A
festa de casamento tinha corrido bem até àquela altura. O noivo, de nome
Pirítoo, era o rei dos Lápitas, povo grego que habitava na Tessália,
celebrizado pela sua participação na saga dos Argonautas. Para as bodas do
casamento com Hipodâmia, tinha convidado imensas pessoas importantes e da sua
família, entre as quais os seus irmãos Centauros. Os Centauros eram uma raça de
seres híbridos, com torso e cabeça de humano e o corpo de cavalo, que viviam
nas montanhas da Tessália e nas planícies da Arcádia. Tinham tido origem no
desejo do rei dos Lápitas Ixíon, pai de Pirítoo, de possuir Hera a esposa do
deus Zeus, o deus de todos os deuses do Olimpo. Zeus, depois de se divertir a
observar Ixíon a ter relações com uma nuvem que formara com o aspecto de Hera
do que viriam a nascer o primeiro centauro e depois a sua descendência, vingou-se
mais tarde violentamente do facto de Ixíon se ter vangloriado de ter
conquistado Hera. Os centauros apresentavam-se de forma altiva violentos e
indomáveis, evidenciando a sua força física e impulsos sexuais que lhes vinham
da metade animal, mas demonstrando também capacidades excepcionais do ponto de
vista da racionalidade advindas da parte humana.
Durante
as bodas de Pirítoo e Hipodâmia, a certa altura foi servido o vinho. Os centauros
não estavam habituados à bebida alcoólica e não lhe juntaram água. Em
consequência ficaram embriagados, vindo então ao de cima a sua índole animalesca
e, cegos pela luxúria e violência tentaram inclusivamente violar e raptar a
própria noiva. As consequências da sua atitude foram terríveis. Os Tessálios
reagiram violentamente verificando-se um grande massacre e, com a ajuda de
Teseu, os centauros foram expulsos da Tessália, refugiando-se no Épiro, onde
mais tarde Héracles os foi quase exterminar.
As
cenas da batalha entre os Lápitas e os centauros foram objecto de inúmeras
representações artísticas, de que se devem ressaltar um friso no Partenon e um
baixo relevo de Miguel Ângelo, além de muitas pinturas ao longo dos séculos, o
que demonstra a força do seu simbolismo.
Nos
finais de Janeiro, as cenas políticas grega e europeia viram surgir uns
personagens novos, diferentes dos habituais. Aléxis Tsípras, Yanis Varoufakis e
Panos Kamenos chamaram a atenção generalizada pela diferença na radicalidade
das suas propostas, mas também e talvez sobretudo, pela pose pública de altivez
roçando muitas vezes a arrogância displicente e pelo gosto pela ostentação do
abandono do trajar tradicional em lugares de representação de Estado.
Nas
bodas permanentes de casamento que são as reuniões de negociação dos países
europeus, um dos convidados passou a desafiar permanentemente todos os outros,
de uma forma desafiante e agressiva, parecendo embriagado com a possibilidade
de, participando nas bodas, retirar tudo o que lhe apetecesse para si, à custa
de todos os outros. Usando de todas as armas, com o ar de que tudo lhe era
devido e a tudo tinha direito, entrou em guerra aberta com todos os outros que
se sentavam à mesma mesa, sem deixar nenhum de fora. Não fora o convidado
beligerante grego e dir-se-ia que da História nada tinha aprendido, nem sequer
da sua própria mitologia antiga, que pretendia ensinar os homens com as
asneiras dos deuses. A História está ainda em aberto mas, qualquer que tenha
sido o resultado do refendo/plebiscito de ontem e sabendo-se o que aconteceu
aos centauros, não será difícil adivinhar o que seguirá, a não ser que a
sabedoria impere em todos os lados, em vez dos sentimentos e raivas.
Publicado originalmente no
Diário de Coimbra em 6 de Julho de 2015