Quando se compra um carro novo, são tidos em conta diversos factores,
uns perfeitamente racionais e outros nem tanto. A racionalidade dita a
adequação do custo do carro às disponibilidades financeiras do comprador, bem
como conseguir a melhor qualidade de construção, que inclui factores de
segurança activa e passiva para determinado patamar de preço. Outros factores
estarão ligados ao aspecto ou beleza do carro, não esquecendo ainda o suposto
estatuto ligado a marcas específicas designadas “premium”, que se supõe
transferir-se também ao proprietário do ponto de vista social. Em pano de
fundo, há a confiança do consumidor relativamente aos fabricantes, quanto maior
quanto mais distinta for a marca, distinção essa conseguida ao fim de muitos
anos de fabrico de automóveis considerados de qualidade superior.
Entre essas marcas, estão os três mais que conhecidos fabricantes alemães
que ocupam, desde há muitos anos, lugar entre as marcas de maior prestígio em
todo o mundo. São, por isso, no mínimo perturbantes as notícias que ultimamente
têm surgido relativamente a procedimentos eticamente discutíveis e
comercialmente condenáveis. Tudo começou com o chamado “dieselgate” que
consistiu na manipulação dos testes de emissões de carros a gasóleo, enganando
electronicamente os sistemas de controlo e permitindo um consumo maior no
dia-a-dia, acompanhando uma melhoria das prestações dos motores.
Nos EUA, onde o sistema capitalista funciona a sério, para o melhor e
para o pior, o grupo VW teve que chegar a acordo com as autoridades num caso
que abrangeu quase 600.000 veículos, pagando uma multa superior a 2,5 mil
milhões de euros e ainda mais 1,4 mil milhões de euros pela importação e venda
nos Estados Unidos de veículos manipulados e por fraude aduaneira. Dois
responsáveis máximos do grupo nos EUA foram para a prisão, em consequência
deste processo.
Na semana passada, o diretor-executivo
da Audi, Rupert Stadler, foi também detido na Alemanha, por as autoridades
recearem eliminação de provas relativas ainda ao “dieselgate”, estimando-se o
número de veículos manipulados em mais de dez milhões desde 2007 a 2015. Há
poucos dias, também a Mercedes anunciou a chamada de mais de 770.000 veículos
às oficinas na Europa, desconhecendo-se quantos portugueses serão afectados. A
questão com os carros a gasóleo prende-se com a emissão de gases com enxofre,
óxidos de azoto e partículas, que são nocivos para a saúde, ao contrário das
emissões dos carros a gasolina que provocam formação de CO2, que é um gás de
efeito de estufa e contribui para o aquecimento global.
Os fabricantes de
automóveis a diesel estão preocupados com a situação e os três fabricantes
alemães Mercedes, BMW e VW associaram-se à também alemã BOSCH, que fornece a
electrónica para todos eles, para provar que os gases de escape dos motores de
combustão interna, incluindo os diesel, não têm efeitos nefastos na saúde
humana. Para o efeito, patrocinaram um organismo alemão, o “Grupo Europeu para Investigação em Ambiente
e Saúde no Sector dos Transportes” (EUGT) que encomendou um estudo a um
laboratório nos EUA, o “Lovelace Respiratory Research Institute”. Para tentar
provar a inocuidade dos gases de escape dos motores diesel, este instituto
colocou dez macacos a respirar os gases emitidos por esses motores, o que já de
si é suficientemente grave. No entanto, o EUGT não se ficou por aqui e realizou
as mesmas experiências na Alemanha, mas agora com 19 homens e 6 mulheres
saudáveis, tentando provar que a inalação do dióxido de azoto não tem efeitos
cancerígenos, ao contrário do estabelecido pela Organização Mundial de Saúde em
2012.
Como é evidente, ao tomarem conhecimento do sucedido, as autoridades
alemãs reagiram fortemente, mas há algo que nos deve preocupar, a nós como
consumidores. A confiança nos fabricantes de automóveis, no caso os alemães,
símbolos da qualidade e eficiência, sai completamente abalada. Se são capazes
destes procedimentos inclassificáveis, só podemos imaginar de que mais serão
capazes para defender as suas quotas de mercado.