segunda-feira, 11 de setembro de 2017

O caso do aeroporto internacional de Coimbra



 Estas eleições autárquicas ficam desde já marcadas pela promessa de transformar o Aeródromo Municipal Bissaya Barreto em aeroporto internacional. Tendo em consideração as responsabilidades de quem a fez, o actual Presidente da Câmara que se recandidata, trata-se, obviamente, de uma questão a merecer análise, sob diversos pontos de vista.
Que faz sentido haver um equipamento deste tipo na Região Centro, não parece haver grandes dúvidas, pela distância aos aeroportos internacionais existentes e pela população presente na zona, para além do seu elevado interesse turístico.
A distância entre Lisboa e Porto, cidades onde se situam os dois aeroportos internacionais mais próximos é de 300 quilómetros. Em Lisboa, o aeroporto Humberto Delgado situa-se a Norte da cidade, embora praticamente no seu interior, o que significa que, quem vai do Centro, não tem que atravessar a cidade para o alcançar, muito menos passar o rio Tejo. Contudo, mais cedo ou mais tarde haverá um segundo aeroporto em Lisboa que, se fosse na Ota como previsto durante alguns anos, o aproximaria algumas dezenas de quilómetros da região Centro. Já a localização actualmente prevista, na margem Sul do Tejo, afastará irremediavelmente essa infra-estrutura de quem vive no centro do país. O aeroporto Sá Carneiro está localizado cerca de 20 quilómetros a Norte do Porto.
A sua acessibilidade é, no entanto, muito fácil indo de Coimbra, sendo a deslocação de cerca de 120 quilómetros rápida e económica usando o comboio até Campanhã e o metro até ao interior do aeroporto.

O aeroporto Sá Carneiro apresenta uma proximidade, relativamente a Coimbra, que não foge muito a aeroportos que servem muitas cidades pela Europa, ao contrário do aeroporto Humberto Delgado que está, à luz desse critério, algo afastado, o que só piorará caso seja deslocalizado para a margem esquerda do Tejo. Se considerarmos a distância entre os dois aeroportos referidos, uma alternativa intermédia, a ser necessária, deveria situar-se no triângulo Figueira da Foz, Coimbra. Leiria, o que sugere a hipótese da utilização civil da Base Aérea de Monte Real como a mais viável, pela localização e baixos custos da alteração para utilização comum, à semelhança do que sucede na Base das Lages, na Ilha açoriana da Terceira.
A procura de um aeroporto internacional tem a ver com a população residente na sua área de influência e, embora hoje menos devido às companhias low-cost, com o rendimento gerado na mesma área. A Área Metropolitana do Porto tem mais de um milhão e setecentos mil habitantes, enquanto a de Lisboa tem mais de dois milhões e oitocentos mil habitantes, que comparam com a população da região Centro, de dois milhões e duzentos e cinquenta mil habitantes.
O Aeródromo Municipal Bissaya Barreto foi construído no cimo de um monte, apresentando, pois, semelhanças com um porta-aviões terrestre, com o vazio nas duas extremidades da sua pista que, na sua parte pavimentada, tem uma extensão de 920 metros que poderá ser aumentada para cerca de 1.200 metros utilizando toda a extensão até aos limites das duas extremidades.
Colocando de parte a hipótese do prolongamento da pista através da construção de laje sobre estacaria como foi feito no Funchal pela óbvia inviabilidade financeira, aquela será a extensão máxima da pista, não permitindo qualquer falha nas operações de aterragem ou de levantar voo. Fica assim impossibilitada a sua utilização por aviões comerciais médios, designadamente os utilizados pelas companhias low-cost, que necessitam de uma extensão dupla daquela. Acresce que um aeroporto internacional não se resume às pistas, sendo necessária a instalação de táxi-ways, edifícios e equipamentos para os quais o aeródromo Bissaya Barreto manifestamente não possui área suficiente. Observar um avião C-295 da FA a aterrar neste aeródromo e daí concluir da possibilidade da sua utilização por aviões comerciais de médio porte não parece fazer sentido, porque aquele avião militar necessita apenas de 700 metros para aterrar.
De facto, é reconhecido que o Aeródromo Municipal Bissaya Barreto necessita de ser dotado com novas estruturas e equipamentos que lhe permitam uma utilização mais frequente e diferenciada e essas obras são mesmo pedidas há bastantes anos, nomeadamente pelo Aero-Clube de Coimbra. Contudo, isso é muito diferente de pretender transformá-lo em aeroporto comercial internacional, para o que não dispõe de condições físicas, mais parecendo essa ideia com pretender “meter o Rossio na Betesga”. E afirmar isto não é menorizar Coimbra e muito menos pertencer a um clube dos que não querem o melhor para Coimbra. É precisamente por se querer mais e o melhor para Coimbra que não se podem iniciar mais processos de saída complicada ou mesmo sem ela e que se vêm a prolongar no tempo sem solução e com custos desnecessários: Coimbra já tem demasiadas destas situações e passa bem sem mais uma.
Se governar é a arte do possível, a política é a arte de sonhar? Sim, desde que o sonho não se venha a tornar numa frustração permanente ou mesmo em pesadelo, como no caso do aeroporto de Beja onde se enterraram 30 milhões de euros para nada.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Neo Lysenkoismo

A destruição da produção agrícola que se seguiu à revolução russa de há cem anos levou a que os novos dirigentes soviéticos tentassem encontrar soluções que rapidamente resolvessem os problemas da fome que surgiam num país que, até então, tinha sido um produtor gigantesco de cereais.
Num regime com uma ideologia que, supostamente, iria resolver todos os problemas que a humanidade tinha sentido ao longo da sua História, em particular após a primeira revolução industrial, acreditou-se que os princípios fundamentais do marxismo se aplicariam também aos métodos científicos da agricultura e a toda a biologia.
Foi assim que um técnico agrário conseguiu influenciar e mesmo dominar toda a ciência, em particular a Biologia, na União Soviética durante a primeira metade do século XX com consequências desastrosas sobre a ciência, mas sobretudo pela fome e desgraça que levou a milhões de pessoas nos campos do país.
Trofim Denisovicht Lysenko desenvolveu as suas doutrinas pseudo-científicas contra toda a investigação científica de muitos anos, tendo-se conseguido impor através da intrusão da política e da ideologia na área que deveria estar reservada aos cientistas no seu trabalho livre e independente. Prometendo ao poder soviético grandes colheitas de cereais na sequência das fomes dos anos 30, Lysenko distorceu todo o conhecimento científico que já existia na altura em nome dos princípios da teoria marxista e de um discurso politicamente correcto. Negou toda a genética mendeliana e a teoria da evolução de Darwin, descartando o papel dos cromossomas e dos genes como estando na base da hereditariedade, contrapondo-lhe o disparate científico dos “caracteres adquiridos” já que, segundo ele, o espírito da teoria marxista exigia uma teoria de formação das espécies por saltos e não pelo gradualismo da evolução de Darwin. Quem não concordasse era reacionário, com as consequências inerentes.
Para Lysenko, todos os organismos tinham a capacidade, em função do meio ambiente, de se poderem modificar, com a vantagem de transmitir essas mudanças à sua descendência. Esta afirmação era música para os ouvidos dos comunistas, na altura liderados por Stalin, apostados na construção de um “homem novo” e para quem o homem seria largamente o produto da sua própria vontade. Para os soviéticos a ciência devia servir a ideologia política, pelo que Lysenko encontrou o terreno ideal para dar largas à difusão das suas teses, colocando toda a comunidade científica a seus pés. O que era mentira passou, através do poder político, a ser a verdade obrigatoriamente aceite.

O Comité Central do Partido Comunista ofereceu-lhe todos os meios para se afirmar contra a verdadeira ciência o que, num regime ditatorial significou a perseguição de todos os cientistas que se atreceram a manifestar a mínima discordância, como sucedeu com Vavilov que era um cientista reconhecido mundialmente e que foi afastado, enviado para um campo de concentração e logo depois eliminado. Ao mesmo tempo, Lysenko era eleito para a Academia das Ciências da URSS e para presidente da Academia Lenine das Ciências Agrárias, só tendo perdido o seu ascendente já em meados dos anos 60.
Nos nossos dias começa a falar-se apenas de géneros, ultrapassando-se tudo o que a ciência ensina acerca da genética e mesmo da biologia celular, sendo politicamente incorrecto falar de sexo masculino e de sexo feminino. Contudo, a evolução das espécies, em particular nos animais mamíferos como os seres humanos, orientou-se para a diferenciação de dois sexos, que transmitem a sua informação genética através das células reprodutoras masculinas e femininas. Os cientistas dizem que foi isso que levou à enorme variedade dos seres humanos, dos quais não há dois rigorosamente iguais e daí a enorme riqueza da humanidade. As diferenças entre os dois sexos não são apenas, ou mesmo essencialmente, exteriores existindo ao nível de todas as células do corpo humano, por exemplo nas mitocôndrias. É por isso que o aspecto exterior de qualquer um de nós pode ser artificialmente alterado de acordo com a nossa vontade, mas não a essência biológica profunda.
O respeito pelas opções individuais de cada um incluindo as sexuais, que deve ser defendido, não pode ser confundido com uma obrigatoriedade de aceitar acriticamente teorias sociais que mudam com os respectivos autores, susceptíveis das maiores manipulações. É por isso que, por exemplo, é insensato substituir sexo por género em documentos oficiais, abrindo a porta à substituição da realidade concreta e verificável por algo que não se conhece nem de que se sabe o fim.

O exemplo do Lysenkoismo deve estar presente quando alguém ultrapassa a evidência e o conhecimento científico, curiosamente de novo a Biologia e a Genética, para chegar a conclusões pré-definidas em função de objectivos sociais assentes em orientações políticas.

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

O nazismo, derrotado há 72 anos



No dia 2 de Setembro de 1945, faz no próximo sábado 72 anos, foi assinada a rendição japonesa que ditou o fim da Segunda Guerra Mundial em que perderam a vida mais de 33 milhões de pessoas. O Japão imperial foi a última das potências do Eixo a assumir a derrota militar, depois da Itália fascista e da Alemanha nazi.
A guerra tinha começado oficialmente seis anos antes, no dia 3 de Setembro de 1939, quando a Grã-Bretanha e a França declararam guerra à Alemanha, dois dias após esta ter invadido a Polónia que, a partir de 17 do mesmo mês, começou a ser igualmente ocupada a Leste pelo exército soviético, assim se dando cumprimento ao Pacto Nazi-Soviético assinado em 23 de Agosto desse mesmo ano.
Pode-se considerar que a Segunda Grande Guerra foi apenas o verdadeiro epílogo da Primeira, com um intervalo 23 anos de paz pelo meio. Mas o que lhe deu origem imediata foi a ascensão ao poder de Hitler e dos seus sequazes do partido Nacional-Socialista. Todas as justificações dadas pelos nazis, desde a cláusula da “Culpa de Guerra” do Tratado de Versalhes às reparações financeiras impostas à Alemanha pelo mesmo Tratado até à definição do “espaço vital” e à superioridade da “raça ariana” e inferioridade de todas as outras “raças”, não foram mais do que desculpas para obter o poder absoluto e total que permitisse o seu domínio do mundo.
Em 1923 Hitler era ainda apenas um político excitado que insultava judeus, marxistas e todos os que considerava serem responsáveis pela derrota alemã de 1918. O seu partido não tinha qualquer deputado no parlamento alemão, o “Reichstag”. Com apoio financeiro por parte de grandes industriais, começou a fazer crescer o número de apoiantes. Em 9 de Novembro desse ano, depois de um encontro célebre numa cervejaria em Munique, proclamou um novo governo, mas foi preso e, em Abril de 1924, condenado a 5 anos de cadeia. Acabou por ser libertado em Dezembro do mesmo ano, tendo aproveitado o tempo de cadeia para escrever o livro “A minha luta” – Mein Kampf. Aí apresentou as suas ideias e desenvolveu a estratégia para conseguir os seus objectivos: Os arianos eram a raça pura, enquanto os judeus representavam tudo o que os homens podiam ter de pior, sendo causadores permanentes da adulteração do sangue. O ódio puro com base na “raça” era elevado a orientação política. Com base no populismo e aproveitamento da crise económica com elevadíssima inflação e grande desemprego, os nazis aumentaram de número, ficando-se no entanto pela eleição de 12 deputados nas eleições de Maio de 1928. Enquanto passou a haver milícias nazis nas ruas com perseguições generalizadas a criar medo colectivo, nas eleições de 1930 esse número aumentou para 107, correspondendo a 18% dos votos. 

Nas eleições seguintes em Julho de 1932, o partido nazi alcançou a sua maior votação democrática - 37,1% sem ter no entanto, a maioria absoluta. Perante a incapacidade de formar governo e as diatribes de Hitler, houve novas eleições em Novembro do mesmo ano e o Partido Nazi desceu para 33,1%. Desta vez o velho Marechal Hindenburg viu-se obrigado a chamar Hitler para Chanceler em 30 de Janeiro e aí começou a tragédia alemã do século XX, ao ser levado para o poder o terror que já grassava nas ruas às mãos dos “camisas castanhas “nazis. O incêndio do Reichstag em 27 de Fevereiro de 1933 e as posteriores “eleições” de Março desencadearam a tomada do poder total pelos nazis, tendo imediatamente começado o envio para o primeiro campo de concentração (Dachau) de todos os considerados inimigos, a começar por judeus e políticos comunistas, sociais-democratas e sindicalistas, cujo número atingia os 100.000 já no final desse ano.
A barbárie que foi o regime nazi na Alemanha dos anos 30 e 40 estendeu-se à cultura com proibição e queima pública de livros, mas também perseguição a todos os artistas criadores do que considerava “arte degenerada”. Não foi menor a consequência, que durou muitos anos, da apropriação pelos nazis da criação artística alemã do século XIX tida como simbólica daquilo que consideravam representativo da cultura ariana, como a música de Wagner. Como não pode ser escamoteada a forma como um sistema jurídico sofisticado não só aceitou, como mesmo legitimou os procedimentos instituídos pelo regime de Hitler.
Mas há algo que marca o regime nazi para sempre. Foi a perseguição fanática aos judeus, por motivos puramente raciais, a que se chamou Holocausto. A eliminação pelas mais diversas formas, qual delas a mais desumana, de mais de seis milhões de pessoas é uma marca indelével na História da Humanidade. Ann Frank foi apenas uma dessas pessoas, mas é o símbolo do que aconteceu naqueles anos.

Quando hoje se vêem pessoas a assumir a admiração e saudade pelos nazis nos mais diversos pontos do globo, não podemos deixar de recordar quem foram na realidade, o que fizeram e o que tentaram fazer, evitado pelo sacrifício de milhões de pessoas, civis e militares, que deram a vida para que a escuridão que traziam não se estendesse a todo o mundo.
A cultura e o conhecimento que nos diz, por exemplo, que na humanidade só existe uma raça, são o melhor antídoto para as tentações que levam ao totalitarismo sempre pronto a saltar para a luz do dia. Mas uma força calma e decisiva que advém da justiça e do desejo da Liberdade é sempre também necessária, não o esqueçamos.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

País dos enganos



Neste Verão do nosso descontentamento os portugueses chegaram àquele momento em que já têm justificadamente medo de ir passar uns dias ao interior, nem que seja junto às águas de uma barragem. Os incêndios florestais passaram a ser um pavor que invade aldeias e mesmo o interior de vilas, matando portugueses às dezenas, mostrando à evidência o colapso, em grande parte do interior do país, da principal função do Estado que é garantir segurança aos cidadãos e colocando a nu a mais completa descoordenação nos serviços nacionais com responsabilidade no sector. A forma lamentável como o Governo está a tratar o assunto da floresta, para além de ir ao ponto de “filtrar” a informação real sobre os incêndios, fica ainda marcada pelo ridículo quando o ministro da Agricultura afirma que a reforma da floresta que está a protagonizar é a mais importante desde D. Dinis.
Esta catástrofe acontece praticamente a meio da legislatura em que o PS de António Costa, depois de obter o sofrível resultado eleitoral de 32%, encontrou um caminho para governar através da negociação de apoio parlamentar com o Partido Comunista Português e com o Bloco de Esquerda. Assim, faz todo o sentido perceber como vai o país, quais os resultados conseguidos e o que esperar até ao fim da legislatura.

A descida do desemprego e o crescimento do PIB continuaram, felizmente, o caminho que vinham a seguir desde o fim de 2013 atingindo hoje valores bastante razoáveis, embora a economia não esteja a crescer tanto como em muitos países da União Europeia, a começar pela vizinha Espanha.
As chamadas “reversões” nos vencimentos da Função Pública e pensões que foram apresentadas como o fim da “austeridade” aplicada pelo governo anterior na sequência da chamada da “troika” pelo último governo socialista, foram em grande parte pagas com um aumento dos chamados impostos indirectos que, como se sabe, são socialmente os mais injustos de todos.
A execução orçamental do ano de 2016 sofreu um volte-face notável a partir do primeiro semestre. Quando o Governo verificou que as medidas que tinha apontado para a recuperação da economia e a diminuição do défice estavam a produzir efeitos contrários aos pretendidos, aplicou medidas extremas de corte nas despesas. No fim do ano foi possível verificar que as chamadas cativações andaram pelos 900 milhões de euros e o investimento público baixou para os níveis mais baixos das últimas décadas. O resultado foi um défice de 2,1%, que deixou a Comissão Europeia deslumbrada e acalmou os mercados internacionais.
Claro que, com esta diminuição drástica de despesa, muitas funções do Estado ficaram como se costuma dizer a pão e água, com limitações significativas no funcionamento corrente do Estado.
Por outro lado, a dívida pública retomou fortemente a trajectória ascendente de crescimento que desde 2012 era descendente, apresentando em Junho deste ano um montante recorde de quase 250 mil milhões de euros. Há muito que o critério europeu dos 60% do produto foi esquecido pela União Europeia, mas andar claramente muito acima de 100% não é saudável e é mesmo muito perigoso, no caso de haver um solavanco económico internacional. E um tal crescimento da dívida pública levanta ainda fundadas dúvidas sobre a real descida do défice, sendo legítimo pensar-se que está a ser contabilisticamente mascarado, enquanto a Comissão Europeia olha para o lado.
A evolução da economia e das contas públicas é a maior demonstração de que as propostas do PS nas eleições de 2015 eram completamente erradas. De facto, a economia cresce apesar do mais baixo investimento público de há décadas. Esse crescimento é impulsionado, não pelo aumento do consumo privado provocado pela devolução de rendimentos à Função Pública, mas sim pelas exportações como era defendido pela direita. O Turismo tem sido aqui um factor essencial para o crescimento da economia.
A inexistência de críticas à esquerda pela incoerência do caminho seguido é apenas a confirmação da falta de escrúpulos e mesmo da mais rematada hipocrisia do PCP e do BE que, calados perante uma pesada austeridade do Estado, proporcionam uma paz social e sindical que, por sua vez, acaba por demonstrar o papel eminentemente político dos sindicatos.
O que se vai seguir não será, certamente, diferente do que se viu até aqui. O PCP e o BE continuarão reféns de António Costa que comprará o seu apoio político para o Orçamento 2018 com os custos inerentes, pelo que o investimento público continuará baixíssimo e as cativações serão a regra. Não haverá reformas estruturais e a dívida pública continuará a crescer mesmo acima dos 40 milhões diários de 2016. E, no fim da legislatura, vamos poder assistir aí sim, com medo dos resultados eleitorais, ao espectáculo nada edificante da fuga para a frente de PCP e BE contra as políticas que caucionaram por completo durante quatro anos.

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Haverá mesmo BREXIT?



Na semana passada teve início a segunda ronda de negociações entre a Grã-Bretanha e a União Europeia para se chegar a acordo quanto à saída daquele país da EU.
Recordo que já passou mais de um ano sobre o referendo decidido pelo antigo primeiro-Ministro James Cameron, num dos maiores disparates políticos das últimas décadas, cujo resultado inesperado ditou a saída da Grã-Bretanha da União e naturalmente, o desaparecimento de Cameron da cena política, tendo sido substituído por Theresa May à frente do Governo de Sua Majestade. Também já decorreram quase quatro meses sobre o momento em que a Grã-Bretanha invocou o Art. 50 do Tratado da União Europeia, a partir do qual começou a contagem do prazo final para a saída, que terminará em 30 de Março de 2019. Claro que, para haver sucesso nestas negociações, terá que estar muito pronto antes dessa data, prevendo-se que o acordo deva ser concluído antes de Novembro de 2018 para que a economia possa continuar sem percalços de maior lembrando-se, por exemplo, as necessárias preparações das companhias de aviação, dos bancos, etc.
Tendo em conta tudo o que se soube da primeira ronda das negociações entre as equipas da Grã-Bretanha liderada por Davis Davis e da União Europeia chefiada por Michel Barnier, será muito difícil que estes prazos se venham a cumprir. Pelo que transparece das negociações e pelas declarações públicas, especialmente do lado de responsáveis governativos da Grã-Bretanha, este país está muito mal preparado para as negociações, por vezes mesmo de uma forma difícil de acreditar pela falta de profissionalismo e desnorte de objectivos que revela, de que a fotografia da reunião inaugural é um símbolo: do lado britânico da mesa, três negociadores com sorrisos abertos e sem qualquer papel à frente e do lado comunitário três negociadores com ar muito mais sério e com grossos dossiers contendo o trabalho prévio sobre a mesa.
A Grã-Bretanha dá hoje em dia um triste espectáculo sobre estas questões, mantendo ainda nesta altura discussões políticas sobre o caminho a seguir nas negociações, isto é sobre “soft brexit” ou sobre “hard brexit”, como se ainda tivesse tempo para isso. Parece até que muitos políticos desejariam um segundo referendo sobre a saída, embora o povo britânico, goste-se ou não, tenha já optado pelo divórcio com a União Europeia. E o ambiente político britânico não poderia estar mais crispado. Há poucos dias James Chapman, o chefe de gabinete do responsável britânico Davis Davis até se demitir em Junho passado, veio mesmo afirmar publicamente que o Brexit é uma catástrofe e que, caso houvesse uma efectiva lei eleitoral, os defensores do Brexit com Boris Jonhson à cabeça deveriam estar presos atrás das grades por todas as mentiras que disseram ao povo britânico levando-o a decidir maioritariamente pelo Brexit no referendo de Junho de 2016.
O actual clima político surge muito em consequência do resultado das eleições pedidas por Theresa May realizadas em Junho passado e que, ao contrário da maioria absoluta que pretendia, a colocaram nas mãos de pequenos partidos retirando-lhe margem de manobra negocial e colocando mesmo em causa a aprovação parlamentar do acordo a que chegar com a União Europeia quando e, fundamentalmente se, chegar o momento para tal.
Theresa May bem pode ir dizendo que não vai pagar a conta a apresentar pela União Europeia de cerca de 60 milhões de Libras pelos custos da saída britânica mas sabe que, mais milhão menos milhão, vai ter de pagar sob condição de não ter acordo nenhum até à data fixada, o que seria trágico para o seu país, mas não para a União Europeia.
E depois há o próprio significado do resultado de referendo que basicamente significou o desejo dos britânicos “recuperarem” o controlo das fronteiras, das leis e do dinheiro que limita fortemente o poder negocial do lado britânico. De facto, querer manter as prerrogativas actuais para os seus cidadãos e para as suas empresas na União Europeia e regressar às fronteiras no sentido oposto não é de forma nenhuma aceitável para cada um dos países membros da União Europeia. Seria, como nós portugueses costumamos dizer, ter permanentemente a chuva no nabal e o sol na eira, o que é evidentemente irreal.
É por isso que apesar de, entre a situação actual e a saída pura e dura sem acordo, haver diversas opções, na realidade o caminho para alcançar um acordo vantajoso para ambas as partes está a tornar-se muito estreito, resultado das perplexidades britânicas e consequentes dificuldades negociais. Até porque do lado comunitário a delegação negocial tem um mandato muito claro definido pelos governos dos países membros sobre os termos do Art. 50 do Tratado, concretamente sobre os direitos dos cidadãos comunitários na Grã-Bretanha, sobre como não voltar a haver fronteira entre as duas Irlandas e sobre a tal conta do divórcio. Não tendo isto garantido, a equipa dirigida por Michel Barnier está impedida de avançar grande coisa negociações e, dessa forma, quem fica a perder é quem quer sair até porque o Art. 50 do Tratado é leonino nesse aspecto talvez porque, na realidade, nunca ninguém pensou que algum dia viesse a ser invocado.