terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Paz para a Europa

Não é possível despedirmo-nos do ano 2022 esquecendo-nos do horror que se passa de novo num país da Europa, horror provocado por opções tomadas por pessoas como nós. Pessoas que respiram o mesmo ar que nós, que nasceram como todos nós, tal como brincaram em crianças como todos nós. Namoraram, casaram, foram pais e mesmo avós, usam as mesmas roupas que nós, andam em carros semelhantes, têm telemóveis e usam redes sociais como todos nós. E, no entanto…

E no entanto, levaram a guerra, a morte e o sofrimento sem limites a pessoas inteiramente semelhantes num país vizinho e historicamente irmão.

Não é ainda possível prever quando e como acabará a invasão da Ucrânia pela Federação Russa, mas o que se passou nos últimos dez meses é já suficientemente grave e revoltante para que se aceite sem que nos indignemos com a invasão propriamente dita, mas também com a reacção (ou falta dela) de boa parte do mundo.

O presidente ru
sso Putin justificou a guerra que levou à Ucrânia, na sequência aliás das ocupações de território ucraniano levadas a cabo em 2014, com argumentos que fazem lembrar irresistivelmente os que Hitler utilizou para invadir a Checoslováquia e a Áustria em 1938. A defesa alemã do conceito de «espaço vital» e as referências de cariz étnico encontram paralelismos evidentes nas justificações de Putin e são, obviamente, completamente inaceitáveis. Claro que o expansionismo russo para ocidente justificado com as adesões à NATO de países em tempos pertencentes ao Pacto de Varsóvia teve como consequência a adesão de novos países à aliança militar defensiva ocidental, incluindo os bálticos, por puro medo das botas cardadas russas. E essa foi a primeira e enorme derrota de Putin.

Mas desde Fevereiro que os ucranianos resistem heroicamente à ferocidade do ataque russo, no que é já outra semi-derrota da Rússia que contava conquistar a Ucrânia e colocar um governo fantoche em Kiev num prazo máximo de dois ou três meses. Bem pode Putin queixar-se pateticamente de que a Rússia está a ser atacada pelo Ocidente e pela NATO, que toda a gente vê que só há combates em território ucraniano. E, se a Ucrânia resiste graças ao apoio ocidental em dinheiro e armamento, tal é consequência da acção russa que resolveu atirar para o lixo a Carta das Nações Unidas que garante aos povos disporem de si próprios. Se a Ucrânia pretende um modo de vida do tipo ocidental e ligar-se à União Europeia e pertencer à NATO, tem pleno direito a fazê-lo por mais que isso custe ao regime de Putin que é o contrário disso.

A maior parte dos países tem-se manifestado contra a guerra na Ucrânia, curiosamente com as poucas excepções de países que ainda mantêm partidos comunistas no poder ou que têm lideranças extremistas, de esquerda e de direita. Mas, para além do apoio em armamento e dinheiro por parte dos EUA e de países europeus, as reacções contrárias à acção russa ficam-se pelas sanções económicas, que tantas vezes se assemelham a defesa de interesses próprios. Do ponto de vista diplomático, a Rússia continua a ser tratada como se nada se passasse, sem que da própria ONU surjam medidas de apoio à legislação internacional que defende direitos de países e pessoas. O que se passa em Mariupol onde a Rússia aproveita a sua ocupação militar para demolir o Teatro daquela cidade é a prova acabada de que a Humanidade está sob ataque. Para além do símbolo óbvio da destruição de património cultural, os russos estão a tentar encobrir a chacina que praticaram, dado que nas caves daquele Teatro foram mortas centenas de pessoas civis que aí tentaram refugiar-se das bombas.


Esperemos que esta guerra termine no ano que agora vai começar. Mas que seja uma paz efectiva e não apenas uma suspensão de combates, que são coisas muito diferentes. Mais cedo ou mais tarde terá que haver negociações de paz em que deverão participar a própria Rússia e os EUA, bem como a China, mas que não poderá deixar a Ucrânia de fora. Certamente, dessas negociações poderá sair o rascunho de uma nova ordem internacional. Contudo, depois dos avanços civilizacionais que se verificaram após a Segunda Guerra Mundial, há marcas que não deverão ser ultrapassadas, como a manutenção dos direitos humanos e do direito dos povos à auto-determinação, por mais que isso custe a algumas lideranças.

E não vai ser fácil. À maneira de P.S. partilho que acabei de ouvir, na mesa ao lado do restaurante, uma senhora afirmar com toda a convicção que «a Rússia, a Ucrânia e a NATO não estão interessadas na paz». A sério, parece ser boa pessoa mas acha mesmo que a Ucrânia, com a desgraça que lhe continua a cair em cima, não está interessada na paz!

Publicado originalmente no Diario de Coimbra em 26 Dezembro 2022

Imagens retiradas da internet

 

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Felizmente, o Sol volta sempre com o seu calor

 


No meio de tantos dias de chuva intensa, tantas vezes acompanhada de ventos fortes e desagradáveis, na passada semana houve um pouco de Sol durante uma manhã. Durou pouco, mas foi o suficiente para aquecer as costas durante um passeio e para lembrar que, por maiores que sejam as tempestades, o Sol acaba sempre por voltar a surgir.

Aquelas horas de Sol em Dezembro tiveram o condão de puxar por pensamentos positivos, mas também de contrariar as sensações de perda e tristeza que este Outono nos trouxe.

Como é cada vez mais frequente, à medida que a idade avança, os frios deste Outono levaram pessoas de alguma forma próximas trazendo a dor da perda aos mais próximos e amigos. A guerra na Ucrânia dura já há nove meses sendo uma verdadeira desgraça para a população daquele país alvo de todo o tipo de ataques por parte da Federação Russa com milhões de deslocados, milhares de mortos e uma destruição de cidades e aldeias que a Europa não conhecia desde a Segunda Guerra Mundial. Todos os dias assistimos aos horrores daquela guerra de invasão que Putin levou e leva a um país soberano e ao sofrimento de uma população inteira.

A visita do Sol em Dezembro, mesmo que por poucas horas, tem o condão de trazer algum calor aos corações, juntando a lembrança dos que partiram à esperança para os que ficam, em especial as nossas crianças, filhos e netos. Afinal este é também o tempo do Natal a chegar, que esperamos seja não o do consumismo desenfreado, mas o da alegria do reencontro das famílias.

E o Sol esteve ainda ligado a uma boa notícia por estes dias. Como sabemos toda a energia que gastamos e que nos é essencial para vivermos tem origem na estrela do nosso sistema planetário que é precisamente o Sol. Fornalha imensa que durante os milhares de milhões de anos da sua existência permite, entre outras coisas, que a vida exista na Terra. O fenómeno natural que tal permite é a fusão nuclear de átomos de hidrogénio em hélio, os elementos que constituem o Sol na sua esmagadora maioria. Há dezenas de anos que cientistas de vários países estudam a possibilidade de reproduzir artificialmente este fenómeno que permitiria a produção de energia em tal quantidade que responderia à totalidade das necessidades da humanidade durante muitos anos. Claro que já existem reactores nucleares a produzir energia através, neste caso, de fissão nuclear de elementos pesados, mas que provoca custos ambientais enormes, dado que o «lixo» radioactivo que produzem demora dezenas de milhares de anos até ficar inactivo, a que acrescem os perigos inerentes às instalações dos reactores. 


Até agora, os estudos e experiências realizadas conseguiam de facto produzir a fusão nuclear e assim produzir energia durante breves instantes mas de forma ineficiente, isto é, o processo gastava mais energia do que produzia. A notícia sensacional da semana passada foi de que, pela primeira vez, um laboratório americano conseguiu realizar fusão nuclear num teste ainda reduzido, mas em que a energia produzida foi superior à gasta no processo. Ainda faltarão muitos anos até haver fábricas que possam produzir industrialmente electricidade a partir de fusão nuclear, mas o caminho para o sonho de fazer surgir pequenos sóis e produzir energia limpa, barata e sem restrições parece estar finalmente aberto.


O Sol com a sua energia que nos parece inesgotável, dando-nos a luz e o aquecimento que permitem a nossa existência, é apenas uma estrela no meio de milhões de outras semelhantes da nossa galáxia que não é mais do que um ponto do Universo do qual nos julgamos o centro. Que a consciência desta nossa pequenez nos ilumine para abandonarmos a inveja, o ódio e todos os nossos grandes e pequenos defeitos, aceitando as propostas de paz e amor como aquela que o menino nascido em Belém há mais de 2.000 anos nos deixou.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 19 Dezembro 2022

Imagens recolhidas na internet

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Évora, Capital Europeia da Cultura 2027

 


Évora é a cidade portuguesa escolhida para ser Capital Europeia da Cultura em 2027.

 

 

 

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Mil vezes parabéns a Évora.

No que a Coimbra respeita, bem, diz o povo que o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. Começar com mentira e acabar a desconsiderar júri em vez de se pedir desculpa aos conimbricenses: foi mesmo muito mau, de princípio ao fim, opinião que já aqui expressei e justifiquei nas devidas oportunidades.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 12 de Dezembro de 2022

Imagem recolhida na internet.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

A SAÚDE E COIMBRA

 


Já lá vai o tempo do saudoso slogan «Coimbra, capital da saúde». Mas que se passe para uma situação que signifique exactamente o oposto é algo que não poderá ser de maneira nenhuma aceite pela nossa Cidade. Contudo, que tal é possível e já pode mesmo ser detectado no horizonte, isso pode.

Coimbra tem um dos cinco Hospitais Centrais do país, estando os outros quatro localizados em Lisboa (dois) e no Porto (também dois). A importância do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra é absolutamente decisiva para a Cidade, bastando para isso recordar que, enquanto a Universidade de Coimbra gere um orçamento anual à volta dos 176 milhões de euros e a Câmara Municipal de cerca de 175 milhões, o CHUC tem um orçamento anual a rondar os 550 milhões. Recordo ainda que o número dos funcionários do CHUC é de cerca de 8.600, o que permite aquilatar da sua importância também na área do emprego, para além das áreas da saúde e económica.

Quase que podemos dizer que o SNS nasceu em Coimbra, dado que daqui foram para o Governo António Arnaut e Mário Mendes responsáveis pela publicação no Diário da República, em 29 de Julho de 1978, do chamado «Despacho Arnaut» que abriu o caminho para o futuro Serviço Nacional de Saúde. Na sua sequência, em 1979, a Assembleia da República viria a aprovar a Lei que criou finalmente o SNS. Claro que a publicação de uma Lei não faz só por si uma estrutura com a dimensão do SNS, pelo que a seguir foram cruciais os papéis dos responsáveis que se seguiram na área governativa da Saúde, designadamente Luís Barbosa, Paulo Mendo, Maldonado Gonelha, Leonor Beleza e Albino Aroso.


O facto de em Coimbra existir o único Hospital Central fora das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto dá à nossa Cidade um papel excepcional no SNS a nível nacional, o que tem sido correspondido com a excelência e a relevância da Medicina praticada em Coimbra ao longo dos anos, certamente devido à ligação com a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.

Contudo, é claramente sentido pelos conimbricenses que a evolução recente do seu hospital principal não tem sido condicente com os pergaminhos históricos. Se analisarmos o que se tem passado nos últimos anos verificamos que o volume de investimento do CHUC é inferior ao registado em 2015. Esta redução é ainda mais expressiva porque, se virmos que o número de funcionários era de 7200 no mesmo ano, concluímos que o acréscimo apenas repõe o nível de serviço correspondente à passagem de 40 para 35 horas semanais. A redução no investimento torna-se, assim, ainda mais chocante, pelo que significa em termos de redução de capacidade de oferta, numa área de intensa, dispendiosa e permanente necessidade de evolução nos equipamentos.

Não fora a oferta instalada à pressa para receber os doentes de COVID durante o período agudo da pandemia e o antigo Hospital Geral (Covões) estaria praticamente esquecido num estranho abandono contrário aos objectivos que ditaram a constituição dos CHUC em 2011 no Governo Sócrates e à prática nos anos que se seguiram à fusão.

A nova maternidade anda ainda pelas promessas, quando o seu processo de construção estava praticamente pronto em finais de 2015; tal como o concurso para a construção/exploração do parque de estacionamento; tal como o alargamento da Urgência dos HUC.

Entretanto, o Governo avança uma nova gestão do SNS criando uma estrutura para a qual, pasme-se, não entrou ninguém de Coimbra, parecendo que o Porto tomou conta da situação. Se já havia anteriormente no ar a sensação de que, a nível nacional, os governos tendem a considerar o Hospital Central de Coimbra como uma excrescência difícil de compreender, já que os hospitais do Porto e de Lisboa seriam suficientes, essa sensação parece tornar-se cada vez mais real. Aliás, lembro-me bem de, num jantar/conferência realizado aqui em Coimbra, o então ministro da Saúde Correia de Campos ter afirmado que os índices habituais não justificavam um hospital central em Coimbra que, no entanto, estava cheio e que ainda por cima havia mais um hospital em Coimbra, o dos Covões, também cheio, o que era incompreensível para ele, que já tinha desistido de perceber como tal sucedia.

Ao contrário do que alguns afirmam, a expansão da oferta privada em Coimbra na área da saúde não é a origem das dificuldades e sim o contrário. É consequência da degradação da oferta do SNS que atira para o privado e para os seguros de saúde imensa gente que até há pouco só conhecia o SNS, em que confiava com inteira razão.

Coimbra deve acordar, também na saúde!

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 5 de Dezembro 2022

Imagens retiradas da internet

 

 

 

terça-feira, 29 de novembro de 2022

ANEMIA SOCIAL

 


As manifestações de jovens a propósito da recente Cimeira do Clima das Nações Unidas COP27 realizada há pouco mais de uma semana em Sharm el-Sheik, no Egipto, arriscam-se a ser apenas mais uma daquelas situações que põem todas as televisões e jornais a correr para o mesmo sítio, sem tratar de mais nada, para logo ser substituída por outra notícia qualquer e cair imediatamente no esquecimento. No caso, claro está, o mundial de futebol no Qatar e toda a nova revolta social à volta do caso, umas vezes verdadeira e outras revelando apenas hipocrisia. Mas as manifestações dos jovens preocupados e mesmo apavorados com as alterações climáticas não deviam ser esquecidas. Claro que alguns aspectos das manifestações foram exagerados ou mesmo despropositados, mas isso não nos devia fazer esquecer alguns aspectos que merecem ponderação.

Desde logo, os jovens reagem, como é próprio da sua idade, a um ambiente social e político de extremo alarme perante as alterações climáticas resultante, tanto de posições de responsáveis políticos e aqui lembro as palavras do Sec. Geral das Nações Unidas António Guterres, como da comunicação social. E foi lamentável ver posições de governantes e responsáveis educativos que mostraram total indiferença pelos sentimentos dos jovens, bem como uma enorme incompreensão: só assim se percebe que um ministro da Economia reúna com manifestantes muito jovens para lhes perguntar por soluções para um problema que existe à escala mundial.

Depois, a preocupação extremada dos jovens com o seu futuro e a própria sobrevivência da humanidade por causa das alterações climáticas é muito semelhante ao que se passou na Europa nos anos 70 e 80 do séc. passado. A Guerra Fria que se seguiu à Segunda Grande Guerra levou cada um dos dois blocos em presença a dotar-se de armamento nuclear capaz de destruir a vida animal e vegetal de vários planetas Terra, incluindo a humanidade. A paz era garantida por um equilíbrio de terror, baseado no conhecimento de que quem começasse a guerra nuclear seria igualmente destruído, porque a resposta do outro lado seria total e automática. Em particular na Europa que se encontrava entre a América e a União Soviética, os dois pólos militares da Guerra Fria, foi crescendo um sentimento de insegurança e até niilismo perante a situação muito fomentado por ideias sociais explosivas surgidas na altura, misturando Marx, Freud e Sartre, fundamentalmente com Marcuse na Escola de Frankfurt. Quando os soviéticos instalaram mísseis SS20 na Alemanha de Leste dita Democrática, os americanos avançaram com a instalação dos seus Pershing, do lado ocidental. E os jovens alemães ocidentais apavorados e manipulados pelas novas ideias saíram para a rua a protestar violentamente sob o lema «antes vermelhos, que mortos».

Mas o alheamento perante os recentes protestos dos jovens tem ainda outro significado. A sociedade portuguesa sofre de uma evidente anemia, uma das consequências da acção do Governo da chamada Geringonça e do actual que lhe sucedeu, que acompanha a descida contínua de Portugal no ranking da riqueza produzida. Os efeitos foram eventualmente acentuados pela pandemia que isolou ainda mais as pessoas. As razões para esta situação serão múltiplas e não será este o local adequado para as tentar identificar. Mas que a doença existe e se espalha, isso é mais que evidente. Cresce o afastamento de muitos cidadãos perante a política e ainda mais pelas instituições, face às regulações sociais impostas pelos que deviam representar as pulsões sociais legítimas mas que se arvoram em vanguardas sociais e políticas. A constante e crescente vaga das chamadas «questões fracturantes» parece não ter fim, inventando-se sempre uma «resposta urgente» para um novo problema social, real ou inventado. O resultado é que parece haver dois países no mesmo território e a esmagadora maioria das pessoas segue a sua vida sem se preocupar com essas questões mas, e isso é que é preocupante, passando a alhear-se do que se passa à sua volta. Só assim se compreende, por exemplo, que num país que se preocupa com todas as minorias por mais minoritárias que sejam, se passem verdadeiros atentados aos direitos e liberdades dos imigrantes que para cá vêm trabalhar nas explorações de agricultura intensiva no Alentejo e Algarve sem que se veja uma indignação, uma manifestação.

Não se pense que os portugueses passaram a ser más pessoas, egoístas, ou que já não são solidários. Não, antes pelo contrário. Mas cada vez vivem mais separados de tudo o que é oficial ou mesmo institucional, organizando as suas vidas longe de quem os força ou quer forçar a alterar os seus sentimentos profundos e modos de pensar.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Novembro de 2022

Imagens recolhidas na internet

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

E ANTÓNIO COSTA TEVE A SUA SEMANA “HORRIBILIS”

 


A propósito de outro assunto e com outros intervenientes, o Presidente Marcelo referiu que os políticos têm dias bons e dias menos bons. Foi nitidamente o que aconteceu a António Costa na última semana.

Ter que deixar cair o seu Sec. de Estado Adjunto nas circunstâncias em que tal aconteceu não foi propriamente algo de agradável e a sua imagem pública sai também muito prejudicada, digamos assim, de forma simpática. De facto, todo o percurso político de Miguel Alves se encontra ligado a António Costa de forma umbilical. Que tenha sido tornado público, essa ligação começou quando integrou o gabinete de António Costa enquanto ministro de Estado e da Administração Interna de José Sócrates. Quando António Costa se tornou presidente da Câmara de Lisboa em 2007, Miguel Alves foi também aí seu adjunto. Em 2009 foi trabalhar para a Geocapital de Stanley Ho (sempre Macau ao longe, para um determinado grupo de políticos). Em 2013 Miguel Alves foi eleito presidente da Câmara Municipal de Caminha, não sem que antes tenha tido uns tantos contratos de assessoria com a Câmara Municipal de Lisboa no valor de mais de 80.000 euros. Há cerca de dois meses Miguel Alves abandonou a Câmara de Caminha e foi para o Governo como secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, cargo até então inexistente, diz-se que para assegurar a coordenação do Governo.

Entretanto a imprensa tomou conhecimento de um estranho contrato celebrado pela Câmara Municipal de Caminha, enquanto era presidida por Miguel Alves, visando a construção de um pavilhão designado por «Centro de Exposições Transfronteiriço» e o nome do sec. de Estado não mais saiu dos jornais. Tudo porque a construção do tal pavilhão nunca avançou, tendo contudo a Câmara de Caminha avançado, isso sim, com um adiantamento de 300 mil euros por conta de rendas futuras. Tudo se tornou ainda mais nebuloso quando o empresário que convenceu a Câmara de Caminha a avançar com aquele negócio, surgiu a público com tretas em currículos académicos e empresariais à vista de toda a gente. Entretanto, o Ministério Público abriu também uma investigação ao negócio.

Apesar disso, António Costa segurou o seu sec. Estado até ao momento em que este foi acusado pela Justiça, num outro processo em que era anteriormente arguido e que não tem nada a ver com o caso do pavilhão. Argumentou sempre que a situação de arguido não era justificação para não exercer as funções governativas e nisso está certo. Mas, para além da Justiça, há algo que todos sabemos dever andar ao lado da legalidade na acção política, que é a pura decência. Como é evidente, António Costa não tem nada a ver com a acção de Miguel Alves na Câmara de Caminha, nem com os processos em que era anteriormente arguido. Mas que o nomeou para o Governo apesar disso e o segurou até ao último dos limites isso é também evidente e é politicamente significativo.


Ainda António Costa não teria recuperado do «affaire» Miguel Alves e surge a publicação do livro «O Governador» do jornalista Luís Rosa, baseado em entrevistas ao antigo Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa. No livro, Carlos Costa dá a sua visão sobre o seu papel ao longo dos dez anos em que dirigiu o Banco de Portugal, fazendo revelações sobre esse período crítico que abrangeu o resgate da «troika» e a crise profunda do sistema bancário com os casos BES, BANIF e BIC, além do sucedido no BCP. Explica ainda ao detalhe por que o PEC IV não resolveria os nossos problemas.

Recordo que Carlos Costa foi escolhido para o Banco de Portugal pelo Governo socialista de José Sócrates, tendo o seu mandato sido renovado por Passos Coelho. No livro, Carlos Costa toma posição sobre alguns assuntos concretos de grande relevância, sendo muito crítico relativamente a algumas actuações de António Costa. Todos nós estamos conscientes do conflito antigo entre Carlos Costa e Mário Centeno no Banco de Portugal, sendo lamentável que isso tenha transbordado para a política governativa ao mais alto nível.

A reacção de António Costa foi demonstrativa do incómodo que as revelações do livro lhe causaram, tenha ou não razão, não sabemos e, eventualmente, a Justiça decidirá sobre a matéria. Mas, politicamente, António Costa não hesitou em classificar o livro como uma operação montada para atacar o seu carácter. E isso mostra, com clareza que, para o Primeiro-ministro, a semana que passou foi mesmo a semana «horribilis» da sua vida política.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 de Novembro de 2022

Imagens retiradas na internet

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

O ORÇAMENTO


 Embora este ano esteja tudo mais calmo porque o actual Governo se apoia numa maioria absoluta no Parlamento, nesta altura do ano é habitual assistir-se a acesas discussões políticas que têm como objecto a aprovação do Orçamento de Estado.

De que se trata? O Orçamento de Estado está previsto na nossa Constituição e é um documento crucial para a governação. Apesar de todos os procedimentos em contrário a que já vamos estando acostumados, como é o caso das cativações, trata-se fundamentalmente de se garantir transparência no que respeita aos impostos cobrados e à forma como são gastos os dinheiros públicos. O Orçamento de Estado, que inclui o orçamento da segurança social, é apresentado pelo Governo à Assembleia da República, assim se garantindo a participação directa dos representantes eleitos pelo povo e é constituído por três documentos: a Lei do Orçamento do Estado, o Relatório descritivo e os Mapas de previsões. Ainda de acordo com a Constituição, «o Orçamento prevê as receitas necessárias para cobrir as despesas, definindo a lei as regras da sua execução, as condições a que deverá obedecer o recurso ao crédito...». Resulta assim da lei que o Orçamento reflecte as prioridades políticas governamentais, sendo analisado e promulgado pelo Presidente da República após a aprovação pela Assembleia da República.

Estes os princípios legais que enformam a elaboração e aprovação do Orçamento de Estado, mas não se deve esquecer que, na sua base, estão prioridades e objectivos políticos, pelo que a discussão da sua substância é não só um direito de cidadania, mas também uma obrigação já que nos diz respeito a todos. Isto porque todos colaboramos para as suas receitas através do pagamento de impostos, além de sermos beneficiários de equipamentos e serviços públicos diversos incluídos nas despesas.

O Orçamento de Estado para 2023 prevê uma despesa de 113.233 milhões de euros. As prestações sociais são a maior fatia com 45.000 milhões, seguida das despesas com pessoal no montante de 27.212 milhões e outras despesas entre as quais 6.257 milhões de juros da dívida acumulada.

Para pagar esta despesa estão previstas receitas no montante de 111.027 milhões de euros de que sobressaem 92.500 milhões de euros de impostos e contribuições sociais para além de outras pequenas receitas diversas e muito aleatórias. O défice continua lá, no montante de 2.207 milhões, a cobrir com nova dívida.


Como suporte das previsões há aqueles pressupostos que, como nas letras pequeninas dos contratos, definem tudo o resto como por exemplo as taxas de juro e o valor da inflação que, se não se vierem a corresponder à realidade, alteram todos os valores dos quadros constantes dos Mapas de Previsão. Os governos podem aqui ser prudentes ou ambiciosos, caindo as consequências sobre a carteira e a vida dos cidadãos. É algo que os portugueses já aprenderam à sua custa por diversas vezes, através da necessidade de resgate externo como aconteceu em 2011.

Por outro lado, é frequente ouvir governantes referirem-se ao Orçamento como uma mera autorização para realizar despesas. Nada de mais errado, já que o Orçamento é um contrato com os portugueses mediante o qual o Governo se compromete a realizar o que lá fica plasmado, com a limitação de custos definida na despesa aprovada. Sendo assim, o recurso sistemático às cativações e a uma permanente execução orçamental deficitária no investimento público pode ser um instrumento financeiro, mas é uma falta de respeito pela lei e pela própria proposta aprovada pelos representantes do povo na Assembleia da República.

O nível de vida dos portugueses é muito influenciado pelos orçamentos de Estado e pela sua execução, ao longo dos anos. Infelizmente, os governantes caem frequentemente na armadilha de querer resolver todos os problemas dos portugueses com recurso ao Orçamento, mesmo aqueles que deveriam ser deixados à sociedade, aumentando desmesuradamente a despesa sem obter os resultados anunciados. É assim que a carga fiscal suportada pelos portugueses é uma canga que retira o dinheiro do investimento privado, tendo como consequências imediatas a falta de capital crónica da nossa economia e um produto muito baixo face às médias dos nossos parceiros comunitários. Mas também os políticos das oposições parecem não conhecer outras propostas para além das que aumentam a despesa, porque se convencem de que assim ganham os favores da população e os consequentes votos. Nada de mais errado, como penso que os próximos anos vão demonstrar.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 14 de Novembro de 2022

Fotografias retiradas da internet

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

As vidas que vivemos, nós e os outros

 


Os primeiros dias de Novembro em que lembramos de forma particular os entes queridos que já partiram têm para muitos de nós, na realidade, uma importância interior a que não podemos fugir. Isto muito para além das flores que, eventualmente, podemos ir depositar junto das suas campas e que só serão importantes se forem um reflexo exterior do que vai nos nossos espíritos. Estes momentos tornam-se-nos cada vez mais impressivos à medida que nós próprios avançamos na idade e, principalmente, quando já estamos na primeira linha e não temos connosco ninguém das gerações que nos antecederam com quem possamos partilhar algo.

E é assim que nos encontramos a fazer auto-avaliação das nossas vidas ou, pelo menos, a relembrar os nossos trajectos pessoais, familiares e profissionais, aquilo que fizemos, o que não fizemos, o que poderia ter sido diferente. Pessoalmente, não sou de pensar em vidas que se poderiam ter tido em alternativa às que se tiveram porque tudo o que fazemos em cada momento condiciona o que se lhe segue e o futuro está sempre em construção, nada estando escrito previamente. Em cada momento da vida há diversas opções a escolher e me parece que só quem não tem consciência dos seus actos e das suas responsabilidades em cada momento pode acreditar em pré-determinações. Tal como nós temos sonhos para os nossos filhos e mesmo para os netos, os nossos pais sonharam também com os nossos futuros, desde o momento em que nos trouxeram ao mundo mas, na realidade, os sonhos não passam disso mesmo e somos, com a excepção daqueles que aceitam deixar-se conduzir, aquilo que nós próprios fizemos de nós.

Quem tem a sorte de ter Fé encontra na vida um rumo com um fim determinado acreditando que no fim desta vida terrena se encontrará o começo de outra vida. Vida essa que, a existir, ninguém sabe exactamente como será porque nunca visitada com regresso. Mas o que nos interessa enquanto cá andamos é a forma como vivemos, fundamentalmente no modo como nos relacionamos com os outros. Quanto a isto o Papa Francisco tem realçado por vários meios o papel essencial da misericórdia que associa indelevelmente à essência divina, mas não deixando de apelar ao conceito para a acção do Homem, em particular em situação de poder, mas também no dia-a-dia pela benevolência e perdão.

Para todos nós que nos preocupamos com o que fazemos ou fizemos ao longo da vida, principalmente quando temos a consciência nítida de que nos aproximamos rapidamente do seu fim, tenhamos ou não Fé, há ainda algo mais que importa que é o respeito pela Verdade. Algo que hoje parece ter deixado de pertencer ao normativo social levado pela enxurrada do relativismo que dá valor a tudo e ao seu contrário, em função apenas do ponto de vista do observador.

E, quando olhamos para trás, vemos claramente como o respeito pela verdade tantas vezes nos levou a tomar decisões possivelmente tidas como injustas ou mesmo erradas pelos outros, levando a sofrimentos e obrigando mesmo a carregar culpas sem sentido ainda que com consequências pessoais pesadas. Mas, como diz o poeta, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não. E, mais tarde ou mais cedo, a plenitude vem ao de cima e como que é possível respirar finalmente ar fresco. É quando parece que tantas peças que pareciam desencontradas começam a encaixar-se e toda uma vida faz sentido, incluindo fases e situações de felicidade e de desgosto, porque que todas elas constituem a experiência vivencial.


Muito mais do que viver a vida, um dia de cada vez como é usual dizer-se, há que respeitar o passado, o nosso e o dos outros, mas tendo consciência de que as nossas escolhas de hoje vão moldar o futuro que queremos para nós, para aqueles de que gostamos e para a comunidade em que nos inserimos. A memória dos nossos que já nos deixaram é uma boa razão para que pensemos na memória que nós próprios deixaremos aos que daqui a algum tempo, só podemos esperar que ainda longo, de nós também já só terão a recordação.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Novembro de 2022

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