sexta-feira, 25 de maio de 2012

Agenda do crescimento

Se é assim tão boa, a "Agenda do crescimento" não foi aplicada pelo anterior governo, porquê?
Ou dar-se-à o caso de estarmos onde estamos porque o anterior governo a aplicou?
Palavra de honra, que já não não há pachorra para tanta palermice.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

ÉTICA E CORRUPÇÃO




O que é a ética? Pergunta de difícil resposta, embora, neste início do século XXI se fale de ética por tudo o que é sítio. Talvez porque se sente muita falta dela. Procurando respostas simples verificamos, desde logo, que o termo vem do grego “ethos” que significa “costume”; É, portanto, algo que não é de agora, mas que vem de há muito e se mantém actual nos dias hoje, o que desde logo atesta a sua importância na vida da sociedade. Segundo os dicionários, ética é a “parte da filosofia que estuda os fundamentos da moral”, ou muito simplesmente “um conjunto de regras de conduta”. O dicionário não nos facilita muito a vida: de facto; se por um lado nos atira para a moral, termo que vem do latim “mores” e que significa também “costumes”, por outro lado remete-nos para a conduta, o que tem a ver com a acção, isto é, a prática de vida. Ser ético, portanto, será verdadeiramente aquilo que importa, o que não é fácil, dadas as diferentes fontes de moral que ao longo dos séculos se foram sucedendo desde os tempos da ética filosófica de Aristóteles, assistindo-se hoje à coexistência de muitas delas e mesmo á recuperação de algumas que se julgava perdidas. Talvez resida aí uma das razões principais do actual desnorte nesta matéria.
E o que é a corrupção? Socorrendo-nos de um dicionário, ficamos mais uma vez quase na ignorância, já que o seu significado aponta para “depravação, suborno, alteração” ou mesmo “sedução”. Mas neste caso da corrupção, ao contrário da ética, acontece sempre algo de concreto e bem material e não filosófico, pelo que se encontra completamente identificada na lei, que tipifica mesmo os diversos tipos de corrupção, que vão do suborno à extorsão e ao peculato, passando pelo nepotismo. Claro que em Portugal é mais fácil sentir o cheiro da corrupção do que prová-la, pelo menos quando há políticos envolvidos.
É cada vez mais frequente ouvir-se discorrer sobre ética e corrupção, associando-lhe a política. Na verdade, ouve-se tantos políticos falar em ética, que quando isso acontece fico logo desconfiado, principalmente quanto mais alto falam e quanto mais assertivos são sobre o assunto. E os anos que já levo por cá e a experiência de vida aconselham de facto a ser prudente ao ouvir a palavra ética, principalmente quando associada a política e negócios. Há por aí fazedores de opinião de alto gabarito e muita “ciência económica” que vendem a necessidade da ética nos negócios quando até se sabe terem já sido corruptos em alto grau.
Por outro lado, é comum ouvir-se dizer que “a minha ética é a lei da República”, mais uma vez quase sempre por políticos no activo. Triste de quem confina a sua vivência à observância da lei. Será que se pode em verdade dizer que se não infrinjo a lei, sou ético? Ou que apresentar credencial de nunca ter sido condenado por corrupção significa o mesmo? Claro que não. O sistema de valores vai muito para além das leis; aliás, se as leis abarcassem todo o comportamento humano estaríamos na ditadura total e não seríamos mais que autómatos.
Voltando ao velho Aristóteles, “Toda a teoria da conduta tem de ser apenas um esquema e não um sistema exacto…e os temas de conduta e comportamento não têm em si nada de fixo e invariável. E se isto é verdade na teoria geral da ética, ainda é menos possível a precisão exacta ao tratar de casos particulares de conduta…os próprios agentes têm de considerar o que é conveniente nas circunstâncias de cada ocasião”. Isto é, ao contrário do que alguns profissionais do julgamento popular pretendem, nada disto é fácil.
Claro que a ignorância generalizada e a falta de cultura associadas à miscelânea de códigos de valores da nossa civilização leva a que se perca o fundamental e se eleja mesmo o sucesso económico obtido seja de que forma for, como o critério essencial de consideração social. Mas atrás do tempo, tempo vem, e a História está carregada de fases confusas como a actual. E os que pensam que a História acabou estão redondamente enganados, como é já possível detectar em sinais fáceis de percepcionar por muita gente, menos pelos economistas que hoje dominam a nossa vida e apenas tratam de números e olham para o futuro como a continuação das séries do passado.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 de Maio de 2012

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Queima das Fitas de Coimbra


A Queima das Fitas é uma festa de estudantes que voltou a ser o maior acontecimento festivo anual de Coimbra o que, só por essa razão, é motivo mais que suficiente para ser apoiado por toda a Cidade. É talvez o momento de maior entrosamento da Cidade com a sua Universidade. Recordo aqui aqueles dias em que, cinco anos decorridos sobre o 25 de Abril, a Academia decidiu finalmente que já não se justificava a manutenção do “luto académico” e a Queima foi recuperada. Perante as reacções antagónicas de uma parte restrita da academia, foi a própria Cidade, através do seu povo que subiu a Sá da Bandeira até à Associação Académica, e deu toda a força à recuperação da festa, numa manifestação histórica de unidade coimbrã.
Após trinta e tal anos de realização ininterrupta da Queima das Fitas, hoje em dia copiada em muitas cidades do país, há aspectos que deveriam ser reconsiderados para que a festa seja, mais que uma festa dos estudantes, um certame de que a Cidade goste ainda mais, de que se orgulhe e que lhe traga valor cultural, turístico e económico. Algumas coisas têm melhorado ao longo dos anos. A realização do Cortejo ao Domingo é uma delas. O esforço dos serviços camarários em proceder a lavagens e limpezas das ruas logo após a passagem do Cortejo é outra. A preocupação que este ano a Câmara e os organizadores manifestaram com o ruído é de louvar; não é aceitável que alguns cidadãos de Coimbra tenham que se “exilar” noutros locais ou que se encharquem em drogas para dormir durante a semana da Queima.
Dada a dimensão das “noites no parque”, a transferência de local foi positiva, porque o Parque Manuel Braga era insuficiente; é, no entanto, chegado o tempo de melhorar decisivamente as condições do chamado Queimódromo. O piso é completamente inadequado para este efeito, quer haja ou não chuva. Aquele palco que lá foi colocado há anos serve apenas para um tipo de espectáculos e mal. Deveria ser retirado e substituído por uma concha que permita outra variedade de espectáculos, de qualquer tipo de música, incluindo a clássica e jazz durante todo o ano, com condições mínimas de conforto e segurança, quer para os artistas quer para os espectadores; o enquadramento magnífico do Rio e da Cidade merecem-no.
Uma questão delicada tem a ver com o consumo excessivo de álcool. Alguns guias turísticos internacionais desaconselham já a vinda a Coimbra na semana da Queima das Fitas. Como motivo apontam as desagradáveis situações provocadas pelo generalizado consumo de álcool que, de facto, pouca alegria provocam e imenso nojo causam a quem as testemunha. O consumo de cerveja em Coimbra por esses dias bate todos os recordes e transforma a festa dos estudantes na de maior consumo da bebida em toda a Europa. Este ano foi-se mesmo ao exagero de colocar quiosques na rua para venda de cerveja, numa concorrência desleal com os estabelecimentos de porta aberta que pagam os seus impostos durante todo o ano e que também vendem cerveja, os quais foram claramente prejudicados.
Ao fim deste tempo, é possível detectar algum cansaço perante esta festa que se vai repetindo, sem grandes novidades nem originalidades de ano para ano, para além dos participantes que se vão renovando pela própria razão de ser da Queima. Sendo a Queima das Fitas a maior festa da Cidade, seria de toda a conveniência que a sua organização envolvesse outras entidades, para além dos estudantes da Comissão Central, o que lhe daria outra dimensão. Claro que, em primeiro lugar, é uma festa de estudantes, cabendo-lhes definir os programas e actividades. Mas é demasiado importante para Coimbra para que tudo isto não seja feito em colaboração com os responsáveis pela gestão da Cidade, seja a Câmara, sejam o Turismo, a Associação de Hotelaria e Restauração ou a Agência de Comerciantes da Baixa. Todos ganhariam com essa nova postura que permitiria uma oferta mais variada e de maior qualidade, colocando Coimbra no roteiro dos melhores festivais europeus.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Fez ontem anos

Em 7 de Maio de 1945,  o almirante Karl Donitz assinou a capitulação alemã 
Acabava a barbárie nazi.





segunda-feira, 7 de maio de 2012

Europa: um descaminho


O Euro foi criado à imagem e semelhança do antigo Marco alemão: ou era assim, ou a Alemanha não entrava na moeda única. Segundo muitos, radica aqui a origem de muitos dos nossos males de hoje. Acredito que haja alguma razão nisso, embora não explique tudo. De facto, a Alemanha tem um passado histórico difícil de gerir, desde as grandes guerras a que deu origem, até ao conturbado processo de integração da ex-Alemanha Oriental. Daí advém uma extrema ortodoxia na sua organização interna, em particular na gestão das contas públicas: são ainda demasiado frescas as consequências dos desvarios dos primeiros decénios do século XX alemão e existe um autêntico pavor de inflação elevada.
Tudo isto era conhecido aquando da criação da moeda única europeia. E, apesar disso, os dirigentes europeus, nacionais e comunitários, deixaram-se levar pela doce ilusão das baixas taxas de juro e da conversa sobre o orgulho de terem uma moeda forte. Andaram anos a deixar acumular dívida, a gastar e criar défices excessivos e a discutir autênticas aberrações como a decantada “estratégia de Lisboa”, a “Constituição Europeia” e assuntos do género, para não falar da regulação do tamanho da banana, das condições das gaiolas das galinhas, etc.
Por discutir e por aplicar a sério ficaram assuntos verdadeiramente importantes como o aprofundamento da federação europeia, absolutamente necessário a partir do momento em que se adoptou uma moeda comum. Assunto quase tabu, para não ferir susceptibilidades nacionalistas, que o próprio nome assusta muita gente. Isto depois de se terem transferido para a União algumas das principais soberanias nacionais. O resultado foi que ficou toda a gente de mãos atadas. Os diversos países do Euro, porque entregaram a política cambial e definição de taxas de juro à União; esta, porque os países continuaram com as suas políticas orçamentais e fiscais próprias. A Europa continua a ser uma grande potência económica, mas porta-se como alguém que na guerra possui uma arma poderosa, mas com o gatilho atado com um cadeado, sem a chave para o abrir.
Num mundo em que a globalização veio alterar todo o funcionamento económico e financeiro, a Europa tem-se portado como um autêntico “pato sentado”, ficando à mercê das consequências da desregulação dos fluxos financeiros, das tecnologias de informação, dos proteccionismos de muitos países outrora classificados como emergentes mas que são hoje “players” cada vez mais importantes como a China e o Brasil. Refém, acima de tudo, dos seus próprios fantasmas e de políticos sem capacidade para lidar com problemas novos, desconhecidos até dos estudiosos de economia que tateiam no escuro, acenando com fórmulas e respostas de outras épocas e outros mundos que não são os nossos de hoje
É neste contexto que Ângela Merkel age como se o Euro fosse acabar amanhã e tivesse de voltar ao antigo Marco, defendendo-se e fechando-se nas antigas políticas de segurança orçamental e anti inflacionista. Por isso exige a todos os outros “austeridade e reformas estruturais”, negando-se a considerar a hipótese de alterar o “pacto orçamental” com vista a partilhar os custos das dívidas e de défices dos outros países. Claro que estes têm todas as culpas do mundo sobre a situação em que se encontram, pelo descontrole das suas contas. Mas hoje torna-se evidente que a Alemanha está já a lucrar com os problemas dos outros. Numa altura em que a inflação anda acima dos 2,5%, a Alemanha coloca dívida pública a dez anos à taxa de 1,7%. Os fluxos do dinheiro europeu estão apenas com um sentido, ainda que a perder juros e que é o de ir para a segurança da Alemanha.
A injustiça de ser a Alemanha a pagar pelos disparates dos outros está-se a transformar numa injustiça inversa, que é a dos aflitos pagarem o bem-estar alemão, o que muda tudo. E mais uma vez convém ter uma visão histórica das coisas. A própria Alemanha que hoje é governada por tantos políticos crescidos na Alemanha de Leste se deve lembrar das dificuldades da integração alemã que se seguiu à queda do Muro de Berlim, tendo sido ajudada pelo resto da Europa, isto para não ir mais longe. E que a participação numa União exige cedências de todos para o Bem Comum, levando quase sempre a arrogância e o isolacionismo a maus caminhos de grande dor e sofrimento de todos, incluindo os que se acham donos da razão.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Maio de 2012

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Ora bem.

Do diário da república de hoje:
"resolução da assembleia da república n 61/2012"
Por um envelhecimento ativo

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Amanhecer


Uma cidade não pode ser bipolar


Coimbra tem a grande sorte de ter a Universidade com o seu nome. Mas não podemos deixar que esse seja também o seu azar.
Durante séculos, Coimbra confundiu-se com a sua escola de ensino universitário. A sua própria organização urbanística reflectia a extraordinária importância da Universidade. A construção da Rua da Sofia a partir de 1535 por ordem de D. João III teve como objectivo albergar os Colégios que deveriam constituir a Universidade finalmente devolvida a Coimbra. Ainda hoje a Rua da Sofia (ou da Sabedoria) impressiona pelas suas dimensões e grandiosidade dos edifícios, apesar do generalizado estado de abandono a que tem sido sujeita.
Mas em 1537 o Rei decidiu que a Universidade iria para a Alta, ficando a Rua da Sofia destinada a fins habitacionais e religiosos. Coimbra ficou assim estratificada: a Alta para os Doutores e a Baixa para os “Futricas”. Desde tempos muito anteriores que a Alta estava protegida no interior do castelo, enquanto a Baixa se foi construindo a partir dos edifícios encostados ao exterior das muralhas e à volta de Santa Cruz, com problemas de inundações e instabilidade crónica de terrenos acompanhando a subida das águas do rio devida ao assoreamento. Desde a Idade Média que a Baixa foi crescendo de forma orgânica, através do emaranhado de ruas estreitas de comércio que ainda hoje lhe dão um encanto especial.
Cidade de Doutores e Futricas, de facto. Esse carácter bipolar está hoje mitigado, mas tem ainda grande importância na sociedade conimbricense. De facto, mais facilmente os Doutores descem ao resto da Cidade, do que os Futricas sobem a colina da Universidade. A estátua da Varina (lindíssima) colocada recentemente no Quebra-Costas não perdeu ainda um certo aspecto invasor simbólico da necessária mudança dos tempos.
Nas últimas décadas a relação entre a Cidade e a Universidade alterou-se profundamente. A explosão escolar, também a nível de ensino superior, levou Universidades e Institutos Superiores a quase todas as cidades do país. Coimbra deixou de ser o destino dos filhos das elites nacionais para fazerem os seus estudos. A Universidade de Coimbra tremeu durante anos perante as novas ofertas, adaptando-se com muita dificuldade à modernidade, mas acabou por fazer por si como devia.
Hoje, é da Universidade que emanam as actividades económicas mais notórias de Coimbra, projectando o nome da Cidade pelo mundo inteiro, através da exportação de produtos e serviços ao mais alto nível tecnológico. São várias as áreas de investigação universitária que marcam o melhor de Portugal, desde a Saúde à Informática, à Biologia, à Química, à Telemática, etc. que promovem da melhor forma a economia regional e nacional.
Mas a Universidade ainda projecta uma sombra sobre a Cidade que urge limpar para que se possa enfim considerar que há uma perfeita integração da escola da velha Torre na Cidade que a acolhe, certamente com proveitos mútuos. A famosa “doutorice” que de forma tão negativa caracterizava a velha (e não só de idade) Universidade tarda em desaparecer. Ainda é possível ver a Cátedra ser usada como cartão-de-visita social. Historicamente, a “doutorice” tinha o seu reverso que era a subserviência “futrica” que levava o resto da Cidade a tratar por sr. dr. toda e qualquer pessoa que aparecesse vestida de um modo menos popular, o que felizmente, está quase desaparecido.
Claro que aquela arrogância já não é hoje em dia a regra na nossa Universidade, sendo provavelmente um resquício de outros tempos que, espera-se, virá a desaparecer. Mas que existe, existe e tem consequências na própria Cidade. As paredes da antiga muralha que separava a Alta da Baixa foram demolidas pelo Marquês de Pombal, aquando da sua Reforma da Universidade. Que os muros interiores, que se sabe serem por vezes bem mais difíceis de deitar abaixo, desapareçam também um dia destes, a bem do respeito pela Igualdade e da modernidade de Coimbra e da sua Universidade.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 30 de Abril de 2012

segunda-feira, 23 de abril de 2012

TRÊS DÊS ou apenas LIBERDADE


 Para grande parte dos portugueses, que já nasceram ou cresceram depois de 1974, a data de 25 de Abril pouco mais será do que um feriado que sabe bem e que até nem está incluído na lista dos feriados a abater.
É hoje possível ter uma ideia mais verdadeira sobre tudo o que se passou nessa época, através dos livros da autoria de pessoas das mais diversas opções ideológicas. É certo que foi a duração da Guerra Colonial que já durava há 13 anos que esteve na origem do derrube do Regime pelo Movimento dos Capitães. Saber se o motivo imediato foi ou não uma questão corporativa dos militares de carreira será hoje uma questão supérflua. O que é evidente é que o regime caiu sem que tivesse quem o defendesse.
O programa apresentado pelos militares do 25 de Abril assentava nos famosos “3 dês”: democratização, descolonização e desenvolvimento, não necessariamente por esta ordem.
A descolonização foi feita de imediato, mal feita, atabalhoada, confundindo-se com uma fuga descontrolada, sem cuidar quer dos portugueses que lá estavam, quer de organizar um período de transição para reorganização dos novos países com um mínimo de preocupações de futuro, o que teve consequências trágicas que perduraram durante décadas.
O desenvolvimento era olhado como o aproximar das condições de vida da “Europa”, como se dizia, porque de facto não nos sentíamos verdadeiramente como fazendo parte desse mundo. Foi assim que surgiram os planos de erradicação de barracas, a construção de infra-estruturas básicas por todo o país, o ensino generalizado e a garantia de prestação de cuidados de saúde para todos. Os nossos índices foram-se paulatinamente aproximando dos níveis europeus e o nível de vida cresceu. Claro que houve asneiras e disparates, com deslumbramentos provocados quer a nível particular, quer a nível dos decisores políticos, o que foi particularmente evidente nos últimos quinze anos estando todos agora a pagar por isso. Mas, mesmo atendendo à actual crise, Portugal não tem hoje nada a ver com o que era em 1974.
A democratização do país foi conseguida de forma lenta, após as revisões constitucionais que eliminaram a tutela militar sobre o regime. As eleições dos primeiros anos foram uma festa, tendo surgido partidos para todos os gostos, sendo evidente o agrado e mesmo entusiasmo com que os portugueses se entregaram de forma generalizada às actividades políticas, através da participação em comícios, sessões de esclarecimento e actos eleitorais. Desde o início os portugueses desmentiram quem dizia que não estavam preparados para a Democracia: basta lembrar os resultados anedóticos de campanhas oportunistas como a dos militares esquerdistas que a certa altura apelaram ao voto em branco, como sendo um voto no MFA.
Há instabilidade? Claro que sim, já que democracia é mesmo isso; estáveis são as ditaduras, enquanto duram. Democracia imperfeita? Certamente que sim, mas é o único regime que se pode reformar por dentro e constrói-se todos os dias. Vemos hoje que ao longo dos anos muitas áreas de decisão foram sendo paulatinamente ocupadas por grupos de interesses; o nosso Estado é frágil e não se defende, com prejuízo evidente dos mais desfavorecidos. Os próprios partidos foram-se fechando e distanciando dos cidadãos; propondo pessoas com critérios muitas vezes obscuros e mesmo nepotismo, sucedendo isto em todos os partidos, sem excepção.
É precisamente em momentos de maiores dificuldades como aquele dos dias de hoje que se torna necessária uma Cidadania activa que lute por aquilo que é essencial, não pondo de lado as necessárias e naturais clivagens ideológicas. Alguém que muito prezo e admiro costuma dizer que “em vez de conflituosos como tantas vezes somos, precisamos de ser conflituantes”. Numa altura em que a economia, que é tudo menos uma ciência mas em que muitos acreditam piamente parece ter substituído as opções políticas, é cada vez mais necessário sermos exigentes com quem nos governa aos mais diversos níveis, não aceitando verdades absolutas, porque a História não acabou. É o futuro dos nossos filhos e dos seus filhos que o exige.
Termino lembrando que apesar de todos os maus tratos que foi sofrendo, há no entanto um valor associado ao 25 de Abril que mantém toda a importância e mesmo urgência, que se sobrepõe a todos os dês: a Liberdade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Abril de 2012

quinta-feira, 19 de abril de 2012

HOLOCAUSTO

Ontem foi o dia de memória do Holocausto. Aqui fica um expressivo cartaz sobre a barbárie e vergonha de toda a Humanidade.



segunda-feira, 16 de abril de 2012

Saint-Saëns Cello Concerto No.1 Rostropovich.avi

POLÍTICA E TÉCNICA



As decisões políticas, designadamente sobre investimentos públicos, devem ter uma base de informação técnica que garanta, não só uma boa escolha entre opções possíveis, mas também a adequação da resposta ao problema que se pretende solucionar, de uma forma que seja sustentável.
Claro que, quando os decisores políticos mandam fazer obras, boa parte da decisão teve como base promessas eleitorais ou mesmo a vontade voluntária dos próprios políticos. Dessa forma, quem quer que levante dúvidas ou coloque questões é muitas vezes rotulado de “velho do restelo”, “bota-abaixista” ou outros mimos do género. Os decisores têm genericamente uma grande dificuldade em lidar com pareceres técnicos não favoráveis aos investimentos, razão que explica a extinção de muitos organismos da Administração Pública, no que constitui um dos erros crassos da nossa Democracia, particularmente nos últimos vinte anos. O exemplo mais acabado (entre muitos outros) foi a extinção da antiga Junta Autónoma de Estradas, que foi substituída por vários institutos, deitando-se ao lixo num ápice um precioso conhecimento técnico acumulado durante muitos anos. Em vez de engenheiros conhecedores de construção de estradas nos seus diversos aspectos, passou-se a ter quase só juristas e economistas, todos jovens sem experiência. Os políticos conseguiram o seu objectivo de decidir sem escolhos de pareceres dos engenheiros, com consequências graves que estamos todos a pagar. É público e notório o descalabro em que consistiu a extinção da Direcção Geral de Viação substituída por uma qualquer Autoridade toda modernaça e incompetente, sem os técnicos antigos, mas com muitos jovens licenciados noutras áreas incapazes de assegurar o que antes lá se fazia. Conseguiu-se mesmo extinguir o Conselho Superior de Obras Públicas e a Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais, que tantos e tão relevantes serviços prestaram ao país enquanto existiram e que tanta falta fazem. Criou-se uma legislação tão complicada e abstrusa nas áreas do Urbanismo e da Contratação de Empreitadas, sempre com a desculpa de combater a corrupção que, quer os organismos públicos, quer as próprias empresas se veem obrigados a investir de forma absurda em pareceres jurídicos para satisfação das grandes empresas de advogados, sendo os próprios gabinetes jurídicos muito maiores e mais importantes que os gabinetes de engenheiros.
É assim que as principais decisões sobre obras como escolas, pavilhões, museus, centros culturais, etc. ficam nas mãos de decisores com notória falta de preparação para tal e que frequentemente nem experiência de vida têm, sem disporem de apoio técnico capaz e seguro. Como defesa, tomam quase sempre a mesma opção ao encomendar os projectos dessas obras, principalmente as que são importantes pela sua dimensão e, portanto, emblemáticas do período em que estão no poder. Escolhem um dos arquitectos de renome do regime e entregam-lhes os projectos, muitas vezes sem terem sequer um programa bem definido. Convencem-se que o nome do arquitecto garantirá por si a qualidade do projecto, com a vantagem acrescida de calar os críticos que se vergam à fama do projectista. Supõem ainda esses decisores que parte da aura do projectista se transferirá assim para eles próprios, por associação. Pela posição reverencial do Dono de Obra perante o projectista perde-se assim toda a capacidade crítica do projecto e muitas vezes só durante a construção, isto é, tarde e a más horas, os decisores percebem as consequências da falta de controlo sobre os projectos de arquitectura. As consequências todos nós as vemos à nossa volta, percebendo-se bem o espanto de muitos estrangeiros de países bem mais ricos do que nós, quando se deparam com obras faraónicas caríssimas desfasadas por completo da nossa realidade, quando o dinheiro gasto poderia ter servido muito mais eficientemente para promover a economia real e a nossa competitividade.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

TEMPO




A duração dos nossos dias é calculada em função da translação da Terra à volta do Sol, que demora 365,242199 dias a fazer-se.
O calendário gregoriano introduzido pelo papa Gregório XIII em 1582 veio substituir o calendário definido por Júlio César e Cleópatra que, por partir de uma duração do ano de 365,25 dias levava já no século XVI um erro de 10 dias inteiros. A adopção dos anos bissextos veio corrigir este erro.
Mas a astronomia é muito mais complicada. Na realidade, a precessão dos equinócios devida ao facto de a Terra girar em torno do seu eixo como um pião leva a que o ano sideral medido em relação às estrelas dure ainda mais 20 minutos e 24 segundos. Só este pormenor deita por terra toda a “capacidade científica” da Maya e demais astrólogos.
Mais interessante ainda é o facto de o dia definido em cima ser o “dia médio”, porque os dias não têm todos a mesma duração. Como a Terra, na sua rotação à volta do Sol, segue uma elipse imperfeita, a duração real dos dias varia entre 23 horas 44 minutos em 3 de Novembro e 24 horas e 14 minutos em 11 de Fevereiro, havendo quatro dias por ano com uma duração igual à duração média. A diferença entre estas duas durações chama-se “equação do tempo” e, pasme-se, existem relógios mecânicos capazes de resolver a equação do tempo no mostrador, como é o caso do Breguet aqui representado.

À MULHER DE CÉSAR…



As maiorias absolutas são necessárias para uma governação coerente dos países e Portugal não é excepção, existindo a alternância democrática para garantir o merecido castigo ou prémio dos governos. Mas a sua existência transmite um grau de exigência superior aos governantes e aos partidos que os suportam.
Não é preciso ir muito longe para encontrar as razões do que escrevo. O chamado “cavaquismo” correspondeu à primeira maioria absoluta de um partido em Portugal. Ainda hoje, tantos anos depois, existem casos de polícia e processos em tribunal com algumas das mais altas individualidades desse tempo, quer fossem governantes, que fossem altos responsáveis parlamentares, a provarem uma falta de qualidade pessoal que a todos nos espanta e revolta.
Do governo que foi substituído há menos de um ano persistem casos diversos, particularmente na área económica, mas não só que, ou me engano muito, ou vão ainda chocar muito boa gente nos próximos anos, mesmo entre muitos que ainda hoje manifestam uma grande admiração pela governação de José Sócrates.
Em qualquer um dos casos que apontei, foram notórios dois aspectos, que não têm a ver com as qualidades da governação em si, mas que tiveram grandes consequências políticas e sociais. Em primeiro lugar, um crescente distanciamento da realidade, que mais cedo ou mais tarde veio a ditar uma rejeição da sociedade, em particular do eleitorado. Em segundo lugar, uma evidente subserviência dos partidos aos governos que sustentam, que se traduz em incapacidade de crítica, em votações dignas de qualquer Bokassa e numa total submissão à vontade e opções de quem governa.
O último congresso do PS antes das eleições que ditaram o seu afastamento das responsabilidades governativas ficará para a História como o exemplo acabado do que acabo de dizer.
O recente congresso do PSD também fez por não desmerecer dessa tradição, com a agravante de ser o primeiro depois das eleições que o levaram ao governo. Depois de uma determinada votação, o presidente do partido foi à tribuna e explicou aos congressistas o “erro” que tinham acabado de cometer. Pois bem, o presidente da Mesa resolveu colocar o assunto de novo a votação, tendo o resultado sido o inverso do anterior. Toda a gente ficou mal na fotografia e é preciso dizê-lo alto e bom som, porque esse é o pior caminho que um partido de governo pode tomar e deve servir de sinal para que se possa arrepiar caminho e evitar o pior do passado. Relembro aqui que Sá Carneiro, num congresso realizado na década de setenta ainda antes da AD, se viu sozinho em toda a sala a não apoiar uma moção; só quando o viram sozinho a levantar a mão os congressistas caíram em si, tendo havido também a tentativa de realizar nova votação, o que Sá Carneiro não permitiu, em nome da dignidade do congresso e da sua mesa, dos congressistas e da própria democracia, se bem me lembro das suas palavras.
Como frequentemente escrevo nestas linhas, a História deveria ser nossa conselheira, se não para mostrar caminhos a seguir, pelo menos para ajudar a evitar aqueles que conduzem ao desastre anunciado. Por isso a memória, mesmo em política, ou sobretudo em política, é importante. E, se não avisamos os que apoiamos politicamente, calando o que deve ser dito, não cumprimos o nosso dever de cidadania e tornamo-nos coniventes com os erros que mais cedo ou mais tarde trazem sempre maus resultados.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Abril de 2012

segunda-feira, 2 de abril de 2012

REPRESENTAÇÃO POLÍTICA



Churchill dizia que o regime democrático é o pior que há, exceptuando todos os outros. O regime saído do 25 de Abril constitui a primeira experiência democrática portuguesa credível e, por isso mesmo com uma duração que já vai em 38 anos, o que é de registar. A própria participação numa União Europeia para a qual se transferiram várias competências, antes tidas como soberanas, terá muito a ver com esta duração.
No entanto, sente-se no ar que o nosso sistema democrático chegou a um ponto de algum cansaço que acompanha um crescente distanciamento dos representantes políticos relativamente aos cidadãos em geral. Claro que para isso muito contribui um clima de descrença que é consequência da presente situação económica e da certeza de que a actual geração jovem será a primeira a conhecer uma situação económica mais difícil do que aquela que os seus pais conheceram, o que gera a má sensação de “andar para trás”.
As críticas relativas ao próprio Regime são ainda ténues e oriundas de sectores localizados, que provavelmente criticarão sempre o regime de representação democrática, quer ele funcione bem, quer não. Quem ainda acha que o regime anterior era melhor que este, afirma que os problemas económicos que sentimos hoje são consequência do próprio regime; outros que participaram ao mais alto nível no 25 de Abril afirmam que afinal não serviu para nada e que é preciso outro…
Mas as críticas aos políticos, essas são constantes e generalizadas, começando até a ser difícil defender este ou aquele responsável político como sendo sério e honesto, porque se caiu na generalização do “são todos iguais e só querem é servir-se”. Posição injusta, porque, em primeiro lugar a política é a actividade mais digna que existe, desde que persiga o seu fim primeiro que é a realização do “bem comum” e porque, em segundo lugar, a maioria daqueles que se dedicam a ela o fazem com honestidade e vontade séria de melhorar as condições dos seus concidadãos. Claro que notícia é o “homem que morde o cão” e não o inverso, pelo que os jornais todos os dias nos trazem notícias de poucas vergonhas de políticos. E ainda bem que as trazem, já que existem; mal é que haja a sensação de que a Justiça não age nestes casos com a eficácia que se desejaria.
Um dos problemas graves do nosso sistema político é a separação entre eleitos e a população em geral. É certo que os deputados e autarcas são eleitos por todos nós, como deve ser em Democracia. Mas quem os escolhe previamente? Os partidos políticos porque não há democracia sem os partidos; no entanto, por diversas razões, os partidos estão hoje demasiado dependentes dos respectivos aparelhos, pelo que as escolhas dos candidatos são tudo menos transparentes, equivalendo a perfeitas nomeações feitas com critérios que demasiadas vezes escapam ao interesse público e à capacidade pessoal para o exercício daquelas funções específicas.
Esta é uma das razões principais do descrédito dos políticos e reformar este sistema devia ser a primeira prioridade política para quem quer o melhor para Portugal e para a Democracia.
Felizmente começa finalmente a discutir-se a possibilidade de os principais partidos escolherem os seus candidatos a Deputados e a Autarcas através de um processo de eleições primárias por sufrágio directo dos militantes e mesmo simpatizantes, no qual todo e qualquer militante se pode propor, acabando-se com as aprovações caricatas de braço no ar de listas completas propostas pelas comissões políticas. É essencial e urgente seguir este caminho, único que pode cortar com o “amiguismo” e com as “negociatas” de grupos de pressão que tantas vezes impõem candidatos sem qualidade e sem capacidade de se afirmarem por si próprios.
Claro que a escolha por este processo não garante que os eleitos serão sérios e competentes; mas uma coisa garante: a ligação dos representantes aos representados que não poderão virar as costas e dizer que não tem nada a ver com aqueles. Já não é pouco.


Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Abril de 2012

segunda-feira, 26 de março de 2012

A HIDRA

A evolução trágica do estado da economia do País dos últimos anos revelada pela implacável caminhada dos diversos indicadores para o abismo (estagnação e contracção do produto, défice das contas públicas e endividamento exterior) foi acompanhada pelo crescimento de um monstro com diversas cabeças. Esse monstro foi crescendo à custa das famílias portuguesas que, de forma espantosamente mansa, foram deixando que lhes fossem aos bolsos de uma forma descarada, sempre sob a protecção de um Estado estranhamente conluiado com determinadas áreas económicas.
As telecomunicações foram uma dessas áreas económicas que, de forma inteiramente protegida foram crescendo à sombra do Estado que, a coberto da suposta defesa de “interesses de soberania” não fez mais do que tratar da vidinha dos accionistas dessas empresas. Relembro aqui o infame episódio da venda da “Vivo” no Brasil em que o nosso Estado apenas conseguiu exponenciar os dividendos pagos aos accionistas da PT no fim do ano, prescindindo até de os taxar. Os portugueses conhecem-nas bem: PT, MEO, ZON são uma cabeça monstruosa da hidra que cresceu através da exploração de bens não transaccionáveis a que nos dias de hoje não se pode fugir e que com toda a facilidade vendem conteúdos a preço de ouro, usando infra-estruturas construídas com os nossos impostos e que hoje pertencem a toda a gente menos ao Estado português. A energia é outra das cabeças da hidra. Hoje em dia toda a gente descobriu as famosas “rendas” da EDP, e ainda bem. Há anos que convido nestas páginas os meus leitores a olharem para a sua factura mensal de energia eléctrica, para terem consciência da reduzida parte que diz respeito à electricidade efectivamente consumida. O Estado andou durante anos, de forma inteiramente artificial, a fazer crescer um sector económico insustentável e apontando caminhos que ninguém sabe se serão os do futuro. Tudo isso à custa dos bolsos das famílias e empresas, construindo um emaranhado de contratos e garantias de compensação e fazendo crescer o valor e poder da EDP de tal forma que será muito difícil quebrar esta cabeça da hidra, como o descobriu recentemente um ex-secretário de Estado da Energia e como todos nós vamos percebendo de cada vez que Eduardo Catroga abre a boca. Outra cabeça da hidra é a das obras públicas insustentáveis que vão ser pagas por todos com juros altíssimos, vulgarmente conhecidas por parcerias público-privadas. Na semana passada o Tribunal de Contas parou uma dessas obras insustentáveis, o TGV. Espanta que a recusa do visto tenha surgido dois anos depois de um contrato ter sido assinado com um concessionário, contrato esse assinado à pressa e com cláusulas de compensação por danos de incumprimento absolutamente leoninas. O resto das parcerias público privadas rodoviárias continua aí a sangrar os nossos impostos, boa parte das estradas construídas com diminuta utilização e, mais uma vez, com gigantescos pedidos de compensações de perda de receitas. E continuamos a suportar o pagamento das portagens electrónicas das ex-scuts com procedimentos autorizados às concessionárias que até têm competências policiais e que de forma legal conseguem a proeza de transformar portagens de €3,5 em pagamentos de €205 após atrasos de pagamento de 16 dias.

Esta hidra monstruosa que a todos nós ataca nos bolsos foi criada e alimentada durante anos por quem nos governou. Nem as reguladoras escapam à suspeita de terem sido capturadas pelos regulados. Sem o monstro ser aniquilado, nem as famílias portuguesas podem aspirar a libertar-se da canga de impostos e taxas e mais taxas que as sufocam, nem a economia exportadora de bens efectivamente transacionáveis, que são os que interessam à nossa competitividade, consegue afirmar-se devidamente. A mitologia grega diz-nos que a Hidra de Lerna foi morta por Héracles no seu segundo trabalho. Mas também ensina que o veneno guardado da hidra veio muito mais tarde a provocar a morte do herói. Não esqueçamos o que nos vem a ser ensinado desde a Antiguidade.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 26 de Março de 2012

sexta-feira, 23 de março de 2012

O negócio da VIVO teve muito mais zeros.

2-0 ganha Ricardo Salgado:

Mas afinal quem é que manda aqui?

"Faria de Oliveira foi uma grande solução para a Associação Portuguesa de Bancos (APB). A sua experiência e saber serão uma vantagem", disse Ricardo Salgado durante a apresentação pública dos resultados da ESFG.

"Já tenho mostrado várias vezes a consideração que tenho pelo Prof. Teixeira dos Santos, considero-o um grande financeiro. É uma pessoa que poderá dar um bom contributo à PT". Disse o presidente executivo do BES ao Negócios.

Ah! Bom!
:)

segunda-feira, 19 de março de 2012

Os eleitos

No nosso sistema político, os deputados são eleitos directamente pelo povo. Mas quem os escolhe previamente? Os aparelhos partidários e as pressões daqui e dali. Rigorosamente, são nomeados pelas direcções dos partidos, para exercerem a função de deputados, dentro dos limites dos regimentos dos grupos parlamentares. Esta é uma das razões principais do descrédito dos políticos e reformar este sistema devia ser a primeira prioridade de quem quer o melhor para Portugal e para a Democracia.

Sistemas complexos e tempos difíceis exigem lideranças fortes



As cidades são hoje muito mais que um território urbanizado onde vivem uns milhares de pessoas em comunidade. Desde a actividade económica que gera os rendimentos dos seus habitantes, à formação nos seus diversos níveis, à actividade cultural e de lazer, muitos aspectos interligados entre si caracterizam as cidades modernas. Por vezes, as cidades adquirem mesmo uma dimensão que as transformam num pólo central de uma área que ultrapassa os seus limites próprios. Nestes casos, o sistema complexo que é a cidade amplia-se e torna-se ainda mais difícil de gerir, dado que as inter-acções entre a cidade-pólo e cada uma das circunvizinhas e entre todas elas em conjunto, exigem uma capacidade de planeamento, de gestão e de diálogo permanentes difíceis de conseguir.
A habitação é uma das áreas da administração autárquica mais importantes, dado ter relações com actividades importantes a montante e por ter implicações decisivas a jusante.
A montante, porque não se resume a uma gestão do território aplicando regras e regulamentos, mas por definir ainda o que construir, onde e como: é o planeamento estratégico. Aqui se interage com numerosos interesses, legítimos uns, ilegítimos outros. Num momento em que a oferta de construção em todo o país atingiu valores disparatados e insustentáveis e a pressão urbanística é quase nula pela estagnação económica generalizada, este é o momento para parar, pensar e planear o futuro com mais cuidado e respeito pelo território e pelos cidadãos que o habitam e, fundamentalmente, pelos que o virão a habitar. Haja conhecimento, coragem e vontade para afirmar uma nova atitude e reduzir drasticamente as áreas de expansão urbanística que a leviandade e oportunismo político e económico autorizaram nestas últimas dezenas de anos.
A jusante, porque a qualidade (ou falta dela) da política de habitação e urbanismo, tem consequências importantíssimas. Desde logo, a expansão urbanística desordenada promove custos sociais altíssimos e mesmo insustentáveis com o crescimento de infra-estruturas caras na construção e na manutenção; depois porque se torna praticamente impossível assegurar transportes públicos a todas as novas áreas, com crescente necessidade de utilização de automóvel próprio, o que se reflecte ainda em maiores necessidades de estacionamento nas áreas centrais e grandes custos ambientais. Os centros das cidades ficam abandonados e desvalorizados; o próprio território torna-se uma mancha desordenada de mistura de moradias unifamiliares e prédios, anulando a qualidade ambiental que existia.
Todos estes fenómenos se verificam em Coimbra. Já referi nestas linhas o actual excesso de oferta de habitação que era claramente perceptível desde há vários anos e que atinge agora números muito elevados, revelados pelo censo da população do ano passado. Esta situação reflecte dois problemas: o nacional, devido às políticas de “desenvolvimento” económico desastradas das últimas décadas; o local, devido à falta de um planeamento urbanístico eficaz.
A população do concelho diminuiu ligeiramente na última década, mas essa descida foi mais que compensada pelo crescimento populacional dos municípios vizinhos que funcionam com Coimbra de forma já hoje claramente metropolitana. E é aqui que se vai decidir o futuro de Coimbra.
Coimbra tem de se deixar das velhas querelas internas sobre o papel da Universidade, de deixar de gritar que é melhor, etc. Coimbra tem que se virar para fora, sem deixar de cuidar de si, obviamente. Com humildade mas com determinação e força política, tem que abraçar os municípios vizinhos e com eles juntar forças com dois objectivos: melhorar em conjunto a Cidade e os municípios vizinhos e assim reencontrar o seu papel de liderança natural da Região Centro. Isto não se faz com lideranças tíbias e negociações de bastidor, antes com frontalidade e clareza. Aproveitemos estes tempos difíceis para dar a volta por cima.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 19 de Março de 2012

domingo, 18 de março de 2012

A MÁQUINA COMO OBJECTO

 
A medição do tempo foi sempre uma das preocupações do homem desde os tempos mais imemoriais. De facto, as nossas vidas são reguladas em função dos ritmos que a Natureza nos impõe, dado que os dias se sucedem aos dias e os anos aos anos com a maior regularidade. Pelo meio, numerosos acontecimentos se sucedem, como as estações do ano e as fases da Lua. Não admira que o Homem se tentasse orientar naquilo que parece ser uma grande complicação, e tão superior a ele próprio.  Na verdade, desde a antiguidade que a humanidade engendrou sistemas para, de uma forma ainda muito primitiva, prever as estações do ano e os principais momentos do ano, como os solstícios e os equinócios. Tudo isto a partir de uma sistemática observação dos astros que permitia alguma orientação no tempo, facilitando a actividade humana, por exemplo facilitando o conhecimento do tempo para as plantações e do tempo para as colheitas. Por isso se foram definindo diversos calendários em função do pouco que se conhecia, um saber que se foi ampliando ao longo dos séculos. Como sabemos, a Terra gira em volta do Sol, sendo a duração dos dias calculada em função dessa translação da Terra, que demora 365,242199 dias a completar-se. O calendário actualmente seguido na maior parte dos países é o calendário gregoriano, introduzido pelo Papa Gregório XIII em 1582, e que vinha substituir o calendário anteriormente definido por Júlio César e Cleópatra que, por partir de uma duração do ano de 365,25 dias, levava já no século XVI um erro de 10 dias inteiros. Este erro foi resolvido através da adopção do sistema dos anos bissextos. Só há poucos séculos o Homem conseguiu desenvolver máquinas capazes de “medir” o tempo com algum rigor: os relógios. Consta que a primeira manufactura, a Blancpain, iniciou a sua produção na Suíça em 1735. Antes, havia produção de máquinas complicadas para medição do tempo, construídas de forma muito secreta para os navios. De facto, os nossos navegadores de quinhentos navegavam muito às cegas, pois embora conseguissem já calcular com alguma precisão a latitude da sua posição pela altura dos astros, a fundamental longitude era-lhes completamente impossível de calcular. Assim, os navegadores portugueses podiam andar até bastante próximos da costa africana ou da sul-americana, mas desconheciam completamente esse facto. Só o aparecimento dos primeiros relógios marítimos, conhecidos como cronómetros, veio a permitir calcular a longitude a bordo, através do conhecimento da hora no ponto de partida, imaginando-se o valor de tais aparelhos para quem os possuísse. Assim que o conhecimento das técnicas de fabrico relojoeiro se difundiu, começaram a surgir manufacturas, algumas das quais ainda hoje existem, como a já citada Blancpain. A Breguet, por exemplo, começou a laborar em Paris em 1775, conseguindo captar clientes como Luis XVI e Maria Antonieta. Esta última, aliás, ficou célebre na indústria relojoeira por ter feito uma encomenda que, pela sua complexidade, só pode ser concretizada cerca de quarenta anos após a sua trágica morte. Curiosamente, até Napoleão foi um orgulhoso possuidor de uma máquina desta marca, que o acompanhava nas suas campanhas militares. Consta que o primeiro relógio de pulso foi uma ideia do aviador Santos Dumont, que demonstrava desta forma ser detentor de um grande sentido prático. A marca que lho forneceu em 1904 foi a Cartier, que ainda hoje produz um belo modelo chamado Santos. O século XX viu desenvolver-se a indústria relojoeira, particularmente na Suiça, de uma forma que permitiu a qualquer cidadão, por mais humildes que as suas posses sejam, possuir no pulso uma máquina que não o deixe ficar perdido, isto é, sem saber a que horas anda. Hoje em dia esse problema não existe, mas no início do século XX não era fácil saber se se chegava adiantado ou atrasado a um compromisso, ou mesmo ao emprego. As diversas marcas foram desenvolvendo mecanismos, os chamados “calibres”, cada vez com mais precisão e capazes de fornecer muitas outras informações, para além das horas e dos minutos. Surgiram assim as “complicações” e até as “grandes complicações” que nos podem dizer o dia do mês, o dia da semana, o mês, o ano, a estação do ano e a fase da Lua. Isto para além de poderem ser cronógrafos, isto é, medir períodos de tempo concretos e informarem sobre médias de velocidade. Que nos podem dizer, é uma forma de expressão, dado que tais máquinas atingem hoje facilmente um valor de várias dezenas ou mesmo centenas de milhares de euros. Uma das “complicações” mais complexas jamais produzidas é o modelo Blancpain 1735, que permite ter num mero relógio de pulso um turbilhão, repetidor de minutos, calendário perpétuo e cronógrafo. O turbilhão merece uma referência especial. Os antigos relógios de sala estavam sempre na mesma posição, o que lhes provocava faltas de precisão ao longo do tempo, devido à força da gravidade. A solução inventada pela Breguet foi colocar as peças principais numa “gaiola”, que rodava toda ela em conjunto e à parte, efectuando uma rotação por minuto, e evitando assim os malefícios da gravidade. Essa invenção foi posteriormente adaptada aos relógios de pulso, num prodígio de engenharia e miniaturização. Quase todos os relógios com turbilhão o ostentam orgulhosamente no mostrador, sendo o seu movimento mágico e mesmo hipnotizador aos nossos olhos. Recentemente, a Jaeger-LeCoultre, uma das melhores e das mais antigas manufacturas suíças, desenvolveu o giroturbilhão, que é um turbilhão esférico absolutamente espantoso de observar no seu funcionamento, que parece rodar suspenso no interior do relógio. Como a Natureza é muito mais complexa do que parece, o tal ano medido em relação ao Sol é diferente do ano sideral, isto é, medido em relação às estrelas. Como a Terra roda em torno do seu eixo como um pião, e esse eixo está inclinado em relação ao eixo Norte-Sul, variando aliás também essa inclinação ao longo de milhares de anos, existe a chamada “precessão dos equinócios” que faz rodar a eclítica sobre o equador celeste, baralhando ainda mais as contas. Acresce ainda que o dia definido acima em função da translação da Terra em volta do Sol é apenas um valor médio. Na realidade, como a Terra nessa translação segue uma elipse imperfeita, a duração real dos dias varia entre 23 horas e 44 minutos em 3 de Novembro e 24 horas e 14 minutos em 11 de Fevereiro, havendo quatro dias por ano com duração igual à duração média. A diferença entre estas duas durações chama-se “equação do tempo” e, pasme-se, existem relógios mecânicos capazes de resolver constantemente a equação do tempo no mostrador. Na década de setenta do século passado, começaram a surgir os relógios de pulso electrónicos, funcionando a pilha, quase todos com origem no Japão. Como são muito mais precisos e mais baratos que qualquer relógio mecânico, a sua divulgação mundial foi imediata. Em consequência, a indústria relojoeira suíça quase foi à falência. Foi salva pela visão de Nicolas Hayek que resolveu fabricar na Suíça relógios de quartzo muito baratos, os Swatch, mas com uma grande componente de marketing, que transformou uma máquina essencialmente utilitária num objecto de culto. O sucesso foi gigantesco, tendo essa imagem de objecto de culto sido transferida para os relógios mecânicos de alta qualidade. Assim se salvou uma indústria que parecia já não ter lugar nos dias de hoje. Existe um relógio mecânico que tem uma história muito especial, que merece ser contada, embora de forma sucinta. O modelo Speedmaster da Omega é ainda hoje o único relógio usado pelo homem na Lua e isso deve-se a vários factores muito curiosos. O modelo foi desenvolvido pelo fabricante na década de 50 e colocado no mercado em 1957. Quando os responsáveis da NASA desenvolveram o programa Apolo na década de 60 para levar o Homem à Lua, compraram cronógrafos de diversas marcas de qualidade numa loja de Houston e submeteram-nos a testes previamente definidos. O único que respondeu a todos os requisitos foi precisamente o Omega Speedmaster, pelo que a NASA mandou comprar numa loja perfeitamente vulgar os relógios que entendia necessários para os seus astronautas. Tudo isto sem conhecimento do fabricante. A Omega só soube do que se passava quando alguém da empresa reparou, numa fotografia dos astronautas no espaço, que o relógio que ia nos pulsos era fabricado por eles. Como desde as missões Apolo não houve mais nenhum homem a ir à Lua, o Speedmaster continua a ser o único relógio a ter sido usado no nosso satélite natural, sendo esse facto motivo de orgulho da marca e bom motivo de publicidade. Com este relógio passaram-se ainda duas outras histórias interessantes que justificam bem que ainda hoje seja o modelo mais procurado da marca. A missão Apolo XIII, como é bem conhecido, teve uma história dramática. A meio do caminho uma explosão avariou os sistemas a bordo da nave e obrigou a um regresso, com passagem por detrás da Lua para aproveitar o efeito da gravidade e impulsioná-la para o regresso a casa. Boa parte dos procedimentos baseou-se da precisão dos Speedmaster a bordo. O sucesso da manobra elevou aos píncaros a confiança naquele relógio. Por outro lado, na década de 70 um fabricante americano, a Bulova, forçou a NASA a cumprir uma lei americana que obrigaria a agência a escolher preferencialmente produtos americanos, desde que equivalentes em qualidade. A NASA fez um novo concurso, tendo os principais fabricantes de cronógrafos enviado os seus produtos para os testes incluindo, claro está, a Bulova. Mesmo a Omega enviou dessa vez não só o Speedmaster mas também um novo modelo de quartzo. Incrivelmente, o único modelo que passou em todos os novos testes foi de novo o velhinho Speedmaster. Claro que o fabricante ainda hoje o produz, continuando a ser mais barato que relógios equivalentes da concorrência. Os relógios suíços de qualidade são hoje objectos de culto pelo mundo inteiro e a sua indústria uma componente crucial da economia daquele país. O coleccionismo destas máquinas transformou mesmo o negócio. Hoje em dia, ninguém compra um relógio mecânico apenas para saber as horas. Essa função é cumprida de forma muito mais eficiente pelos relógios de quartzo. Os relógios mecânicos de qualidade são comprados pela sua beleza, pela máquina que se sabe bater lá dentro e pelo prestígio que transmitem aos seus possuidores. A indústria relojoeira suíça é um caso exemplar nos dias de hoje e caso de estudo nas escolas de negócios. Conseguiu usar as armas de quem a estava a matar para recuperar e virar do avesso todo um negócio. Todos os anos são apresentados novos modelos cada vez mais complicados e precisos, que revelam uma capacidade de inovação e tecnologia de miniaturização e precisão impossíveis de alcançar por qualquer outra indústria. É ainda a prova de que o marketing bem desenvolvido e orientado é crucial para criar todo um novo mercado e participar na manutenção da indústria bandeira de um país que, note-se, tem que importar todos os materiais que fazem parte de um relógio, impondo-se por uma enorme capacidade de criação de valor.

Canção da Primavera

Dá que pensar

Um mistério nas rendas das PPPs:
Tenho andado a pensar neste gráfico que o Luís partilhou connosco…

…e há uma coisa que não me entra na cabeça: por que motivos há uma especie de “vale” na cadência dos pagamentos nos anos de 2012 e 2013? A quebra no ritmo dos pagamentos, como se vê no gráfico, ocorre nas PPPs rodoviárias, e nada na sua entrada em funcionamento permite prever esses dois anos de relativa “poupança”.
Se eu não conhecesse o tipo de políticos que assinaram os contratos – José Sócrates como responsável máximo, Paulo Campos a pôr as mãos na massa – acharia que a folga de 2012/2013 nada teria a ver com um ciclo eleitoral em que, se não tivesse havido dissolução, Sócrates iria novamente às urnas em 2013 e tudo faria para repetir a receita de sucesso de 2009. Mas como conheço aqueles dois figurões começo a crer que eles, com a cumplicidade da Estaradas de Portugal, planearam mesmo este ciclo de pagamentos com esta espécie de “folga eleitoral”.
Depois ainda dizem que não estávamos nas mãos de um gangue que não olhava a meios para atingir os seus fins…

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Pois é!

do combate de blogs:
As coisas mudaram. Muito. Hoje discutimos quanto tempo temos para renegociar os contratos com a EDP. Discutimos em que termos é feita essa renegociação. E já ninguém ousa dizer o contrário. Antes das eleições ninguém sabia que os contratos existiam. E aos poucos que sabiam o governo socialista explicava que eram um "investimento" na política energética do país.

(do 31 da Armada)

terça-feira, 13 de março de 2012

ISA: Coimbra no seu melhor

Investimento: ISA instala tecnologia de monitorização de tanques de combustível no Egito

Ora bem

e mexia não é certamente alfredo da silva:
Eu compreendo a tese. Compreendo que o país precisa de favorecer grandes grupos económicos portugueses capazes de gerar riqueza. Como a CUF ou grupo Champalimaud foram. Como a SONAE e a Jerónimo Martins são. Lembro apenas que a EDP não só não é portuguesa, como não gera riqueza. Discutiamos até o contrário.

O país de 'Lesboa'

Henrique Raposo:

O país de 'Lesboa':

1. Secretário de Estado da Energia sai do Governo


2. Portanto, parece que Passos não quer tirar dinheiro à EDP. É pena.

Pois.

Eu mexia
Tu mexias
Ele mexia
Nós mexíamos
Vocês mexiam
Eles mexiam.

Eu mexeria
Tu mexeste
Ele mexeu
Nós mexeremos?
Vocês mexam-se
Eles mexilhões, lixam-se.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Autarcas em mudança



As próximas eleições autárquicas verão ser aplicada, pela primeira vez, a chamada Lei da limitação de mandatos dos presidentes de câmara municipal e de junta de freguesia, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2006.
Não é novidade para ninguém que o Direito, ao estabelecer normas de sociedade, limita frequentemente as liberdades individuais em nome da própria sociedade, incluindo a organização democrática do Estado.
Esta Lei n.º 46/2005 de 29 de Agosto veio limitar pelo menos duas liberdades: a individual do autarca que se vê impedido de concorrer de novo e a colectiva dos eleitores que não poderão voltar a escolher o presidente que já elegeram tantas vezes. A justificação da existência da lei tem, portanto, a ver com um bem que se considera superior àquelas liberdades. Aquela lei previne a possibilidade, tida muito real e com grande possibilidade de acontecer, de a manutenção de um autarca nas suas funções durante muito tempo poder dar origem a fenómenos considerados perniciosos para a sociedade e mesmo para a própria Democracia, como sejam ligações económicas indevidas, caciquismo, etc.
É evidente que nem todos os autarcas que se mantêm muito tempo nas suas funções são permeáveis ao surgimento daquele tipo de problemas, muito longe disso. Nem sequer se fala em corrupção, que tem muito mais a ver com a ética pessoal de cada um do que com o exercício de determinadas funções e muito menos com o intervalo de tempo em que são exercidas. Mas que os há, há, ou não teria surgido a necessidade daquela lei.
Parece assim pacífico que o que está em causa é o exercício de determinadas funções por determinada pessoa, durante um período determinado de tempo considerado excessivo, como acontece aliás como o cargo de presidente da República, desde sempre com limitação de mandatos.
Entretanto, dado que o texto da Lei tem ambiguidades e fragilidades óbvias, o sistema político prepara-se para encontrar “soluções” para os presidentes de câmara e presidentes de junta de freguesia abrangidos e que não querem dedicar-se a outras tarefas. Encontrou-se um argumentário legal inatacável, embora a lei nunca se refira a autarquias em concreto, antes falando em funções e mandatos. Assim, nada impede que um presidente de câmara que tenha terminado o limite legal de mandatos venha a concorrer às mesmas funções noutro município, por exemplo, vizinho. Alguém de bom senso e um mínimo conhecimento da realidade pode pensar que um autarca que abusou das suas competências ou se habituou a determinadas práticas continuadas consideradas “inconvenientes” não vai fazer exactamente o mesmo noutro município?
Esta lei nem nunca deveria ser necessária, pela limitação às liberdades que referi acima. Teoricamente, todos os actos criticáveis ou mesmo condenáveis criminalmente devem ser tratados como tal individualmente, sem fazer cair suspeições sobre todos os que exercem determinadas funções. Mas já que o Estado assume assim a sua incapacidade de aplicar a lei onde ela deve ser aplicada em concreto, então que o faça de forma aberta e legítima, sem criar ainda mais problemas. Claro que, desde a entrada em vigor da lei há mais de cinco anos, se sabia que esta situação iria acontecer. Mas ninguém aproveitou para corrigir o erro legislativo durante todo este tempo. “Et pour cause…”
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 12 de Março de 2012