão antes nunca vista tinha preparado o desembarque de tropas Aliadas em França.
Inicialmente previsto para o dia 2 de Junho, as condições meteorológicas no Canal da Mancha impediram o início da operação durante vários dias. A situação era de tal forma complicada que nem permitiu festejar a tomada de Roma pelos Aliados ocorrida em 4 de Junho. Finalmente, na noite de 5 para 6 de Junho de 1944, foram largados os primeiros soldados ingleses e americanos em pára-quedas na Normandia, dando início ao Dia D. 

Às seis e meia da manhã desembarcaram os primeiros soldados americanos na praia com o nome de código “Utah”, seguindo-se soldados ingleses e canadianos nas praias “Gold”, “Sword” e “Juno”, que rapidamente entraram pelo interior do território francês, havendo no fim do Dia D, 155.000 homens desembarcados. Os alemães apenas na praia “Omaha” conseguiram suster 35.000 soldados americanos durante algum tempo, dando origem a demonstrações de bravura e coragem inimagináveis, que hoje se nos tornaram familiares através de vários filmes.
No dia 10 de Junho foram desembarcados na Normandia mais 325.000 soldados aliados. No dia 14 de Junho, deu-se o primeiro bombardeamento aéreo americano em território japonês. Dando cumprimento ao acordado anteriormente entre os Aliados, no dia 22 de Junho Estaline iniciou o ataque à Frente de Leninegrado, impedindo o comando alemão de dar toda a atenção à nova frente criada em França e começando a empurrar os exércitos alemães para ocidente, até à derrota final do 3º Reich. Quatro longos e trágicos anos depois da invasão alemã da Noruega, Dinamarca, Países Baixos e França começada em Abril de 1940, a sorte da guerra começava a mudar, mas só em 7 de Maio do ano seguinte os alemães assinariam a rendição.
Não é meu propósito nesta crónica ressaltar as barbaridades cometidas pela besta nazi durante a guerra e mesmo antes dela, contra judeus e muitos outros grupos sociais, mas essencialmente contra o valor da Liberdade.
A realidade é que passam esta semana setenta anos sobre o desembarque na Normandia, que resgatou os valores da dignidade humana.
Nesse dia perderam a vida nas praias da Normandia muitos soldados canadianos, ingleses e americanos. Foi o seu sacrifício que permitiu a derrota do nazismo e do regime de absoluta opressão que instalou em quase toda a Europa.
Muitos desses soldados eram ingleses, vindos portanto de um país europeu que, embora não tivesse chegado a ser invadido, sofreu directamente ataques alemães no seu território por via aérea e marítima. De facto, sem querer diminuir a resistência soviética ao avanço alemão, não fora a resposta firme da Inglaterra e provavelmente ainda hoje a Europa teria como cores o negro e vermelho das bandeiras nazis.
Mas no Dia D e nos meses que se seguiram muitos dos soldados que deram a sua vida pela libertação da Europa vieram do outro lado do Atlântico. Foram de uma abnegação e de uma coragem que não se podem esquecer. Alguns, poucos, dos que então lutaram em solo europeu na juventude dos seus vinte anos ainda serão vivos. Esta crónica visa mostrar que, se há forças negativas e escuras na humanidade, há também os que se sacrificam para que o futuro de todos seja aquele que escolherem livremente e sem grilhetas. Os soldados que há setenta anos desembarcaram nas praias da Normandia para nos libertar a todos, quer os que lá ficaram, quer os que seguiram em frente eram homens comuns que se tornaram heróis da Humanidade e que merecem o nosso louvor e, acima de tudo, a nossa eterna gratidão. Exactamente aquele tipo de homem comum que Aaron Copland homenageou com a sua “Fanfare For The Common Man” que convido o leitor a ouvir depois de ler esta crónica (https://www.youtube.com/watch?v=FLMVB0B1_Ts)

segunda-feira, 26 de maio de 2014

A Campanha



Eu sei que à data em que esta crónica chegar às mãos do leitor, a campanha eleitoral para “as europeias” terá já passado à história e o que se lerá mais são os resultados eleitorais, sua análise e consequências para os diversos partidos.
Mas só passadas as eleições se tem verdadeira liberdade para se analisar o que se passou durante a campanha, por tal já não poder ser interpretado e levado à conta de, sob a capa de independência de espírito, se tentar passar alguma mensagem ainda que subliminar.
Estas eleições foram para escolher os deputados europeus. Seria de esperar, depois de tanto se falar nos malefícios da organização da União, da necessidade de aproximar os eleitos dos eleitores, da falta de democraticidade, da revisão do Tratado de Lisboa, do euro e das supostas maldades que provoca nas nossas vidas, dos eurobonds, do Fundo Europeu de Estabilização Financeira, do estatuto do Banco Central Europeu, que os temas discutidos andassem por aí.
Mas o que foi que vimos, ouvimos e lemos nesta campanha?
O principal partido da oposição resolveu apresentar as suas propostas para o país durante esta campanha; o desvio da discussão daquilo que verdadeiramente estaria em causa foi imediato e, aparentemente intencional, embora os resultados nesta altura não devam ter sido os pretendidos porque se começou de imediato a discutir os seus custos, discussão nunca pacífica.


A coligação que suporta o actual governo não encontrou outros motivos de discussão que não o aparecimento na campanha do anterior primeiro-ministro.
Em determinado momento, sem que nada o fizesse prever nem se compreendam as razões para tal, a discussão focou-se em vírus, judeus e nazis!
Até o desporto entrou na liça, quando um partido propôs que o surf passasse a fazer parte dos currículos escolares.
Houve quem clamasse que estas eleições serviriam para dar um cartão vermelho ao governo, mostrando assim em que grau coloca as questões europeias e para que pensa servir os deputados eleitos pelas suas listas.
Nem se diga dos nossos parceiros europeus que não tenham dado motivos mais que importantes para justificarem a discussão dos temas europeus durante a campanha. Desde Sarkozy que veio propor preto no branco a institucionalização do directório franco-alemão para governar a União através do fim da igualdade dos estados membros, até Ângela Merkel que calmamente, do alto da sua mais que provável vitória eleitoral, confiava estar já a tratar da constituição da futura Comissão.
Entre nós, só Marcelo Rebelo de Sousa mostrou entender bem o que estava mesmo em causa nestas eleições, ao vir a Coimbra dizer que tencionava votar na coligação PSD/CDS para ajudar à eleição de Jean-Claude Juncker para a presidência da Comissão Europeia e deixando bem claro que os nomes dos candidatos a deputados europeus interessam bem pouco.
À esquerda do PS levantaram-se muitas das bandeiras que nos restantes países da união são defendidas pelos partidos mais à direita, com as críticas à Europa capitalista e ao euro à cabeça. Assim se põe tudo permanentemente em causa, colocando ilusões à frente dos interesses das populações europeias que estão fartas de demonstrar querer pertencer a esta Europa que lhes tem garantido paz e prosperidade, apesar de momentos menos bons, como o que atravessamos.
Passa assim incólume a mensagem de que a Europa e o Euro são responsáveis pelos nossos problemas, que o paraíso seria sairmos da moeda única, quando a brutal desvalorização da moeda, as falências generalizadas, a fuga de capitais e a inflação que se seguiriam originariam o caos no país e, certamente, as condições para que um golpe de estado militar acontecesse sem reação da União, porque já não lhe pertenceríamos. A União tem problemas graves, há muito a discutir e a melhorar, mas dentro da União. As eleições europeias já passaram e foram importantes. Não percamos mais tempo com vírus, surfs e o umbigo dos srs. candidatos agora eleitos deputados.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Maio de 2014

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Saída do PAEF



Os representantes da Troika foram-se embora depois de concluída a 12ª e última avaliação do cumprimento do memorando de entendimento respeitante ao “Programa de Assistência Económica e Financeira” (PAEF) assinado em 17 de Maio de 2011 que fica agora encerrado.

Muito se tem dito e escrito sobre o PAEF, sobre a austeridade que significou e sobre o que nos levou a pedir a ajuda da União Europeia e do FMI, mas o mais importante de tudo isto é o nosso futuro colectivo.
Em primeiro lugar, há que ter consciência de que fomos nós que pedimos ajuda em desespero de causa. Já não podíamos pedir dinheiro emprestado nos famosos “mercados”, dado que tinham perdido a confiança em Portugal e isso reflectia-se nas taxas de juro que nos pediam, pelos 12% e em subida permanente. 
Fala-se no chumbo do famoso PEC IV mas, dado o estado a que o país tinha chegado, seria como tentar tratar uma tuberculose com aspirina. Mas pouco se fala no mais importante de tudo e que terá estado na origem de todos os nossos problemas. De facto, apesar de todas as políticas de fomento da economia seguidas nos anos anteriores, desde as SCUT’s ao Euro e às energias renováveis, a nossa economia estava desde há muito a afastar-se (para baixo, entenda-se) das outras economias europeias. Quando o crédito era barato e o investimento público atingia valores nunca antes sonhados, entre os anos 2000 e 2007 - o ano anterior à crise, a economia portuguesa cresceu uns magros 3,37%, e apenas a Itália cresceu menos (3,14%). Mesmo a Grécia cresceu 8,12% e os restantes países europeus do euro entre 10 e 25%. É evidente que, quando um país tem este crescimento miserável, não se geram impostos que paguem as despesas do Estado, principalmente quando estas crescem, criando um défice crescente das contas públicas que, mais tarde ou mais cedo, associado a uma dívida pública galopante, teria necessariamente que levar a problemas graves. É aqui que reside o nosso maior problema, que não resulta da austeridade e sim de anos e anos de políticas públicas desastradas, para dizer o mínimo. A despesa pública tornou-se uma canga sobre a economia que a asfixia e impede de mexer.
Por isso o “memorando de entendimento” dava tanta atenção às reformas estruturais focalizadas no baixo potencial de crescimento da economia portuguesa, originado em boa parte pelo desequilíbrio estrutural entre o sector não transaccionável, incluindo o Estado e o sector transaccionável, o mais importante, por incluir as exportações. Durante a aplicação do PAEF, as exportações passaram de menos de 25% do PIB para aproximadamente 40%, como hoje sucede. Esta é uma alteração importantíssima, pouco referida, mas que significa uma viragem no que vinha sucedendo há muitos anos. Por outro lado, houve uma mudança crucial nas contas públicas, tendo o saldo orçamental primário (isto é, antes de juros de empréstimos) passado de negativo, como era também há muitos anos, para positivo.
Refere-se frequentemente como fracasso o aumento entretanto registado na dívida pública, como se o PAEF não se tivesse justificado precisamente para pedir 78 mil milhões euros; e como se entretanto não se tivessem transferido para as contas do Estado as dívidas “escondidas” das empresas públicas e parcerias público privadas.
A austeridade trazida pela aplicação do “memorando de entendimento” é difícil de suportar por muitos portugueses. Mas muito mais difícil teria sido lidar com a bancarrota ou a saída imposta do Euro.
Num momento em que Portugal volta a ter a possibilidade de aceder a financiamento externo sem rede, bom seria que todos reconhecessem os pesados sacrifícios que os portugueses aguentaram e ainda que vamos continuar a depender dos tais “mercados” para financiar o Estado, incluindo o “Estado Social”. Se não formos todos capazes de olhar para o futuro, reconhecendo as dificuldades do País e não deste ou daquele governo, depressa teremos aí o FMI de novo, pela quarta vez, e nessa altura não haverá ninguém que evite uma autêntica tragédia económica e social.
Muito a propósito, a revista Economist da semana passada citava Tocqueville: “os demónios, que esperam pacientemente quando parecem inevitáveis, tornam-se intoleráveis quando a ideia de fuga deles é sugerida”, isto é, as revoluções surgem não quando as condições pioram, mas quando começam a melhorar.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 19 de Maio de 2014