sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Navegar (ainda) é preciso

Percorrer as estações nacionais de televisão, principalmente as de notícias, pode ser um exercício frustrante quendo se pretende ver algo de diferente. O mais frequente é encontrar os mesmos temas a serem tratados em todas elas ao mesmo tempo. De modo semelhante, assuntos que não são objecto de notícia numa das estações, são igualmente ignoradas por todas as outras.

No que respeita ao desporto, com excepção dos raros momentos em que há eventos de carácter internacional como Jogos Olímpicos ou campeonatos mundiais de alguma categoria, há um desporto que ocupa todas as televisões, que é o futebol. E é habitual qualquer jogo dar origem a horas infindáveis (e insuportáveis, direi eu) de comentários de dezenas de especialistas em todas as estações televisivas. Tudo o resto é ignorado, como se não tivesse dignidade suficiente.

Por estes dias tem decorrido quase aqui ao lado, em Barcelona, um evento desportivo seguido com interesse por todo o mundo, do qual não encontrei uma notícia, por pequena que fosse, nas nossas televisões. É a regata da Taça da América (America’s Cup 2024). Para quem não sabe é talvez a corrida de barcos à vela mais importante em todo o mundo, que este ano atraiu mais de dois milhões de pessoas a Barcelona. É uma regata com uma longa História, iniciada em 1851 com uma corrida ao redor da Ilha de Wight no Reino Unido. Nesse ano a regata foi vencida pela escuna America de um Clube de Nova York. Ficou estabelecido que a Taça America ficaria guardada pelo vencedor até que outro clube o desafiasse e ganhasse a nova regata: assim se estabeleceu o princípio do defensor contra o desafiante. Desde a primeira regata até 1983 os vencedores foram todos americanos. A partir daí a Taça tem viajado entre os EUA e a Nova Zelândia, com os suíços de Genebra pelo meio por duas vezes. Ao longo dos anos tem havido mudanças, quer no processo de escolha do desafiante, quer no tipo de embarcações utilizadas. Trata-se de uma competição ao mais alto nível de navegação à vela, com embarcações construídas propositadamente para o efeito, utilizando atualmente materiais compósitos sofisticados e caríssimos. É também uma regata em que competem os melhores velejadores do mundo, que fazem demonstração de capacidades e conhecimentos da arte (ou ciência) de velejar a um nível por vezes impensável. Estes veleiros chegam ao ponto de atingir velocidades mais de três vezes superior à do vento e, nesta regata, já se atingiram mais de 100 Km/h, apenas à vela, repito. Velocidades estonteantes para veleiros, só possíveis porque, na verdade, estes barcos verdadeiramente voam sobre as águas, apenas levando o leme e um dos foils (asas de sustentação subaquáticas laterais) dentro de água com todo o casco no ar.

Na Taça America 2024 em Barcelona o defensor é o “Emirates Team New Zealand” com o iate Taihoro porque, na regata anterior que se desenrolou em 2021 na Nova Zelândia, venceu a equipa desse país com o iate Te Rehutai. A escolha do desafiante fez-se com regatas entre os diversos clubes concorrentes, o Ineos Britannia do Reino Unido, o Alinghi da Suíça, o Luna Rossa de Itália, o American Magic dos EUA e o Orient Express de França. Como se pode verificar, os concorrentes europeus, excepto a Suíça, são países ribeirinhos, tal como os EUA.

O caso da Nova Zelândia é extraordinário. Um país localizado nos antípodas, com apenas oito milhões de habitantes, consegue elevar-se ao topo de um desporto exigentíssimo, que exige somas astronómicas em que cada participação anda pelos 300 milhões de euros e manter-se lá. Nem se pode dizer que os mares junto a Auckland sejam de navegação fácil, mas a verdade é que mais uma vez estão a discutir a posse da Taça da America, competição em que se diz não haver segundo classificado e apenas o vencedor. Tal só é possível porque o clube Royal New Zealand Yacht Squadron, conseguiu formar um poderoso sindicato de patrocinadores de todo o mundo: a companhia de aviação Emirates, os relógios Omega, a Toyota, a Explora Journeys e a Estrella Damm de Barcelona.

A generalidade dos portugueses tem orgulho no nosso passado marítimo, com boas razões para ter. Nos séculos XV e XVI fomos pioneiros ao dar “novos mundos ao mundo”, mas isso só foi possível por razões muito concretas. De facto, estivemos na vanguarda da construção naval, da cartografia, dos métodos de navegação, do armamento marítimo, mas também da economia com gestão de recursos em projectos complexos e de financiamento das expedições. Provavelmente, ainda bem que as nossas televisões fazem por ignorar este importante evento de navegação à vela: já não temos nada com os portugueses de antanho e mostrar a que ponto os outros chegaram em algo em que já fomos os melhores é até confrangedor.

 Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 de Outubro de 2024

Foto retirada de  https://www.americascup.com/news/3759_MOLTES-GRACIES-BARCELONA-THE-JEWEL-IN-THE-SUN

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

IRC e opções políticas

 Durante as últimas semanas fomos bombardeados com notícias sobre o IRC pago pelas empresas portuguesas e a possibilidade de o reduzir durante os próximos anos.

Não sendo economista e muito menos fiscalista, abstenho-me de analisar os pormenores intrínsecos do IRC. Mas há algo que, como comum cidadão interessado no estado do país e, fundamentalmente, no futuro que poderá oferecer aos meus netos, não posso deixar de reflectir sobre o real significado político da alteração do IRC. Na realidade o que, observando os diversos actores políticos parece uma birra para cada um dos lados, é algo que define uma fronteira entre visões opostas da actividade económica e do próprio regime.

Para se perceber o que se passa é necessário, em primeiro lugar, ver como se situa Portugal relativamente aos outros países em relação ao IRC. Assim, de acordo com a OCDE, em 2022 Portugal tinha a taxa máxima de IRC mais elevada da Europa que chega a atingir o máximo de 31,5%, mas também a maior taxa efectiva (28,4%) dos países europeus da OCDE. Esta diferença torna-se ainda mais significativa, mesmo abissal, se fizermos a comparação com os países que, como nós, têm um PIB per capita abaixo da média da União Europeia em que o valor máximo do IRC anda pelos 20%.

É possível, desde logo, tirar uma conclusão com graves consequências económicas para o nosso país. Com estas taxas, a que se soma um ambiente económico desfavorável às empresas, como são os prazos de decisão dos tribunais administrativos, torna-se difícil atrair investimentos estrangeiros de grande dimensão que são os que contam. Claro que a taxa normal de IRC é de 21% e que as Pequenas e Médias Empresas beneficiam de uma taxa reduzida de 17% sobre os primeiros 25 mil euros de matéria colectável. Só estes valores dizem bem da pobreza da economia das PME, a esmagadora maioria das empresas portuguesas. O problema é que à taxa normal o Estado acrescenta as derramas municipal e estadual, atirando as taxas efectivas para aqueles valores estratosféricos.

Mas há outros aspectos a ter em conta no que respeita ao IRC e seu significado. É um imposto que se aplica aos resultados gerados pela actividade das empresas. Aquilo a que se chama habitualmente o seu lucro. A empresa é uma instituição que radica no capital investido pelos seus accionistas, os chamados patrões. A que se juntam instalações e equipamentos bem como os empregados, os trabalhadores que entregam o seu saber, labor e capacidades à empresa; tudo para produzir os bens ou serviços que trazem as receitas à empresa. É sobre os resultados das empresas que incide o IRC e é indiscutível que o lucro da empresa deve ter um significado social que justifica a sua taxação. Contudo, há um ponto de equilíbrio a partir do qual o imposto tem uma consequência negativa, que é a descapitalização a longo prazo da economia. É isso que está, há dezenas de anos, a acontecer em Portugal.

A descida da taxa de IRC liberta capital que permite orientá-lo para três destinos que podem e normalmente acontecem em simultâneo: descida do preço do produto ou serviço produzido, investimento na empresa e subida de ordenados dos trabalhadores. Se houver distribuição de dividendos, estes são sujeitos a um imposto de 28%. É preciso notar que os resultados da empresa são dos seus proprietários e é o Estado que lá vai buscar uma parte que socialmente se acha justo para redistribuição. Precisamente ao contrário do que certa esquerda parece pensar quando diz que diminuir o IRC é dar dinheiro aos ricos como se diz em cartazes do BE. Só que ninguém dá dinheiro a quem já é dono dele. Trata-se de um populismo inaceitável que radica num nos piores sentimentos das pessoas, que é a inveja, aproveitando para fazer uma luta de classes perfeitamente desajustada nos dias de hoje, em que a História já mostrou quais as suas consequências. De novo recordo Otelo Saraiva de Carvalho quando, em pleno PREC, visitou a Suécia para conhecer ao vivo a social-democracia nórdica. Ao referir ao PM sueco Olof Palm que em Portugal se estava a acabar com os ricos, este respondeu-lhe que na Suécia estavam a tratar de acabar com os pobres. Não é preciso dizer mais.

A taxação excessiva ao longo de dezenas de anos, quer do trabalho através do IRS, quer da economia através do IRC, é uma razão fundamental para os reduzidos ordenados em Portugal. Trata-se de uma fronteira ideológica, mas também de um choque entre a realidade e a ideologia que nunca trouxe mais riqueza ao povo porque só se distribui o que se produz.

Publicado originalmente no  Diário de Coimbra em 14 de Outubro de 2024

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Sobre a questão da habitação

 Há poucos dias tivemos oportunidade de assistir a manifestações sobre a habitação em numerosas cidades do país. As palavras de ordem referiam-se essencialmente a dois problemas: o custo das rendas e a falta de habitação a preços que a tornem generalizadamente acessível, principalmente a jovens. Embora os cartazes e as palavras de ordem denunciassem a base ideológica e os verdadeiros objectivos que não são mais do que a velha luta anti-capitalista, o problema não deixa de ser real e sério.

A habitação é uma questão tão importante que é mesmo considerada como um direito fundamental consagrado na Constituição portuguesa que, no seu art.65º estabelece que “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preservem a intimidade pessoal e a privacidade familiar”.

Contudo, é evidente que o Estado não considera seu dever providenciar habitação a todos. Na nossa sociedade é praticamente unânime que esse dever se cinge às camadas mais desfavorecidas, através da chamada “habitação social” que se pratica pelo Estado central através do IHRU e também pelas autarquias locais. A esmagadora maioria da oferta habitacional é assegurada pela iniciativa privada cujo papel é essencial para as denominadas classes médias. Ao contrário do que se passava nos antigos países socialistas em que a habitação era assegurada totalmente pelo Estado com os resultados trágicos que se conhecem, quer a nível urbanístico, quer a nível social: esses resultados foram exactamente os contrários dos pretendidos.

Ao longo dos anos o mercado de arrendamento tem sido objecto de intervenção por parte do Estado, sempre com fins estimáveis e também com resultados contrários. Salazar congelou as rendas em Lisboa e no Porto nos anos quarenta, colocando os proprietários a pagar a política social cuja responsabilidade pertence ao Estado. Essa regra foi transposta para o resto do país no PREC. Assim praticamente se matou o mercado do arrendamento e se degradou grande parte do parque habitacional, embora nas recentes manifs ainda se exigisse a limitação das rendas por decreto. Há mesmo quem nunca aprenda com a realidade.

E a realidade mostra-nos que há falta de oferta de casas pela simples razão de que não são construídas em número suficiente para as necessidades. Desde 1995 até 2006 o nº de fogos de construções novas para habitação familiar nunca desceu abaixo de 68.800 por ano, tendo atingido o máximo de 125.708 em 2002; desde 2012 a 2023 nunca ultrapassou 23.600, tendo atingido o mínimo histórico de 7.148 em 2015. A recuperação é necessária e urgente, já vai tarde, mesmo sabendo-se que o ciclo construtivo é de pelo menos cinco anos, pelas suas características intrínsecas.

O saldo líquido entre emigração e imigração terá andado, só em 2023 pelo acréscimo de 160.000 moradores e continua, o que dá só por si uma ideia da magnitude do problema que temos entre mãos. Infelizmente, a cegueira ideológica e a pura incompetência têm dado as mãos e as “soluções” apontadas para a sua resolução vão desde simplexes urbanísticos que facilitam a construção em terrenos rurais ou venda de prédios sem licença de utilização até à chamada desburocratização dos licenciamentos sem perceber o que está verdadeiramente em jogo. Nem com os incêndios e a corrida para salvar moradias no meio das matas se aprende a necessidade de planeamento urbanístico. A existência de PDM’s é crucial, mas que ainda hoje haja cidades sem Plano de Urbanização, como é o caso de Coimbra, é completamente incompreensível e inaceitável.

Portugal será o país europeu com maior número de proprietários. Durante dezenas de anos o negócio dos bancos, que é emprestar dinheiro, virou-se para os empréstimos para casa própria. Assim se retirou dinheiro do resto da economia e se criou uma rigidez social que impede as famílias de procurar novos empregos e criando despesas colossais de transportes, amarradas que estão àquele imóvel. A que acresce o problema da herança de casas que ficam devolutas durante anos apos o falecimento dos proprietários.

O problema da habitação é de facto complexo, não sendo possível resolvê-lo de um dia para o outro, nem sequer de um ano para o outro. Vai muito para além da ideologia, exige competência técnica e consensos políticos. A compatibilização das necessidades prementes de oferta com uma adequada e sustentável ocupação do território é algo que vai para além de medidas avulsas e aparentemente bem-intencionadas. O problema está à vista e é consequência de políticas erradas. Claro que, com as mesmas políticas, ninguém deverá esperar por consequências diferentes. 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Outubro de 2024

terça-feira, 1 de outubro de 2024

Eleições americanas – algumas reflexões

 Dentro de poucas semanas os norte-americanos irão a votos para escolher o seu Presidente, que será o 47º desde o primeiro que foi George Washington entre 1789 e 1797, logo depois da Guerra da Independência contra a Grã-Bretanha que se seguiu à Declaração de Independência em 1776. Pela primeira vez poderá ser uma mulher a exercer o cargo, se a candidata democrata Kamala Harris vencer as eleições, o que só por si seria histórico.

Kamala Harris não é perfeita, muito longe disso, tem posições não consensuais em que é criticada por largos sectores sociais americanos. Mas do outro lado está uma candidatura que levanta questões bem mais sérias e de possíveis consequências trágicas para os americanos, mas não só. Bem sei que se costuma dizer que os americanos votam com a mão na carteira, o que significa que a economia é crucial nas suas decisões, ou não estivesse inscrito nas notas de dólar “in God we trust”. Mas há dois aspectos nestas eleições que deveriam fazer pensar muito para além da economia.

Em primeiro lugar, a questão interna da imigração. A América foi construída com os imigrantes. Costumo dizer que os únicos americanos verdadeiros são os índios. Só que esses, ou foram mortos ou basicamente vivem em reservas. A América é um verdadeiro mosaico de nacionalidades e etnias, tendo cidadãos originários de todo o mundo e essa é mesmo uma das suas virtualidades. Mesmo aqueles como Donald Trump que se consideram mais americanos do que os outros pertencem a famílias que só vivem na América há duas ou no máximo três gerações. É patético que se suscitem movimentos contra os imigrantes que seguem o “sonho americano” tal como o fizeram os que passaram pela Ellis Island nos fins do sec. XIX e cerca metade do sec. XX e fugiam de uma Europa pobre que não oferecia um futuro que se visse. Muitos dos que hoje se manifestam contra os imigrantes de hoje são descendentes directos daqueles e deviam recordar-se do facto. Quando Donald Trump se refere aos imigrantes que roubam cães e gatos para comer em Springfield-Ohio está a ser apenas ele próprio, grosseiro e populista, sem qualquer sentimento de solidariedade para com os semelhantes. Mas quando o seu candidato a vice-presidente J. D. Vance admite inventar histórias como essa para manipular a opinião pública, aí o caso já muda de figura. J.D. Vance não é um Trump ignorante, é um advogado jovem com 40 anos, que já é veterano da Marinha na guerra do Iraque e se formou em Direito pela Universidade de Yale. É inteligente, sabe bem o que diz e tem solidez ideológica nas suas posições, tendo mesmo escrito um livro que explica o grande apoio popular de Trump. Pretende representar todos aqueles que se acham excluídos da nova economia resultante da globalização liderando a luta contra o dito “sistema” tal como o fazem todos os populistas um pouco por todo o mundo; contudo, apesar do elevado conhecimento, não percebe que segue as pisadas do fascismo de há cem anos que deu tão maus resultados.



Depois, temos a questão externa, da situação internacional, em particular da guerra na Ucrânia invadida pela Federação Russa desde há dois anos e meio. Trump faz questão de afirmar que, vencendo ele as eleições, resolve a questão em dois dias. Não diz como, mas para que tal aconteça só pode haver uma hipótese: obrigar a Ucrânia a aceitar os termos russos retirando-lhe toda e qualquer capacidade de resposta militar. Isto é, Trump é a melhor garantia de Putin para o seu imperialismo. Já o seu candidato a vice não se fica por aqui, acrescentando que a Ucrânia deverá ainda abdicar da sua soberania, não lhe sendo permitido escolher pertencer à União Europeia ou à NATO. Claro que, enquanto isto defendem, vão dizendo que se trata de um problema europeu não tendo a América obrigação de se maçar nem de pagar um dólar para a sua resolução. Faz-me lembrar aqueles americanos que, nos anos trinta e quarenta do sec. passado, defendiam um afastamento da América da guerra na Europa, porque Hitler até nem era tão mau como isso e a América não tinha nada a ver com o que se passava deste lado do Atlântico. Não tinham razão, claro, mas para muitos até pareciam sensatos e patriotas no seu isolamento.

Que hoje se tenha de lembrar estes aspectos diz bem do actual estado das democracias. Infelizmente o digo, sem grande esperança em melhorias acentuadas.

Imagem recolhida na internet

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 30 Setembro 2024

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Boas-vindas ao Outono


 Já são setenta chegadas do Outono as vividas até agora. Curiosamente, é raro encontrar alguém que partilhe comigo o sentimento de satisfação que esta época me transmite. E, com o avançar da idade, esse sentimento é cada vez mais nítido, muito por significar o fim do Verão que sinto mais agressivo.

O Outono chegou ontem, de novo. De facto, no nosso hemisfério o Sol no seu movimento aparente anual ao longo da Eclíptica passou para o Sul do Equador Celeste no que chamamos o equinócio do Outono. É um dos dois momentos ao longo do ano em que a duração do dia é igual à da noite, sabendo-se que em 21 de Junho do próximo ano acontecerá o outro equinócio, nesse caso o da Primavera cuja importância astronómica é tão grande que tem o nome próprio de Ponto Vernal. Curiosamente, a Natureza encarrega-se de trocar as voltas aos adivinhos e outros charlatães que pretendem prever o futuro através das posições dos astros, não sabendo que a precessão dos equinócios ao longo do Equador Celeste coloca os astros onde eles não supõem.

E porque gosto do Outono? Porque a Natureza entra numa época de serenidade e de calma, não apenas pela temperatura mais amena, parecendo que tudo está pacificado. As árvores e muitas outras plantas como as videiras adoptam um colorido diferente, amarelo e avermelhado, antes de descansarem completamente para suportar os rigores do Inverno que aparecerá mais tarde. A festa anual das vindimas acontece agora, quando as uvas acabaram de absorver os calores estivais e estão prontas para se transformar nos vinhos que apreciamos desde tempos imemoriais. Na realidade, acredito que não estarei muito sozinho neste apreciar do Outono, pelo menos em alguns dos seus aspectos.

Nas suas Quatro Estações, que tanto detestei em tempos, para depois apreciar sobremaneira depois de as ouvir no violino de Nigel Kennedy que mas deu a melhor compreender, Vivaldi dedica ao Outono um trecho de suave beleza e encantamento. Bem diferentemente dos dedicados às outras estações que, claro, também têm a sua beleza própria, mas diversa, tal como as que a Natureza nos oferece.

Socialmente, estes dias têm um significado profundo. É o tempo do regresso ao trabalho em força, depois do merecido descanso anual. As cidades são-devolvidas aos seus habitantes e retomam o seu ritmo normal com a saída das multidões de turistas que actualmente as ocupam durante o Verão. E, fundamentalmente, os jovens regressam às escolas sendo um encanto ver como as crianças pequenas enchem o ar de gritos e risadas no seu reencontro com os colegas.

Muitos poetas se sensibilizam com o Outono, não resistindo a citar aquele que tanto nos diz a nós, conimbricenses, que não esquecemos a sua figura austera. Falo de Miguel Torga que em 1966 cantava no seu Diário X:

Tarde pintada

Por não sei que pintor.

Nunca vi tanta cor

Tão colorida!

Se é de morte ou de vida

Não é comigo!

Eu, simplesmente, digo

Que há fantasia

Neste dia,

Que o mundo me parece

Vestido por ciganas adivinhas,

E que gosto de o ver, e me apetece

Ter folhas como as vinhas.

 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Setembro de 2024 

Imagem criada no chatgtp

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

PATRIMÓNIO ESCONDIDO: Paço de Tentúgal

 


Em Tentúgal, quando circulamos na estrada para a Figueira da Foz, se virarmos à esquerda nos semáforos podemos ver, por trás das edificações existentes, um conjunto arquitectónico evidentemente antigo em acentuado estado de degradação. Trata-se do Paço do Infante Dom Pedro, também conhecido por Quinta do Paço ou Paço dos Duques do Cadaval.

Para conhecer algo sobre este conjunto arquitectónico socorro-me das informações do Sistema de Informação para o Património Arquitetónico da Direcção Geral do Património Cultural. Ficamos assim a saber que a informação mais antiga sobre este Paço é de Outubro de 1413 quando o Rei D. João I doou ao Infante Dom Pedro, ainda muito jovem, o lugar, paços e reguengo de Tentúgal. Dois anos depois, no regresso da tomada de Ceuta, Dom Pedro é nomeado Duque de Coimbra e, em 1417, o Duque de Coimbra mandou construir a capela de S. Miguel no seu Paço.

Dom Pedro de Avis e Lencastre foi Regente da Coroa de Portugal durante a infância de D. Afonso V, Duque de Coimbra, Senhor de Montemor e de Buarcos, de Aveiro, Ílhavo, bem como Senhor de Tentúgal, de Mira, de Penela, Lousã e outras terras da Beira Litoral. Haveria de ser vítima de cilada por parte de D. Afonso V e de D. Afonso 1º Duque de Bragança seu meio-irmão, sendo cobardemente assassinado em Alfarrobeira em 20 de Maio de 1449.

É quase impossível não cair na tentação de ligar o actual destino do Paço ao do seu mais antigo proprietário já que a memória do Infante dom Pedro, o Príncipe das Sete Partidas, parece ter sofrido alguma maldição destinada a apagar o seu nome e o seu relevante papel na História do Portugal do início do sec. XV. Ao destruir a memória de Dom Pedro nunca um cronista oficial terá sido tão eficiente na limpeza de um nome grande como Gomes Eanes de Zurara que bem mereceria ser considerado o grande percursor das “fake news” do nosso tempo.


Em 1476 o Paço de Tentúgal seria objecto de uma troca entre o príncipe D. João, futuro Rei Dom João II o Príncipe Perfeito neto do Duque Dom Pedro, e D. Álvaro de Portugal, pai do 1º Conde de Tentúgal, D. Rodrigo de Melo. Assim terminava a ligação do Paço de Tentúgal com o antigo Regente do Reino. Em 1648 o Conde de Tentúgal D. Nuno Álvares Pereira de Melo, é nomeado 1º Duque de Cadaval, título concedido por D. João IV aí se iniciando a ligação do Paço à Casa de Cadaval, entrando em ruínas pouco depois por falta de utilização. Em 1834 o Paço foi incendiado pelos liberais dado que o então 6º Duque do Cadaval pertencia à facção absolutista. Continuando na posse da Casa de Cadaval, sofreu profundas alterações durante o sec. XIX e foi utilizado ainda durante boa parte do sec. XX, após o que entrou em estado de acentuada degradação, até hoje. Por volta do fim do sec. XX o Paço que inclui as edificações e terrenos com mais de 120 mil metros quadrados foi vendido a uma sociedade imobiliária, tendo desde então sido objecto de várias transacções.

Felizmente, devido à atenção e cuidado do CEMAR dirigido por Alfredo Pinheiro Marques o Paço foi declarado Monumento de Interesse Público por Portaria publicada no Diário da República em Junho de 2013.


Uma breve visita permitiu verificar que as edificações abrangem o palácio propriamente dito constituído por vários corpos, com aberturas de janelas ogivais e três grandes chaminés. A capela mandada construir pelo Duque Dom Pedro nunca foi reconstruída, resistindo as paredes de grande altura e o pórtico ogival. O celeiro para o milho construído há mais de 500 anos impressiona pelas suas dimensões, mas também pelas características da construção, havendo notícia de que o telhado ruiu já durante o sec. XX. Tem oitenta metros de comprimento, sendo constituído por três naves à maneira de uma grande igreja, com colunas lindíssimas ainda hoje erectas.

Todo o conjunto é impressionante, incluindo eira e os acessos ao longo dos terrenos, com uma vista extraordinária sobre os terrenos do Baixo Mondego. As edificações terão ainda elementos significativos das construções originais, pelo que a classificação como monumento de interesse público é de capital importância para uma futura e desejável recuperação e capacidade de utilização que lhes dê nova vida. Em suma, se o leitor ainda não conhece, desafio-o a passar por lá e aperceber-se de um património escondido e quase desconhecido que só posso classificar como fabuloso, aqui lhe deixando uma fotografia que tirei à distância.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em  16 de Setembro 2024

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Síndrome de Estocolmo na Alemanha?


 No fim da II Guerra Mundial a Conferência de Potsdam dividiu a Alemanha em quatro zonas de ocupação controladas pelos países vencedores: Estados Unidos, França, Reino Unido e União Soviética. Essa divisão foi alterada em 1949 quando as três zonas dos países ocidentais se uniram para formar a República Federal da Alemanha (RFA). Já a zona de ocupação soviética passou a ser a República Democrática Alemã (RDA). Enquanto a RFA integrou por completo, isto é, dos pontos de vista económico, social e político o mundo liberal ocidental, a RDA tornou-se o epítome do modelo comunista. As populações da RFA foram sujeitas a uma desnazificação profunda visando um futuro completamente democrático para os alemães. Já na RDA vigorou um sistema policial férreo com uma das polícias políticas mais eficazes e aterrorizantes que se conhecem, a STASI; diz-se mesmo que metade da população vigiava e denunciava regularmente a outra metade. Esta divisão vigorou até 1990 quando se verificou a reunificação alemã após a queda do Muro de Berlim em 1989 e subsequente implosão do império soviético. A população da RDA viveu naquele regime durante 44 anos que se seguiram aos 22 anos de regime nazi com Hitler no poder, incluindo os anos da II Grande Guerra.

Verifica-se hoje que a reunificação alemã consistiu fundamentalmente numa chuva de dinheiro sobre a zona da antiga RDA que conseguiu recuperar fisicamente o território que o regime comunista tinha degradado com as suas políticas económicas desastrosas, incluindo dos pontos de vista habitacional e ambiental. Mas é evidente que algo ficou por fazer: a recuperação social da população abrangida que ainda hoje se sente inferiorizada face à sua congénere da antiga RFA.

Mas outro aspecto social mais profundo parece hoje ressaltar depois de tantos anos de repressão violenta e confinamento político. Como se sabe, as vítimas de sequestro desenvolvem, por vezes, sentimentos positivos de compreensão ou mesmo de empatia e cumplicidade em relação aos seus raptores. É a chamada Síndrome de Estocolmo. Serviria uma situação deste tipo para explicar em boa parte o que se está a passar com as eleições regionais alemãs nos estados que integravam a antiga RDA em que, pela primeira vez na Alemanha desde o fim da II Guerra Mundial, se verificou a vitória de um partido declaradamente de extrema-direita, com liderança mesmo fascista. Na Turíngia a AFD (Alternativa para a Alemanha) venceu as eleições estaduais com 32,8% dos votos, tendo ficado em segundo lugar, atrás da CDU, na Saxónia com 30,6%. Nestas eleições foram chamados a votar cinco milhões de alemães pelo que não são uns resultados a desprezar, longe disso. Acresce que já no próximo dia 22 haverá eleições semelhantes no estado de Brandenburgo, com as sondagens a colocar a AFD à frente num estado governado há 11 anos por um líder do SPD que, a perder, colocará o governo federal de Olaf Scholz em apuros. O líder da AFD na Turíngia é Björn Höcke que já foi condenado por usar slogans nazis e defende que a Alemanha devia deixar de pedir desculpa pelos crimes do nazismo.

Há na AFD quem defenda a realização de um referendo sobre a saída da Alemanha da União Europeia, o que poderá fazer se chegar ao poder. Como se percebe, isso ditaria o fim da União Europeia, o que deixaria alguém muito satisfeito. Falo de Putin e dos países que com ele defendem uma nova ordem internacional que constituiria um retrocesso civilizacional evidente com o abandono de todas as regras de convivência que têm sido arduamente conquistadas desde o fim da II Guerra Mundial. Sabe-se que, entre os quadros da AFD, se incluem antigos membros da STASI, o que vem mais uma vez provar nos extremos políticos as proximidades sobre desejo de exercício de poder absoluto são muito mais fortes do que as diferenças ideológicas.


Nada do que acontece num determinado momento é independente do passado, antes sendo resultado de movimentos sociais muitas vezes imperceptíveis à maioria. No fim da II Guerra Mundial o Gen. Dwight D. Eisenhower, Comandante Chefe das Forças Armadas Aliadas, chamou todos os jornalistas para fotografar e filmar no sítio os horrores dos campos de concentração nazis, argumentando que o fazia para criar testemunhos porque sabia que, mais cedo ou mais tarde, alguém viria a negar tudo o que ali se tinha passado. Tal como obrigou os alemães moradores da zona a verem com os seus próprios olhos as barbaridades que o seu país tinha cometido.

Nós, europeus do início desde sec. XXI, temos de ter consciência do que nos trouxe até aqui, do valor da paz e dos desenvolvimentos civilizacionais de que temos beneficiado. E evitar que extremistas ponham tudo isso em causa, a bem dos nossos filhos e dos nossos netos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Setembro de 2024

Imagens recolhidas na internet

LIBERDADE DE INFORMAÇÃO

 


A simples passagem do tempo leva que cada vez vão sendo menos os portugueses que sabem, por experiência vivida, o que significam a falta de liberdade de expressão e de informação. A ditadura já lá vai há cinquenta anos e a Constituição da República Portuguesa garante essas liberdades nos seus artigos 37º e 38º.

Quando os regimes ditatoriais duram muito tempo, os cidadãos acabam frequentemente por interiorizar as limitações à sua liberdade, parecendo até que a actividade dos censores já não é necessária. Olhando para trás isso parece evidente, quer em ditaduras de direita como era o nosso caso, quer nas de esquerda como acontecia nos países da Europa de Leste, de que a RDA e a Roménia serão exemplos claros. Claro que, ao abrir-se uma janela, a liberdade entra por ali dentro e os cidadãos, ao respirar ar limpo, rapidamente se habituam à nova situação e quase esquecem a anterior, como se fosse apenas um sonho mau. Nada que impeça alguns de tentarem de novo “proteger” o povo de “más influências. Relembro que em 1975 quando os portugueses ainda estavam a aprender a viver em liberdade, um membro de um governo provisório tentou abafar a liberdade de informação. Era Comandante da Marinha e sujeitou-se a um artigo demolidor de Artur Portela Filho com o título “À abordagem” tendo metido a viola no saco, nunca mais se tendo ouvido falar de tal coisa.

É por isso que se estranha e dificilmente se admite que, precisamente nos 50 anos do 25 de Abril, tenha sido possível assistir à recente intervenção da ERC (Entidade Reguladora da Comunicação Social) emitindo uma deliberação contra o jornalista da RTP José Rodrigues dos Santos a propósito da sua entrevista à cabeça de lista do PS nas recentes eleições para o Parlamento Europeu. Em primeiro lugar, mal se percebe que, em plena Democracia estabilizada, exista uma tal instituição que, lembra-se, é uma herança da tenebrosa governação de José Sócrates, também no que respeita ao condicionamento político da comunicação social. Em segundo lugar, todos nós estamos habituados a assistir a entrevistas nas televisões mais variadas de países democráticos em que os entrevistados têm de se defender a sério de perguntas difíceis. Parece que em Portugal se continua com a mentalidade do “respeitinho” pelo poder. Isto não tem nada a ver com qual a personalidade em causa, muito menos qual o partido a que pertence. E ver uma entidade como a ERC emitir uma deliberação condenatória de um jornalista para a seguir se ver obrigada a alterá-la porque colocou na boca do jornalista palavras que ele não disse só pode ser vexatório para quem tem nas suas atribuições “assegurar o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos no espaço mediático, zelar pela independência dos meios de comunicação social perante o poder político e económico, e garantir a diversidade de opiniões”.

Uma democracia adulta não precisa de uma entidade como a ERC para defender liberdade de opinião e independência dos meios de comunicação social. Até porque a nomeação dos seus membros é política por depender dos partidos na AR e do Governo. Para tudo isso existem os tribunais e os diversos crimes que podem estar em causa estão todos contemplados na Lei. Quando as pessoas se acham vítimas de insulto ou de injúria têm perfeita liberdade para corrigir a situação junto da Justiça.

Assiste-se com frequência, parece mesmo ser uma regra, defender automaticamente os políticos do partido da sua preferência e denegrir todos os outros. Trata-se de uma armadilha que, mais tarde ou mais cedo, se volta contra quem assim procede. Acima de tudo, devemos ter consciência de que as garantias constitucionais e o seu exercício cívico estão acima das querelas partidárias, devendo-se ter sempre respeito pela liberdade de informação, condição essencial para a existência de Democracia. E não esqueçamos que acusar os transmissores das más notícias pelos seus próprios desaires é algo que já desde os tempos dos romanos se sabe dar mau resultado.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Setembro 2024

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terça-feira, 27 de agosto de 2024

PALESTINA: A GUERRA SEM FIM

 


Em Agosto de 1929 os muçulmanos atacaram o bairro judeu de Jerusalém, mutilando e matando os judeus que encontraram. Foi o início de massacres que duraram vários dias e se estenderam a cidades vizinhas, tendo-se praticado atrocidades horrorosas, incluindo decapitação de crianças. No fim, contaram-se algumas centenas de mortos, judeus e árabes. Por respeito aos leitores dispenso-me de descrever os horrores praticados pelos muçulmanos, de acordo com relatórios feitos na altura.

Em 7 de Outubro de 2023, quase cem anos depois destes acontecimentos, palestinianos pertencentes ao grupo terrorista Hamas saíram da faixa de Gaza e atacaram civis israelitas que estavam nas suas casas e a participar num festival de música. O ataque saldou-se por mais de mil mortos, muitos deles com os mesmos requintes de sadismo de há cem anos e ainda pelo rapto de quase 200 pessoas levadas à força para Gaza.

Há algumas diferenças relativamente aos factos de 1929. Em primeiro lugar, o de 2023 foi longamente planeado e preparado, ao contrário do de há cem anos. Em segundo lugar, o ataque mais recente foi testemunhado praticamente em directo pelo mundo inteiro através dos actuais meios de comunicação. Em terceiro lugar, foram feitos reféns. Em quarto lugar, há cem anos ainda não havia Estado de Israel, sendo o território um protectorado britânico, na sequência da I Grande Guerra e do fim do Império Otomano que antes dominava a zona.

De notar que naquela terra os judeus, até meados do sec. XIX, estavam sob um regime introduzido no sec. VIII chamado “dhimma” segundo o qual eram seres inferiores e só poderiam viver e praticar o culto se aceitassem esse estatuto. A terra chamava-se “Palestinae” desde que o Imperador Adriano riscou a anterior designação “Judeia” na sequência da última revolta judaica violentamente reprimida. A título de curiosidade o nome “Palestina” é da autoria de Heródoto que assim designava os povos que, vindo de barco da Egeia, se instalaram nas costas. Na altura, até Jerusalém viu o seu nome alterado para “Aelia Capitolina” e os judeus foram proibidos de lá habitar. Como se vê, a existência de judeus naquelas terras é de séculos, nunca tendo sido interrompida apesar de tudo o que, entretanto, se passou.

Desta vez Israel decidiu reagir ao ataque de 2023, com o objectivo declarado de destruir o movimento Hamas, para além de recuperar os reféns levados para Gaza. Essa reacção, que se traduziu num ataque do exército israelita à faixa de Gaza mantém-se ainda em actividade. A acção militar provocou a deslocação de centenas de milhares de habitantes da Faixa que vivem em condições desumanas em campos de refugiados, vendo as suas habitações e cidades serem sistematicamente destruídas pelo exército israelita.

Para além de terroristas do Hamas, há milhares de mortos civis, embora esteja por fazer a contabilidade correcta, dado que os elementos existentes são os dados fornecidos por um dos lados, no caso o Hamas. E não esqueço a eficácia da propaganda palestiniana desde que há uns anos fiquei muito impressionado com uma fotografia de um pai sentado desesperado num passeio com uma criança morta nos braços. Sucede que, poucos dias depois, apareceu um vídeo em que se vê pai e filho irem calmamente embora depois da montagem para a fotografia. E não devo estar sozinho ao detestar ser vítima de propaganda mentirosa, principalmente quendo mexe com os sentimentos.


Israel responde sempre que é atacado, o que não pode deixar de fazer para defender a sua própria existência, reconhecida internacionalmente desde 1948. Pessoalmente recordo as Guerras dos Seis Dias e do Yom Kippur, para além dos outros inúmeros conflitos. Razão por que suspeito que o fim do Hamas ao realizar o ataque de 7 de Outubro era mesmo esse: provocar a reacção. E Israel desta vez excedeu-se claramente não conseguindo atingir os objectivos para além da destruição: o Hamas ainda existe, os palestinianos nunca esquecerão o sucedido e ainda há mais de cem reféns nas mãos do Hamas.

O conflito está agora a passar para um patamar internacional. O Irão, que está por detrás do Hamas, aliou-se à Rússia de Putin e o primeiro-Ministro israelita é um claro aliado de Trump. Sabendo-se do interesse de Putin na eleição de Trump, o destino do mundo está nas mãos dos eleitores americanos.

Nota: os elementos históricos foram recolhidos na obra “As origens do Conflito Isaraelo-Árabe” da autoria de Georges Bensoussan, editado em 2024 pela Guerra e Paz

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Agosto 2024

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A MORTE, COMO SIGNIFICADO DE VIDA

 


Morreu um Amigo. A morte de alguém que nos era querido de alguma forma deixa sempre um espaço vazio dentro de nós. Não haverá mais aquelas conversas ou discussões que nos puxavam pelo que temos de melhor. Dele guardamos aquelas memórias que, de forma quase mágica, ocupam um espaço no nosso interior, espaço em que não podemos tocar, mas que está lá. No caso deste Amigo cuja morte suscitou as linhas desta crónica, há felizmente a possibilidade de revisitar as suas ideias, reflexões e valiosos ensinamentos nas crónicas que nos foi proporcionando ao longo dos anos. Ensinamentos que acrescentaram aos que o Eng. Celestino Quaresma me proporcionou e a muitos colegas nas suas aulas excelentes de Resistência dos Materiais no curso de Engenharia Civil. Sei que não estou sozinho, muito longe disso, ao recordar e homenagear intimamente o antigo professor e amigo e colega de dezenas de anos. Por tudo o que nos deu, obrigado, Eng. Quaresma.

Escrevo “morreu” porque quero dizer isso mesmo: morreu. Atualmente lê-se quase sempre que “passou para o além”, “partiu” ou, diz-se de forma talvez mais poética e fofinha, que “nasceu mais uma estrela”. Tentando, com alguma ingenuidade ou incapacidade de aceitar a realidade, esconder algo que, mais cedo o mais tarde, nos sucederá a todos. A nossa sociedade sofisticada pretende, de forma artificializada, eliminar a morte dos nossos olhos, havendo mesmo quem defenda que as crianças devem ser afastadas desses acontecimentos para não ficarem perturbadas. Acontece que a morte é a última consequência do que que acontece no início da vida de um novo ser que, com sorte, nascerá, crescerá, terá a sua vida própria e dará origem a novos seres semelhantes, mas sempre diferentes, que assegurarão a continuidade da espécie. A morte é de tal forma importante nas nossas vidas que levou desde muito cedo desde as mais antigas civilizações humanas a pensar no que se lhe seguirá, originando as crenças religiosas na vida para além dela. Felizes são aqueles que, tendo Fé, acreditam numa nova vida para além da morte física.

Quando atingimos uma determinada idade, os nossos pais e restante família da sua geração já morreu, ficando nós na linha da frente para que tal também nos aconteça, dentro da normalidade da substituição das gerações. Trata-se de um período em que, normalmente, passamos a assistir com demasiada frequência à morte de colegas e velhos amigos de infância, o que nos leva obrigatoriamente a pensar na nossa vida e sobre o que nos espera num período que será já de certeza muito mais curto do que os anos que já levamos.


A certa altura da vida entra-se num período mais descansado, com uma passagem do tempo mais fluida, mas em que, curiosamente, os dias, as semanas e os meses se sucedem a um ritmo cada vez mais vertiginoso. O oposto exacto do que sucedia na nossa juventude em que o tempo parecia passar lentamente, tendo nós pela frente todo o tempo do mundo. E é olhando para os filhos e netos que uma compreensão mais completa e perfeita da vida nos faz entender com propriedade o que verdadeiramente importa. E, claramente, não são os bens materiais que de alguma maneira nos rodeiam sempre ao fim de tantos anos, mas aquilo que tivermos sido capazes de transmitir, em particular os valores, tal como algum amor que tivermos dado aos mais próximos, em cada momento. Se tivermos sido capazes de o fazer, esse será o melhor legado que deixaremos aos que ficam: uma memória de felicidade que não nos deixará no esquecimento.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em  19 de Agosto de 2024

Imagens recolhidas na internet