jpaulocraveiro@ gmail.com "Por decisão do autor, o presente blogue não segue o novo Acordo Ortográfico"
quinta-feira, 7 de março de 2013
segunda-feira, 4 de março de 2013
…MAS COIMBRA TEM MAIS ENCANTO
Assim termina um artigo recentemente publicado por um deputado socialista
que, a propósito de uma recente reunião do seu partido em Coimbra, resolveu envolver
a sua opinião sobre o significado político daquele encontro supostamente
unificador do partido Socialista em considerações sobre a cidade. Coimbra é
talvez, entre as cidades portuguesas, aquela que mais referenciais históricos
oferece para utilizar como fundo para a passagem de mensagens dos mais diversos
tipos e pelos mais variados autores.
O articulista informa melancolicamente que, não tendo estudado em Coimbra,
admira contudo as amizades profundas que ligam para a vida os que por cá
passaram. Faz ainda alguns comentários certeiros e outros menos justos para a
Cidade, mas que devemos olhar com atenção, porque quem observa de fora tem
normalmente uma visão mais abrangente, já que livre das pequenas coisas que o
dia-a-dia produz; tal como quem está entre as árvores não consegue abarcar a
visão da floresta como um todo.
O deputado lembra que Coimbra marca de facto pelo mistério, encanto e
sedução, evocando a magia das serenatas e a excelência na saúde, pelo elevado
nº e qualidade dos médicos; aponta com razão a aposta da Universidade em alguns
nichos de excelência. Mostra como é mau para a Cidade que a Académica seja
assumida como segundo clube de muita gente. Aponta a existência de algumas
empresas que são ponta de lança em áreas de extrema sofisticação.
Mas quem está de fora também é muito sujeito a preconceitos e ideias
formadas sem sentido, o que é o caso. É assim que não foge ao lugar-comum da
crítica ao “Portugal dos Pequenitos”, como se hoje o parque temático infantil
tivesse mais importância do que como local de diversão para os mais pequenos.
Tal como faz a ligação da Universidade a Salazar, o que já vai longe e não tem
no presente qualquer significado, para além do histórico que se refere, aliás,
a poucas dezenas de anos numa Universidade com mais de sete séculos de
existência. Que a Universidade de Coimbra tivesse sido a única em Portugal
durante séculos é uma questão nacional e não de Coimbra, além de que esse facto
teve certamente consequências positivas como a existência da língua nacional e
de um grande país uno como o Brasil. Apontar uma suposta decadência de Coimbra
ligada à marca da portugalidade faz hoje tanto sentido como esperar pelo
Desejado.
Claro que quem chega observa ainda aspectos que vêm do passado e dos quais
Coimbra tem que se livrar completamente, se quer ser cada vez mais progressiva
e aberta ao mundo. A chamada doutorice, doença que derrama da universidade para
a cidade, é uma pecha grave que tem consequências sociais e políticas
importantes. Hoje em dia nem tem muito a ver com a Universidade em si, bastando
para tal concluir, ver a forma como os últimos Reitores têm feito esforços para
estabelecer ligações de colaboração íntima com o governo da Cidade. Mas ainda é
possível ver com alguma frequência utilizar o título académico como forma de
afirmação pessoal em vez da capacidade de realização.
Outra observação certeira do deputado foi aquilo que chamou “revolução
alcoólica”. Na realidade, se há algo que Coimbra deveria alterar completamente
é a ligação das festas académicas ao consumo excessivo de álcool. E isso tem
que ser objecto da atenção de todas as entidades responsáveis da Cidade, e não
apenas das forças policiais da estrada, já que Coimbra não deseja certamente
passar a ser internacionalmente conhecida como a capital europeia da bebedeira!
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 4 Março 2013
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013
EUROPA, a ponte
A opinião dos portugueses sobre a Europa já terá conhecido melhores dias. De
facto, o mito da Europa, isto é, de que a adesão à União Europeia constituiria
só por si garantia de que os portugueses passariam a pertencer para sempre ao
clube dos mais ricos com a respectiva qualidade de vida, esfumou-se com uma
crise que, de aguda, se transformou em crónica, para mal dos nossos pecados.
Foi certamente com essa visão mítica, algo ingénua e mesmo um pouco
deslumbrada sobre a Europa que, nos anos 90, Coimbra avançou com o nome
“Europa” para uma necessária ponte a construir na zona da Boavista. Aquela
ponte encontrava-se prevista no Plano Rodoviário Nacional e o PDM de Coimbra
classificava-a como de “importância regional”. Os estudos então feitos
apontavam para aquele local como o mais adequado para a nova ponte, tendo em
atenção a necessidade ligar a EN 17 (a chamada estrada da Beira) à EN1 (IC2) e
a falta de uma nova ligação rodoviária urbana entre as margens do Mondego a
montante da Ponte de Sta. Clara.
Se até aí correu tudo bem, a partir da escolha do local correu tudo mal.
Uma empreitada que foi adjudicada por cerca de 29 milhões de euros veio a
custar, na realidade, mais de 65 milhões de euros. A abertura da ponte ao
tráfego, inicialmente prevista para Dezembro de 2001 só se veio a verificar em
Junho de 2004, depois de um atraso de dois anos e meio. Tudo isto numa obra que
o então ministro do Equipamento Social afirmou alto e bom som que seria
exemplar: “nem mais um dia, nem mais um centavo!”
Os problemas resultaram de uma questão crucial: a adjudicação foi feita,
não com base num projecto de execução como deveria ser, mas sim apenas com um
anteprojecto; o projecto de execução veio a ser entregue ao empreiteiro 3 meses
depois da consignação da obra. Para quem queria que esta fosse uma obra pública
exemplar, está tudo dito. Ou quase. Porque mesmo esse projecto não foi
devidamente revisto por uma entidade competente para o fazer e veio a
verificar-se ser impraticável, causando os adiamentos e aumentos de custos
referidos.
A ponte veio a mudar de nome para Ponte Rainha Santa Isabel. Homenagem da
Cidade à sua padroeira, abandonando uma designação que remetia para uma atitude
reverencial a algo a que pertencemos de direito e de facto, não necessitando de
homenagens serôdias. É uma ponte bonita, que resulta particularmente expressiva
quando iluminada à noite, pelo efeito de vela dos cabos de sustentação.
No entanto, é incompreensível que uma ponte urbana não possa ser
atravessada a pé, nem sequer de bicicleta. Não tem passeios, mais parecendo uma
ligação de uma auto-estrada que não existe. O projecto inicial previa uma
passagem pedonal sob o tabuleiro da ponte, que nunca veio a funcionar como tal,
supostamente porque a alteração do projecto reduziu a altura útil da passagem,
impedindo a circulação normal de peões e bicicletas.
A ironia do destino veio a ditar que a designação “Europa” para a ponte estivesse
associada a incompetência técnica, incapacidade de decisão e decisões políticas
erradas. Como se vê, em completa consonância com a Europa de hoje. Valha a
verdade, antes o simbolismo da Santa Padroeira que transformou pão em rosas,
com quem a Cidade tem uma relação de confiança há centenas de anos.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Fevereiro de 2013
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
ESCREVER E REESCREVER A HISTORIA
Ai dos vencidos, terá exclamado Breno quando fez aumentar o resgate a pagar
pela libertação de Roma atirando a sua pesada espada para cima da balança. A
História é de facto muitas vezes favorável aos vencedores, já que escrita por
eles próprios, pelos seus apoiantes ou apenas por aqueles a quem dá jeito estar
com quem ganha o poder. Terá sido o caso do próprio Shakespeare quando estabeleceu
a “verdade” para a História acerca de Ricardo III, último Rei inglês da família
dos Plantagenetas, morto a lutar em plena batalha de Bosworth no longínquo dia
22 de Agosto 1485. Era do interesse dos Tudor, nova família reinante, que
Ricardo III fosse recordado como um monstro, ideia que ainda hoje prevalece.
A recente descoberta do esqueleto de Ricardo III não trará novidades à História. Confirma que não era corcunda e que padecia, isso sim, de escoliose acentuada surgida teria uns dez anos de idade, e elimina a sugestão de Shakespeare de que seria incapaz de mexer um dos seus braços. Acima de tudo, a análise dos ossos traz à luz do dia a forma como morreu: o seu corpo sofreu inúmeros golpes, tendo provavelmente falecido de um grande golpe na cabeça. Mesmo depois de morto foi trespassado por diversas vezes, o que demonstra, não só a violência dos combates pessoais de então, mas também a raiva que lhe tinham os vencedores e, em particular, os que o atraiçoaram em plena batalha. As crónicas tentaram pintar as cores desse Rei apenas com tons escuros, eliminando as facetas favoráveis que as teve, e não terão sido poucas. Foi leal a seu irmão o Rei Eduardo IV enquanto este viveu e era um homem culto, respeitador dos direitos dos mais pobres e grande defensor da liberdade de imprensa, então no seu início. Ele próprio era um leitor interessado, escrevendo apontamentos pessoais nos livros que lia.
A recente descoberta do esqueleto de Ricardo III não trará novidades à História. Confirma que não era corcunda e que padecia, isso sim, de escoliose acentuada surgida teria uns dez anos de idade, e elimina a sugestão de Shakespeare de que seria incapaz de mexer um dos seus braços. Acima de tudo, a análise dos ossos traz à luz do dia a forma como morreu: o seu corpo sofreu inúmeros golpes, tendo provavelmente falecido de um grande golpe na cabeça. Mesmo depois de morto foi trespassado por diversas vezes, o que demonstra, não só a violência dos combates pessoais de então, mas também a raiva que lhe tinham os vencedores e, em particular, os que o atraiçoaram em plena batalha. As crónicas tentaram pintar as cores desse Rei apenas com tons escuros, eliminando as facetas favoráveis que as teve, e não terão sido poucas. Foi leal a seu irmão o Rei Eduardo IV enquanto este viveu e era um homem culto, respeitador dos direitos dos mais pobres e grande defensor da liberdade de imprensa, então no seu início. Ele próprio era um leitor interessado, escrevendo apontamentos pessoais nos livros que lia.
A ciência de hoje permitiu afirmar que aqueles são efectivamente os ossos
de Ricardo III, o que ainda há poucos anos seria impossível. Mas a
identificação positiva foi também um acaso da História. De facto, foi feita
através da análise do DNA mitocôndrico que só é transmitido por via feminina.
Os investigadores encontraram duas pessoas descendentes de uma irmã do velho
rei que confirmaram ambas o DNA, mas nenhuma delas é mulher com filhas, pelo
que eram as últimas hipóteses de confirmar a identificação.
Ricardo III foi certamente um homem capaz das maiores barbaridades e
violências, como era aliás habitual no seu tempo. Mas sabe-se hoje que a imagem
física que Shakespeare deu dele, tendo escrito mais de cem anos após a morte do
Rei, não correspondia à realidade. O grande dramaturgo escreveu que a fealdade
do seu aspecto reflectia a maldade da sua alma, isto é, a aparência seria
reflexo da personalidade.
A descoberta agora feita vem pelo menos destruir este mito, já que se o
aspecto exterior não era de facto como Shakespeare o descreveu, a conclusão
sobre a personalidade poderia estar também errada. Mas mostra ainda outra
coisa: mostra de facto como muitas vezes os intelectuais, ao mais alto nível,
são capazes de utilizar as suas capacidades criativas para os motivos menos
nobres. E ensina-nos ainda outra coisa: nunca se pense que a História está
escrita em definitivo.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 18 de Fevereiro de 3013
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013
BANCOS E BANQUEIROS, ÀS VEZES.
Há menos de um ano o
presidente do banco central da Finlândia propôs a separação da banca de
investimentos da banca comercial, para que esta não cubra as falhas daquela. Na
semana passada, a Alemanha seguiu os passos que a França já deu nesse sentido e
aprovou essa separação para os grandes bancos, esperando-se que o Reino Unido
venha a fazer o mesmo em breve. No entanto, o governo alemão foi mais longe. De
facto, a nova lei prevê ainda que os dirigentes dos bancos ou seguradoras que
tenham provocado perdas em consequência da assunção de riscos não considerados
poderão sofrer penas de prisão. Os países europeus, começam finalmente a reagir
aos problemas resultantes de alguma actividade da banca. Mercê dos
desenvolvimentos tecnológicos, da globalização e de uma regulação desadequada a
estes novos tempos, a banca tem mostrado grandes debilidades perante a actuação
de responsáveis que se aproveitam de facilidades que não deveriam existir.
Relembra-se o sucedido, só desde 2008, com o Credit Suisse Group, com o Lehman
Brothers, a UBS, e mais recentemente, o JPMorgan Chase e o Barclays Bank e as
acusações de manipulação da LIBOR, para só referir os casos mais conspícuos.
Entre nós, os banqueiros
também teimam em não sair das primeiras páginas dos jornais e, é preciso
dizê-lo, nunca pelas melhores razões. Os comentários de banqueiros e outros
milionários sobre a pobreza ou austeridade, com a maior das sinceridades, não
são coisa que deva fazer perder um minuto das nossas vidas. Já as fugas aos
impostos e negociatas mais ou menos escondidas para fugir ao fisco interessam
directamente a todos os que cumprem as suas obrigações fiscais, que são a
grande maioria dos portugueses. Como dizem respeito a todos os portugueses as
situações que se passaram na banca, casos do BCP e do BPN. Se no BCP foram
usados dinheiros públicos da CGD para comprar capital e meter uma administração
“amiga” com os prejuízos no banco que estão à vista de todos, no BPN a
nacionalização feita há mais de quatro anos serviu para que todos nós estejamos
a pagar aquilo que os gestores do banco por lá fizeram. Continua tudo sem ser
devidamente esclarecido, sabendo-se no entanto que, dos setecentos milhões
referidos pelo antigo ministro das Finanças quando decretou a nacionalização, o
prejuízo vai hoje em mais de 4 mil milhões de euros, havendo quem diga que
possa vir a subir aos 7 mil milhões. Como a solução para o BPN foi a
nacionalização do banco, são todos os contribuintes que estão a pagar o
desastre, chamemos-lhe assim, já que o prejuízo de muitos foi certamente o
benefício de alguns, que mais cedo ou mais tarde terão que responder
publicamente pelos seus actos e pelas suas omissões. O que aliás já deveria
estar a suceder, para a saúde do próprio regime. Às vezes é mesmo obrigatório
não vacilar perante o poder do dinheiro.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Fevereiro de 2013
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013
TURISMO EM COIMBRA
O tema do turismo em
Coimbra tem sido abordado com alguma frequência nestas crónicas. A linha
principal dessas intervenções tem-se relacionado com o chamado turismo cultural
e surge na sequência da verificação empírica de várias características do
turismo que nos visita. Essas ideias resultantes da observação directa e de alguma
curiosidade pessoal, viram-se agora confirmadas no livro “A CIDADE E O
TURISMO”, da autoria de Carlos Fortuna e mais quatro colegas que, de uma forma
sistematizada, aborda os segmentos do turismo patrimonial e cultural.
Por esta obra ficamos
agora a saber de ciência certa, e cito, que todos os anos mais de 200 mil
turistas visitam a Universidade. Mas também que “o sector do turismo não tem um
impacto económico muito forte na cidade”, que “o concelho de Coimbra revela
francas dificuldades na fixação dos seus hóspedes e que a nossa cidade está
mesmo em desvantagem no que respeita à fixação mais longa dos visitantes”,
relativamente a outras cidades médias portuguesas. Verificou-se que quase
metade dos turistas não passa qualquer noite na cidade, sendo de apenas 1,66
noites a estadia média dos que cá pernoitam e ainda que quase metade dos
turistas gastam menos de 50 euros e apenas 28% entre 51 e 100 euros. Os autores
salientam que “Coimbra… dotada de um património histórico, simbólico e
monumental muito relevante, debate-se com uma série de problemas e
constrangimentos de natureza estratégica e organizacional que têm condicionado
o pleno aproveitamento do potencial existente.”
Isto é, a questão
coloca-se no aproveitamento rentável do património existente legado pela
História: temos “hardware” e falta-nos “software” como hoje se diz.
A Universidade é o
principal pólo de atracção turística, o que se irá potenciar, caso tenha
sucesso a candidatura a Património Mundial da Unesco, como se espera venha a
suceder. Se o desfasamento de atractabilidade turística entre a Universidade e
o resto da Cidade já é grande, será ainda maior se não houver engenho e arte
para, rapidamente, se fazer frente a esse perigo real.
Uma das respostas está
na passagem do turismo meramente patrimonial, essencialmente contemplativo,
para o turismo cultural, que adiciona actividades artísticas à pedra dos
monumentos. Espectáculos realizados nos monumentos, seja por grupos de teatro,
seja por agrupamentos musicais nas suas diversas formas, criam ambientes novos,
diferentes, muitas vezes de grande beleza, que têm obviamente um potencial económico
muito relevante, se integrados numa política de turismo eficiente.
Isto mesmo tem sido
provado pela Orquestra Clássica do Centro que, arrostando com algumas
incompreensões, tem levado diversos tipos de música erudita aos mais variados
monumentos da Cidade, sempre com agrado e mesmo por vezes espanto do público
pela qualidade da prestação, como sucedeu ainda no passado dia 31 de Janeiro na
Igreja do Mosteiro de Santa Clara-a.Nova, num concerto de excepcional brilho
num ambiente de enorme valor simbólico para Coimbra.
Coimbra tem o património
e tem produção cultural própria de altíssimo nível. Tem obviamente faltado a
capacidade organizativa para juntar tudo numa oferta cultural que tem
potencialidades para brilhar no cenário nacional.
Estamos num momento
histórico de charneira, definido por várias circunstâncias, desde a candidatura
à Unesco, à redefinição da organização administrativa do país, às mudanças
económicas e sociais ligadas à política de habitação e regeneração urbana, às
novas circunstâncias económicas europeias e à cada vez maior importância da
política de cidades. Por aqui passa muito do nosso futuro colectivo.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 4 de Fevereiro de 2013
segunda-feira, 28 de janeiro de 2013
Mercados, para que vos queremos?
Portugal procedeu à primeira
colocação de dívida pública nos mercados internacionais após o Memorando de Entendimento.
Relembremos o essencial:
em Maio de 2011, Portugal teve que pedir o apoio do FMI e da União Europeia,
por já não conseguir financiamento nos mercados internacionais; tal devia-se a um
défice das contas públicas superior a dez por cento e uma dívida pública
gigantesca. Os juros de dívida pública ultrapassaram a famosa barreira dos 7%,
rondando os 10%. Portugal viu-se na obrigação de se entregar à Troika para
conseguir financiamento desta em vez dos mercados, comprometendo-se em troca a
aplicar as medidas impostas no Memorando de Entendimento. Logo a seguir as
eleições ditaram a mudança de Governo e teve que ser a coligação do PSD/CDS a
aplicar as difíceis medidas que todos estamos a ver e sentir.
Desde então, o défice
das contas públicas tem vindo a descer, sendo neste momento de 5%. Após a sexta
avaliação favorável da troika ao programa de ajustamento português, o Governo
decidiu antecipar a ida aos mercados fora da protecção do FMI e do BCE e
colocou 2,5 mil milhões de dívida pública a longo prazo com uma taxa
ligeiramente inferior a 5%, ficando com as necessidades de financiamento para o
corrente ano garantidas logo em Janeiro. Em paralelo, negociou com a troika um
prolongamento dos prazos de pagamento dos seus empréstimos, baixando assim os
riscos de tesouraria dos anos mais críticos para os reembolsos.
Entretanto soube-se
também que, excluindo os juros da dívida pública, Portugal terminou o ano
passado com saldo positivo nas suas contas públicas: em vez do défice previsto
de 89,2 milhões de euros, obteve-se um valor positivo de 517,4 milhões de euros.
Acresce que, pela primeira vez desde 1943, Portugal teve balança comercial
positiva.
A verificação do que
está a suceder teve reacções. Alguns vieram dizer que tinham razão em exigir um
alargamento dos prazos desde o princípio, “esquecendo” que esse alargamento só
seria possível e vantajoso para Portugal, como consequência do sucesso da
aplicação das medidas e não ao contrário.
Outros salientam que a
ida aos mercados significa mais dívida pública e têm alguma razão nesse ponto.
No entanto, essa dívida gigantesca só poderá começar a ser “comida” quando a
nossa economia virar o ciclo descendente e atingir um crescimento mínimo de 2%.
Até lá, há que reformar profundamente, diminuir custos do Estado, criar
condições objectivas e subjectivas para o crescimento económico sustentado,
atrair investimento externo e ir pagando o serviço da dívida existente através
de novos empréstimos com as melhores condições possíveis, até que as taxas de
financiamento externo a longo prazo desçam ao valor sustentável dos 2%.
Que tudo isto está a ser
conseguido com os enormes sacrifícios dos portugueses que todos conhecemos, é
hoje evidente. Portugueses aliás, que dão sinais crescentes de não esquecerem
quem nos trouxe aqui, de não admitirem que alguém desconsidere esses mesmos
sacrifícios, e ainda de não quererem um regresso ao desregramento da despesa
pública. Isto mesmo virá ao de cima nas eleições deste ano, ao contrário do que
muitos pensam ou sonham.
O regresso aos mercados
não é um fim em si, nem sequer um ponto de chegada. É apenas o fundamental início
de uma longa caminhada para a necessária recuperação económica do país.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Janeiro 2013
segunda-feira, 21 de janeiro de 2013
A importância do acessório
Adicionar legenda |
As medidas do
chamado “memorando” assinado pelo governo anterior são duras e isso faz-se
sentir na vida de todos. Essas medidas visam essencialmente colocar os índices
de referência dentro dos parâmetros exigidos pela presença no Euro. Os
resultados desse esforço e sacrifício de todos começa a ver-se. Na semana
passada, Portugal colocou dívida pública a curto prazo a uma taxa inferior a 2%
e com uma procura largamente excedentária sobre a oferta. O presidente
socialista francês veio logo depois “considerar que os difíceis esforços que
Portugal está a fazer estão a dar frutos”, embora os que ainda por cá defendem
os responsáveis pela situação a que chegámos tenham logo tentado tirar
importância a essas declarações chutando para o lado com a PAC.
Mas há algo que
falta de facto fazer e isso é mesmo o mais importante. Não chegámos a este
ponto de um momento para o outro, nem a crise caiu do céu aos trambolhões.
Fomos nós que construímos o caminho que aqui nos trouxe. Torna-se absolutamente
necessário proceder a reformas profundas em toda a organização do país para
sairmos do atoleiro em que nos encontramos.
Tudo, desde as funções
do Estado até ao necessário “estado social” capturado pelas mais diversas
corporações, tem que ser revisto, avaliado e reformado. São as gerações dos
nossos filhos e netos que o exigem. É mesmo necessário e urgente um pacto inter-geracional
que proteja as futuras gerações do egoísmo e falta de solidariedade da actual
geração que sistematicamente tem colocado o seu bem-estar à frente de tudo e de
todos de uma forma social e economicamente insustentável.
Tendo
consciência disto mesmo, o Governo está a organizar conferências com diversas
personalidades de diferentes quadrantes profissionais e ideológicos para
encontrar caminhos para as reformas. A primeira decorreu há poucos dias. Porque
o objectivo é que aí se diga o que se tem a dizer com inteira liberdade, essa
conferência foi aberta à comunicação social, mas com regras estritas na
divulgação do que lá foi dito: para reproduzir as intervenções dos diversos
intervenientes, os jornalistas deveriam assegurar autorização dos próprios para
tal, com excepção dos membros do Governo, que poderiam ser citados com toda a
liberdade. O leitor teve certamente ecos desta conferência. E o que lhe chegou
não foram as participações dos intervenientes, porque a comunicação social
resolveu substituir-se à conferência como notícia. Rebelando-se de uma forma
infantil e patética contra um prática seguida em muitos países e instituições
quando o que está em causa é uma sessão discussão livre e franca de
apresentação de sugestões e propostas para a qual são definidas regras que
visam precisamente garantir essa liberdade, muitos dos jornalistas presentes
substituíram o seu trabalho por intervenção política directa. Desta forma
abandonaram e desrespeitaram os seus leitores para quem deveriam trabalhar
informando com liberdade, mas também com seriedade e respeito pela verdade.
Quando não há
pão, todos ralham e ninguém tem razão, diz o povo na sua sabedoria. Cabe a quem
tem responsabilidades acrescidas pelas suas funções sociais e políticas,
contribuir para a solução dos problemas e não ser mais um problema. A História
não perdoará a quem se colocar de fora no esforço de encontrar soluções
consensuais para construir um futuro mais digno para as gerações vindouras.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 Janeiro 2013
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 Janeiro 2013
segunda-feira, 14 de janeiro de 2013
Profissão: político
Na nossa
democracia, há um órgão de soberania cujas funções são exercidas por uma pessoa
escolhida directa e pessoalmente pelo povo, que é o presidente da República.
Todos os outros são escolhidos através dos partidos políticos ou, em alguns casos,
poucos, por listas independentes.
Para o regular
funcionamento de um regime democrático, é necessário que o povo possa escolher
em liberdade. Mas não é menos importante que os partidos reflictam internamente
essa liberdade e que os processos de escolha dos seus representantes sejam transparentes.
Depois do 25 de
Abril houve uma substituição das pessoas que ocupavam os lugares de
representação política do Estado. Mas as responsabilidades inerentes às mais
diversas funções, muitas delas de elevada complexidade, obrigaram a que a
classe política do novo regime tivesse sido formada durante o antigo regime,
tendo todos eles uma experiência profissional sólida. Foi assim que, só após
cerca de 25 anos, o actual regime começou a ter o poder exercido por
personalidades que se formaram após o seu início, havendo hoje já muitos
políticos em actividade que nasceram mesmo depois do 25 de Abril.
Esta situação
traz novidades, desde logo pelos referenciais sociais e políticos destas novas
gerações de políticos que não têm qualquer memória pessoal quer do regime
anterior, quer do chamado PREC e primeiros anos fundacionais do regime
democrático.
Por outro lado,
a formação de muitos destes novos políticos é muito diferente da anterior.
Iniciaram as suas carreiras políticas muito cedo, boa parte deles dentro das
juventudes partidárias. Muitos nunca exerceram mesmo qualquer actividade
profissional digna desse nome fora da política: são políticos profissionais.
Há quem defenda
que os políticos profissionais colocam a Democracia em perigo. Pessoalmente,
não irei tão longe. Mas que a profissionalização da política tem riscos, isso
parece evidente. Desde logo, porque tende a criar um mundo artificial no qual
se movem os políticos, com um afastamento da realidade que leva a promover uma
desadequação das políticas aos interesses e necessidades efectivas das
populações; nesse mundo próprio surge até uma linguagem que só os “iniciados”
conhecem em profundidade e cujo significado é muito diferente daquele que o
cidadão comum lhe atribui. Depois, porque esse é um mundo artificial que se auto-defende
de quem efectivamente conhece a realidade e quais as melhores soluções para os
problemas concretos.
O perigo está,
portanto, no mundo fechado e artificial que os políticos profissionais tendem a
criar. Esse perigo é real e cabe-nos a todos conhecê-lo e fazer o necessário
para o prevenir. A limitação de mandatos vai nesse sentido, mas deverá ser
estendida aos Deputados da Assembleia da República. Outra reforma importante
será a alteração profunda da lei eleitoral, de forma a que qualquer eleitor
possa cortar nomes das listas propostas pelos partidos. Só assim as máquinas
partidárias deixarão de trabalhar em circuito fechado, o que permite aos
políticos profissionais continuarem a sua actividade sem nunca se confrontarem
directamente com aqueles que supostamente representam.
segunda-feira, 7 de janeiro de 2013
PRIMAVERA/S
A Primavera é certamente a estação do ano mais celebrada pelos artistas. Significa o equilíbrio da Natureza com a igualdade dos dias e das noites que traz as temperaturas amenas, depois dos frios do Inverno. Condições que fazem a vida brotar de novo com exuberância com as novas plantas e as flores primaveris e fazendo realçar a sensibilidade dos que a têm mais desenvolvida, os artistas.
O célebre quadro de Botticelli que representa a Primavera representa tudo isto de forma exuberante. Encontra-se exposto na Galeria Uffizi em Florença, fazendo parte do valioso património cultural daquela cidade italiana.
Também a música tem celebrado a Primavera ao longo dos séculos, através de obras compostas por autores dos mais diversos estilos, alguns deles certamente bem conhecidos de todos nós.
Coimbra é uma cidade privilegiada, do ponto de vista patrimonial. O seu património construído é mais ou menos conhecido dos conimbricenses e mesmo de todo o mundo, através dos milhares de turistas que todos os anos nos visitam. Mas a importância da música nesse património é também crucial para compreender e amar a nossa cidade. A guitarra portuguesa, na sua versão de Coimbra, tem uma enorme importância na nossa cultura e, portanto, na definição da nossa identidade.
Certamente não por acaso, Francisco Martins deu o nome de PRIMAVERA a duas das suas composições mais marcantes para Guitarra de Coimbra. São raros os músicos que, além de instrumentistas exímios, são igualmente compositores de gabarito. Francisco Martins é um desses exemplos. As suas composições atingem uma beleza marcada por uma perfeição melódica rara que provoca nos ouvintes uma vontade de as ouvir mais e mais vezes, deixando-nos sempre com sabor a pouco quando terminam.
Francisco Martins foi sempre uma pessoa reservada, nunca tendo pertencido a grupos musicais formais, reservando as suas actuações para momentos por si escolhidos. Aluno de guitarra de Coimbra de António Portugal desde muito novo, as fotos mais antigas das suas actuações são do casamento de Luis Góis em 1959, então com apenas 13 anos. A sua discografia inclui, não apenas as PRIMAVERAS I e II, mas dezenas de outras composições suas, para além de interpretações de outras peças musicais. O seu primeiro álbum data de 1969 e intitula-se “Flores para Coimbra”, fazendo apelo a outra das referências primordiais da Cidade: as rosas da Rainha Santa.
Os Homens passam, mas as Músicas ficam. As composições de Francisco Martins são hoje tocadas por muitos dos instrumentistas da Guitarra de Coimbra, que as ouviram tocar a ele mesmo ou através da audição dos discos publicados. No entanto, para que essas músicas possam ultrapassar as fronteiras da distância e do tempo, é crucial preservá-las em papel que qualquer músico, em qualquer parte do mundo, possa ler e interpretar no seu instrumento. Só assim esse verdadeiro património cultural será preservado e legado de forma perene.
Foi isso mesmo que a Orquestra Clássica do Centro fez. Emília Martins juntou vontades e esforços que tornaram possível publicar em livro as partituras de 13 das mais conhecidas composições de Francisco Martins, sendo desejável que venha a acontecer a publicação das restantes obras. Sem qualquer apoio oficial, o património cultural de Coimbra surge assim, não só protegido, mas divulgado de forma perene para todo o mundo, porque a escrita musical é universal. Esta publicação das Edições Almedina contém, para além das partituras, os depoimentos de Rui Pato, extraordinário executante de guitarra clássica que acompanhou Francisco Martins em boa parte da sua obra musical, gravada e ao vivo, praticamente desde a infância e ainda de Armando Carvalho Homem que testemunha de forma tocante a impressão que a música de Francisco Martins provoca em ouvidos e intelectos sensíveis.
“AS PRIMAVERAS” é hoje um livro fundamental na biblioteca de todos os que se preocupam com o património artístico de Coimbra, mas também de todos os que admiram Francisco Martins, seja pela sua obra musical verdadeiramente excepcional, seja como médico, ou simplesmente como Homem.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Janeiro de 2013
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