terça-feira, 8 de maio de 2018

“Entre marido e mulher, não metas a colher”




Quase não há semana sem que, um pouco por todo o país, surjam notícias sobre mulheres mortas de forma violenta pelo marido, pelo namorado ou amante ou por algum ex-qualquer coisa. Por vezes, junta-se-lhe ainda no infortúnio alguma filha, irmã ou sogra. E damos por nós a pensar sobre se há alguma pandemia a alastrar pela sociedade nos dias de hoje e se será sinal dos nossos tempos.
Só no ano de 2015 foram registados 26.141 casos de violência doméstica em Portugal, o que corresponde a 3 casos por mil habitantes, deixando de fora muitos outros que não chegaram às estatísticas, por desconhecimento. Há realmente quem tenha a ideia de que, por qualquer motivo, a violência doméstica é um problema dos dias de hoje e que está a aumentar. Ideia que surge integrada naquele mito do país de brandos costumes que na verdade não tem nem nunca teve nada a ver com a realidade, servindo apenas para camuflar uma realidade violenta com um manto diáfano de fantasia que serve bem os interesses de criminosos.
Mas a violência doméstica sempre existiu. Foi escondida durante muito tempo dentro das paredes das casas. Era um problema a resolver debaixo de telhas entre os próprios intervenientes e a sociedade entendia que não devia interferir, abandonando as vítimas à sua sorte e continuando a conviver com os agressores como se nada se passasse. Só começou a ser debatida publicamente nos últimos trinta anos do século XX, com a libertação da mulher e o desenvolvimento dos direitos cívicos. A consciencialização social e política do problema apenas começou a encontrar respostas concretas na década de setenta, altura em que surgiram as primeiras casas de abrigo em Inglaterra e nos Estados Unidos. Em Portugal as casas de abrigo surgem a partir de 1999 com o I Plano Nacional contra a Violência Doméstica, havendo hoje 39 instituições que lidam com este problema e passou a ser um crime de natureza pública em 2007: qualquer pessoa que tenha conhecimento de algum caso pode hoje apresentar queixa.
Também contrariamente ao que se possa pensar, é um problema que atravessa toda a sociedade São muitos milhares de mulheres espancadas e mutiladas, sujeitas aos mais bárbaros tratamentos nas mais variadas classes sociais, daquelas com maiores dificuldades financeiras às mais abastadas. Nem sequer a formação a nível superior é garantia de que esse problema esteja ausente, como se fosse necessária mais uma prova de que formação não equivale a educação. E também entre adolescentes e jovens adultos se verifica este problema de forma preocupante: estima-se que 25% da população jovem tenha tido comportamento violento pelo menos uma vez e 22,5% admite mesmo já ter sido vítima de agressão por parte do namorado ou da namorada. A esmagadora maioria das vítimas, numa percentagem de 85%, é do sexo feminino, mas também vão surgindo casos ainda mais escondidos em que as vítimas são homens, havendo já em Portugal uma casa de abrigo específica para eles.

Os estudos dizem que a duração média das situações de violência conjugal é de treze anos e que a idade média das mulheres das mulheres que pedem ajuda é de 50 anos. Como será fácil de imaginar, as consequências a nível psiquiátrico para as vítimas de violência conjugal em períodos tão prolongados, são graves. Por vezes, tão ou mais graves que as feridas físicas e de difícil e prolongado tratamento. Estas consequências estão hoje bem documentadas e estudadas, por exemplo em Coimbra, no Serviço de Violência Familiar no Hospital Sobral Cid que trabalha em colaboração com escolas, polícias e Tribunais. Há ainda outras vítimas directas da violência conjugal que são as crianças. Por mais resistentes que sejam e que pareçam conseguir ultrapassar aquilo de que são testemunhas directas, não será possível fugirem a que, mais cedo ou mais tarde, o seu comportamento se venha a ressentir de forma mais ou menos grave.
Felizmente há hoje uma série de instituições dedicadas a lidar especificamente com a violência doméstica e as forças policiais e os tribunais estão técnica e humanamente apetrechados. Mas, além de tratar os casos que surgem, há necessidade urgente de os prevenir, acabando com esta chaga social. E tal só pode ser conseguido com uma consciência social generalizada do mal, para além de uma cultura de cidadania que faça sentir a todos os homens e mulheres que são iguais em direitos e deveres e que ninguém, seja de que forma for, pode sentir-se como sendo dono de alguém. 
Republicação de crónica de Maio de 2017

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Reabilitação Urbana (2ª de duas partes-Coimbra)



O Dec. Lei nº 104/2004 inaugurou um período em que a problemática da Reabilitação Urbana passou a ter um tratamento específico na legislação portuguesa. Nele aparecia, pela primeira vez entre nós, uma abordagem específica da reabilitação urbana, para além da extensa legislação existente no que respeita à construção nova. Reconhecia-se finalmente um problema nacional que consistia num exagerado crescimento das cidades em mancha de óleo, enquanto os centros urbanos eram deixados ao abandono, com graves consequências a diversos níveis económicos e sociais e na própria sustentabilidade das cidades e do território nacional. Uma das respostas apontadas pela nova legislação consistia no estabelecimento de estruturas organizacionais novas, as chamadas Sociedades de Reabilitação Urbana (SRU’s), sendo os municípios livres de seguir ou não esse caminho de carácter empresarial (embora público). Tal como aconteceu noutros municípios, também em Coimbra se estabeleceu uma Sociedade de Reabilitação Urbana, a Coimbra Viva SRU, a quem foi atribuída a tarefa de promover a reabilitação urbana do Centro Histórico de Coimbra. De acordo com os objectivos que lhe foram definidos desde o início, a sua actividade regulou-se sempre pela aplicação do princípio constante do Dec. Lei nº 104/2004 e de toda a legislação que lhe sucedeu no tempo até hoje, de que cabe prioritariamente aos proprietários promoverem a reabilitação dos seus prédios, neste caso com o apoio, a diversos níveis, da SRU. Foi isso que fez enquanto existiu, desde apoiar tecnicamente os proprietários privados na reabilitação dos seus prédios, até criar as melhores condições possíveis para a promoção da RU, nomeadamente pela aprovação da 1ª Unidade de Intervenção na Baixa, pela definição, em 2013, das ARU’s Coimbra Baixa e Coimbra-Rio ambas com operações do tipo sistemático e com a criação do primeiro Fundo de Investimento Imobiliário em Reabilitação Urbana do país. Estas operações preveem dezenas de acções de grande impacto para a reabilitação da Baixa e da margem direita do Rio, mas também grandes necessidades de investimento público/municipal e privado pelo que, não tendo sido possível estabelecer um contrato-programa entre a Autarquia e a Coimbra Viva SRU com esse fim, a SRU acabou por ser extinta, passando essas operações a ser da responsabilidade do Município.
Em paralelo, o Município de Coimbra promoveu directamente a reabilitação na zona da Alta/Universidade, através da aquisição de edifícios e sua renovação recorrendo nomeadamente à figura de permuta para aquisição de bem futuro, pela aplicação de programas como o PRAUD, “Coimbra tem mais encanto” e pela criação, também em 2013, da ARU Alta, esta com uma operação do tipo simples.
Entretanto, a aprovação da candidatura de classificação da Universidade/Sofia como Património Mundial em 2013 veio introduzir novas condicionantes e obrigações ao Município através da definição de uma zona de protecção do bem classificado que abrange uma vasta área e para a qual foi aprovado um Regulamento específico. Boa parte da zona especial de protecção da Unesco está incluída nas ARU’s da Baixa e Beira-Rio, tendo ficado uma área considerável de fora, na própria Universidade, e zonas adjacentes da Praça da República/Arcos do Jardim pelo que a recente decisão camarária de criação de uma nova ARU nesta zona faz todo o sentido. Também a criação de uma nova ARU em Santa Clara abrangendo a frente da margem esquerda do Rio desde o Parque Verde até à Ponte-Açude, recentemente anunciada, se reveste do maior interesse do ponto de vista urbanístico, pelo que a respectiva operação deveria ser do tipo sistemático, através de elaboração de Plano de Pormenor. Atendendo ao histórico recente, haveria ainda todo o interesse em estender a ARU Coimbra-Rio desde o Parque Manuel Braga até ao fundo do Parque Verde, abrangendo os malfadados “Jardins do Mondego”, dando instrumentos poderosos ao Município para solucionar de vez esta vergonha da nossa Cidade.
Passam este ano cinco anos sobre a aprovação das ARU’s aprovadas em 2013 sendo este, de acordo com o Regime Jurídico de Reabilitação Urbana, o momento da primeira avaliação através do envio, por parte da Câmara Municipal, do relatório de avaliação da execução das operações à Assembleia Municipal. Trata-se de um momento importante para a Reabilitação Urbana em Coimbra porque a aprovação das operações sistemáticas das ARU’s estabeleceu não só um planeamento de execução das acções nelas incluídas, mas a obrigação legal de as executar.
A Reabilitação Urbana de um Centro Histórico como o de Coimbra não é algo que deva ser objecto de arremesso político/partidário, embora exija debate e esclarecimento técnico e político. Depois do estabelecimento dos procedimentos, e relembro que as ARU’s existentes e as suas Operações foram aprovadas em Assembleia Municipal por unanimidade, o seu sucesso depende do entendimento e colaboração de múltiplos actores, desde os proprietários à Autarquia, à Universidade, aos comerciantes e suas associações, incluindo agentes turísticos

VERGONHAS PÚBLICAS

Da vergonha, da falta dela, e de como mais baixo não se pode descer. Estão todos bem uns para os outros.






https://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/fernanda-cancio/interior/a-tragedia-de-socrates-9314793.html

Schubert "Trout" Quintet, 4th Movement.

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Ray Charles & Mary Ann Fisher - Sweet Memories

Comportamento padrão?

DGArtes. Ministro da Cultura garante que desconhecia a situação - País - RTP Notícias

E o ministro ainda diz que é por "por perda de confiança política". Isto é tudo muito mau. De vómitos.

" O Ministério da Cultura anunciou esta sexta-feira ter determinado a cessação de funções da Diretora da Direção-Geral das Artes, Paula Varanda, "por perda de confiança política", depois de ter tido conhecimento de factos que tornam "incompatível a manutenção de Paula Varanda no cargo".
O Ministério tutelado por Luís Castro Mendes tomou esta decisão na sequência de uma investigação do Sexta às 9 que detetou que desde que foi nomeada alta dirigente do Estado, em regime de substituição, em maio de 2016, Paula Varanda nunca deixou de ser diretora artística de uma associação em Mértola que é financiada pela própria DGArtes."

Sócrates

E é assim:
Sócrates? connais pas

Coimbra em festa

Com a Queima das Fitas, Coimbra transfigura-se e torna-se magnífica.


quinta-feira, 3 de maio de 2018

Dádiva de sangue

SMS recebido hoje dos HUC:
"Vamos dar-lhe uma boa noticia.Hoje ajudou a salvar uma vida!Transfundimos a dadiva de sangue que efectuou para o SSMT CHUC em 18-04-2018.Muito Obrigado"

terça-feira, 1 de maio de 2018

Manuel Pinho, o esperto

Peo que se vai sabendo, o Dr. Manuel Pinho era administrador do Grupo Espírito Santo e em 2005 foi para ministro da Economia do Governo socialista presidido por José Sócrates. Claro que deixou de receber do GES e passou a receber ordenado como ministro. O problema é que o GES lhe pagava "por fora" através de offshores, mais quase 15.000 euros mensais desde 2002. E continuou a pagar-lhe até 2012, sem interromper enquanto era ministro. Esperteza dele e de Ricardo Salgado, a gozar com a saloiada que julgam que são todos os portugueses.

Sissel Kyrkjebø - Solveigs sang - 1993

RU


segunda-feira, 30 de abril de 2018

Reabilitação Urbana (1ª de duas partes)



O termo “reabilitação urbana” (RU) é muitas vezes utilizado sem que se tenha uma noção clara do que significa, o que ocasiona frequentemente incompreensões ou mesmo interpretações erradas do que se faz ou não. O Decreto-Lei nº 307 de 2009 (que substituiu o Dec. Lei 104/2004 e que entretanto foi alterado pela Lei 32 de 2012) que estabeleceu o “regime jurídico da reabilitação urbana” trouxe uma definição do que é a RU que simplificou conceitos e criou uma base comum de entendimento. Assim, reabilitação urbana passou a ser “a forma de intervenção sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização colectiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição de edifícios”.
A citação é algo longa, mas o conhecimento público do conceito parece-me de toda a conveniência dado que, por um lado ouve-se falar de RU quando autarquias recuperam apenas o espaço público enquanto os edifícios privados adjacentes se mantêm em acentuado estado de degradação e, por outro, há quem considere como RU a recuperação de edifícios, sem que a envolvente urbana seja também alvo de intervenção. A Reabilitação Urbana é assim uma actividade que concilia respeito pelo património com intervenções nos edifícios privados e espaços de utilização colectiva, através de uma revitalização urbana que assegure a melhoria das condições de habitabilidade e funcionalidade, promovendo ainda a sustentabilidade ambiental.
De acordo com o “regime jurídico de reabilitação urbana”, para uma completa definição da RU, devem ser definidas geograficamente as chamadas “Áreas de Reabilitação Urbana” (ARU’s), para as quais se definem as condições em que deverá ser executada, através das respectivas “Operações de Reabilitação Urbana” (ORU’s). Deve-se notar que o dever da reabilitação dos edifícios recai sobre os seus proprietários, enquanto o dever da promoção da RU incumbe ao Estado e às Autarquias Locais que devem promover as medidas necessárias à RU de áreas urbanas que dela necessitem.
Em função da complexidade das operações e da profundidade que se deseja venham a ter, há dois tipos de ORU’s, denominadas do tipo “Simples” ou “Sistemático” sendo que, para aquelas se define uma “estratégia” e para as últimas um “programa estratégico”, estando as entidades gestoras (normalmente as Câmaras Municipais) obrigadas a promove-las, depois de aprovadas. As principais diferenças entre os dois tipos de operação têm a ver com a maior pormenorização da ORU do tipo sistemático, associada a uma maior capacidade de intervenção e mesmo utilização de meios impositivos de certa forma raros na legislação portuguesa.
Assim, as ORU’s sistemáticas podem incluir unidades de intervenção ou de execução e a promoção da sua reabilitação urbana pode ser alvo de concessão, podendo mesmo ser celebrados contratos de reabilitação urbana com entidades públicas ou privadas com o mesmo fim. Trata-se de modelos de execução de RU que conferem às entidades gestoras uma variedade de soluções públicas ou em colaboração com outras entidades privadas ou mesmo com os proprietários.
Por outro lado, as entidades gestoras dispõem de instrumentos de execução de política urbanística que, no caso das operações sistemáticas, ultrapassam em muito os poderes normais das autarquias, conferindo-lhes uma capacidade de intervenção muito superior para a reabilitação urbana. São os casos das servidões, da expropriação, da venda forçada e da reestruturação da propriedade. Devo salientar que a aprovação de uma operação do tipo sistemático constitui, só por si, causa de utilidade pública para efeitos de expropriação ou da venda forçada dos imóveis existentes na área abrangida, possuindo as expropriações carácter urgente.
As Operações de Reabilitação Urbana têm um prazo máximo de 15 anos, devendo a câmara municipal, em cada 5 anos de vigência da operação, submeter à apreciação da assembleia municipal um relatório de avaliação da sua execução.
O objectivo desta crónica é proporcionar ao cidadão comum não especialista nestas matérias, mas que todos os dias é confrontado com comentários sobre o tema, a informação mínima que lhe permita perceber do que se trata quando se fala em Reabilitação Urbana, assunto da maior importância em cidades com centros históricos degradados, como é caso de Coimbra. E à Reabilitação Urbana em Coimbra dedicarei a 2ª parte desta crónica, a publicar na próxima semana.

sábado, 28 de abril de 2018

SPEEDMASTER: EXEMPLO DE MÁQUINA COMO OBJECTO

 


A medição do tempo foi sempre uma das preocupações do homem desde os tempos mais imemoriais. De facto, as nossas vidas são reguladas em função dos ritmos que a Natureza nos impõe, dado que os dias se sucedem aos dias e os anos aos anos com a maior regularidade. Pelo meio, numerosos acontecimentos se sucedem, como as estações do ano e as fases da Lua. Não admira que o Homem se tentasse orientar naquilo que parece ser uma grande complicação, e tão superior a ele próprio.  Na verdade, desde a antiguidade que a humanidade engendrou sistemas para, de uma forma ainda muito primitiva, prever as estações do ano e os principais momentos do ano, como os solstícios e os equinócios. Tudo isto a partir de uma sistemática observação dos astros que permitia alguma orientação no tempo, facilitando a actividade humana, por exemplo facilitando o conhecimento do tempo para as plantações e do tempo para as colheitas. Por isso se foram definindo diversos calendários em função do pouco que se conhecia, um saber que se foi ampliando ao longo dos séculos. Como sabemos, a Terra gira em volta do Sol, sendo a duração dos dias calculada em função dessa translação da Terra, que demora 365,242199 dias a completar-se. O calendário actualmente seguido na maior parte dos países é o calendário gregoriano, introduzido pelo Papa Gregório XIII em 1582, e que vinha substituir o calendário anteriormente definido por Júlio César e Cleópatra que, por partir de uma duração do ano de 365,25 dias, levava já no século XVI um erro de 10 dias inteiros. Este erro foi resolvido através da adopção do sistema dos anos bissextos. Só há poucos séculos o Homem conseguiu desenvolver máquinas capazes de “medir” o tempo com algum rigor: os relógios. Consta que a primeira manufactura, a Blancpain, iniciou a sua produção na Suíça em 1735. Antes, havia produção de máquinas complicadas para medição do tempo, construídas de forma muito secreta para os navios. De facto, os nossos navegadores de quinhentos navegavam muito às cegas, pois embora conseguissem já calcular com alguma precisão a latitude da sua posição pela altura dos astros, a fundamental longitude era-lhes completamente impossível de calcular. Assim, os navegadores portugueses podiam andar até bastante próximos da costa africana ou da sul-americana, mas desconheciam completamente esse facto. Só o aparecimento dos primeiros relógios marítimos, conhecidos como cronómetros, veio a permitir calcular a longitude a bordo, através do conhecimento da hora no ponto de partida, imaginando-se o valor de tais aparelhos para quem os possuísse. Assim que o conhecimento das técnicas de fabrico relojoeiro se difundiu, começaram a surgir manufacturas, algumas das quais ainda hoje existem, como a já citada Blancpain. A Breguet, por exemplo, começou a laborar em Paris em 1775, conseguindo captar clientes como Luis XVI e Maria Antonieta. Esta última, aliás, ficou célebre na indústria relojoeira por ter feito uma encomenda que, pela sua complexidade, só pode ser concretizada cerca de quarenta anos após a sua trágica morte. Curiosamente, até Napoleão foi um orgulhoso possuidor de uma máquina desta marca, que o acompanhava nas suas campanhas militares. Consta que o primeiro relógio de pulso foi uma ideia do aviador Santos Dumont, que demonstrava desta forma ser detentor de um grande sentido prático. A marca que lho forneceu em 1904 foi a Cartier, que ainda hoje produz um belo modelo chamado Santos. O século XX viu desenvolver-se a indústria relojoeira, particularmente na Suiça, de uma forma que permitiu a qualquer cidadão, por mais humildes que as suas posses sejam, possuir no pulso uma máquina que não o deixe ficar perdido, isto é, sem saber a que horas anda. Hoje em dia esse problema não existe, mas no início do século XX não era fácil saber se se chegava adiantado ou atrasado a um compromisso, ou mesmo ao emprego. As diversas marcas foram desenvolvendo mecanismos, os chamados “calibres”, cada vez com mais precisão e capazes de fornecer muitas outras informações, para além das horas e dos minutos. Surgiram assim as “complicações” e até as “grandes complicações” que nos podem dizer o dia do mês, o dia da semana, o mês, o ano, a estação do ano e a fase da Lua. Isto para além de poderem ser cronógrafos, isto é, medir períodos de tempo concretos e informarem sobre médias de velocidade. Que nos podem dizer, é uma forma de expressão, dado que tais máquinas atingem hoje facilmente um valor de várias dezenas ou mesmo centenas de milhares de euros. Uma das “complicações” mais complexas jamais produzidas é o modelo Blancpain 1735, que permite ter num mero relógio de pulso um turbilhão, repetidor de minutos, calendário perpétuo e cronógrafo. O turbilhão merece uma referência especial. Os antigos relógios de sala estavam sempre na mesma posição, o que lhes provocava faltas de precisão ao longo do tempo, devido à força da gravidade. A solução inventada pela Breguet foi colocar as peças principais numa “gaiola”, que rodava toda ela em conjunto e à parte, efectuando uma rotação por minuto, e evitando assim os malefícios da gravidade. Essa invenção foi posteriormente adaptada aos relógios de pulso, num prodígio de engenharia e miniaturização. Quase todos os relógios com turbilhão o ostentam orgulhosamente no mostrador, sendo o seu movimento mágico e mesmo hipnotizador aos nossos olhos. Recentemente, a Jaeger-LeCoultre, uma das melhores e das mais antigas manufacturas suíças, desenvolveu o giroturbilhão, que é um turbilhão esférico absolutamente espantoso de observar no seu funcionamento, que parece rodar suspenso no interior do relógio. Como a Natureza é muito mais complexa do que parece, o tal ano medido em relação ao Sol é diferente do ano sideral, isto é, medido em relação às estrelas. Como a Terra roda em torno do seu eixo como um pião, e esse eixo está inclinado em relação ao eixo Norte-Sul, variando aliás também essa inclinação ao longo de milhares de anos, existe a chamada “precessão dos equinócios” que faz rodar a eclítica sobre o equador celeste, baralhando ainda mais as contas. Acresce ainda que o dia definido acima em função da translação da Terra em volta do Sol é apenas um valor médio. Na realidade, como a Terra nessa translação segue uma elipse imperfeita, a duração real dos dias varia entre 23 horas e 44 minutos em 3 de Novembro e 24 horas e 14 minutos em 11 de Fevereiro, havendo quatro dias por ano com duração igual à duração média. A diferença entre estas duas durações chama-se “equação do tempo” e, pasme-se, existem relógios mecânicos capazes de resolver constantemente a equação do tempo no mostrador. Na década de setenta do século passado, começaram a surgir os relógios de pulso electrónicos, funcionando a pilha, quase todos com origem no Japão. Como são muito mais precisos e mais baratos que qualquer relógio mecânico, a sua divulgação mundial foi imediata. Em consequência, a indústria relojoeira suíça quase foi à falência. Foi salva pela visão de Nicolas Hayek que resolveu fabricar na Suíça relógios de quartzo muito baratos, os Swatch, mas com uma grande componente de marketing, que transformou uma máquina essencialmente utilitária num objecto de culto. O sucesso foi gigantesco, tendo essa imagem de objecto de culto sido transferida para os relógios mecânicos de alta qualidade. Assim se salvou uma indústria que parecia já não ter lugar nos dias de hoje. Existe um relógio mecânico que tem uma história muito especial, que merece ser contada, embora de forma sucinta. O modelo Speedmaster da Omega é ainda hoje o único relógio usado pelo homem na Lua e isso deve-se a vários factores muito curiosos. O modelo foi desenvolvido pelo fabricante na década de 50 e colocado no mercado em 1957. Quando os responsáveis da NASA desenvolveram o programa Apolo na década de 60 para levar o Homem à Lua, compraram cronógrafos de diversas marcas de qualidade numa loja de Houston e submeteram-nos a testes previamente definidos. O único que respondeu a todos os requisitos foi precisamente o Omega Speedmaster, pelo que a NASA mandou comprar numa loja perfeitamente vulgar os relógios que entendia necessários para os seus astronautas. Tudo isto sem conhecimento do fabricante. A Omega só soube do que se passava quando alguém da empresa reparou, numa fotografia dos astronautas no espaço, que o relógio que ia nos pulsos era fabricado por eles. Como desde as missões Apolo não houve mais nenhum homem a ir à Lua, o Speedmaster continua a ser o único relógio a ter sido usado no nosso satélite natural, sendo esse facto motivo de orgulho da marca e bom motivo de publicidade. Com este relógio passaram-se ainda duas outras histórias interessantes que justificam bem que ainda hoje seja o modelo mais procurado da marca. A missão Apolo XIII, como é bem conhecido, teve uma história dramática. A meio do caminho uma explosão avariou os sistemas a bordo da nave e obrigou a um regresso, com passagem por detrás da Lua para aproveitar o efeito da gravidade e impulsioná-la para o regresso a casa. Boa parte dos procedimentos baseou-se da precisão dos Speedmaster a bordo. O sucesso da manobra elevou aos píncaros a confiança naquele relógio. Por outro lado, na década de 70 um fabricante americano, a Bulova, forçou a NASA a cumprir uma lei americana que obrigaria a agência a escolher preferencialmente produtos americanos, desde que equivalentes em qualidade. A NASA fez um novo concurso, tendo os principais fabricantes de cronógrafos enviado os seus produtos para os testes incluindo, claro está, a Bulova. Mesmo a Omega enviou dessa vez não só o Speedmaster mas também um novo modelo de quartzo. Incrivelmente, o único modelo que passou em todos os novos testes foi de novo o velhinho Speedmaster. Claro que o fabricante ainda hoje o produz, continuando a ser mais barato que relógios equivalentes da concorrência. Os relógios suíços de qualidade são hoje objectos de culto pelo mundo inteiro e a sua indústria uma componente crucial da economia daquele país. O coleccionismo destas máquinas transformou mesmo o negócio. Hoje em dia, ninguém compra um relógio mecânico apenas para saber as horas. Essa função é cumprida de forma muito mais eficiente pelos relógios de quartzo. Os relógios mecânicos de qualidade são comprados pela sua beleza, pela máquina que se sabe bater lá dentro e pelo prestígio que transmitem aos seus possuidores. A indústria relojoeira suíça é um caso exemplar nos dias de hoje e caso de estudo nas escolas de negócios. Conseguiu usar as armas de quem a estava a matar para recuperar e virar do avesso todo um negócio. Todos os anos são apresentados novos modelos cada vez mais complicados e precisos, que revelam uma capacidade de inovação e tecnologia de miniaturização e precisão impossíveis de alcançar por qualquer outra indústria. É ainda a prova de que o marketing bem desenvolvido e orientado é crucial para criar todo um novo mercado e participar na manutenção da indústria bandeira de um país que, note-se, tem que importar todos os materiais que fazem parte de um relógio, impondo-se por uma enorme capacidade de criação de valor.
E sim, o da foto é o meu.

Piazzolla. Libertango

segunda-feira, 23 de abril de 2018

"Je sais" de Monsieur Jean Gabin

COIMBRA DEMOCRÁTICA



A legislação que regulou a organização das Autarquias Locais após o 25 de Abril previu uma distribuição de responsabilidades e competências entre os diversos órgãos municipais muito diferente do estabelecido para a governação nacional. Fosse por razões conjunturais relacionadas com o PREC, fosse por se entender que as autarquias locais, mais directamente ligadas às populações e aos seus desejos, ganhariam vantagem em respeitar diferentes perspectivas, os órgãos executivos municipais incluíram representantes dos diversos partidos. Esta organização é inédita na sua formulação qualquer que seja o ponto de vista de onde se observe, em termos empresariais ou mesmo de organização política.
Este modelo de organização implica diversas consequências, dado que todos os vereadores eleitos têm iguais legitimidades políticas, logo responsabilidades perante o povo que os elegeu. Num Executivo Municipal não há, não pode haver, vereadores da situação e vereadores da oposição. Aliás, assim não fora e certamente a Lei não seria como é e os Executivos municipais seriam constituídos apenas por representantes dos partidos ou coligações vencedores das eleições, à maneira dos Governos nacionais. O lugar da afirmação e debate política partidário é a Assembleia Municipal, órgão fiscalizador. E não se diga que o que aqui afirmo é mera utopia ou que está desligado da realidade.
Como estamos na semana do 25 de Abril cabe aqui lembrar alguns antigos presidentes da Câmara do poder local democrático em Coimbra, com os quais tive o privilégio de trabalhar directamente, lembrança essa que servirá de prova do que acima deixo escrito. 
Recordo António Moreira em cujos executivos não havia qualquer diferença entre os vereadores, fossem de que partidos fossem. Todos eles colaboravam e participavam na gestão municipal, tivessem ou não pelouros atribuídos, como foram os exemplos de Santos Cardoso do PCP, Pinto dos Santos e Manuel Machado do PS, nestes casos mesmo com pelouros importantes, ainda que a coligação vencedora AD tivesse tido maioria absoluta. 
Mendes Silva, nunca suficientemente recordado, eleito pelo PS e que, antes das reuniões do Executivo, promovia a realização de encontros informais da vereação longe dos holofotes da comunicação social, sendo os assuntos calma e aprofundadamente discutidos e analisados a fim de que, após obtidos os consensos decorrentes de acertos, os mesmos fossem alvo de unanimidade na aprovação. Assim conseguiu que muito mais de 95% das decisões camarárias tenham merecido o voto favorável da totalidade dos vereadores. 
Claro que, para esta actuação, muito terão contribuído as suas capacidades pessoais únicas de trabalho e de diálogo, mas também a experiência pessoal notável, que vinha da presidência da Direcção da Associação Académica dos anos 50 que conseguiu do governo de então a edificação do complexo que inclui a sede da AAC, o Teatro Gil Vicente e cantinas em volta do seu jardim; ou do trabalho como Director Regional do Desporto, tempo em que Coimbra atingiu píncaros na natação e no basket como nunca mais se viu, nem com as instalações desportivas magníficas de que hoje dispõe.

Mais recentemente, também não foi por ter obtido maioria absoluta nas eleições que Carlos Encarnação dispensou a colaboração de vereadores de outros partidos, como foi o caso de Gouveia Monteiro do PCP.
Penso não ser preciso mais para se concluir da veracidade do que acima escrevi, isto é, que no Executivo Municipal não há vereadores da situação e da oposição. É esta a razão da legislação que regula o poder local e devem ser sempre encontradas soluções para que tal suceda, que nem passam obrigatoriamente pela entrega de pelouros, mas apenas pela partilha de responsabilidades e aproveitamento de capacidades.

Há mesmo matérias cujo interesse municipal ultrapassa as diferenças político-partidárias e para os quais o simples bom senso aconselha que se peça a colaboração efectiva de todos os vereadores. Por exemplo, uma candidatura a Capital Europeia da Cultura necessita de uma estrutura de missão profissional que a prepare. Mas será de toda a conveniência que o seu trabalho seja devidamente acompanhado e apoiado por uma Comissão de Acompanhamento em que tenham assento vereadores de todas as forças políticas quanto mais não seja, para que toda a Cidade tenha conhecimento do trabalho levado a cabo, tenha ou não a candidatura o êxito desejado.

quarta-feira, 18 de abril de 2018

PSD

Com que então o PSD pede aumentos para os funcionários públicos em 2019. Nos mesmos termos que o Bloco de Esquerda, bla la bla. Pelos vistos já se esqueceu dos aumentos do Sócrates em 2009 que deram no que deram. Ou então acreditam no bla bla bla do crescimento fantástico do Costa & Centeno. Não sei o que é pior, ainda por cima com populismo da treta.